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Do SIRENA ao MEB: articulações entre empresários, Igreja Católica e Estado para a implantação da radioeducação no Brasil (década de 1950)

DE SIRENA A MEB: ARTICULACIONES ENTRE EMPRESARIOS, IGLESIA CATÓLICA Y ESTADO PARA LA IMPLEMENTACIÓN DE LA RADIO EDUCACIÓN EN BRASIL (DÉCADA DE 1950)

RESUMO

O artigo analisa as articulações entre a Igreja Católica, a Philips do Brasil e o governo brasileiro relacionadas à implantação de um sistema radioeducativo no país. Observamos as relações interinstitucionais ao longo da década de 1950, quando o enfrentamento ao analfabetismo se constituiu em política nacional. O exame das fontes privilegiou, além de documentos oficiais e outros escritos, o livro Educação fundamental pelo rádio, de João Ribas da Costa, professor, entusiasta da radioeducação e funcionário da Philips. Com base na ideia de estratégia, de Michel de Certeau, buscamos identificar os argumentos em defesa da implantação do Sistema Radioeducativo Nacional (SIRENA), compreender as noções do papel e da competência do Estado então veiculadas e destacar os distintos interesses que convergiam em um projeto comum. Finalmente, observamos as relações entre a constituição desse sistema e o estabelecimento do Movimento de Educação de Base (MEB), em 1961.

PALAVRAS-CHAVE:
educação radiofônica; Igreja Católica; Philips do Brasil; SIRENA; Movimento de Educação de Base

RESUMEN

El artículo analiza las articulaciones entre la Iglesia Católica, Philips de Brasil y el gobierno brasileño, relacionadas con la implantación de un sistema educativo por radio en el país. Observamos las relaciones interinstitucionales en los anõs 1950, cuando la lucha contra el analfabetismo se convierte en política nacional. El examen de las fuentes favoreció, además de los textos oficiales y otros escritos, el libro Educação Fundamental pelo Rádio, de João Ribas da Costa, profesor, entusiasta de la radio y empleado de Philips. A partir de la noción de estrategia de Michel de Certeau, buscamos identificar los argumentos en defensa de la implementación del Sistema Nacional de Radio Educativa (Sistema Rádio Educativo Nacional - SIRENA), comprender las nociones del rol y competencia del Estado divulgadas y resaltar los intereses que convergieron en un proyecto común. Finalmente, observamos las relaciones entre la constitución del Sistema y el establecimiento del Movimiento de Educación de Base (Movimento de Educação de Base - MEB) en 1961.

PALABRAS CLAVE:
radio educación; Iglesia Católica; Philips de Brasil; SIRENA; Movimento de Educação de Base

ABSTRACT

The article analyzes the interrelations between the Catholic Church, Philips do Brasil, and the Brazilian government for the implementation of an educational radio system in the country. We assessed the interinstitutional relations throughout the 1950s when the fight against illiteracy became a national policy. The examination of sources favored, besides official documents and other writings, the book Educação fundamental pelo rádio (Elementary Education on the Radio) by João Ribas da Costa, professor, radio education enthusiast, and Philips employee. Based on Michel de Certeau's strategy concept, we aimed to identify the arguments defending the implementation of the National Educational Radio System (Sistema Rádio Educativo Nacional - SIRENA), understand the idea of the role and responsibility of the State circulating at the time, and highlight the distinct interests that converged on a common project. Lastly, we evaluated the relations between the constitution of this System and the establishment of the Basic Education Movement (Movimento de Educação de Base - MEB), in 1961.

KEYWORDS:
radio education; Catholic Church; Philips do Brasil; SIRENA; Movimento de Educação de Base

INTRODUÇÃO

Desde o seu surgimento no país, a radiodifusão foi propagandeada como um meio eficaz de difundir instrução a grandes contingentes populacionais. Levando-se em conta o largo predomínio da população rural brasileira na primeira metade do século XX, compreende-se o impacto pretendido com essa tecnologia da informação1 1 Os dados dos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que, em 1950, a taxa de urbanização brasileira era de 36,1% e que a partir daí aumentaria rapidamente, atingindo 55,9% em 1970 (Girardi, 2017). . A primeira emissora regular brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, constituída em 1923, definiu como objetivo “levar a cada canto um pouco de educação, de ensino e de alegria” (Tavares, 1999TAVARES, R. Histórias que o rádio não contou: do galena ao digital, desvendando a radiodifusão no Brasil. 2. ed. São Paulo: Harbra, 1999., p. 8). Quanto a isso, Edgard Roquette-Pinto, um dos fundadores da emissora, escreveu: “O rádio é o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre; é o animador de novas esperanças; o consolador do enfermo; o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito altruísta e elevado” (apudTavares, 1999TAVARES, R. Histórias que o rádio não contou: do galena ao digital, desvendando a radiodifusão no Brasil. 2. ed. São Paulo: Harbra, 1999., p. 8).

