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A educação na contemporaneidade: entre a emancipação e o retrocesso

EDUCATION IN CONTEMPORANEITY: EMANCIPATION AND RETROGRESSION

LA EDUCACIÓN EN LA CONTEMPORANEIDAD: ENTRE LA EMANCIPACIÓN Y EL RETROCESO

RESUMO

Desde o projeto da modernidade, criou-se a expetativa do poder libertador da educação, na lógica do progresso civilizacional, em que as conquistas da escolarização poderiam libertar o sujeito do obscurantismo, da ignorância e dos poderes políticos alienantes. Este artigo reflete sobre o par emancipação-retrocesso no âmbito do discurso educacional contemporâneo e discute se hoje faz sentido afirmar que a educação pode ainda emancipar. Parte, assim, de uma perspetiva crítica de emancipação, reflete sobre o perigo do retrocesso no contexto da pós-modernidade e, sob o signo da esperança, coloca um conjunto de interrogações e reflexões críticas, concluindo que o par emancipação-retrocesso, inserido em uma perspetiva evolutiva, expressa um tempo de mudança na reconfiguração do par emancipação-alienação.

PALAVRAS-CHAVE:
educação; contemporaneidade; emancipação; alienação; progresso; retrocesso

ABSTRACT

The project of modernity raised the expectation of education’s liberating power, following the logic of civilization progress. In this project, school’s achievements may liberate the individual from obscurantism and ignorance, as well as from alienating political powers. This article discusses the pair ‘emancipation-retrogression’ in the contemporary educational discourse. It also questions the meaning of the claim that education is still able to emancipate. The argument present in this article starts from a critical perspective of emancipation; proceeds with the analysis of the danger of retrogression in the frame of post-modernity, and under the sign of hope, raises questions and critical reflections, concluding that the pair ‘emancipation-retrogression’ expresses a time of change in the reconfiguration of the pair ‘emancipation-alienation’ within an evolutionary perspective.

KEYWORDS:
education; contemporaneity; emancipation; alienation; progress; retrogression

RESUMEN

Desde el proyecto de la modernidad se creó la expectativa del poder libertador de la educación, de la lógica en el progreso de la civilización, en el que las conquistas de la escolarización podrían liberar al sujeto del oscurantismo, la ignorancia y los alienantes poderes políticos. Este artículo se profundiza en el binomio emancipación-retroceso en el ámbito del discurso educativo contemporáneo y se pregunta si, en los tiempos que corren, hay sentido afirmar que la educación es una herramienta de emancipación. Se parte, así, de una perspectiva crítica de emancipación, subrayando el peligro de retroceder en el contexto posmoderno y, bajo el signo de la esperanza, formulase una serie de interrogantes y reflexiones críticas. La conclusión es que la pareja emancipación-retroceso examinada, insertada en una perspectiva evolutiva, es la expresión de un momento de cambio en la reconfiguración de sí misma.

PALABRAS CLAVE:
educación; contemporaneidad; emancipación; alienación; progreso; retroceso

INTRODUÇÃO

A dualidade emancipação-retrocesso parece soar um pouco estranha se tomarmos os dois termos enquanto “palavras armadilhadas” da retórica do discurso pedagógico, como nos advertia Olivier Reboul (1984REBOUL, O. Le langage de l’éducation. Analyse du discours pédagogique. Paris: PUF , 1984., p. 55-79), ou mesmo até, em certo sentido, como “demasiado evidentes”, no sentido que António Nóvoa (2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005.) lhe confere no seu estudo intitulado Evidentemente. Histórias da Educação. Nesse contexto, perguntamo-nos por que é que a emancipação, associada à ideia de progresso sob a proteção mítica de Prometeu, exprimindo em si a ideia de andar para a frente, tem de ser necessariamente encarada como uma manifestação positiva e mesmo como uma coisa boa, enquanto o retrocesso tende, na grande maioria das vezes, a ser encarado como algo de negativo, ou seja, como uma coisa má e que, por isso mesmo, deve ser evitado (ideia que no ponto de vista mítico é identificada com a figura de Epimeteu). Do ponto de vista mítico, importa sublinhar que o par emancipação-retrocesso aparece encarnado na figura do deus romano Janus, cuja face dupla simboliza o passado (para que remete a ideia de retrocesso) e o futuro (para que remete a ideia de emancipação).

Trata-se de uma temática, por um lado, abordada por muitos autores que desenvolveram a teoria interdisciplinar neomarxista à volta da Escola de Frankfurt, a partir dos anos 1960, nomeadamente por Theodor W. Adorno (1903-1969), um autor da primeira geração, cuja obra, intitulada Educação para a emancipação. Conferências e conversas com Helmut Becker (1959-1969) (Adorno, 1998ADORNO, T. W. Educación para la emancipación. Conferencias y conversaciones con Hellmut Becker (1959-1969). Tradução de Jacobo Muñoz. Madri: Morata, 1998.), poderia ser um bom ponto de partida para o tema que aqui nos ocupa. Essa temática está igualmente presente na chamada “Pedagogia Crítica”, fortemente influenciada pela vasta obra e pelo pensamento de Paulo Freire, e definida por Henry Giroux, um dos seus autores-chave, como um “movimento educacional, guiado por paixão e princípio, para ajudar estudantes a desenvolverem consciência de liberdade, reconhecer tendências autoritárias, e conectar o conhecimento ao poder e à habilidade de tomar atitudes construtivas” (Giroux, 2010bGIROUX, H. A. Lessons From Paulo Freire. The Chronicle of Higher Education, 2010b. Disponível em: Disponível em: http://www.chronicle.com/article/Lessons-From-Paulo-Freire/124910 . Acesso em: 20 fev. 2018.
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). Importa, desde já, salientar que quer Henry Giroux, quer Peter McLaren, ambos fundamentados em larga medida na teoria crítica elaborada sobre as bases da Escola de Frankfurt, formulam suas teorias trazendo à discussão, a partir de suas experiências no sistema educacional público norte-americano, elementos que os colocam como defensores de uma proposta pedagógica que denominam de transformadora1 1 Expressões como “educação emancipadora” (Henry Giroux), “educação libertadora através de um discurso crítico” (Peter McLaren), “emancipação pessoal e social” (Henry Giroux), “formas emancipadoras de conhecimento” (Henry Giroux), “possibilidades emancipatórias” (Peter McLaren), “transformação social” (Peter McLaren), entre outras, são utilizadas frequentemente por ambos os autores para designar a possibilidade que a educação teria, segundo eles, de emancipar os sujeitos da pressão e dominação social. Essa emancipação carecia de toda uma educação problematizadora em ordem a uma mais profunda conscientização, tal como o defendia Paulo Freire. , tal como fez Paulo Freire.

As questões que se seguem visam não tanto encontrar respostas conclusivas, mas ajudar a indagar a substância e a problematização da temática que neste estudo nos ocupa: faz sentido, no quadro da pós-modernidade, afirmar que a educação pode ainda emancipar? O que se quer dizer com retrocesso? Emancipação significa libertação? E libertação de quê? Este artigo desenvolve-se em quatro andamentos: o primeiro centra-se em torno do conceito de emancipação na linha de Paulo Freire e de Henry Giroux; o segundo recorre a diagnósticos da sociedade contemporânea para refletir sobre o perigo do retrocesso no contexto da pós-modernidade; o terceiro apresenta algumas interrogações e reflexões críticas tecidas sob o signo de uma certa esperança; por fim, o quarto ensaia uma síntese explicativa em que o par emancipação-retrocesso encarnado por Janus, quando inserido em uma perspetiva evolutiva, é tomado como expressão de um tempo de mudança na reconfiguração do par emancipação-alienação.

REFLEXÕES SOB O SIGNO DA EMANCIPAÇÃO

Não é difícil encontrar uma associação entre a educação e as ideias de progresso humano, de emancipação, de perfectibilidade e da crítica sob o signo do otimismo secular e racionalista das Luzes (Pereira, 1990aPEREIRA, M. B. Modernidade e secularização. Coimbra: Livraria Almedina, 1990a., 1990bPEREIRA, M. B. Modernidade e tempo: para uma leitura do discurso moderno. Coimbra: Livraria Minerva, 1990b.; Baczko, 2001BACZKO, B. Lumières de l’utopie. Paris: Payot, 2001.; Taguieff, 2004TAGUIEFF, P.-A. Le sens du progrès: une approche historique et philosophique. Paris: Flammarion, 2004.; Passmore, 2004PASSMORE, J. A perfectibilidade do Homem. Tradução de Jesualdo Correia. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.). Por todo lado, lemos relatórios, ouvimos discursos, assimilamos panfletos que nos recordam que a educação tem uma relação estreita com o desenvolvimento humano. Esse discurso faz parte da mentalidade contemporânea. Passou até a ser um lugar-comum. Mais até do que uma indicação de fator de desenvolvimento civilizacional, a massificação do ensino tem sido legitimada como um veículo que transportará a humanidade para um mundo mais rico, mais próspero, com cidadãos mais formados. Mais até do que uma mera associação, podemos pensar em certa relação de causalidade: será pela ação da educação que o futuro se transformará em um cenário de um mundo melhor.

