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Surdez: relato de mães frente ao diagnóstico

Deafness: the mothers' reports about the diagnosis

Resumos

O objetivo do estudo foi analisar o relato de mães frente ao diagnóstico da surdez de seu filho. Com base em uma abordagem qualitativa, foram entrevistadas dez mães ouvintes com filhos surdos que receberam atendimento especializado por mais de dois anos no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação no estado de São Paulo. Na análise dos dados ficou evidenciado que para todas as mães a notícia da surdez foi um choque. As reações das mães dependeram, na maioria das vezes, do quanto elas já suspeitavam da surdez do filho, de quando e como foi feito o diagnóstico, da maneira com que os profissionais da área médica passaram as informações. Algumas mães apresentaram sentimentos ambivalentes, contraditórios, buscando marcas de normalidade na criança. Outras mães demonstraram, com o tempo, uma boa adaptação à situação de ter um filho surdo, conseguindo integrá-lo em sua vida como um todo.

surdez; sentimentos maternos; diagnóstico; mães


The aim of this study was to analyze mothers' reports about their children's diagnosis of deafness. Based on a qualitative approach, ten hearing mothers of deaf children were interviewed. These mothers and their deaf children had been going to the Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação in the State of São Paulo for two years or more. The data analysis showed that the news that the child was deaf came as a shock to all mothers. Their reactions usually depended on whether they already suspected deafness, on how the diagnosis was proffered, and on the way the medical professionals transmitted information about hearing impairments. Some mothers expressed ambivalent and contradictory feelings, seeking evidence of normality in their children. Others, over time, showed that they had adapted well to the situation of having a deaf child, having been able to integrate him or her into their lives in general.

deafness; motherly sentiments; diagnosis; mothers


ARTIGOS

Surdez: relato de mães frente ao diagnóstico

Deafness: the mothers' reports about the diagnosis

Angélica Bronzatto de Paiva e SilvaI; Maria de Lurdes ZanolliI; Maria Cristina da Cunha PereiraII

IUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

IIPontifícia Universidade Católica de São Paulo

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar o relato de mães frente ao diagnóstico da surdez de seu filho. Com base em uma abordagem qualitativa, foram entrevistadas dez mães ouvintes com filhos surdos que receberam atendimento especializado por mais de dois anos no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação no estado de São Paulo. Na análise dos dados ficou evidenciado que para todas as mães a notícia da surdez foi um choque. As reações das mães dependeram, na maioria das vezes, do quanto elas já suspeitavam da surdez do filho, de quando e como foi feito o diagnóstico, da maneira com que os profissionais da área médica passaram as informações. Algumas mães apresentaram sentimentos ambivalentes, contraditórios, buscando marcas de normalidade na criança. Outras mães demonstraram, com o tempo, uma boa adaptação à situação de ter um filho surdo, conseguindo integrá-lo em sua vida como um todo.

Palavras-chave: surdez; sentimentos maternos; diagnóstico; mães

ABSTRACT

The aim of this study was to analyze mothers' reports about their children's diagnosis of deafness. Based on a qualitative approach, ten hearing mothers of deaf children were interviewed. These mothers and their deaf children had been going to the Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação in the State of São Paulo for two years or more. The data analysis showed that the news that the child was deaf came as a shock to all mothers. Their reactions usually depended on whether they already suspected deafness, on how the diagnosis was proffered, and on the way the medical professionals transmitted information about hearing impairments. Some mothers expressed ambivalent and contradictory feelings, seeking evidence of normality in their children. Others, over time, showed that they had adapted well to the situation of having a deaf child, having been able to integrate him or her into their lives in general.

Keywords: deafness; motherly sentiments; diagnosis; mothers

A perda da audição é comumente considerada, em audiologia pediátrica, como resultado de um ou mais fatores lesivos que afetam o órgão da audição (Northen & Downs, 2005), provocando a surdez. Para a Medicina, a surdez é sempre uma alteração orgânica, que compreende uma parte do corpo que apresenta alteração ou déficit (Tavares, 2001).

Esta forma de ver a surdez é conhecida na literatura como clínico-terapêutica (Skliar, 1997). Nela, a surdez é vista como doença/déficit/deficiência que necessita ser tratada, visando a sua "cura". A "cura", nos casos de crianças que nascem surdas, está relacionada, na maioria das vezes, ao aprendizado da linguagem oral e ao uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI).

Em oposição à concepção clínico-terapêutica, a concepção sócio-antropológica propõe que a surdez seja vista não como uma deficiência a ser curada, eliminada ou normalizada, e sim como uma diferença a ser respeitada; e o sujeito surdo como pertencente a uma comunidade minoritária que partilha uma Língua de Sinais, valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios (Skliar, 1997).

Independentemente da concepção de surdez que se adote, o diagnóstico da surdez para a família é desestruturador e faz com que esta enfrente um desafio único.

Carvalho (2000) afirma que

não é difícil pressupor que o fato de alguém da família ser identificado por critérios objetivos, médicos ou educacionais, como surdo, constitui-se numa experiência que marca tanto a criança como a família, e que pode alterar o funcionamento intersubjetivo de todos, na medida em que tal diferença impõe, de forma imprevista e definitiva, a perda para sempre da ilusão do filho perfeito. (p. 69)

Considerando a expectativa dos pais em relação à criança idealizada, estes reagem ao nascimento do filho deficiente como uma situação de frustração; ou seja, a reação inicial depende da situação psicológica que antecede ao nascimento da criança e, principalmente, de como era a interação do casal e o "clima emocional" antes do evento frustrador.