Roquette-Pinto foi um dos principais responsáveis pelas primeiras iniciativas de radioescolarização no Brasil. Um projeto pioneiro nessa linha foi o da Rádio-Escola Municipal do Distrito Federal (PRD-5), inaugurada em 1934, que oferecia um ensino mais sistemático. Com uma concepção cultural ampla e ambiciosamente civilizatória, a programação contava com o apoio decisivo de Anísio Teixeira (Gilioli, 2008GILIOLI, R. S. P. Educação e cultura no rádio brasileiro: concepções de radioescola em Roquette-Pinto. 2008. 409f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.). Nas primeiras décadas do rádio no Brasil, além desse exemplo, surgiram variadas tentativas, pelas emissoras privadas, de associar e acomodar preceitos educacionais às exigências de uma programação comercial, tema analisado por Patrícia Costa (2012COSTA, P. C. Educadores do rádio: concepção, realização e recepção de programas radiofônicos (1935-1950). 2012. 272f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.) em sua tese2 2 Acerca do período de emergência do rádio no Brasil, é interessante observar uma dimensão ressaltada por Maria Salvadori (2010). Juntamente com a valorização do veículo como instrumento educacional, surgiram programas humorísticos que satirizavam as temáticas escolares. Isso, em parte, resultava de uma inflexão do sistema radiofônico, que de panaceia educativa passava a explorar mais os aspectos comerciais e populares. A autora, baseada em exemplos dessa programação e nas reações por esta suscitadas, analisou as tensões existentes entre a missão pedagógica e civilizadora inicial do rádio e seu desenvolvimento posterior (Salvadori, 2010). .

A centralização do poder, advinda com a instauração do governo Getúlio Vargas (1930-1945), impulsionou novos modos de intervenção e de regulamentação da educação nacional, via Ministério da Educação e Saúde Pública, resultando na constituição dos primeiros projetos estatais de educação pelo rádio. Um exemplo nesse sentido foi o programa Universidade do Ar, da Rádio Nacional Rio de Janeiro, criado em 1941, sob a supervisão da Divisão de Ensino Secundário do Ministério da Educação. O objetivo era oferecer formação continuada aos professores secundaristas em atuação nas escolas da então capital da República (Romero, 2014ROMERO, M. H. C. Universidade do ar: em foco a primeira iniciativa de formação de professores secundaristas via rádio no Estado Novo (1941-1944). 2014. 167f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2014. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/13976 . Acesso em: 12 fev. 2019.
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). Em 1950, tem-se notícia do primeiro projeto de alfabetização pelo rádio realizado no país. Tratou-se do Curso de Alfabetização da Rádio Clube de Valença, iniciativa que pretendia alfabetizar jovens e adultos entre 14 e 30 anos (Baumworcel, 2008BAUMWORCEL, A. As escolas radiofônicas do MEB. In: CONGRESSO DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 6., 2008, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2008. Disponível em: Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/As%20escolas%20radiofonicas%20do%20MEB.pdf . Acesso em: 5 maio 2019.
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).

De outra parte, a Igreja Católica historicamente tratou a educação como um importante campo de disputas no qual rivalizou com diversos grupos religiosos, políticos e ideológicos de diferentes matizes - protestantes, anticlericais, anarquistas, socialistas. Na primeira metade do século XX, sobretudo nos centros urbanos, utilizou a imprensa escrita como principal arma de combate na difusão de seus ideários3 3 Sobre as formas de utilização da imprensa escrita por setores católicos ao longo da Primeira República, ver, entre outros: Gonçalves (2008). . Mas, ao longo dos anos 1950, as novas formas de disputa enfrentadas pela Igreja Católica no terreno ideológico e religioso a levaram a apostar no enorme potencial comunicativo do rádio como “o jornal de quem não sabe ler”. As autoridades eclesiais mobilizaram-se então pela implantação da Rede Nacional de Emissoras Católicas (RENEC).

Esse movimento, entretanto, não foi o primeiro do gênero a ocorrer na América Latina. O projeto de educação rural em larga escala por meio da radiodifusão se iniciou na Colômbia, em 1947. Denominado de Acción Cultural Popular (ACPO), foi difundido pela Rádio Sutatenza e coordenado por Monsenhor José Joaquín Salcedo4 4 José Joaquín Salcedo foi ordenado sacerdote em 1947, no mesmo ano assumiu a paróquia de Sutatenza, no departamento rural de Boyacá, Colômbia. Em seguida, instalou ali uma pequena emissora de rádio, dando início ao projeto da ACPO, que viria a se propagar por um sistema radiofônico, alcançando todo o país. As transmissões radiofônicas foram mantidas até 1989 (Vaca Gutiérrez, 2017). . No começo da década de 1950, a ACPO contabilizava 7.500 escolas radiofônicas, distribuídas em 533 paróquias em todo o país (Baumworcel, 2008BAUMWORCEL, A. As escolas radiofônicas do MEB. In: CONGRESSO DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 6., 2008, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2008. Disponível em: Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/As%20escolas%20radiofonicas%20do%20MEB.pdf . Acesso em: 5 maio 2019.
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, p. 5; Fávero, 2006FÁVERO, O. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas: Autores Associados , 2006., p. 35; Horta, 1972HORTA, J. S. B. Histórico do rádio-educativo no Brasil (1922-1970). Cadernos da PUC-RJ, Rio de Janeiro, n. 10, p. 73-123, set. 1972., p. 101). No Brasil, as primeiras experiências de educação pelo rádio no âmbito católico ocorreram na Região Nordeste, no fim dos anos de 1950, e se inspiraram no modelo colombiano. Entre elas, destacam-se as iniciativas de Dom Eugênio Sales, na diocese de Natal5 5 Fundou, em 1948, o Serviço de Assistência Rural (SAR), difundido em Natal e no interior do estado do Rio Grande do Norte. Fundou também, na periferia de Natal, escolas-ambulatório ligadas aos centros comunitários. , e de Dom José Vicente Távora, em Aracaju6 6 O Sistema de Radioeducativo de Sergipe (SIRESE) dispunha de um centro de execução, um centro de treinamento, uma estação transmissora e uma rede de escolas radiofônicas sob a responsabilidade da diocese de Aracaju (IPEA/IPLAN, 1976, p. 24 apudBaumworcel, 2008, p. 6). .