A própria narrativa da modernidade pedagógica foi configurada nesse ideal, alimentando a pedra angular da escola no programa dos pensadores modernos que projetaram um mundo de uma ordem nova, do ponto de vista epistemológico, político, social, que levaria a civilização para um novo patamar histórico, porquanto radicam o discurso do progresso na aplicação metódica e decidida dos pressupostos modernos. A ideia condutora dessa narrativa se assentava na crença de que o caminho do progresso estaria aberto, constituindo-se, assim, como um ideal do projeto iluminista2 2 Em 1773, Helvétius expressa a crença iluminista no poder demiúrgico da educação que “tudo pode” em ordem a um progresso e a uma perfectibilidade humanos sem fim, quando escreve que a “educação faz aquilo que nós somos” (Helvétius, 1989, p. 881) e ainda que “nada é impossível para a educação: ela faz dançar o urso. [...] O homem nasce sem ideias e sem paixões; ele nasce imitador; ele é dócil ao exemplo: é, portanto, à instrução que deve os seus hábitos e o seu caráter” (Helvétius, 1989, p. 334). . Finalmente, a nova filosofia libertaria a humanidade das trevas, do obscurantismo, dos falsos ídolos, e a aurora de um novo dia brilharia doravante. Nessa via de progresso, a escola seria como que o instrumento de todos os instrumentos. A instrução dos cidadãos levaria a sociedade para um novo mundo. Daí podermos concluir que, já na época moderna, a educação, ou a nova ordem da educação, seria o mecanismo emancipador da humanidade. Ao livrarmo-nos dos demónios da mentalidade arcaica, o futuro traria a possibilidade de uma sociedade mais desenvolvida, mais consciencializada e livre e, por isso, mais justa, mas tal infelizmente não aconteceu, pelo facto de tão ambicioso objetivo estar longe de ser alcançado, como aliás o assinalaram os críticos de diferentes quadrantes, nomeadamente de Paulo Freire, ao qual nos referiremos de modo mais particular.

Se ao longo da modernidade a organização pedagógica da escola foi sendo normatizada por meio de diversas reformas em função da preparação para as atividades económicas e sociais, mesmo quando elas se legitimam em termos de uma orientação mais aprofundada de educação integral das jovens gerações, a aposta da educação neoliberal nas últimas décadas, por um lado, na eficácia da aprendizagem útil3 3 Esse foco na eficácia da aprendizagem útil enquadra-se no que Licínio Lima (1997) designa-a por “educação contábil”. e, por outro lado, em um certo pedagogismo acrítico, esquece dramaticamente a importância fundamental da “concepção da problematização da educação”, reduzindo o alcance da ideia de libertação e afastando-se substantivamente da “educação libertadora” desenvolvida por Paulo Freire (1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 79-107), com todo o conjunto de conceitos estruturantes que a mesma implica, tais como os de conscientização, de problematização, de dialogicidade, de liberdade, de autonomia, de libertação, de emancipação, de revolução. Assim, ironicamente, a contemporaneidade educativa, não obstante todos os esforços dos representantes da pedagogia crítica, de que Paulo Freire é um dos seus principais mentores, e apesar de incluir até na sua retórica discursiva termos mobilizados por eles, ficou presa, e aqui reside o seu retrocesso maior, àquilo que o mesmo autor designou de “educação bancária”, com a tendência autoritária antidialógica (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 193-235) que a acompanha.

Na linha da conceptualização freiriana, podemos salientar que o ideal da emancipação na contemporaneidade só pode decorrer no quadro da “educação problematizadora”, tendo em conta a sua natureza substantiva, porquanto somente esta, “respondendo à essência do ser da consciência” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 96), pode libertar os sujeitos da tirania própria da “educação bancária”: “o antagonismo entre as duas concepções, uma, a ‘bancária’, que serve à dominação; outra a problematizadora, que serve à libertação, toma corpo exactamente aí. Enquanto a primeira, necessariamente, mantém a contradição educador-educandos, a segunda realiza a superação” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 97).

Na proposta de Paulo Freire (2012FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Mangualde: Pedago, 2012.), a “educação problematizadora”, pela sua capacidade de conscientização (a consciência crítica político-social) e por meio da dialogicidade como prática da liberdade, lança as bases de uma pedagogia da autonomia que representa em si, como é reconhecido, uma condição importante para a emancipação dos sujeitos. É, aliás, por ação dessa mesma “educação problematizadora” que os “homens se libertam em comunhão” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 185) e que “os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 79). Trata-se, pois, de uma proposta com vista à emancipação político-social e crítica dos sujeitos (Moreira, 2010MOREIRA, C. Ed. Emancipação. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica , 2010., p. 145-147), evidenciada pelo autor da Pedagogia do oprimido: “Para a educação problematizadora, enquanto um que fazer humanista e libertador, o importante está em que os homens submetidos à dominação, lutem pela sua emancipação” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 106). A “educação problematizadora” contribui decisivamente para que os sujeitos superem o intelectualismo alienante, a manipulação, a sloganização, o “depósito”, a condução, a prescrição, o autoritarismo, a ação antidialógica e a falsa consciência do mundo destilados pela “educação bancária” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 106-107). A “pedagogia da autonomia”, enquanto prolongamento pedagógico-didático da “educação problematizadora”, ensina e exige reflexão crítica, bom senso, curiosidade, alegria e esperança, autonomia e respeito do ser do educando, saber escutar, disponibilidade para o diálogo (Freire, 2012FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Mangualde: Pedago, 2012., p. 37-121). Todos esses aspetos contribuem para uma mais profunda “conscientização” do sujeito, conferindo-lhe poder adicional para transformar as relações sociais de dominação e podendo conduzir a uma mais radical transformação do exercício de poder e até à libertação político-social de modo criticamente atuante.

Decorrente do exposto, podemos afirmar que o conceito de emancipação, perspetivado por Paulo Freire em termos de educação problematizadora e pedagogia da autonomia, visa a libertação, pelos sujeitos, de uma vida desumanizada pela opressão e dominação social, daí que esse pedagogo seja tão duramente crítico com o paradigma da “educação bancária”, que não compreende que “o homem é um ser inconcluso” e, como tal, carece de liberdade para “Ser Mais”. Nunca é demais sublinhar, a esse respeito, a importância da noção de conscientização “que lhe possibilita insertar-se no processo histórico, como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 30). Por outras palavras, a “educação problematizadora” e a “pedagogia da autonomia” estão na base dos conhecimentos e das práticas fundamentais de um sujeito crítico e, consequentemente, da sua consciência crítica e, assim, contribuem para que o conceito de “conscientização”, ainda que esbatido por Paulo Freire ao longo dos anos, seja, a nosso ver, uma alavanca fundamental na construção crítica e progressiva da “emancipação”. Neste sentido, o educando assume-se como produtor e construtor do saber (Freire, 2012FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Mangualde: Pedago, 2012., p. 55-83) - o que contrasta com o modelo da “educação bancária” e propondo antes uma pedagogia da autonomia, com um aumento da consciência crítica e uma maior participação no ambiente social, político e cultural. Essa nova atitude de “conscientização” conduz, necessariamente, os sujeitos a uma educação de resistência, o conhecimento crítico contribui, necessariamente, para a transformação sociopolítica e educacional-cultural. Por outras palavras, maior consciência de cidadania crítica e emancipatória se constrói e se afirma mediante uma práxis humana ininterrupta que opera a transição do pensamento crítico para a intervenção reflexiva no mundo:

Críticos seremos verdadeiros, se vivermos a plenitude da praxis. Isto é, se a nossa ação involucra uma crítica reflexão que, organizando cada vez o pensar, nos leva a superar um conhecimento estritamente ingénuo da realidade. Esta precisa alcançar um nível superior, com que os homens cheguem à razão da realidade. Mas isto exige um pensar constante que não pode ser negado às massas populares, se o objetivo visado é a libertação. (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 182-183)

Nesse contexto, emerge o conceito de cidadania criticamente democrática, tão querido a Henry Giroux, e que merece que nele nos detenhamos um pouco, até pelas implicações que tem no próprio conceito de emancipação. Porquanto, nessa perspetiva, é inconcebível falar de uma cidadania, indispensável na construção de uma democracia participativa que já por si dá necessariamente que pensar (Giroux, 2010aGIROUX, H. A. Democracia. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica , 2010a. p. 112-115., p. 112-115), que não seja emancipada, e, para que tal aconteça, é necessário que o pedagógico se torne mais político e o político, mais pedagógico. E aqui é o momento em que entramos no cerne da agenda da pedagogia crítica e das preocupações do próprio Giroux, porquanto ela visa a formação de agentes críticos e, por isso, requer que o formador seja um intelectual transformador. Afirma o autor que no centro da própria definição de pedagogia crítica está:

A tarefa de educar os alunos e alunas para que se convertam em agentes críticos que se questionam e discutam, de maneira ativa, a relação entre a teoria e a prática, entre a análise crítica e o sentido comum, entre a aprendizagem e a transformação social. A pedagogia crítica nega as mentiras oficiais do poder e a noção totalmente reducionista de ser um método. […] A pedagogia deveria proporcionar as condições para que os alunos e alunas sejam capazes de formular em consciência a sua própria relação com o projeto de construção de uma democracia que todavia não está terminada! (Giroux, 2008GIROUX, H. A. Introducción: Democracia, educación y política en la pedagogía crítica. In: MCLAREN, P.; KINCHLEOE, J. L. (org.). Pedagogía Crítica: De qué hablamos, dónde estamos. Tradução de Miguel Serrano Larraz. Barcelona: Graó , 2008. p. 17-24., p. 18)

A tarefa de educar os alunos carece, assim, de um intelectual consciente das necessidades que os alunos têm de olhar para o mundo criticamente, o que obriga já a que o professor se afirme como um intelectual transformador, e não meramente reprodutor de uma visão do mundo estática e anódina. Trata-se, assim, de um educador consciente da imbricação entre o pedagógico e o político:

Central para a categoria de intelectual transformador é a necessidade de tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico. Tornar o pedagógico mais político significa inserir a escolarização e o processo educativo na esfera política argumentando que representam simultaneamente uma luta pela definição do sentido e uma luta pelas relações de poder. […] Tornar o político mais pedagógico significa a utilização de formas de pedagogia orientadas por interesses políticos emancipatórios; isto é, pressupõe pedagogias que tratem os estudantes como agentes críticos, problematizem o conhecimento, utilizem o diálogo crítico e franco e lutem pela causa de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. (Giroux, 1988GIROUX, H. A. Teachers as Intellectuals: Toward a Critical Pedagogy of Learning. Nova York e Londres: Bergin and Garvey, 1988., p. 127)

Nesse sentido, Henry Giroux refere o exemplo de Paulo Freire:

Ocupando o espaço entre o político e o possível, Paulo Freire passou a maior parte de sua vida trabalhando na crença de que vale a pena lutar pelos elementos radicais da democracia, que a educação crítica é um elemento básico da mudança social e que a forma como pensamos sobre a política é inseparável de como compreendermos o mundo, o poder e a vida moral que aspiramos a levar (Giroux, 2010aGIROUX, H. A. Democracia. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica , 2010a. p. 112-115., p. 113).