O primeiro ajustamento que se faz necessário após o diagnóstico da deficiência é do sentimento de perda. A família tem que lidar com a "morte" do bebê perfeito, da criança sonhada (Petean, 1995).

Luterman (1979), ao se referir especificamente à surdez, afirma que, por não ser visível ao nascimento, os pais começam a suspeitar de que algo está errado um pouco mais tarde. Em um primeiro momento, apresentam uma reação inicial de descrença, sendo resistentes em pensar que qualquer coisa possa estar errada. Pode aparecer algum mecanismo psicológico, segundo o autor, como a negação, em que a mãe ignora a observação da criança que falha ao responder à sua voz, e interpreta qualquer movimento da criança como resposta à sua voz ou ao som; ou como a racionalização, na qual os pais crêem em alternativas fictícias que substituam a dor realista, buscando explicações para fatos observados, como a criança ouve o que quer ouvir, ou justificam o fato da criança não estar falando com a história da família de "falar tarde".

Os pais começam inconscientemente a testar a criança, o que é, no entanto, difícil, porque raramente a surdez é total; e, como toda pessoa surda tem uma audição residual, a criança também pode responder à vibração, ao estímulo visual, ou à pressão do ar criada pela batida de objetos barulhentos, dando pseudo-respostas.

Quando percebem que a criança tem algo de errado, passam a fazer luto ou a lamentar a perda, a fantasia de um filho perfeito e procuram o especialista para realização do diagnóstico.

Luterman (1979) descreve as reações que os pais de criança surda experimentam imediatamente após receber o diagnóstico. Em um primeiro momento a reação é de choque, caracterizada por um divórcio de si mesmo frente à situação de crise. O segundo estágio é o de reconhecimento, em que os pais reconhecem a calamidade da situação e começam a admitir a situação emocional. No entanto, pode aparecer alguma reação, como os pais se sentirem oprimidos e inadequados para a tarefa de criar um filho surdo, e/ou o sentimento de confusão total, por não compreenderem muitos termos e procedimentos desconhecidos em um curto período de tempo, o que pode levá-los a uma reação de pânico. Outros sentimentos podem emergir nesse estágio, como raiva, depressão, culpa e a superproteção.

Após esse estágio de lamentação, alguns pais podem entrar em um período de reação defensiva ou negação, no qual freqüentemente embarcam numa aventura para obter diagnósticos otimistas e ficam procurando mais uma opinião.

No quarto estágio (admissão-aceitação), os pais admitem a surdez e suas limitações, podendo chegar ao estágio final, que é o de construção ativa ou adaptação. Nesse estágio os pais reestruturam suas vidas e reexaminam seus sistemas de valores.

Luterman, Kurtzer-White e Seewald (1999) afirmam que a peça chave para o aconselhamento é trabalhar com a auto-estima da família, especialmente da mãe, porque é ela que, geralmente, assume a responsabilidade pela educação da criança na maioria das famílias. Os autores relatam que, se a mãe é fortalecida em sua auto-estima, geralmente terá uma criança bem sucedida, por isso o empenho clínico precisa ser dedicado ao aumento de autoconfiança da mãe. Referem que, no início do aconselhamento aos pais, logo após o diagnóstico, é importante começar trabalhando com a mágoa. Dizem que o processo de mágoa é associado à crise de identidade, ou seja, os pais devem assumir uma nova identidade, a de um pai de uma criança surda e, no processo, eles devem abandonar as noções que têm deles mesmos como "pais normais". Isso gera sentimentos muitos fortes, mas é uma experiência única em cada pai. Eles respondem de diferentes maneiras à surdez do filho.

Marchesi (1995) afirma que a atitude dos pais em relação à surdez do filho e a forma como enfrentam esta situação constituem fator importante que terá uma grande influência nas relações que serão estabelecidas entre eles (pais/filho). O diagnóstico da surdez é, certamente, um fato extremamente doloroso para os pais e gera não somente sentimentos de tristeza, mas também de ansiedade e insegurança diante do desconhecimento das conseqüências futuras da perda auditiva. Além disso, a grande maioria dos pais de criança surda é ouvinte, e, por isso, desconhece completamente as repercussões da surdez.

Luterman et al. (1999) referem o sentimento de raiva que surge nos pais logo após o diagnóstico. Dizem que a maior fonte de raiva é a violação das expectativas. Nos pais de crianças surdas, a expectativa é inicialmente destruída por não terem tido a possibilidade de ter um filho "normal" e, depois, quando não encontram a cura para a surdez. Desta maneira, os pais sentem uma perda de controle, que se traduz em perda de liberdade pessoal, muitas vezes tendo que desistir de sonhos pessoais e profissionais por causa da surdez.

Boorstein (1996) comenta que a origem de toda raiva é o medo, e o medo comum que os pais de crianças surdas sentem se expressa nos seguintes questionamentos: Meu filho falará? Meu filho será independente? Meu filho será educado?

Após o diagnóstico, Buscaglia (2002) relata que não existe uma forma única de a família encarar o problema, diz que há muitos padrões de reação às emoções. Os processos podem variar, ou seja, em um extremo haverá aqueles pais que se darão conta de imediato de que nada pode ser feito a respeito do problema, e que esse é real. Assim aceitarão a dificuldade como algo inevitável e, de uma maneira realista e equilibrada, a encararão de frente, como fizeram em situações anteriores de tensão. Escolhem alternativas para conviver com o problema, buscando modos novos e construtivos para lidar com o desespero inevitável. No outro extremo, estão os pais que passarão a vida lamentando, com auto-piedade, sentindo-se perdidos, incompreendidos e não-amados, num isolamento auto-imposto. A maior parte dos pais de crianças surdas se encontrará em algum ponto entre os dois extremos ou talvez oscilando entre um e outro.