A iniciativa privada também se interessou pelo novo nicho de mercado aberto pela radioeducação, e a empresa Philips, que já vinha fornecendo os aparelhos de recepção das aulas na Colômbia, passou a desempenhar, por meio de sua filial brasileira, papel importante na legitimação e ampliação do sistema radioeducativo nacional. Entre outras medidas, a empresa financiou a publicação de um livro que alcançou expressiva repercussão e chegou a influenciar algumas decisões no interior do Ministério da Educação para a criação do Sistema Radioeducativo Nacional (SIRENA).

Essas ações da Igreja Católica e da Philips do Brasil ocorreram no contexto de um projeto desenvolvimentista então em curso no país. Nesse projeto, a denúncia de atraso e abandono dirigiu-se fortemente ao meio rural, defendendo a necessidade de uma reestruturação produtiva. Essa reestruturação demandaria, entre outras ações, a ampliação da atuação do Estado nacional por meio de políticas como a reforma agrária, a extensão da legislação trabalhista e a ampliação da educação básica aos trabalhadores rurais. Essa última medida apoiava-se no reconhecimento da grave situação de analfabetismo no país e especialmente no campo. Segundo os dados do censo de 1950, entre a população rural, quase 60% dos homens e cerca de 70% das mulheres eram analfabetos (Ferraro, 2012FERRARO, A. R. Alfabetização rural no Brasil na perspectiva das relações campo-cidade e de gênero. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 943-967, set./dez. 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/edreal/v37n3/13.pdf . Acesso em: 10 jul. 2019. https://doi.org/10.1590/S2175-62362012000300013
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, p. 952). No período, iniciou-se, segundo Alceu Ferraro (2012FERRARO, A. R. Alfabetização rural no Brasil na perspectiva das relações campo-cidade e de gênero. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 943-967, set./dez. 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/edreal/v37n3/13.pdf . Acesso em: 10 jul. 2019. https://doi.org/10.1590/S2175-62362012000300013
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, p. 950, grifo do original), “o processo de construção do analfabetismo como problema nacional”.

Com base nessa breve contextualização, o artigo teve por objetivo geral analisar as articulações entre empresariado e Igreja relacionadas à expansão da radioeducação entre a população rural brasileira e suas formas de pressão ante o Estado, tendo como foco os esforços pela constituição de um sistema educativo radiofônico no Brasil.

A perspectiva aqui adotada se orienta pela análise da conjuntura histórica. Especificamente, pretende-se observar as características dessa aproximação entre Igreja e empresariado - aqui representado pela Philips do Brasil - ao longo da década de 1950; identificar os argumentos em defesa da implantação da educação radiofônica; compreender as noções do papel e da competência do Estado então veiculadas; e observar as relações entre a constituição desse sistema e o estabelecimento do Movimento de Educação de Base (MEB), em 1961.

As seguintes indagações orientaram essa discussão: quais foram os caminhos para a aproximação entre a Igreja e o empresariado, visando à implantação do sistema de educação radiofônica? Que argumentação foi mobilizada para defender a implantação e o financiamento público a essa iniciativa? De que maneiras essa iniciativa favoreceu a constituição de movimentos educacionais mais amplos, como o MEB, estabelecido em 1961?