As três citações agora mencionadas ajudam-nos a compreender a importância que na pedagogia crítica assume a formação de cidadãos críticos, por meio de uma prática emancipatória e de uma esperança educada, que contribuam ativa e radicalmente para o projeto de transformação social democrática. Nesse sentido, entende-se bem que a democracia só pode ser saudavelmente um “lugar” de luta e atuante se recuperar a educação cidadã entendida como cidadania emancipatória. Trata-se de um tipo de cidadania que não pode somente basear-se exclusivamente em uma linguagem crítica na medida em que “como parte de um projeto político radical, o discurso da democracia também requer uma linguagem da possibilidade, uma linguagem no qual se conjugue uma estratégia de oposição com outra estratégia orientada para a construção de uma nova ordem social” (Giroux, 1993GIROUX, H. A. La Escuela y la Lucha por la Ciudadanía. Pedagogía crítica de la época moderna. Tradução de Martin Mur Ubasart. Madri: Siglo Veintiuno, 1993., p. 57). Essa nova ordem social é naturalmente inseparável do legado fundamentador de uma pedagogia crítica, cuja principal responsabilidade é “facultar um espaço onde a complexidade do conhecimento, da cultura, dos valores e das questões sociais possa ser explorada através do diálogo aberto e crítico no seio de uma cultura viva de questionamento” (Giroux, 2007GIROUX, H. A. Tempo Público e Esperança Educada: Liderança Educacional e a Guerra Contra os Jovens. Tradução de Leontina Luís. Mangualde: Pedago , 2007., p. 31). No entanto, para que tal se concretize, não se pode cair na tentação do pedagogismo, podendo este revestir as mais diversas formas, como o “de extração económica e gerencial, baseado nas vantagens de uma aprendizagem adaptativa e funcional a que, em muitos casos, nos poderemos ver normativamente forçados a recusar o epíteto de educativa”, como refere Lima (2012aLIMA, L. Aprender para Ganhar, Conhecer para Competir. Sobre a subordinação da educação na “sociedade da aprendizagem”. São Paulo: Cortez, 2012a., p. 43)4 4 Nesse sentido, Licínio Lima (2012a, p. 44) escreve: “Por isso se revela indispensável a crítica à ‘pedagogização’ quase totalitária da esfera individual e colectiva, assente na crença de que os nossos maiores problemas se devem à crise da educação e da escola, e de que só pela via de um novo paradigma de aprendizagem, que em primeiro lugar responsabiliza o indivíduo e o atomiza, poderemos finalmente responder aos chamados ‘desafios’ da globalização e da ‘sociedade da informação e do conhecimento’”. . Por outras palavras, a fim de evitar-se qualquer forma de pedagogismo que, do ponto de vista político, conduz à subordinação dos espíritos aos modismos, como dá exemplo a obra de Michel Serres (2012SERRES, M. Petite poucette. Paris: Le Pommier, 2012.) intitulada Polegarzinha, a educação tem de ser pensada, em articulação com a democracia, em termos de uma conscientização (Freitas, 2010FREITAS, A. L. S. Conscientização. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 88-89., p. 88-89).

Nesse sentido, uma democracia mais consciente, mais crítica, mais inquieta, menos acomodada a um sistema partidocrático, não se faz sem o contributo de uma educação libertadora, porque é problematizadora no sentido que lhe confere Paulo Freire. Esta, por sua vez, não pode, nem deve, ignorar os desafios, cada vez mais complexos, da importância da transformação do mundo social e político em ordem a uma emancipação que faça da libertação (Jones, 2010JONES, L. I. Libertação. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica , 2010. p. 243-244., p. 243-244)5 5 A autora diz, a propósito desse conceito, que a “libertação é um conceito central no pensamento freiriano, intrinsecamente vinculado à liberdade, à conscientização e à revolução” (2010, p. 242). , da conscientização e do direito à indignação as suas palavras de ordem avançadas. Além disso, desse tipo de educação, tendo-se em conta os pressupostos em que se assenta (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 79-107), deve fazer parte um diagnóstico crítico do mundo sociopolítico, a compreensão dos obstáculos à sua transformação, a imaginação criadora de mudanças possíveis em que ocupe um lugar cimeiro uma concepção de educação permanente (também conhecida por educação ao longo da vida). Se essa educação tudo isso conseguir6 6 Pensamos no conceito de emancipação, não nos esquecendo da intencionalidade política que ele pressupõe. , torna-se bem mais “visível”, enfim, mais “palpável”, o seu papel de instauração do “inédito viável” na tarefa sempre inacabada da libertação e da própria conscientização para que aponta a conceção utópica e esperançosa de Paulo Freire (1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., 2002FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 9ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.).

REFLEXÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DE RETROCESSO

António Nóvoa (2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005.), citando Reinhart Koselleck, escreveu que “infelizmente não é por avançarmos os relógios que o futuro chega mais cedo. E a contemporaneidade? Ainda demora muito tempo?” (Nóvoa, 2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005., p. 15). E retrocesso também, por quê? Teremos avançado demais? Retroceder para onde? Retroceder será necessariamente algo de negativo? O retrocesso não será sinónimo de “crise na educação” de que falava Hannah Arendt (2000ARENDT, H. A crise na educação. In: POMBO, O. (org.). Quatro Textos Excêntricos. Filosofia da Educação. Tradução de Olga Pombo. Lisboa: Relógio D’Água, 2000. p. 21-53., p. 21-53), ou mesmo, para lembrar Neil Postman (2002POSTMAN, N. O Fim da Educação. Redefinindo o Valor da Escola. Tradução de Cassilda Alcobia. Lisboa: Relógio D’Água , 2002.), de “fim da educação”, ainda que considerando o seu título ambíguo? Ou então, para usar uma expressão querida a António Nóvoa (2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005., p. 14), não se identificará já o retrocesso com o “transbordamento” da própria educação e, por extensão, da educação escolar?