Behares (1993) afirma que a criança surda que nasce em um meio ouvinte enfrenta, desde o nascimento, uma rede de construções identificatórias, prefiguradas pelas expectativas de seus pais, os quais, naturalmente, esperam que ela também seja ouvinte.

Dessa forma, para o autor, o processo de socialização da criança surda com pais ouvintes é conflituoso desde seu início. O conhecimento da surdez em uma criança supõe um longo processo de estabelecimento de um diagnóstico e um processo ainda mais prolongado para que os pais elaborem sua frustração e comecem a aceitar a criança diferente do imaginado. Estes processos são extremamente complexos e interferem no modo como os pais e especialistas vão construir uma determinada imagem social do que é a surdez e do que é a criança surda.

Método

Considerando a importância do processo do diagnóstico para a relação mãe-criança, procedeu-se a este estudo qualitativo, que teve como objetivo conhecer as reações que mães ouvintes experimentaram diante do diagnóstico de surdez do filho.

Participantes

Dez mães ouvintes com filhos surdos que freqüentavam atendimento especializado no Centro de Estudos em Pesquisa e Reabilitação do Estado de São Paulo, há pelo menos dois anos, tomaram parte no estudo. O número total de participantes não foi previamente definido, sendo que na décima entrevista verificou-se que alguns dados já estavam repetitivos e considerou-se que já havia um número suficiente para se alcançar os objetivos propostos para a pesquisa. As mães participantes apresentavam, na época do estudo, em média, 34 anos de idade, sendo que metade delas tinha ensino fundamental e outra metade, ensino médio. Apenas quatro mães trabalhavam fora de casa e a renda per capita das famílias girava em torno de um a dois salários mínimos.

Em relação às crianças, cinco tinham entre quatro e seis anos e freqüentavam a pré-escola regular e as outras cinco tinham entre sete a dez anos, freqüentavam ensino fundamental regular.

Quanto ao diagnóstico, seis crianças apresentavam surdez profunda; duas, surdez severa; e duas, perda moderada em uma orelha e profunda em outra.

Em relação à etiologia, em quatro crianças a surdez teve origem genética e em cinco, foi adquirida, sendo duas pré-natais, três peri-natais e uma de causa indefinida. Estes dados podem ser mais bem visualizados na Tabela 1.

Procedimentos

Os dados foram obtidos por meio de entrevista individual e semi-estruturada com as mães, após explicação do estudo e obtenção do consentimento livre e esclarecido, segundo Resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade em que os pesquisadores estão inseridos.

A entrevista foi gravada com equipamento de áudio-cassete, sendo que para este estudo foram analisados os seguintes tópicos: quando, como e quem suspeitou que o filho não ouvia, quando foi feito o diagnóstico da surdez e quais as reações ao saber da surdez.

Nesta pesquisa utilizou-se o método qualitativo, e o resultado nesse tipo de estudo é a própria fala das participantes. É por meio da análise dessa escuta que se chega ao tratamento dos dados, isto é, à inferência e à interpretação, sendo que neste estudo foi utilizada a abordagem hermenêutica, ou seja, buscou-se compreender o sentido que as mães dão na sua comunicação, por intermédio de autores que discutem as reações de pais diante de um diagnóstico de surdez.

Resultados e discussão

A análise dos dados das entrevistas evidenciou que, antes de obter o diagnóstico da perda auditiva, a maioria das mães passou por um período de suspeita de que algo não estava caminhando bem. Quatro delas (M2, M8, M9, M10) desconfiaram de que seu filho não ouvia, como referem:

Eu percebi por causa do rádio relógio que despertou, eu estava trocando ela e despertou, um barulho assim e ela não assustou. (M2)

Eu ia fechar a janela e a janela batia, eu pensava nossa, ela vai acordar, e ela não acordava com o barulho [...], nenhum barulho despertava ela. (M8)

Eu estava saindo da casa da minha mãe, isso no mês de junho e aí um menino na rua soltou uma bomba e ele nem reagiu, eu assim me assustei e ele continuou dormindo e aí eu falei para o meu marido esse menino não ouve, ele é surdo. (M9)

No momento em que os pais desconfiaram que a criança não ouvia, a maioria deles passou a testar a audição dos filhos para verificar se suas suspeitas eram verdadeiras.

A mãe 10 relatou que:

Tive rubéola na gravidez, então quando ela nasceu eu já fiquei espertinha, principalmente quando eu estava sozinha. Eu começava a fazer barulho e eu percebia, assim, que ela não me acompanhava. E quando estava perto de mim no carrinho, comecei a bater as coisas. Nada assustava ela, nada. Ela dormia muito assim, eu ligava o som e não acordava. (M10)

As mães das crianças 4 e 6 tinham caso de surdez na família e, assim, sabiam que havia a possibilidade de suas filhas também terem a perda, mas, mesmo assim, realizaram testes caseiros: "a gente tentava fazer aqueles testes rotineiros, parece que respondia, mesmo sendo pequenininha, coisas assim sons altos parece que respondia" (M6).