A fundamentação empírica dessa análise foi constituída principalmente do livro Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada, publicado em 1956, de autoria de João Ribas da CostaCOSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., professor de formação e funcionário da Philips do Brasil naquele momento. Além do livro, foram analisados os seguintes documentos: a conferência “O rádio como meio de educação nas zonas rurais”, proferida por Monsenhor José Joaquim Salcedo e publicada nos anais do Seminário Latino-Americano de Bem-Estar Rural ocorrido no Rio de Janeiro em 1953; o artigo do Frei Gil Bonfim, “Pregai por sobre os telhados”, publicado na Revista Eclesiástica Brasileira, em 1955BONFIM, Frei G. O. M. F. Pregai por sobre os telhados. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1955. v. 15, fasc. 2. p. 405-424.; o projeto de acordo entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) referente ao estabelecimento de Education de base: Centre de formation du personnel et de préparation du matériel d'éducation de base pour l'Amérique Latine7 7 O documento denomina-se Educação de base: centro de formação de pessoal e de preparação de material de educação de base para a América Latina (Tradução nossa). Gostaríamos de agradecer à bibliotecária Katia Midori Hiwatashi, do Departamento de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, o auxílio na localização e disponibilização de documentos. , firmado em fevereiro de 1950; a Exposição de motivos para a criação do Sistema Rádio-educativo Nacional, apresentada ao Ministério de Educação e Cultura (MEC), em 1957; e o Sistema Rádio-educativo Nacional: projeto de esquema de trabalho, elaborado pelo MEC, também de 1957.

Em termos metodológicos, optamos pela análise documental, inspirados pelas orientações de André Cellard (2012CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2012. p. 295-316.). Realizamos, inicialmente, o exame amplo do contexto no qual foram produzidos os documentos. Assim, procuramos aproximar-nos da conjuntura política, econômica, social e cultural do período. A seguir, apresentamos informações sobre os produtores, individuais e/ou coletivos, dos documentos, registrando dados biográficos, posições sociais e redes de relações, bem como as possíveis motivações para a constituição dos documentos em análise.

A essas dimensões de ordem contextual agregamos duas, mais diretamente analíticas. Observamos a lógica interna e os conceitos-chave dos textos, assim como buscamos identificar os sentidos e a historicidade dos termos empregados pelos autores. Finalmente, delineamos a análise interpretativa, ou seja, a reunião, classificação e comparação das informações preliminares e interpretação dos textos haja vista as questões orientadoras e as categorias analíticas propostas (Cellard, 2012CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2012. p. 295-316., p. 299-306).

Amparado em Foucault e sua arqueologia do saber, Cellard (2012CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 3. ed. Petrópolis: Vozes , 2012. p. 295-316., p. 304) lembra que o pesquisador desconstrói seu material, segundo as dimensões descritas, para uma posterior reconstrução, com vistas a buscar responder a seus questionamentos. As questões orientadoras surgem da procura por aspectos ainda inexplorados do tema e com base em escolhas teóricas passíveis de intermediar essa aproximação.

Nesse sentido, a fundamentação teórica para a abordagem das relações que envolvem as instituições participantes dos programas de educação radiofônica - Igreja Católica; empresas, nesse caso a Philips do Brasil; Estado e órgãos supraestatais, como a UNESCO - se baseia na noção de estratégia8 8 A noção de estratégia, para Certeau (2012), é desenvolvida em contraposição à tática, que sinteticamente corresponderia à capacidade de ação dos mais fracos, com menor potencial propositivo. Trata-se de uma ação mais reativa, agindo nos interstícios das estratégias traçadas pelo poder, e ocupa a maior parte de sua reflexão. Embora sejam, de certa forma, noções complementares, para nosso estudo, em vista dos agentes sociais implicados, parece ser determinante a primeira. Para maior detalhamento, ver Certeau (2012, p. 91-97). conforme definida por Michel de Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.). Para o autor, estratégia é

o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças [...]. Como na administração de empresas, toda racionalização “estratégica” procura em primeiro lugar distinguir de um “ambiente” um “próprio”, isto é, o lugar do querer e do poder próprios. (Certeau, 2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 93, grifos do original)

Trata-se, aqui, inicialmente, de perceber que os agentes sociais envolvidos detêm parcelas de poder que lhes permite estabelecer aquilo que Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.) identifica como um lugar próprio, específico, que não deixa de ser resultado de uma posição inicial, mas, sobretudo, efeito da potencialização desse poder. O exemplo mais notório, nesse sentido, parece-nos o das instâncias do poder estatal, em todos os seus níveis, contudo a reflexão do autor contempla, ainda, o entendimento das ações de desenvolvimento e legitimação de outras instituições, como as religiosas e empresariais.

No aprofundamento de sua noção, há o reconhecimento de que as práticas sociais dos agentes que dispõem de meios, ou seja, de poder para traçar estratégias, demonstram que estas constituem, também,

um tipo específico de saber, aquele que sustenta e determina o poder de conquistar para si um lugar próprio. De modo semelhante, as estratégias militares ou científicas sempre foram inauguradas graças à constituição de campos “próprios” (cidades autônomas, instituições “neutras” ou “independentes”, laboratórios de pesquisas “desinteressadas” etc.). (Certeau, 2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 94)

Embora pareça paradoxal, na medida em que a neutralidade não está em questão - sobretudo em relação à Igreja Católica, propagadora de um discurso doutrinário muito claro -, o que devemos observar é que as práticas efetivas e a utilização dos meios de difusão de sua doutrina se revestem de uma capa de neutralidade e independência, ao serem estabelecidas como acima dos interesses políticos e dirigidas ao bem comum e ao desenvolvimento nacional. Assim, o contexto desenvolvimentista, aliado à percepção generalizada do analfabetismo como problema, torna a ideia de ensino radiofônico aceitável por si, colocando um projeto cercado de distintos interesses como relativamente independente de suas implicações ideológicas.