Um dos “lugares-comuns” dos nossos tempos é o de que o nível de progresso a que chegamos significa uma conquista de estatuto de grande liberdade individual, de grande autonomia, e de elevada consciência social e política. Mas há um outro “retrato” da nossa modernidade atual. A contemporaneidade tardia (outros diriam a “pós-modernidade” ou a “modernidade líquida”) vive ativa e produtivamente novos valores, potencializados pelo paradigma das Tecnologias da Informação (Han, 2016HAN, B.-C. No Enxame: Reflexões sobre o digital. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’Água , 2016.)7 7 Na época das redes sociais, a autoexposição é uma decisão pessoal (embora arrastada por modas dos grupos), mas também é valorizado todo um mundo que é de rendimento: o número de likes, a quantidade de “visualizações” de certos posts, o valor económico da popularidade, a dinâmica da auto-publicidade, a política feita por tweets, os rankings das empresas, a sociedade digitalizada. E, depois, há toda a informação “à mão”, a informação imediata, não “digerida”, superficial e rapidamente posta a circular. Não há demora. A sociedade da informação e da comunicação caracteriza-se exatamente pela facilidade do acesso, da produção e da circulação da informação. O mundo do enxame - nome dado por Han à sociedade da comunicação digital e da vida virtual - é o mundo do acesso à informação “total”, ao suposto poder de introduzir informação nos sistemas. Apesar do seu enorme potencial, o atual mundo da mediatização comunicacional, informacional e, sobretudo, visual induz também uma atuação superficial. A reação dos likes no Facebook, o mundo virtual das redes sociais, a lógica do permanentemente acessível e “postável” denuncia uma apropriação massificada do conhecimento, em que os sujeitos se tornam escravos do sistema de comunicação. Supostamente temos a virtualidade de aceder ao melhor dos mundos informativos, mas a lógica do sistema não é neutra - induz uma forma de vida dominada pelo simulacro e pelo espetáculo e mantém o utilizador sempre exposto. Na sobreinformação gera-se um ruído resultante da vulgarização do opinar. Sem censura, sem pudor, sem distanciamento. Parece que quanto mais visível, melhor, quanto mais like, mais valioso, quanto mais espalhafatoso, mais eficaz. O sucesso está na maximização da partilha. É esse excesso que Han (2016, p. 74) evidencia. A consulta de informação, sempre acessível em qualquer dispositivo de comunicação digital, acaba por se tornar um problema, gerando uma síndrome de “fadiga da informação”. Como diz Han (2016, p. 74): “Um dos principais sintomas da IFS (Information Fatigue Syndrom) é a paralisia da capacidade analítica. Ora, é precisamente essa capacidade que nos torna capazes de pensar. O excesso de informação conduz à atrofia do pensamento. A capacidade analítica consiste em pôr de lado, no material da perceção, tudo o que não é essencialmente pertinente”. E alerta: “A tremenda quantidade de informação aumenta massivamente a entropia do mundo, e também o nível de ruído. O pensamento tem necessidade de silêncio. É uma expedição ao silêncio” (Han, 2014a, p. 56). , como os de individualismo, consumismo, hedonismo e relativismo. A sociedade atual faz da velocidade da felicidade e do prazer um dos seus lemas reluzentes, e se a esse lema acrescentarmos a mercantilização dos modos de vida, o hedonismo desenfreado, a aceleração dos modos de vida social do tempo (Rosa, 2010ROSA, H. Accélération: une critique sociale du temps. Tradução de Didier Reanult. Paris: La Découverte, 2010.) e o narcisismo exacerbado, o quadro fica mais cinzento. Os valores agora apontados debilitam a razão crítica e a consciência política, bem como promovem a alienação e o consequente desinteresse pela res publica. Em uma palavra, é a educação cidadã que fica necessariamente comprometida porque a participação política e a consciência crítica, que lhe são inerentes, ficam adormecidas ou anestesiadas em uma época, como já atrás o referimos, identificada com a felicidade ou a gratificação instantânea, com a vida e a mudança aceleradas, como se a vida fosse uma autoestrada sem fim, em que o “síndroma da impaciência” parece sobredeterminar as mentes dos sujeitos. Daí que os verbos “terminar”, “desligar”, “romper”, “separar”, “apagar”, entre outros, conheçam atualmente um grande sucesso em um mundo que vive sob o signo da incerteza e da ambiguidade (o chamado “mundo líquido”, tão caro a Zygmunt Bauman, 2011BAUMAN, Z. 44 Cartas desde el Mundo Líquido. Tradução de Marta Pino Moreno. Madri: Paidós, 2011.)8 8 O diagnóstico crítico aprofundado e pessimista, quase clínico, desse tipo de mundo, ainda que sob diferentes perspetivas, foi já feito por muitos autores, entre outros, como Jean-François Lyotard, Jean Baudrillard, Zygmunt Bauman, Alan Finkielkraut, Gilles Lipovetsky, Richard Sennet, Peter Sloterdijk, Hartmut Rosa, Neil Postman, Gianni Vattimo, Anthony Giddens, e ultimamente pelo filósofo coreano-germânico Byung-Chul Han. . Hoje tudo é risco, inovação, projetos a curto prazo, uma espécie de fuga para a frente9 9 Essa nova face do mundo laboral foi bem retratada por Richard Sennet (2001), segundo o qual vivemos agora em um tempo de um mercado laboral flexível, com empresas estruturalmente dinâmicas, com a exigência de mobilidade e adaptação constantes, e com exigências de participação empreendedora sobrevalorizada. . Nesse panorama de competitividade desenfreada e agressiva, sobra claramente para as pessoas um conjunto de “doenças mentais” cada vez mais comuns, como é o caso da síndrome de Burnout, das depressões, do Transtorno por Deficit de Atenção e Hiperactividade (TDAH) ou do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Esse cansaço que vivemos hoje já não é igual ao cansaço que sofríamos antigamente. Hoje o cansaço é mais uma patologia neuronal.

O diagnóstico da sociedade contemporânea feito por Zygmunt Bauman e por Byun-Chul Han parece comprometer os esforços feitos pelos teóricos da pedagogia crítica em nome da “emancipação” tal como a tratamos anteriormente. Ainda que a análise da pedagogia crítica seja ainda relativamente recente, ela parece revelar, apesar de toda a sua pertinência crítica e reflexiva, certa desadequação diante dos “desafios da educação na Modernidade Líquida” (Bauman, 2008BAUMAN, Z. Los Retos de la Educación en la Modernidad Líquida. Barcelona: Gedisa, 2008.), diante das mudanças radicais da sociedade dos nossos dias, que levam o próprio Byung-Chul Han (2014bHAN, B.-C. A Sociedade da Transparência. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’Água , 2014b., 2014cHAN, B.-C. A Sociedade do Cansaço. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Relógio d’Água , 2014c.) a designá-la como “sociedade do cansaço” e como “sociedade da transparência”. Aquilo que pretendemos salientar é que o legado da pedagogia crítica parece já não cor(responder), do ponto de vista do seu cânone, ao mundo instável, incerto, precário, no qual vivemos e como ele está a ser pensado pelos autores já citados. Explicando-nos melhor: com a permanente necessidade de uma vida totalmente ocupada, sem momentos de reserva de si mesmo, constantemente atolados em atividades, preenchendo todos os momentos da vida como se não houvesse amanhã, em um tempo acelerado, comandado por uma acumulação de vivências passageiras, inundando as nossas vidas de ocupações, sem dar hipótese à reflexão, à escuta e ao tempo do silêncio; enfim, cada vez mais hiperativos, cada vez mais neuróticos, disfuncionais, admitimos que dificilmente o processo educativo tenha condições de preocupar-se com as competências pedagógico-educacionais fundamentais em ordem a uma verdadeira aprendizagem emancipada, cidadã, crítica e democrática, como o almejavam os pedagogos da Pedagogia Crítica (McLaren e Kinchleoe, 2008MCLAREN, P.; KINCHLEOE, J. L. (org.). Pedagogía Crítica. De qué hablamos, dónde estamos. Tradução de Miguel Serrano Larraz. Barcelona: Graó , 2008.). Em uma palavra, exprimimos certo pessimismo quanto à voz dessa pedagogia fazer-se ouvir, e ser atuante, no bazar chinês em que a sociedade e a escola atuais foram transformadas sob o signo do “transbordamento” (Nóvoa, 2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005., p. 16) a todos os níveis, e não só ao nível escolar, com o seu excesso de missões e de tarefas, de projetos e de atividades. O tempo da pedagogia crítica, que faz da concepção problematizadora da educação, com tudo aquilo que lhe está subjacente, a sua pedra angular, é um tempo necessariamente lento que carece de um tempo longo de maturação, a fim de que uma conscientização profundamente crítica tivesse lugar e esse tempo longo é incompatível com a forma zapping como nos movemos no mundo de hoje, o que não é, convenhamos, a melhor forma de temporalidade para a vivência da aprendizagem. Não era Jean-Jacques Rousseau quem defendia que a educação era a arte de saber perder tempo precisamente porque toda a aprendizagem exige tempo, gestão de tempo, paciência, escuta, estudo e concentração?

Quando vivemos envolvidos nesse tipo de ambiente, interrogamo-nos sobre a possibilidade que a educação tem de afirmar-se de acordo com a orientação proposta pelos pedagogos críticos. Perguntamo-nos se, no tempo atual, ainda há condições para constituir no aluno “um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade da alma que o oriente para um sentido definido não só durante a infância, mas para a vida”, como queria Émile Durkheim (1969DURKHEIM, É. L’évolution pédagogique en France. Paris: PUF, 1969., p. 38). Essa orientação compagina-se quer com a “cabeça bem-feita” (Montaigne), quer a concepção problematizadora da educação (Freire), porque visa, entre outros aspetos, o espaço de enriquecimento pessoal (o “Torna-te naquele que és”, de Píndaro). Precisamos de um espaço que ofereça oportunidade de crescimento da personalidade, preparação para uma cidadania consciente e ecologicamente responsável (a “aprendizagem cidadã”, de que fala Edgar Morin, 2002MORIN, E. Os Sete Saberes para a Educação do Futuro. Tradução de Ana Paula Viveiros. Lisboa: Instituto Piaget, 2002., p. 71-80). Precisamos de um espaço onde também seja possível aprender a enfrentar as incertezas, aumentar a capacidade de alargamento do sentido da compreensão e da interpretação, enfim, um espaço onde seja possível aprender a viver democraticamente em uma linha “dialógica democrática” (Morin, 2002MORIN, E. Os Sete Saberes para a Educação do Futuro. Tradução de Ana Paula Viveiros. Lisboa: Instituto Piaget, 2002., p. 117-119). Interrogamo-nos sobre o clima que preside à vida escolar, às orientações das políticas educacionais, às exigências de um ativismo doentio em que a formação da pessoa está em causa. Como poderemos apostar em um ensino sem distância? Como fugir à “histeria da produção”? Ao clima da excessiva positividade? Essas interrogações geram, necessariamente, uma questão transversal: não correrá a educação contemporânea, ainda seduzida pelos “lugares comuns” (Hameline, 2000HAMELINE, D. Courants et contre-courants dans la pédagogie contemporaine. Issy-les-Moulineaux: ESF, 2000.) do “progresso”, da “educabilidade” (leia-se perfetibilidade, plasticidade e defetibilidade) e da democracia igualitária (Hameline, 2000HAMELINE, D. Courants et contre-courants dans la pédagogie contemporaine. Issy-les-Moulineaux: ESF, 2000., p. 25-36), o risco de sofrer um retrocesso, entendido como negação ou criação de obstáculos a uma educação problematizadora como prática da liberdade por meio da dialogicidade? Não obstante todos os diagnósticos, críticas e propostas já feitos quer pelos teóricos da modernidade tardia, quer pelos teóricos da pedagogia crítica, queremos continuar a pensar que há caminhos e respostas ainda possíveis que a educação pode engendrar para superar os escolhos sempre passíveis de estarem presentes no espaço público em que os vários tipos de aprendizagens se fazem.