Na fase de desconfiar, testar, algumas mães mostram-se resistentes a pensar que qualquer coisa possa estar errada, podendo aparecer o mecanismo psicológico de negação, em que os pais ignoram a observação da criança que falha ao responder à sua voz ou som e interpretam qualquer movimento da criança como resposta, como refere Luterman (1979). A mãe 1 desconfiou que sua filha poderia ter algum problema, por não estar falando com 1 ano e meio, pois o seu outro filho nessa idade já falava tudo. Ela referiu que seu marido comentou:

não, isso é coisa da sua cabeça, porque tem criança que demora, então daí eu comecei a fazer os testinhos, fazer barulhinhos, às vezes ela chorava e eu falava mamãe já está indo e nada, quando ela me via que ela parava de chorar, né; aí eu sempre comentando, mas a gente vai se enganando, a gente vai achando que não é, que não é.

Também a mãe da criança 5 suspeitou que algo poderia estar errado porque seu filho com 1 ano e 9 meses não falava. Porém neste caso, como a criança não tinha uma perda profunda, ela respondia aos sons, além de ter história na família de "falar tarde", como comenta:

ele já estava com 1 ano e 9 meses e ele não falava, mas ele respondia todo qualquer barulho e eu não fazia a menor idéia, aí com 2 anos eu falei eu vou levar porque até então a pediatra, ninguém tinha falado nada, olhava que era normal, e como tinha caso na minha família, meu irmão e a irmã do meu marido terem falado só com 5 anos, a gente ficou dá um tempo, deixo eu ver, se completar 2 anos e ele não conseguir estar desenvolvendo a fala, eu vou levar sim em alguém que possa estar olhando.

Apesar de haver uma suspeita por parte das mães, ela é despistada, como comenta Luterman (1979), por outros comportamentos da criança, e a família utiliza mecanismos psicológicos, como a racionalização, que leva as pessoas a acreditarem em alternativas fictícias, como tios falando tarde, adiando, assim, a necessidade de uma investigação melhor.

Diferentemente das outras mães, a 3 e a 7 não suspeitaram de nada. A mãe 3, da mesma maneira que a mãe 5, estava preocupada com o fato de o filho não estar falando, apesar de ter completado 4 anos, porém não desconfiava da surdez. Ela relata: "eu ficava preocupada, eu ligava para minha mãe e para minhas amigas e elas diziam espera, tem meu filho que foi conversar com 5 anos, eu ficava nessa esperança". Mas, de tanto ouvir de outras pessoas o questionamento do seu filho não estar falando, resolveu levá-lo ao pediatra, que comentou que o comportamento do menino era por ser mimado, disse "que eu estava mimando, mas ele ia falar", sem manifestar qualquer desconfiança de que ele poderia não estar ouvindo bem.

Um dos motivos da demora em desconfiar que a criança não está ouvindo bem é o fato de que não são todas as crianças que têm uma perda auditiva profunda. Quanto maior for o resíduo auditivo, mais difícil é constatar que a criança não está ouvindo, uma vez que a resposta a sons mais fortes e graves acaba mascarando a incapacidade da criança em compreender os sons da linguagem falada.

Com a mãe 7, o processo foi totalmente diferente porque no hospital em que a criança nasceu era rotineiro fazer o exame de emissões otoacústicas, principalmente nos bebês nascidos prematuramente e com intercorrências neonatais. No entanto, no caso desta criança, não conseguiram realizar o exame na maternidade. A mãe retornou e, como não deu certo novamente, a fonoaudióloga encaminhou para realizá-lo em uma clínica. Nesse ínterim, as sobrinhas da mãe perceberam que o bebê não assustava com barulho, mas a mãe não suspeitava de nada.

Em relação ao diagnóstico propriamente dito, mais da metade das mães (2, 4, 6, 7, 9, 10) teve a confirmação da surdez de seus filhos antes de eles completarem 1 ano de idade; a maioria em torno de 5 meses. Para a realidade brasileira, esses diagnósticos ocorreram precocemente; no entanto, cabe ressaltar que em dois destes casos, por haver pessoas surdas na família, as famílias estavam fazendo acompanhamento com médico geneticista e foram informadas sobre a probabilidade da surdez. A confirmação ocorreu após o nascimento da criança 6, que é 4 meses mais nova que a criança 4 (são primas maternas).

O diagnóstico precoce é um dado que não é comumente relatado na literatura nacional, segundo a qual o diagnóstico das alterações auditivas ocorre tardiamente, por volta dos três ou quatro anos de idade (Nakamura, Lima & Gonçalves, 2000).

As mães 1, 5 e 8 obtiveram o diagnóstico de surdez de seus filhos entre 1 ano e meio e 2 anos, apesar de terem suspeitado antes. Falavam de suas suspeitas ao pediatra, mas este as acalmava, como relata a mãe 5:

quando eu conversava com a pediatra que ele estava demorando muito para falar, que ele só resmungava "mama", "papa", não conseguia falar mamãe, papai, não conseguia falar assim, ela fazia aqueles barulhos e ele virava procurava os sons, e ela achava que era, que ele estava com um pouco de preguiça, dizia: "deixa ele se desenvolvendo", mas ela também, ela nunca teve uma suspeita.

Da mesma maneira ocorreu com a mãe 8, que refere: "levava constantemente ao pediatra, que dizia: 'ela está novinha ainda, tem que esperar pelo menos uns seis meses, porque às vezes o desenvolvimento dela é mais lento mesmo, porque ela é prematura, nasceu desnutridinha tal e foi ficando assim'".