Além disso, a obra de Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.) faz uma referência importante às relações que se estabelecem na disputa de estratégias:

As estratégias são, portanto, ações que, graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam, portanto, as relações espaciais. Ao menos procuram elas reduzir a esse tipo as relações temporais pela atribuição analítica de um lugar próprio a cada elemento particular e pela organização combinatória dos movimentos específicos a unidades ou a conjuntos de unidades. (Certeau, 2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 96)

Entendemos, neste estudo, portanto, a noção de estratégia como resultante da capacidade de ação propositiva que deriva fundamentalmente de uma posição de poder particular a cada agente implicado, mas que deve ser observada em relação à potencialidade estratégica dos demais. Considerando um contexto histórico específico, distintas instituições alicerçaram as bases das escolas radiofônicas. Assim, a análise da organização combinatória de ações tomadas pelos agentes estatais, eclesiásticos e empresariais (o conjunto de unidades formado naquele momento para um projeto comum) pode contribuir para a reflexão e a compreensão de aspectos ainda pouco abordados acerca do tema.

O desenvolvimento dessa discussão foi realizado em três partes. Inicialmente, apresentamos uma contextualização geral da obra de Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) e da educação de adultos pelo rádio, sobretudo à vista do processo de construção do analfabetismo como um problema tanto nacional quanto internacional. A seguir, analisamos a rede de relações que abrangia a Igreja Católica, a UNESCO e a Philips do Brasil, o envolvimento de tais instituições com a temática e suas visões e pressões sobre o Estado. Baseados nessa análise, refletimos acerca das justificativas e possibilidades de legitimação do sistema apresentado no livro. Por fim, estabelecemos relações entre a forma como se dava esse entrelaçamento entre interesses e seus possíveis impactos na constituição do SIRENA e, posteriormente, na efetivação do MEB.

O ANALFABETISMO COMO PROBLEMA: O CONTEXTO DE IMPLANTAÇÃO DA RADIODIFUSÃO E A EDUCAÇÃO DE ADULTOS

A postura da Igreja, de esforço pela difusão da educação de base no meio rural, como mencionado, pode ser lida como parte de suas estratégias visando contrapor-se a novos contendores na arena política e religiosa. Nesse sentido, podem-se apontar, entre outros, o combate à expansão do Partido Comunista Brasileiro (PCB) entre os trabalhadores rurais9 9 O PCB havia definido, no Manifesto de agosto, em 1950, a estratégia de construção de uma base social operário-camponesa como linha de ação política. Respondendo à expansão da atividade dos partidos comunistas nos continentes africano e latino-americano, em 1957 o Papa Pio XII publicou a encíclica Fidei Donum, a qual tinha entre seus principais objetivos o trabalho missionário de evangelização e o combate ao comunismo (Alves, 1968, p. 68; Montenegro, 2010, p. 95). e a necessidade de responder aos avanços da radiodifusão promovidos por outras religiões no país. Entre estas, destacava-se, no período, a iniciativa do pastor Paulo Leivas Macalão, que, além de expandir os templos da Igreja Assembleia de Deus na Região Sudeste, deu início ao programa Voz das Assembleias de Deus, em 195510 10 Sobre a atuação desse pastor e a difusão do assembleísmo no Brasil, podem ser consultados, entre outros: Fajardo (2011; 2015) e Barrera Rivera (2012). .

Precisamente em 1955, observou-se a mobilização das autoridades católicas para a implantação de sua rede de radiodifusão. Um marco desse processo foi a apresentação de um estudo do frei franciscano Gil Bonfim (1955BONFIM, Frei G. O. M. F. Pregai por sobre os telhados. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1955. v. 15, fasc. 2. p. 405-424.) inspirado na experiência do Monsenhor José Joaquín Salcedo, na citada ACPO, da Colômbia. Em 1958, foi finalmente fundada a RENEC, que tinha como responsabilidades a articulação e orientação catequéticas e educacionais das emissoras católicas e chegou a gerir 32 rádios disseminadas pelo território nacional (Fávero, 2006FÁVERO, O. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas: Autores Associados , 2006., p. 22). Datam do mesmo período as referidas experiências de educação pelo rádio coordenadas por bispos brasileiros na Região Nordeste.

Para além das iniciativas eclesiais, a transformação dessa questão em política nacional se fundamentou fortemente na convicção de que o analfabetismo era um dos grandes entraves ao desenvolvimento econômico do país. Essa noção coadunava-se, ainda que de maneira difusa, com os principais pressupostos da teoria do capital humano, a qual já vinha sendo difundida nos Estados Unidos ao longo da década de 1950 e postulava a existência de correlações entre investimento para a formação dos trabalhadores, ampliação da renda pessoal e desenvolvimento econômico dos países11 11 Em artigo intitulado “Investment in human capital and personal income distribution”, publicado no Journal of Political Economy, em 1958, Jacob Mincer apresentou uma síntese de seus principais postulados. .