Perante as transformações aceleradas, que ocorrem em praticamente todos os domínios da sociedade, e particularmente na sociedade do conhecimento, a educação, tal como a conhecemos, está, de acordo com Zygmunt Bauman (2008BAUMAN, Z. Los Retos de la Educación en la Modernidad Líquida. Barcelona: Gedisa, 2008., p. 31-36), atravessando um período de grandes dificuldades epistemológicas e sociopolíticas e de aceitação psicocultural. Essas dificuldades tornam-se mais inteligíveis caso se aceite que estejam corretos as análises e os fins da educação que Werner Jaeger assinalou para a educação grega, nomeadamente a ordem imutável do mundo sob a diversidade e a solidez das leis que governam a natureza humana com as consequências que esses pressupostos têm na e para a educação:

Em semelhante mundo [o mundo tal como se vive hoje], a aprendizagem está condenada a ser uma procura interminável de objetos sempre esquivos que, além disso, têm o desagradável e enlouquecedor hábito de evaporar-se ou perder o seu brilho no momento em que se alcançam. […] Num mundo volátil como o da modernidade líquida, na qual quase nenhuma estrutura conserva sua forma o tempo suficiente como para garantir alguma confiança e cristalizar-se numa responsabilidade a longo prazo (pelo menos nunca se diz se haverá de cristalizar-se nem quando, e há muitas poucas probabilidades de que alguma vez o haja), andar é melhor que estar sentado, correr é melhor que nadar e fazer surf é melhor que correr. (Bauman, 2008BAUMAN, Z. Los Retos de la Educación en la Modernidad Líquida. Barcelona: Gedisa, 2008., p. 33-36)

Diante disso, uma das muitas perguntas que imediatamente ocorre é se a educação conseguirá acompanhar todas as transformações aceleradas que estão incessantemente ocorrendo na sociedade contemporânea. A esse respeito, duvida-se que a educação atual possa, por um lado, acompanhar o ritmo frenético e alienante das transformações em todos os níveis da sociedade que não sabemos o que fazer e, por outro lado, tornam-se visíveis os limites dos discursos e das práticas educativas trazidos pelo legado e esforços produzidos pela pedagogia crítica (Giroux, 1990GIROUX, H. A. Los profesores como intelectuales. Hacia una pedagogía crítica del aprendizaje. Tradução de Isidro Arias. Barcelona: Paidós Ibérica, 1990., 1993GIROUX, H. A. La Escuela y la Lucha por la Ciudadanía. Pedagogía crítica de la época moderna. Tradução de Martin Mur Ubasart. Madri: Siglo Veintiuno, 1993., 2003GIROUX, H. A. Pedagogía y política de la esperanza. Teoría, cultura y enseñanza. Una antología crítica. Tradução de Horacio Pons. Buenos Aires, Madri: Amorrortu, 2003.) para responder aos desafios incessantes colocados pela sociedade atual aos discursos educativos e suas práticas, porquanto ela foi teorizada para um figurino democrático mais “lento”, como já o sublinhamos. Por outras palavras, diante das incessantes mudanças, que estão sempre a acontecer em um crescendo ímpar como nunca até agora tinha acontecido, os educadores, mesmo aqueles mais politicamente conscientes, tendem a ficar como paralisados, ou encalhados:

No passado, a educação adquiria muitas formas e demonstrou ser capaz de ajustar-se às transformações circunstanciais, fixando-se novos objetivos e desenhando novas estratégias. Mas, e repito-o, a transformação atual não é como as transformações do passado. Em nenhum outro ponto de inflexão da história humana os educadores deverão afrontar um desafio estritamente comparável com aquele que nos apresenta a divisória de águas contemporâneas. Simplesmente, nunca antes estivemos numa situação semelhante. Ainda devemos aprender a arte de viver num mundo extremamente saturado de informação. E também devemos aprender o que é ainda mais difícil arte de preparar as próximas gerações para viver num mundo semelhante. (Bauman, 2008BAUMAN, Z. Los Retos de la Educación en la Modernidad Líquida. Barcelona: Gedisa, 2008., p. 46)

Mas o facto de constatarmos os limites dos discursos e das práticas educacionais diante de uma sociedade acelerada e saturada de informação e hipercomunicativa, não poderá ser já encarado como um sinal de retrocesso? E, se sim, não será ele gerador de novas questões sobre os “tempos hipermodernos” (Lipovetsky e Charles, 2011LIPOVETSKY, G.; CHARLES, S. Os tempos hipermodernos. Tradução de Luís Filipe Sarmento. Lisboa: Edições 70, 2011.) em que vivemos? No entanto, e apesar de vivermos em um mundo volátil, onde tudo acontece instantaneamente e erraticamente, em um estado “líquido” do nosso tempo sob o jugo do relativismo moral, da incerteza política, histórica e ecológica, da crise de identidades e da desfamiliarização, tal não nos deverá impedir de voltar as costas àquilo que Henry Giroux designa de “esperança educada” (Giroux, 2007GIROUX, H. A. Tempo Público e Esperança Educada: Liderança Educacional e a Guerra Contra os Jovens. Tradução de Leontina Luís. Mangualde: Pedago , 2007., p. 28), que já é outro modo de abrirmos o nosso pensamento à imaginação utópica: “a esperança enquanto forma de utopismo militante é um dos pressupostos da luta individual e social, da prática contínua da educação crítica numa vasta multiplicidade de domínios - a tentativa de fazer a diferença imaginando um mundo alternativo para agir de formas diferentes” (Giroux, 2007GIROUX, H. A. Tempo Público e Esperança Educada: Liderança Educacional e a Guerra Contra os Jovens. Tradução de Leontina Luís. Mangualde: Pedago , 2007., p. 27-28). Essa esperança deve perdurar, quanto a nós, não obstante análises lúcidas, como a de Hannah Arendt (2000ARENDT, H. A crise na educação. In: POMBO, O. (org.). Quatro Textos Excêntricos. Filosofia da Educação. Tradução de Olga Pombo. Lisboa: Relógio D’Água, 2000. p. 21-53., p. 21-53), quando escreve sobre a “crise da educação”, e a de Neil Postman (2002POSTMAN, N. O Fim da Educação. Redefinindo o Valor da Escola. Tradução de Cassilda Alcobia. Lisboa: Relógio D’Água , 2002.), quando fala sobre o “fim da educação”, porque:

a principal força da educação reside, paradoxalmente, na sua aparente fragilidade, nos seus ritmos próprios e geralmente lentos, nos ensaios de tentativa-erro, na incerteza e na falta de resultados imediatos e espectaculares, nos seus continuados processos de diálogo e convivialidade, os quais partem do princípio que ninguém educa, forma ou muda alguém rapidamente e à força, seja através de instrumentos legislativos, seja por meio de programas vocacionalistas, de reeducação, ressocialização ou reconversão. (Lima, 2012aLIMA, L. Aprender para Ganhar, Conhecer para Competir. Sobre a subordinação da educação na “sociedade da aprendizagem”. São Paulo: Cortez, 2012a., p. 44)

Nesse sentido, importa realçar que o antídoto que António Nóvoa (2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005.) traça para o “transbordamento” da modernidade escolar (aparentado com o conceito de “retrocesso” por nós utilizado) é o conceito de “retraimento” (aparentado com o conceito de “emancipação” por nós empregue), mas, associando-o à ideia de que “a escola não pode tudo”, sugere, de seguida, que “ela se reencontre como organização centrada na aprendizagem, partilhando com outras instâncias um trabalho educativo mais amplo” e avance com a proposta de um “espaço público da educação” e da cidadania emancipada, particularmente quando salienta:

Uma sociedade que se diz do conhecimento tem de criar redes e instituições que, para além da escola, se ocupem da formação, da cultura, da ciência, da arte, do desporto. Estou a pensar no que tenho designado por espaço público da educação, um espaço que integra a escola como um dos seus pólos principais, mas que é ocupado por uma diversidade de outras instâncias familiares e sociais. (Nóvoa, 2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005., p. 17, grifo do original)

Assim, diante do exposto, pensamos que ainda há lugar para a esperança na contemporaneidade educativa e consequente reinstituição da escola, mesmo apesar de todas as dificuldades que a educação possa ter quando confrontada com as caraterísticas das sociedades pós-modernas anteriormente apontadas, ainda que de modo necessariamente breve, e que se podem resumir à errância ética, à aceleração, ao consumismo cada vez mais imediato e descartável e, por fim, à recusa de tudo aquilo que dê que pensar em um processo crescente de anticonscientização. Nesse contexto, aquilo que aparece sob forma de aparente “retrocesso” pode, e por que não, funcionar como um alerta à vigilância crítica e comprometida para revigorar com maior intensidade a prática política e ética no espaço público da educação e da própria sociedade civil, bem como avançar no aprofundamento substantivo dos fundamentos da pedagogia crítica.