O fato de algumas crianças não terem tido antes o diagnóstico da surdez se deveu à não suspeita do pediatra, que tranqüilizava a mãe em relação às suas dúvidas. Lima, Boechat e Tega (2003) referem que a surdez, por ser um problema não-visível, com sintomas e sinais vagos, acaba passando despercebida em um exame clínico de rotina, e o uso de pistas visuais pela criança confunde a avaliação das respostas aos sons.

Este fato ocorreu com a criança 1, que foi encaminhada para o otorrinolaringologista somente quando a pediatra constatou que ela não se assustou com um barulho que aconteceu na sala. A mãe comenta: "por coincidência, caiu uma régua, daquela régua de medir nenê; caiu, eu assustei, a médica assustou e ela nem tium".

Apenas a criança 3 teve o diagnóstico tardio, com 4 anos, ocorrendo a suspeita somente quando apareceu um atraso significativo no desenvolvimento da linguagem.

No momento em que os pais têm a confirmação do diagnóstico, o impacto pode ser maior, dependendo do quanto eles estavam suspeitando de que algo estava errado com relação à audição de seu filho. Concomitantemente a esse impacto, surge uma série de reações emocionais frente a um evento não desejado.

A maioria das mães entrevistadas referiu que, em um primeiro momento, a reação foi de choque. Esta reação é confirmada na literatura. Luterman (1979) descreve que, imediatamente após receber o diagnóstico, a reação dos pais da criança surda é de choque, caracterizado por um divórcio de si mesmo frente à situação de crise.

As mães expressaram seus sentimentos da seguinte maneira:

O mundo desabou sobre minha cabeça. (M1)

Foi um choque, [...] não foi tão desesperador, porque como da primeira filha que fiquei muito desesperada. (M4)

Fiquei sem chão na hora. (M5)

Para mim, na hora, parece que não desceu; parece que não caiu a ficha na hora, pra mim foi com o tempo. (M6)

Não chorei nada; mas nossa, senti um buraco. (M10)

Após o choque inicial, todas as mães reconhecem a calamidade do diagnóstico e apresentam reações diversas. Seis delas (1, 4, 6, 8, 9, 10) relatam que choraram muito, como refere a mãe 10:

Nós fomos para casa, aí não sei, eu me senti perdida, assim, tão perdida. Aí eu chorei muito, eu queria ficar sozinha. Chorei, chorei muito, acho que chorei o dia inteiro, assim; e o meu marido dormiu o dia todo, nem foi trabalhar.

Ao mesmo tempo em que experienciaram sentimentos de tristeza, ocorreram pensamentos de preocupação, insegurança em relação ao que poderiam fazer, ou ao que seria de seus filhos. Como referem:

E agora o que é que eu faço, como é a vida de um surdo, é normal, não é normal? (M1)

Eu olhava pra ela, assim, imaginava como ia ser, como ela ia crescer; como a gente ia, sei lá, conseguir lidar com ela, conversar com ela e chorava [...]; não fiquei lamentando muito dela ser surda. (M6)

O que será da B, meu Deus, o que ela vai aprender [...], porque até então eu não tinha conhecimento de nada. Não sabia que eu podia ensinar muita coisa pra ela através de sinais. Então, sentimento assim, de: "Meu Deus, o que ela vai ser e o que eu vou fazer?" (M10)

O relato dessas mães revela o sentimento de tristeza, a manifestação de pesar e a expressão de preocupação em relação ao futuro dos filhos.

Luterman (1979) diria, com base nos relatos das mães, que elas estão no segundo estágio, que ele denomina de reconhecimento, no qual os pais reconhecem a calamidade da situação e começam a admitir a situação emocional, e uma série de sentimentos emerge. A mãe 5 refere que ficou angustiada ao saber do diagnóstico e sentiu-se culpada.

Petean (1995) refere que muitos pais têm uma preocupação de que eles tenham sido os causadores do problema. Atos passados ou presentes tendem a emergir juntamente com os sentimentos de auto-recriminação e remorso. Os pais sentem que estão sendo punidos por alguma falta grave que cometeram e por isso o "castigo". A mãe 5 refere:

Eu tive uma reação um pouco estranha, eu fiquei baqueada com a médica, sabe, assim na hora que ela falou, o jeito que ela falou, assim, achei que ela foi muito grosseira assim no jeito dela falar, e me deixou sem esperança nenhuma que eu pudesse estar fazendo alguma coisa, que eu pudesse estar ajudando ele, se tinha cirurgia, se tinha aparelho, e quando ela falou do aparelho ela já colocou logo obstáculo que é muito caro o aparelho [...]; eu não fiquei revoltada, você fica angustiada, sei lá, uma coisa estranha, a gente fica, se sente culpada [...] eu me sentia culpada por não ter tido capacidade de ter gerado um filho até o nono mês [...] eu perguntei sabe, pelo amor de Deus, só por que eu queria tanto, aí só que eu já pensei, minhas irmãs que eram solteiras e não queriam engravidar tiveram filhos maravilhosos, por que tinha que ser comigo que planejei, planejei?

Como se pode notar no trecho dessa entrevista, a reação de raiva é transferida para quem dá a notícia.

Petean (1995) refere que, em substituição ao sentimento de negação, quase sempre aparece a raiva. Há uma necessidade de responsabilizar alguém ou algo pelo que aconteceu, pelos sonhos e planos desfeitos. A raiva pode se propagar em todas as direções, sendo que o mais comum é que atinja o profissional que está fazendo seguimento da criança ou aquele que deu a notícia da perda de audição.