A preocupação com a alfabetização ligava-se ainda a outra variável internacional, uma vez que o Brasil, como signatário da convenção que originou a UNESCO, apoiou a pretensão de se “atingir gradativamente, pela cooperação dos povos nos domínios da educação, ciência e cultura, a paz internacional e a prosperidade comum da humanidade” (Convenção, 1946, p. 84 apudAraújo; Alcoforado; Ferreira, 2015ARAÚJO, M. M.; ALCOFORADO, J. L. M.; FERREIRA, A. G. A educação supletiva nas campanhas de jovens e adultos no Brasil e em Portugal (Século XX). Revista Educação em Questão, Natal, v. 53, n. 39, p. 12-44, set./dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/view/8518 . Acesso em: 22 ago. 2019. https://doi.org/10.21680/1981-1802.2015v53n39ID8518
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, p. 15). Ao final da década de 1940, a UNESCO passou a influenciar, com base em suas resoluções, convenções e acordos internacionais, as políticas educacionais dos países-membros (Araújo; Alcoforado; Ferreira, 2015, p. 17ARAÚJO, M. M.; ALCOFORADO, J. L. M.; FERREIRA, A. G. A educação supletiva nas campanhas de jovens e adultos no Brasil e em Portugal (Século XX). Revista Educação em Questão, Natal, v. 53, n. 39, p. 12-44, set./dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/view/8518 . Acesso em: 22 ago. 2019. https://doi.org/10.21680/1981-1802.2015v53n39ID8518
https://periodicos.ufrn.br/educacaoemque...
).

Entre as formas de exercer tal influência, estava a criação de um centro de educação de base para a América Latina. A consecução dessa iniciativa integrou os esforços da UNESCO e da OEA. O contrato entre ambas, firmado em fevereiro de 1950, estabeleceu a fundação do Centro de Educação de Base no México e do Bureau de Educação de Base em Washington, D.C., nos Estados Unidos. O primeiro seria gerido por uma equipe da UNESCO, e o segundo ficaria sob a coordenação da OEA. As duas instituições contariam com orçamento próprio e com autonomia administrativa, mas ficariam subordinadas a um comitê geral. Este deveria, entre outras atribuições, coordenar as ações desenvolvidas no México e nos Estados Unidos e definir o diretor tanto do centro quanto do bureau (UNESCO, 1950ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Conseil Executive. Education de base: Centre de formation du personnel et de préparation du matériel d'éducation de base pour l'Amérique Latine. Paris: UNESCO, 1950. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000161809_fre?posInSet=2&queryId=6e0a5e45-dc66-4ab0-991da3d7523ed9f5 . Acesso em: 26 set. 2019.
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).

Por esse contrato, o centro, no México, ficou encarregado da coordenação de estudos, da formação de pessoal e da preparação de materiais didáticos consoantes às condições culturais e socioeconômicas das populações atendidas, não definindo limites geográficos. Já o bureau, nos Estados Unidos, deveria conduzir investigações e preparar materiais didáticos a serem distribuídos para os países da América Latina que viessem a estabelecer programas de alfabetização e educação de base (UNESCO, 1950ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Conseil Executive. Education de base: Centre de formation du personnel et de préparation du matériel d'éducation de base pour l'Amérique Latine. Paris: UNESCO, 1950. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000161809_fre?posInSet=2&queryId=6e0a5e45-dc66-4ab0-991da3d7523ed9f5 . Acesso em: 26 set. 2019.
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). Nota-se no texto certa sobreposição de funções, gerada, talvez, pela tentativa de não estabelecer hierarquias entre os dois órgãos.

A educação de base, conforme definição constante do documento, seria composta de campanhas de alfabetização e de expansão da educação primária a adultos que não haviam frequentado a escola ou que haviam desistido dela. Entre suas principais atribuições, estavam a difusão de noções de higiene, conhecimentos agrícolas e de economia doméstica e o apoio ao desenvolvimento do artesanato e das manifestações artísticas locais. Segundo esse entendimento, tal conjunto de conhecimentos e práticas impulsionaria o desenvolvimento econômico e social das localidades atendidas (UNESCO, 1950ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Conseil Executive. Education de base: Centre de formation du personnel et de préparation du matériel d'éducation de base pour l'Amérique Latine. Paris: UNESCO, 1950. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000161809_fre?posInSet=2&queryId=6e0a5e45-dc66-4ab0-991da3d7523ed9f5 . Acesso em: 26 set. 2019.
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).

Essas iniciativas internacionais tiveram forte impacto nos projetos de educação radiofônica em países latino-americanos, ainda que não fossem, a princípio, uma metodologia mencionada pelo contrato entre UNESCO e OEA. Entre os projetos beneficiados pelo estabelecimento do centro de educação de base, está a ACPO colombiana.