REFLEXÕES CRÍTICAS E DESAFIOS: SOB O SIGNO DA ESPERANÇA

A temática da emancipação não é nova, como podemos admiti-lo sem grandes dificuldades epistemológicas no âmbito de uma conceção de educação esclarecida que tem as suas raízes na tradição iluminista, ela mesma instauradora de uma nova racionalidade que, segundo Weber, substitui a lei do senhor pelo senhorio da lei. Nesse sentido, o próprio conceito de “emancipação” (Pereira, 1990aPEREIRA, M. B. Modernidade e secularização. Coimbra: Livraria Almedina, 1990a., 1990bPEREIRA, M. B. Modernidade e tempo: para uma leitura do discurso moderno. Coimbra: Livraria Minerva, 1990b., p. 93-104; Menezes, 2014MENEZES, A. A. Educação & Emancipação: por uma racionalidade ético-comunicativa. Maceió: Edufal, 2014.) que está na base da pedagogia crítica, porque emerge na modernidade, integra-se em uma paisagem mental (a da modernidade) que integra as ideias de “progresso”, de “perfetibilidade/educabilidade”, de “razão” e da própria “felicidade”, que são resumidas na figura mítica de Prometeu. Enquanto “arquétipo mítico da liberdade do espírito” (Durand, 1984DURAND, G. Les Structures Anthropologiques de L’Imaginaire. 10. éd. Paris: Dunod, 1984., p. 179), Prometeu sintetiza a possibilidade de o homem tornar-se o seu próprio Criador e o seu próprio Salvador:

a figura moderna de Prometeu cristaliza os sonhos das “Luzes”. Esta figura torna-se precisa com o Prometeu de Goethe. Aí, Prometeu não é mais uma divindade primordial, é o homem concebido como génio criador dele próprio, que não tem mais necessidade dos deuses e que assume o seu próprio destino. (Sironneau, 1980SIRONNEAU, J.-P. Retour du mythe et imaginaire socio-politique. In: SIRONNEAU, J.-P. Le retour du mythe. Grenoble: PUG, 1980. p. 9-28., p. 21)

Todo esse conjunto conceptual de algum modo se encontra presente na ideia moderna de educação (Hameline, 2000HAMELINE, D. Courants et contre-courants dans la pédagogie contemporaine. Issy-les-Moulineaux: ESF, 2000., p. 23-47). A educação contribui para o progresso social e civilizacional bem como para a melhoria das condições de vida das pessoas. Essas ideias são agora lugares-comuns, fazendo parte do discurso ideológico e político, marcando o quadro de valores que estabelecem as diretrizes da evolução em qualquer canto do mundo. Poderíamos condensar todo o projeto educacional em um slogan (Reboul, 1984REBOUL, O. Le langage de l’éducation. Analyse du discours pédagogique. Paris: PUF , 1984., p. 81-100): “a educação tornar-vos-á livres” com toda a ambiguidade, e consequências, que esse slogan comporta. A agenda da modernidade apoiou-se nessa crença de que “a educação faz tudo” (Lima, 2012aLIMA, L. Aprender para Ganhar, Conhecer para Competir. Sobre a subordinação da educação na “sociedade da aprendizagem”. São Paulo: Cortez, 2012a., p. 27-50) e batalhou justamente por ela. A novidade no debate educativo, especialmente a partir de Paulo Freire e dos seguidores da pedagogia crítica, está em reequacionar o papel que a educação tem na criação de uma nova ordem social e o papel essencial que ela pode ter na criação de oportunidades de emancipação.

A noção de que a educação reproduz modelos sociais foi já denunciada por autores como Foucault, Deleuze, Pierre Bourdieu, ou mesmo Adorno. Mas o esquema de que a escola pode também conduzir a uma emancipação pode ter outros contornos. Podemos pensar que, de facto, a libertação que queremos pode ser dirigida a uma fuga ao esquema totalitário e redutor, independentemente do quadrante ideológico em que se inspire. Podemos pensar que a sintonia entre as políticas educativas e as formas de organização social (incluindo tanto o mundo do trabalho e a vida económica como o quotidiano, as práticas de comunicação, os ideais civilizacionais, os mitos individuais e coletivos) é marcada por uma agenda centrada na aprendizagem útil para a empregabilidade, esquecendo-se de toda a herança crítica da tradição da pedagogia crítica e, por conseguinte, da educação problematizadora pensada por Paulo Freire (McLaren e Kinchleoe, 2008MCLAREN, P.; KINCHLEOE, J. L. (org.). Pedagogía Crítica. De qué hablamos, dónde estamos. Tradução de Miguel Serrano Larraz. Barcelona: Graó , 2008., p. 79-107). É, assim, natural que toda a idiossincrasia social se transfira para a ideia de uma educação que tudo faz, mas que, na realidade, não pode tudo fazer.

Nos tempos atuais, a produtividade já nem sequer constitui uma exigência e uma pressão exercidas por alguém ou uma estrutura exterior. Transformou-se em uma autoexigência, em uma autopressão, que provoca, cada vez, mais nos trabalhadores e nos educandos uma sensação de exaustão, de depressão. Levámos o homem moderno ao máximo do homo laborans. A exigência obsessiva de produtividade provoca uma situação particular na vida do trabalhador, cada vez mais pressionado com os compromissos de objetivos, de metas de produção, que vai aceitando como um princípio seu. Vai-se culpabilizando a si mesmo em caso de insucesso, em vez de responsabilizar os fatores de exigência exteriores. A permanente e até progressiva necessidade de adaptação, a exigência de superação de objetivos de trabalho propostos pelo trabalhador, a competitividade das empresas, o slogan do empreendedorismo, o ritmo alucinante imposto pela produção global, vão deixando um registo de não descanso que alimenta o próprio mecanismo da sociedade neoliberal. Cada vez mais se exige mais, mais eficientemente, mais rapidamente, mais visivelmente. Procuramos a todo o custo evidenciar os produtos e o trabalho. Enovelada nessa dinâmica também a instituição escolar se transforma de um espaço e um tempo de tranquilidade e maturação em mecanismo sujeito à objetivação de metas produtivas registadas. A escola, que tinha sido, na sua origem, criada sob o signo do ócio (skolê), tornou-se em uma empresa como outra qualquer, subjugada pelos índices de alcance de metas e produtos. Com metas cada vez mais concorrenciais, com a febre da lista dos rankings, com a procura de resultados, com a obrigatoriedade de produção de trabalhos acadêmicos indexáveis, que entram em um sistema de contabilidade, a missão da escola e da universidade alterou-se e a finalidade humanizadora da educação esbateu-se em detrimento da faceta performativa do educando. Trouxemos para dentro da escola esse clima frenético dos modelos de gestão empresarial e tornamo-lo obsessivamente presente. A hiperatividade, a hiperestimulação, a hiperinformação, a incapacidade de estar desconectado das redes sociais, a neurótica e compulsiva necessidade de viver em um ambiente de constante solicitação na participação na teia de contactos, a propósito de tudo e de nada, vão atrofiando a capacidade de reflexão, de atenção e de maturação e acompanham a redução de um processo dito de humanização em processo consentido de domesticação e alienação.

Nesse contexto, uma questão que não parece inútil colocar é se as práticas educativas, ou seja, curriculares, conseguem acompanhar e, por conseguinte, dar respostas satisfatórias às exigências de um modelo de emancipação em um sistema social que reveste quer novas formas de socialização, quer novas formas de trabalho. Por outras palavras, consegue-se corresponder às exigências de um modelo de emancipação cuja carga semântica se complexificou imenso desde as Luzes. As questões que se impõem têm a ver com a nossa visão demasiado positiva do universo do conhecimento, de nós mesmos e dos outros. Haverá solução? Na entrevista intitulada “Porque é que hoje nenhuma revolução é possível”, diz o filósofo Byung-Chul Han (2015HAN, B.-C. Porque é que hoje nenhuma revolução é possível. Punkto, 2015. Disponível em: Disponível em: http://www.revistapunkto.com/2015/12/porque-e-que-hoje-nenhuma-revolucao-e.html . Acesso em: 25 jan. 2018.
http://www.revistapunkto.com/2015/12/por...
): “Hoje, o poder que estabiliza o sistema já não funciona através da repressão, mas através da sedução - isto é, cativando. Já não é visível, como no caso do regime disciplinar. Hoje, não há um adversário concreto, um inimigo, que nos retire a liberdade e ao qual se possa resistir”. Nesse sentido, parece não ser possível fazer uma revolução educativa como era o desejo e o empenho comprometido do próprio Paulo Freire e daqueles que deram continuidade à sua obra, mas ainda vale a pena resistir e ir realizando o exercício paciente da crítica, fazendo alguma filosofia, lembrando alguns pensadores, como Paulo Freire, Byung-Chul Han, entre tantos outros, que vale a pena ler e ouvir. Enfim, saber escutá-los10 10 Esse conceito da escuta também se encontra presente em Paulo Freire (2012, p. 99-108). , aos autores citados e outros do género, como, por exemplo, Ivan Illich (1926-2002), na sua arte de problematizar a vida, o mundo e, claro, a educação que faz parte de nós como seres inconclusivos em permanente movimento “de busca do Ser Mais”, tal como nos ensinou Paulo Freire (1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 47). Apesar de todas as limitações do discurso educativo (Giroux, 2003GIROUX, H. A. Pedagogía y política de la esperanza. Teoría, cultura y enseñanza. Una antología crítica. Tradução de Horacio Pons. Buenos Aires, Madri: Amorrortu, 2003., p. 257-325), de todas as críticas, de todas as impossibilidades que a tradição educativa contemporânea já mostrou, particularmente quando tende a converter-se em “pedagogismo e subordinação” (Lima, 2012aLIMA, L. Aprender para Ganhar, Conhecer para Competir. Sobre a subordinação da educação na “sociedade da aprendizagem”. São Paulo: Cortez, 2012a., p. 42-50), é, contudo, com a própria educação que podemos contar, ainda que reconhecendo que esta não possa fazer tudo. Como refere Paulo Freire, em uma introdução a uma obra de Henry Giroux (1990GIROUX, H. A. Los profesores como intelectuales. Hacia una pedagogía crítica del aprendizaje. Tradução de Isidro Arias. Barcelona: Paidós Ibérica, 1990., p. 30), “se a educação pudesse fazer tudo, não haveria razão para falar acerca das suas limitações. Se a educação não pudesse fazer nada, tão pouco teria muito sentido falar das suas limitações”.