Na maioria das vezes os pais se queixam da forma como foi dado o diagnóstico, justificando, assim, os sentimentos que experimentaram diante da notícia. Por outro lado, um número grande de profissionais da área da saúde admite não ter preparo psicológico para dar a notícia de que a criança é deficiente, pois no momento também emergem seus próprios sentimentos e muitas vezes o profissional ameniza, dando falsas esperanças, ou acaba sendo extremamente realista e pessimista quanto ao prognóstico da criança.

Outra reação dos pais frente ao diagnóstico é o apego ao aparelho auditivo, nutrindo a ilusão do filho ouvinte. Assim, em relação ao aparelho, a mãe 5 relatou que a médica não deu esperanças, advertindo-a em relação ao custo elevado do mesmo, o que não aconteceu com as mães 2 e 8. A mãe 8 refere:

aí falaram do aparelho, que tinha um aparelho que aproveita os restos auditivos. Ela poderia vir a falar e tudo. Aí, assim ficou naquela coisa do aparelho, porque o aparelho que ia fazer ouvir. Então ficou naquela empolgação para comprar [...] acho que o pior foi depois que colocou o aparelho, você vê que não é assim. Colocou, ouviu, né, não é bem assim.

A decepção dessa mãe é esperada, pois, diante de um problema orgânico, a busca de ajuda, em um primeiro momento, sempre vai estar pautada na tentativa de erradicação da deficiência. E, no caso da surdez, a expectativa recai no aparelho de amplificação sonora, como se o aparelho fosse trazer de volta a audição.

Marzolla (1996) refere que é doloroso para os pais tomarem contato com a irreversibilidade da lesão, daí a busca incessante da cura à custa de recursos científicos e não científicos, por exemplo, milagres. Decorre disso a expectativa de que o aparelho de amplificação sonora individual opere tal milagre.

Carvalho e Pereira (1993) afirmam que muitos pais se decepcionam ao constatar que o aparelho auditivo não realiza o desejo de ver o seu filho sendo ouvinte.

Ainda em relação à reação diante do diagnóstico, a mãe 3 relatou que ela não ficou desesperada com a notícia da surdez. Ela relata: "Na hora eu fiquei surpresa, mas depois concordei, não pude fazer nada [...] fiquei triste, mas chorar, eu não chorei, não; falei seja o que Deus quiser [...], entreguei para Deus".

Muitas pessoas, em momentos difíceis, traumatizantes, se apegam à sua religião, como uma forma de amenizar o sofrimento e poder compreender o que está acontecendo.

A mãe 10 também se apegou à religião e recorreu a Deus para ajudá-la a escolher o melhor caminho a seguir, como refere:

Pedia a Deus para me iluminar o melhor caminho para fazer, porque realmente eu não sabia nada, nada. Eu não sabia nem o que fazer, aí eu não via a hora de chegar o dia pra vim conversar com alguém [...] eu já pus o pé no chão rápido.

A mãe comenta que passou um período de 4 meses de muita ansiedade, dos 5 aos 9 meses, pois começou a usar o sinal em casa com a filha, mas não via retorno, até que finalmente percebeu que estava no caminho certo. Ela relata:

Quatro meses. Assim, eu fazia, mas meu Deus será que é isso?, sempre assim, fazendo, mas será que é isso mesmo? Será que está certo o sinal?[...] daí que a B começou a dar o retorno e entendimento, eu via que ela me entendia, nossa, a melhor coisa que eu fiz e faria tudo de novo.

Observa-se, no dizer da mãe, que no início ela teve sentimentos de ansiedade e insegurança em relação a seguir as orientações quanto ao uso dos sinais, mas, no momento em que percebeu que a filha estava entendendo alguns deles, se sentiu segura quanto ao caminho que estava trilhando.

Reação muito diferente teve a mãe 7. Como a mãe 3, ela não lamentou o diagnóstico, porém não se apegou à religião e demonstrou ter amenizado bastante as limitações impostas pela surdez, devido à confusão que fez em relação à explicação que o médico deu do exame audiológico realizado. A mãe entendeu que sua filha tinha 20% de perda de audição, e dessa maneira ela ouvia bastante, 80%. Essa confusão em entender a perda auditiva parece ser muito mais freqüente do que se encontrou nesse estudo. Parece que é importante para as mães quantificarem a perda e o resíduo em porcentagem para ter uma idéia mais concreta do quanto seu filho ouve. No entanto, os resultados dos exames audiológicos são baseados na menor intensidade que o indivíduo percebe a 50% dos estímulos para cada freqüência avaliada. Dessa forma, atualmente não é comum se fazer correspondência entre decibéis que a criança responde e porcentagem de audição.

A mãe 7 refere:

a minha reação primeiramente não foi de desespero, porque eu já vi casos muito piores, coisas assim que realmente não sei se eu agüentaria, do que a surdez, porque eu vejo duas pessoas se dando tão bem sendo surdas, então não achei assim aquela coisa, ah meu Deus porque, não, sinceramente eu nem questionei isso [...] no dia a dia a gente vê, vejo pessoas que nascem que não andam, ficam em cima de uma cama, dependendo disso, dependendo daquilo, é cheio de aparelho, então é, minha filha é saudável e desde pequenininha ela sempre foi, sabe, independente da surdez, ela é uma criança normal e sempre eu vi ela desse jeito. Pra mim, eu não vejo defeito, de tanto que a gente tá conversando com ela, ela sai conversando com você normal porque ela entende o que tá falando.