Durante os anos de 1950, a empresa Philips, que vinha fornecendo os aparelhos transmissores à ACPO, expandiu seu mercado consumidor no Brasil, com a implantação do SIRENA e do MEB, no início dos anos 1960. Em relação a esse potencial nicho de mercado, é interessante observar que, desde a década de 1940, a Philips já investia na produção de produtos mais sofisticados e dispendiosos, como motores, aparelhos de raios X e componentes de computadores. Assim, o fornecimento de aparelhos de rádio talvez fosse uma forma de direcionar a produção mais simples e barata para mercados com menor poder aquisitivo. Tal hipótese pode ser reforçada pelos relatos de Frederik Philips (1982PHILIPS, F. 45 anos com a Philips. Rio de Janeiro: Instituto Euvaldo Lodi / UERJ, 1982.), filho do fundador e dirigente máximo da companhia no período:

A Philips criou uma fábrica piloto em Utrecht onde adaptamos a produção a circunstâncias existentes em países em desenvolvimento. Ao invés de usarmos as máquinas mais sofisticadas ou caras e o mínimo de força de trabalho, estuda-se como poderíamos fazer peças para rádios ou aparelhos de TV, por exemplo, da forma mais simples, com pequenas prensas e ferramentas baratas, proporcionando, assim, trabalho para um número maior de pessoas. (Philips, 1982PHILIPS, F. 45 anos com a Philips. Rio de Janeiro: Instituto Euvaldo Lodi / UERJ, 1982., p. 286)

Ainda segundo as memórias do empresário:

Essa maneira de adaptar métodos de fabricação a necessidades locais tem muito êxito e nossa fábrica de Utrecht já deu início em muitas atividades em todo o mundo, por mais de uma década. A experiência obtida em um país pode ser aplicada em outros. Será preciso muito trabalho, por muitas gerações ainda, para atender as necessidades do Terceiro Mundo. (Philips, 1982PHILIPS, F. 45 anos com a Philips. Rio de Janeiro: Instituto Euvaldo Lodi / UERJ, 1982., p. 286)

Ao rememorar especialmente os impactos sobre a educação e a possível difusão da experiência radioeducativa em outros continentes, Philips (1982PHILIPS, F. 45 anos com a Philips. Rio de Janeiro: Instituto Euvaldo Lodi / UERJ, 1982., p. 275) comentava:

Em 1963 eu estava em visita à Etiópia e conheci o ministro da Educação. Contei-lhe sobre os resultados obtidos num país latino-americano ensinando-se a ler e escrever pelo rádio. [...] Então, mandamos um indivíduo interessado para a América Latina com o objetivo de descobrir o que havia sobre os tais cursos pelo rádio. Ao voltar, escreveu um bom relatório e, então, o enviamos à Etiópia.

Portanto, o financiamento do livro Educação fundamental pelo rádio, escrito pelo professor João Ribas da Costa, então funcionário da Philips do Brasil, insere-se em um amplo contexto mercadológico de experiências bem-sucedidas em outros países. Postulamos, porém, que o êxito da publicação, em 1956, não pode ser explicado apenas pela via do planejamento empresarial; ele ocorreu graças a uma ampla rede de relações formadas entre a Philips do Brasil e a Igreja Católica.

No livro, observa-se que o projeto foi apresentado no primeiro momento às autoridades eclesiásticas, em 1955, sendo publicado no ano seguinte pela Editora Católica de São Paulo. Para tanto, foi necessário submetê-lo à burocracia da Igreja, inicialmente aguardando o crivo do censor, o Monsenhor Heládio Correa Laurini, recebendo então o nihil obstat (nada a obstar), sendo posteriormente enviado à ordem de publicação do bispo auxiliar (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.). A submissão a esses trâmites indica a importância dada pela empresa - que poderia ter publicado por qualquer editora - ao apoio católico à obra. Nesse sentido, vê-se que o livro, de 118 páginas, além do selo eclesiástico, conta com um prefácio escrito pelo bispo auxiliar e vigário-geral da Arquidiocese de São Paulo. Além do prefácio, a obra é precedida por três apresentações, uma do representante da UNESCO e duas de oficiais militares. Essa incomum quantidade de apresentações sugere-nos que, além da Igreja, o projeto elaborado por Costa e financiado pela Philips do Brasil recebeu outras importantes chancelas.

No prefácio, o Bispo Paulo Rolim Loureiro, entre muitos elogios ao trabalho do professor Costa, questiona por que o rádio, esse “veículo do bem”, não haveria de “estar a serviço da instrução e educação dessa imensa multidão de patrícios nossos que vivem - ou melhor, vegetam - nas sombras da ignorância, nas trevas do analfabetismo?” (Loureiro, 1956 apudCosta, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 7). Na primeira apresentação, o presidente do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (ligado à UNESCO), Paulo de Menezes Mendes da Rocha, orientado pela teoria do capital humano, frisou que “a instrução não é simplesmente um problema social, ou político, mas, fundamentalmente, um problema da economia e da sobrevivência” (Rocha, 1956 apudCosta, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 10). Ele complementou que, por isso, crescia a relevância

atribuída ao ensino nos programas de desenvolvimento econômico e a transcendente significação do trabalho ciclópico e geralmente desconhecido da UNESCO [...] no campo da instrução de base e da difusão do ensino nos meios rurais e de fraca densidade demográfica. (Rocha, 1956 apudCosta, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 11)

Para além da percepção do fato de que a visão do professor era bastante centrada em ideias de produtividade e de desenvolvimento que convergiam para a defesa do capitalismo liberal, importa aqui registrar mais um recurso de legitimação que Costa agregou ao seu projeto, mediante a participação direta de um representante da UNESCO no Brasil.