É com ela que contamos para fomentar uma educação problematizadora, com as todas as consequências que dela resultam, para promover uma “pedagogia da autonomia”, com todas implicações que ela pressupõe, e instaurar uma sociedade mais democrática. Como nos recorda Licínio C. Lima, é com a educação que podemos ainda contar, dadas a sua dimensão subversiva e a sua vocação crítica para combater a crise que exige uma consciência crítica empenhada, uma convivencialidade comunicacional em forma de redes de cooperação e de relações multiculturais, uma prática de decisão, uma participação ativa e, por fim, uma incessante luta contra a alienação (Lima, 2012bLIMA, L. Educación permanente en tiempos de crisis: volviendo a Freire, Gelpi e Illich. In: BARBERÁN, M. A. et al. (org.). Educación permanente, vida recibida y cambio de civilización. Valência: Ediciones del Crec, 2012b. p. 41-63., p. 41-63). Lembrando a Pedagogia da esperança (Freire, 2002FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 9ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.) e a designação de “esperança educada” (Giroux, 2007GIROUX, H. A. Tempo Público e Esperança Educada: Liderança Educacional e a Guerra Contra os Jovens. Tradução de Leontina Luís. Mangualde: Pedago , 2007., p. 27), que é já uma prática emancipatória (Giroux, 2007GIROUX, H. A. Tempo Público e Esperança Educada: Liderança Educacional e a Guerra Contra os Jovens. Tradução de Leontina Luís. Mangualde: Pedago , 2007., p. 29), para que a educação possa realizar as tarefas críticas agora apontadas é necessário reinstituir a escola, mas também criar um espaço público de educação (Nóvoa, 2005NÓVOA, A. Evidentemente. Histórias da Educação. 2ª ed. Porto: Asa, 2005.), bem como dar lugar, e por ela lutar, a uma educação permanente (ou se se preferir, uma “educação ao longo da vida” (lifelong education). Sugere-se, assim, um novo tipo de educação, que seja “capaz de resistir à adaptação e ao mimetismo”, que ponha em ação uma pedagogia crítica da inadaptação da subversão (Lima, 2012bLIMA, L. Educación permanente en tiempos de crisis: volviendo a Freire, Gelpi e Illich. In: BARBERÁN, M. A. et al. (org.). Educación permanente, vida recibida y cambio de civilización. Valência: Ediciones del Crec, 2012b. p. 41-63., p. 60), da indignação, da inquietação que as boas perguntas provocam, e por que não, da dialogicidade enquanto “essência da educação como prática da liberdade” (Freire, 1975FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2ª ed. Porto: Afrontamento, 1975., p. 119). Nesse sentido, convém igualmente não se esquecer da tarefa de recuperar a educação cidadã para fortalecimento de uma democracia crítica e emancipada:

É central, para uma política e pedagogia da cidadania crítica, a necessidade de reconstruir uma linguagem visionária e uma filosofia humana no centro das noções de democracia e cidadania. […] Isto significa que a educação cidadã tem que fundamentar-se numa filosofia pública que se ocupe de descobrir fontes de sofrimento e de opressão, assim como que legitime aquelas práticas sociais que defendem os princípios de sociabilidade e de comunidade orientadas para a melhoria da vida humana. (Giroux, 1993GIROUX, H. A. La Escuela y la Lucha por la Ciudadanía. Pedagogía crítica de la época moderna. Tradução de Martin Mur Ubasart. Madri: Siglo Veintiuno, 1993., p. 54-63)

Tudo o até agora dito não apontará para uma revolução cultural e sociopolítica (Giroux, 2001GIROUX, H. A. Cultura política y práctica educativa. Tradução de Hugo Riu. Barcelona: Graó, 2001., p. 11-22), no seio de uma sociedade tecnológica, consumista, neoliberal, individualista, da utilidade económica, do tribalismo (que se opõe ao multiculturalismo - Giroux, 2003GIROUX, H. A. Pedagogía y política de la esperanza. Teoría, cultura y enseñanza. Una antología crítica. Tradução de Horacio Pons. Buenos Aires, Madri: Amorrortu, 2003., p. 326-352), sob o signo da pedagogia da esperança, ela mesma elemento essencial da utopia e alimentador do sonho de uma sociedade melhor? Interrogamo-nos se tudo aquilo que vimos dizendo não será já uma possível contribuição para “libertar o futuro”, a expressão é de Ivan Illich (s.d.ILLICH, I. Libertar o Futuro. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Publicações Dom Quixote, [s.d.].), das grilhetas da alienação, “da malvadez neoliberal”, “do cinismo de sua ideologia fatalista” e da sua “recusa inflexível ao sonho e à utopia” (Freire, 2012FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Mangualde: Pedago, 2012., p. 32)? E assim sendo, do atrás exposto, cremos haver razões para pensarmos que pode nascer uma “esperança educada como aspiração utópica” (Giroux, 2007GIROUX, H. A. Tempo Público e Esperança Educada: Liderança Educacional e a Guerra Contra os Jovens. Tradução de Leontina Luís. Mangualde: Pedago , 2007., p. 28) e que esta, por sua vez, dê continuidade à transformação social e democrática por meio de uma “pedagogia da esperança” (Freire, 2002FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 9ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.). Uma pedagogia que contribua dialogicamente não só para tornar o mundo melhor e mais livre, como também mais “convivencial”: “convivencial é a sociedade em que o homem controla a ferramenta” (Illich, 1976ILLICH, I. A Convivencialidade. Tradução de Arsénio Mota. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976., p. 11; Gajardo, 2010GAJARDO, M. Ivan Illich. Tradução de José Eustáquio Romão. Recife: Massangana, 2010., p. 20-23). Se o homem resistir a tornar-se apêndice da ferramenta, não estará, ainda que com limitações, já contribuindo para uma emancipação mais humanizante? Se assim for, não poderemos falar, sob a égide de Ivan Illich, do “renascimento do homem Epimeteu”, enquanto inaugurador de um novo humanismo? Ao invocar essa figura mítica, irmão de Prometeu, a quem recorreu para dar uma qualidade específica ao homem, Illich faz dela uma metáfora da incompletude da modernidade, sugerindo um retorno ao que esta não quis ou não soube incluir no seu percurso evolutivo, a saber, um humanismo que nos ensina “ainda a encontrar um nome para os que valorizam mais a esperança do que as expectativas, […] de um nome para os que amam mais as pessoas do que os produtos, […] encontrar um nome para os que amam a terra onde cada um possa encontrar o outro” (Illich, 1988ILLICH, I. Sociedade sem Escolas. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 1988., p. 183).

Nessa proposta cruzamo-nos com a vocação para a humanização centrada na própria busca do ser mais segundo uma “dinâmica do inacabamento e do vir-a-ser” (Zitkoski, 2010ZITKOSKI, J. J. Humanização/Desumanização. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica , 2010. p. 210-213., p. 210-211), pelo que o “renascimento do homem Epimeteu” bem pode constituir plataforma de reajustamento da pedagogia crítica e impulso de abertura à esperança de emancipação, até porque, na perspetiva de Ivan Illich, essa figura mítica traduz a esperança, enquanto a figura de Prometeu traduz a expetativa:

Esperança, em seu sentido mais genuíno, significativa, no sentido em que a emprego aqui, significa confiança nos resultados que são planejados e controlados pelo homem. A esperança concentra o desejo numa pessoa da qual espera um donativo. A expectativa olha para a satisfação de um processo previsível que há de produzir o que temos direito de reclamar. O ‘ethos’ prometeico ofuscou, atualmente, a esperança. A sobrevivência da raça humana depende de sua redescoberta como força social. […] O homem define-se agora como a fornalha que queima os valores produzidos por seus instrumentos. E aqui não há limites para sua capacidade. Seu ato é o de Prometeu levado a extremos. (Illich, 2010ILLICH, I. Renascimento do homem Epimeteu. In: GAJARDO, M. Ivan Illich. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 2010. p. 122-135., p. 123-132)

Segundo esse autor, é necessário encontrar-se um nome para aqueles que valorizam mais a esperança do que as expetativas, que amam mais a Terra e as pessoas (domínio da poiésis - Eros) do que os produtos e os instrumentos (domínio da techné - Logos), e termina com uma nota de esperança e de reconciliação na medida em que apela à necessidade de se encontrar um nome para os que “colaboram com seu irmão prometeico no acender o fogo e modelar o ferro. Mas os que assim procedem devem empregar a sua habilidade para se inclinar, cuidar e esperar pelo irmão” (Illich, 2010ILLICH, I. Renascimento do homem Epimeteu. In: GAJARDO, M. Ivan Illich. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 2010. p. 122-135., p. 135).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A instituição da escola como lugar social de educação formal das novas gerações resulta da crença no poder da educação como fator de anulação das desigualdades sociais e de formação dos cidadãos. O seu crescimento exponencial a partir da Segunda Guerra Mundial marca um processo de generalização da oferta escolar ainda legitimado pela sua faceta promissora de desenvolvimento, mobilidade social e igualdade, mas os anos 1970 deparam-se com desilusões do progresso e frustração das expectativas gerada pelo não cumprimento dessas promessas, e a escola é submetida a uma crítica demolidora que denuncia o seu caráter seletivo e legitimador de desigualdades.

Todos os diagnósticos que apontam para a “crise da educação” comportam, por um lado, uma crítica extremada à educação escolar instituída (reduzindo, muitas vezes, a “crise da educação” a uma “crise da escola”) e, por outro, uma crença nas potencialidades da própria instituição escolar para se renovar e cumprir as promessas da modernidade ainda por cumprir. O movimento educacional da pedagogia crítica é, de certo modo, impulsionado também por essa dupla faceta, quando tece críticas à educação escolar instituída e quando aponta para a sua transformação. As fragilidades reveladas pela educação escolar na adequação às desilusões que acompanham a deslocação das expectativas sociais relativamente a ela mesma vêm confirmar e até se alimentam da faceta denunciadora da pedagogia crítica. Seria, por isso, um tremendo equívoco considerar a pedagogia crítica como responsável pela “crise da educação”, quando fragilidades apontadas pelos seus pensadores à educação escolar se devem mais ao funcionamento concreto das instituições do que à sua denúncia.