Quando a mãe compara a surdez da filha com outros problemas mais graves, acaba minimizando a surdez, o que a impede de seguir as orientações dadas. Parece que a representação que esta mãe faz da surdez é de que não é nada perto de coisas piores e que também não precisa fazer nada.

Diferentemente do que ocorreu com todas as outras mães, a 2 não se permitiu sentir tristeza ou lamentar. Ela refere:

Sofrimento eu não vou falar que não teve, mas eu, no meu caso, como eu vejo muitas mães que têm aquele choque, depressão e tudo, comigo não aconteceu isso, então foi assim, agora, peguei lá (referindo-se ao diagnóstico), senti né, porque toda mãe sente, quer que o filho seja perfeito, senti, mas tem que encarar e tem que ter força [...] eu nem chorei porque eu acho que a deficiência auditiva eu pude entender que não é assim aquela coisa, ela tem outros meios de comunicação [...] não entrei em desespero e graças a Deus eu não entrei em desespero então não precisou de tanta coisa [...] a gente foi procurar o melhor para ela, porque não adiantava nada que eu acho, eu pensava assim, se eu entrar em desespero e ficar me lamentando vai ser pior para ela, eu não vou estar ajudando e era o momento de eu ajudar, então eu sempre pensei assim que eu tinha que ajudar então não podia me desesperar, então comigo não teve problemas, eu aceitei, é lógico que a gente tem, se eu falar que não tem esperança, eu tenho esperança, eu nunca perco a esperança que ela vai falar normal, eu sei que é só por um milagre de Deus, mas eu acredito que ela vai falar, ela está soltando algum sonzinho assim falando, a gente tem esperança, mas a gente tem que ver o melhor para ela.

No trecho da entrevista dessa mãe, notam-se sentimentos confusos e ambivalentes. Parece que o problema maior foi o fato de ela não ter podido chorar a perda da filha perfeita. Observa-se uma tentativa de racionalização no relato da mãe, quando ela relata que a deficiência auditiva não é tão grave, que existem outros meios para se comunicar além da fala e afirma que aceitou a surdez. Contudo, a emoção contrapõe-se à razão quando refere que não perde a esperança da filha falar normalmente.

Buscaglia (2002) refere que alguns pais fingirão alegria e bem-estar, querendo provar à família e aos amigos que são fortes e estão preparados para o que vier, que amam o filho, independentemente de sua incapacidade, e que a vida para eles seguirá em frente. Contudo, esses pais estão sufocando a sua dor, o seu desespero, tentando manter sob controle as suas lágrimas. Na realidade, esses pais estão passando por um período de inércia emocional, de existência robotizada.

Analisando o relato das mães, nota-se que todas se referem à tristeza e cada uma parece buscar uma explicação em algum lugar para aliviar o seu sofrimento.

Petean (1995) afirma que é importante e terapêutico que os pais chorem a perda do filho esperado, que se permitam um tempo de luto pela "morte" do filho sadio para que possam aceitar este outro filho. Na medida em que os pais conseguem superar o sentimento de "perda" é que será possível ver a criança e não somente a deficiência.

Miller (1995) refere que há duas definições de aceitação. A primeira é "receber de bom grado e sem protestos: perceber como apropriado e condizente" (p. 98). É uma definição questionável, diz a autora, argumentando porque os pais deveriam aceitar aquilo que todos os outros em nossa sociedade entendem como inaceitável. O segundo significado para aceitação é "admitir a existência da situação, digerí-la e conviver com ela, da melhor maneira possível" (p. 99). Dessa maneira, os pais devem aceitar a criança (mas não a sua deficiência) de bom grado, reconhecer que o filho tem necessidades especiais, absorver isso (digerir), aturar a deficiência e lidar da melhor forma possível com a situação.

A maioria das mães que passou pela fase de tristeza consegue admitir mais rapidamente a surdez de seu filho e suas limitações e vai à busca do que fazer para trabalhar com a surdez do filho. Isso não quer dizer que todas aceitaram plenamente a surdez e suas conseqüências, principalmente o efeito disso em suas vidas. Verifica-se que apenas uma das mães entrevistadas relata que não esquece que sua filha é surda. Outras mães afirmam que até esquecem que a filha é surda, demonstrando, assim, não terem conseguido se adaptar de fato à surdez do filho.

A mãe 10, a única que comentou que não esquece que a filha é surda, relata:

Eu não esqueço nenhum momento que ela é surda, mas antes de ser surda ela é minha filha, sabe? Então, assim, pode se dar educação, ensinar cultura, princípios, valores, dá para fazer sabe. Ela é tua filha entendeu? [...] eu acho que depois que você tem aceitação, eu acho que a aceitação é primordial, [...] eu não tenho esse sentimento de "queria que ela fosse". Não. Eu amo tanto ela do jeito, assim, aceito de coração o jeito que ela é, tenho o maior respeito por ela [...] então eu acho assim, que essa orientação é muito importante, mas se o pai não fizer ou a mãe não fizer, não adianta nada você vim aqui, ficar ouvindo a orientação. Tem que arregaçar a manga e fazer mesmo.

A mãe afirma que a aceitação da surdez é um sentimento primordial e ressalta a importância de uma orientação nesse processo.

Diferentemente da outra mãe, que refere que até esquece que a filha é surda, a mãe 2 relata:

Eu às vezes até esqueço que ela é surda, então não tem como esquecer porque é uma luta, tem que trazer para cá, ir para lá, é cansativo para ela, mas assim no dia-a-dia, no final de semana quando a gente passeia assim, ela é normal, ela está brincando lá, eu chamo ela, eu grito ela, até esqueço que ela é surda, chamo ela alto, para ver se ela ouve, daí eu lembro, tenho que ir lá.

O relato nos mostra que a mãe parece estar o tempo todo em conflito, e busca marcas de normalidade, mas esbarra nas dificuldades.

Aceitar de fato a surdez parece ser muito difícil, é o que comenta a mãe 1: "Ninguém queria que ela fosse assim, porque não é fácil, não é fácil, você aceitar". Ou a mãe 4, que admite que, ainda hoje, mesmo tendo duas filhas surdas, não consegue aceitar. Ela refere:

Eu falo, eu não consigo aceitar, assim pra mim ainda acho que é um, é aquela pergunta, ainda me pergunto por quê? Sabe, eu acho que vou passar minha vida inteira com isso, porque até agora eu não consegui, tem mães que falam eu vejo defeito, eu nem vejo defeito, eu não vejo como um defeito, mas eu queria, eu acho assim elas tão perfeitas, sabe assim, meu jeito de pensar, eu guardo isso comigo, eu falo assim, eu faço tudo em nome da surdez mas ainda eu queria que fosse ao contrário entende. Pode parecer meio paranóico da minha cabeça, mas é assim que eu penso, não tem como eu tirar.

Observa-se nessa mãe uma luta interna, conflitos em relação à surdez das filhas. Ela refere: "eu vejo as pessoas falam é surda, mas aonde é surda [...] se ninguém falar ninguém percebe, [...] você acaba analisando tanto outros defeitos que tem por aí e minhas filhas são perfeitas".

Acaba declarando seu sofrimento, quando se depara com crianças que falam. Ela comenta:

tenho uma vizinha que a menina dela está com 3 anos e escuto ela conversando com a filha e eu já não posso, não é a mesma coisa, eu converso mas não é a mesma coisa, sabe, não sei se você está entendendo [...] eu quero tampar meu ouvido para não estar ouvindo aquilo, eu queria estar passando por aquilo, porque duas, se pelos menos a segunda, eu não tive essa experiência com ouvinte, não passei por isso, queria estar passando por isso, mas não, está ensinando as primeiras palavras oral, tudo o que eu ensino é por sinais.

Emergem, no relato desta mãe, sentimentos contraditórios porque, ao mesmo tempo em que tenta negar a surdez, lamenta a sua própria sorte, quando relata:

faço tudo em volta da surdez, tipo assim, me sacrifico, venho aqui, já troquei de escola, já mudei de casa, [...] aprendi a dirigir, eu falo tudo em nome da surdez entende, ainda assim, mesmo assim, de vez em quando me pergunto por que será, por que veio, por que, mais pelas dificuldades que a gente encontra.

Considerações finais

Ter um filho surdo é uma vivência única, singular para a família, em particular para a mãe, que, ao saber da surdez, enfrenta diversas reações, já descritas por alguns autores, até que consiga elaborar a perda do filho perfeito, imaginado. As reações da mãe dependem, na maioria das vezes, do quanto ela já suspeitava de que algo não estava caminhando bem, de quando e como foi feito o diagnóstico, da maneira como os profissionais da área médica passaram as informações a respeito da surdez e o quanto de conhecimento a família tem do que é a surdez, suas crenças, idéias, preconceitos em relação à pessoa surda.

Para conseguir lidar com a situação da surdez, observaram-se, em algumas das mães entrevistadas, sentimentos ambivalentes, contraditórios, de busca de marcas de normalidade na criança. Outras mães demonstraram, com o tempo, uma boa adaptação à situação de ter um filho surdo, conseguindo conviver com ela da melhor forma possível. Neste sentido, o diagnóstico da surdez é uma experiência que altera não somente os sentimentos da mãe, mas o funcionamento intersubjetivo de todos os elementos da família, visto que não é tão simples a família chegar ao estágio final, o da construção ativa ou adaptação.

Os resultados deste trabalho apontam para a necessidade de a família de crianças surdas contar com a ajuda de profissionais que lhe dêem apoio, suporte, orientação para que possa, no seu ritmo, ir repensando, modificando suas crenças, imagens e atitudes em relação ao filho surdo. Apesar de a mãe geralmente ser a figura mais presente, é importante tentar trazer outros membros da família, especialmente o pai, para os atendimentos, para que a mãe encontre um maior apoio no meio familiar, no que diz respeito a colocar em prática as orientações e alterar de ser sempre ela a intérprete do filho surdo.

Recebido em 24.set.07

Revisado em 13.ago.08

Aceito em 15.set.08

Angélica Bronzatto de Paiva e Silva, doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é docente no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (CEPRE ), e do Curso de Fonoaudiologia da UNICAMP. Endereço para correspondência: Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 (Barão Geraldo); Campinas, SP; CEP 13.083-887. Tel.: (19) 3521-8805. Fax: (19) 3521-8814. E-mail: arbps@fcm.unicamp.br

Maria de Lurdes Zanolli, doutora em Pediatria Social pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é médica pediatra sanitarista no Departamento de Pediatria da UNICAMP. E-mail: zanolli@fcm.unicamp.br

Maria Cristina da Cunha Pereira, doutora em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é professora titular no Departamento de Fundamentos da Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: mccphy@terra.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2008

Histórico

  • Aceito
    15 Set 2008
  • Revisado
    13 Ago 2008
  • Recebido
    24 Set 2007
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