Considerado ao longo do tempo, o movimento da pedagogia crítica viu-se confrontado com a capacidade adaptativa do modelo escolar e foi ela mesma engendrando modos específicos de exposição dos seus princípios em função das novidades do contexto social. O estudo das dinâmicas evolutivas da pedagogia crítica contribuirá para aquilatar a sua capacidade de adaptação e reação às realidades emergentes e a(s) figura(s) que ela mesmo assume com o desencanto com a escola amplificado com o tempo de incertezas que atualmente se vive.

Nesse sentido, a aportação do conceito de convivencialidade para a órbita da pedagogia crítica compreende-se em um contexto de reconfiguração do modelo escolar para superar o défice de sentido com que se deparam professores e alunos, bem como o défice de legitimidade social que advém do seu caráter simultaneamente produtor e reprodutor de desigualdades. Assim, o retorno a Illich (1976ILLICH, I. A Convivencialidade. Tradução de Arsénio Mota. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976., s.d.ILLICH, I. Libertar o Futuro. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Publicações Dom Quixote, [s.d.]., 1988ILLICH, I. Sociedade sem Escolas. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 1988.) convida a pensar a escola a partir do não escolar e a trazer para o seu interior práticas educativas que conduzem a aprendizagens significativas, em um processo de “desescolarização” que não fará desparecer a escola como lugar social da educação formal, mas requer a desalienação do trabalho escolar (Canário, 2005CANÁRIO, R. O que é a escola? Um olhar sociológico. Porto: Porto, 2005., p. 88). Escreve o autor que a sociedade convivial “não deseja o desaparecimento da escola, mas somente daquelas que fazem do sistema escolar um sistema que penaliza aqueles que dele desertam” (Illich, 1976ILLICH, I. A Convivencialidade. Tradução de Arsénio Mota. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976., p. 13). Assim sendo, não estaremos em um processo de retrocesso à pré-modernidade, mas de denúncia da situação a que a modernidade chegou: uma situação sem sentido, de perda de futuro e, por isso, sem esperança. A colaboração das figuras míticas de Prometeu (o que pensa antes) e de Epimeteu (o que pensa depois) aponta, assim, para um horizonte societário e educacional de união de dois domínios, o do planeamento, da previsão e do progresso, e o do acaso, do irrefletido e da confiança esperançosa. E se Illich (2010ILLICH, I. Renascimento do homem Epimeteu. In: GAJARDO, M. Ivan Illich. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana, 2010. p. 122-135., p. 135) sugere que “estes irmãos e irmãs, cheios de esperança, recebam o nome de homens epimeteus, também a contemporaneidade os quer irmanados.

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  • 1
    Expressões como “educação emancipadora” (Henry Giroux), “educação libertadora através de um discurso crítico” (Peter McLaren), “emancipação pessoal e social” (Henry Giroux), “formas emancipadoras de conhecimento” (Henry Giroux), “possibilidades emancipatórias” (Peter McLaren), “transformação social” (Peter McLaren), entre outras, são utilizadas frequentemente por ambos os autores para designar a possibilidade que a educação teria, segundo eles, de emancipar os sujeitos da pressão e dominação social. Essa emancipação carecia de toda uma educação problematizadora em ordem a uma mais profunda conscientização, tal como o defendia Paulo Freire.
  • 2
    Em 1773, Helvétius expressa a crença iluminista no poder demiúrgico da educação que “tudo pode” em ordem a um progresso e a uma perfectibilidade humanos sem fim, quando escreve que a “educação faz aquilo que nós somos” (Helvétius, 1989HELVÉTIUS. De L’Homme. De L’Homme, de ses Facultés Intellectuelles, et de son Éducation. Tome premier e Tome second. Londres: Fayard, 1989., p. 881) e ainda que “nada é impossível para a educação: ela faz dançar o urso. [...] O homem nasce sem ideias e sem paixões; ele nasce imitador; ele é dócil ao exemplo: é, portanto, à instrução que deve os seus hábitos e o seu caráter” (Helvétius, 1989HELVÉTIUS. De L’Homme. De L’Homme, de ses Facultés Intellectuelles, et de son Éducation. Tome premier e Tome second. Londres: Fayard, 1989., p. 334).
  • 3
    Esse foco na eficácia da aprendizagem útil enquadra-se no que Licínio Lima (1997LIMA, L. O paradigma da educação contábil: políticas educativas e perspetivas gerencialistas no ensino superior em Portugal. Revista Brasileira da Educação, n. 4, p. 43-59, 1997.) designa-a por “educação contábil”.
  • 4
    Nesse sentido, Licínio Lima (2012aLIMA, L. Aprender para Ganhar, Conhecer para Competir. Sobre a subordinação da educação na “sociedade da aprendizagem”. São Paulo: Cortez, 2012a., p. 44) escreve: “Por isso se revela indispensável a crítica à ‘pedagogização’ quase totalitária da esfera individual e colectiva, assente na crença de que os nossos maiores problemas se devem à crise da educação e da escola, e de que só pela via de um novo paradigma de aprendizagem, que em primeiro lugar responsabiliza o indivíduo e o atomiza, poderemos finalmente responder aos chamados ‘desafios’ da globalização e da ‘sociedade da informação e do conhecimento’”.
  • 5
    A autora diz, a propósito desse conceito, que a “libertação é um conceito central no pensamento freiriano, intrinsecamente vinculado à liberdade, à conscientização e à revolução” (2010, p. 242).
  • 6
    Pensamos no conceito de emancipação, não nos esquecendo da intencionalidade política que ele pressupõe.
  • 7
    Na época das redes sociais, a autoexposição é uma decisão pessoal (embora arrastada por modas dos grupos), mas também é valorizado todo um mundo que é de rendimento: o número de likes, a quantidade de “visualizações” de certos posts, o valor económico da popularidade, a dinâmica da auto-publicidade, a política feita por tweets, os rankings das empresas, a sociedade digitalizada. E, depois, há toda a informação “à mão”, a informação imediata, não “digerida”, superficial e rapidamente posta a circular. Não há demora. A sociedade da informação e da comunicação caracteriza-se exatamente pela facilidade do acesso, da produção e da circulação da informação. O mundo do enxame - nome dado por Han à sociedade da comunicação digital e da vida virtual - é o mundo do acesso à informação “total”, ao suposto poder de introduzir informação nos sistemas. Apesar do seu enorme potencial, o atual mundo da mediatização comunicacional, informacional e, sobretudo, visual induz também uma atuação superficial. A reação dos likes no Facebook, o mundo virtual das redes sociais, a lógica do permanentemente acessível e “postável” denuncia uma apropriação massificada do conhecimento, em que os sujeitos se tornam escravos do sistema de comunicação. Supostamente temos a virtualidade de aceder ao melhor dos mundos informativos, mas a lógica do sistema não é neutra - induz uma forma de vida dominada pelo simulacro e pelo espetáculo e mantém o utilizador sempre exposto. Na sobreinformação gera-se um ruído resultante da vulgarização do opinar. Sem censura, sem pudor, sem distanciamento. Parece que quanto mais visível, melhor, quanto mais like, mais valioso, quanto mais espalhafatoso, mais eficaz. O sucesso está na maximização da partilha. É esse excesso que Han (2016HAN, B.-C. No Enxame: Reflexões sobre o digital. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’Água , 2016., p. 74) evidencia. A consulta de informação, sempre acessível em qualquer dispositivo de comunicação digital, acaba por se tornar um problema, gerando uma síndrome de “fadiga da informação”. Como diz Han (2016HAN, B.-C. No Enxame: Reflexões sobre o digital. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’Água , 2016., p. 74): “Um dos principais sintomas da IFS (Information Fatigue Syndrom) é a paralisia da capacidade analítica. Ora, é precisamente essa capacidade que nos torna capazes de pensar. O excesso de informação conduz à atrofia do pensamento. A capacidade analítica consiste em pôr de lado, no material da perceção, tudo o que não é essencialmente pertinente”. E alerta: “A tremenda quantidade de informação aumenta massivamente a entropia do mundo, e também o nível de ruído. O pensamento tem necessidade de silêncio. É uma expedição ao silêncio” (Han, 2014aHAN, B.-C. A Agonia de Eros. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio d’Água, 2014a., p. 56).
  • 8
    O diagnóstico crítico aprofundado e pessimista, quase clínico, desse tipo de mundo, ainda que sob diferentes perspetivas, foi já feito por muitos autores, entre outros, como Jean-François Lyotard, Jean Baudrillard, Zygmunt Bauman, Alan Finkielkraut, Gilles Lipovetsky, Richard Sennet, Peter Sloterdijk, Hartmut Rosa, Neil Postman, Gianni Vattimo, Anthony Giddens, e ultimamente pelo filósofo coreano-germânico Byung-Chul Han.
  • 9
    Essa nova face do mundo laboral foi bem retratada por Richard Sennet (2001SENNET, R. A corrosão do carácter. As consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução de Carlos Fontoura. Lisboa: Terramar, 2001.), segundo o qual vivemos agora em um tempo de um mercado laboral flexível, com empresas estruturalmente dinâmicas, com a exigência de mobilidade e adaptação constantes, e com exigências de participação empreendedora sobrevalorizada.
  • 10
    Esse conceito da escuta também se encontra presente em Paulo Freire (2012FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Mangualde: Pedago, 2012., p. 99-108).
  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2020
  • Aceito
    24 Ago 2020
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