Além dessa apresentação, o livro contou ainda com mais duas, oriundas do segmento militar. O primeiro texto foi elaborado pelo comandante da então chamada Zona Militar do Centro, do Ministério da Guerra, o General Olympio Falconière da Cunha. O segundo foi escrito pelo Marechal João Batista Mascarenhas de Moraes, comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial, uma espécie de herói nacional para alguns setores e ativo participante da vida política brasileira no período. O marechal sugere que o autor

procure atrair a esta causa as simpatias da Igreja que dispõe de poderosos meios morais e materiais em todo o interior do país e, sobretudo, se faz indicada para tal mister, pelo caráter de apostolado que ele exige. [...] Uma entidade estatal não teria a indispensável flexibilidade para tal e cedo estaria sujeita a interesses regionalistas ou políticos que acabariam por desvirtuar os objetivos da campanha. (Moraes apudCosta, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 18)

Independentemente do fato de a própria Igreja reconhecer a necessidade da parceria com o Estado e buscá-la, como ficaria claro nos projetos futuros, devem-se destacar pelo menos dois aspectos do arrazoado do militar. O primeiro envolve a tentativa de dar um caráter apolítico, fora de interesses particulares, ao projeto, tema ao qual retornaremos. O segundo consiste em que a simples presença de sua colaboração é um gesto de cunho político de Costa, pela legitimação que a figura daquela autoridade conferia.

A obra, tanto e tão generosamente prefaciada e apresentada, permite-nos adentrar nos meandros de um conjunto de articulações entre instituições que estão na gênese de ações fundamentais à educação brasileira, como foram os sistemas de ensino radiofônico, questão tratada no próximo tópico.

RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE PHILIPS, IGREJA E UNESCO: FORMAS DE LEGITIMAÇÃO E PRESSÃO SOBRE O ESTADO

Com base no contexto econômico, social e político anteriormente apresentado, percebe-se um conjunto de interesses, de várias ordens, que cercavam a implantação do sistema radioeducativo. A intenção desse tópico é observar a rede de relações criada haja vista os distintos objetivos e estratégias (seguindo Certeau, 2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.) das instituições que estiveram presentes de forma relevante no processo. Se a memória histórica registrou, de maneira geral, a educação pelo rádio como iniciativa da Igreja, coadjuvada pelo Estado, com participação importante da UNESCO, há que se notar também o papel da empresa privada, notadamente da Philips do Brasil, na sua efetivação. A documentação em questão, sobretudo a obra de Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.), nos permite apreender um trabalho de conjugação de interesses em torno do projeto de educação e informação.

Em relação à Igreja, o que já foi dito sobre as chancelas eclesiásticas demonstra o quanto o projeto era de seu interesse. Mais do que isso, no livro, percebem-se, recorrentemente, as referências à experiência de Sutatenza e os elogios ao trabalho de seu idealizador, Monsenhor Salcedo. Mas, para aproximar a questão do panorama nacional, Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) também usa abundantemente a visão exposta por Frei Gil Bonfim sobre a conveniência e as possibilidades de implantação do sistema de educação pelo rádio no Brasil.

O autor refere-se com frequência, elogiosamente, aos estudos de Bonfim, fazendo questão de demonstrar proximidade com o religioso. Relata que, em um encontro no 36º Congresso Eucarístico Internacional, ocorrido no Rio de Janeiro em 1955,

trocamos ideias a respeito de nossos planos comuns e, em consequência disso, ele nos honrou com uma visita, em São Paulo, quando aproveitamos a oportunidade para fazê-lo ouvir algumas gravações originais das Escolas radiofônicas da Colômbia. Na mesma ocasião, gravamos um debate nosso sobre o assunto e o persistente Franciscano levou a fita magnética para propagar nossas ideias através das emissoras nordestinas. (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 58)

Aqui há mais uma mostra da confluência de ações, nesse caso, entre a Igreja e a empresa que garantiria o suporte técnico. Importa observar o uso de expressões como “planos comuns” e da função atribuída ao clérigo, de “propagador” das ideias que fundamentavam esses planos no nordeste.

O funcionário da Philips também registra que o frei elaborou uma análise das “condições em que se acha a educação popular no Brasil, para depois afirmar que a medida salvadora reside na instalação de escolas radiofônicas em nossa terra” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 58, grifo nosso). Essa passagem é essencial, porque a defesa de uma missão salvacionista possibilita deslocar a questão dos interesses comerciais e do discurso ideológico de defesa do mercado, muito direto para ser exposto, para uma imagem mais forte, socialmente mais aceitável, permitindo inserir a ação empresarial no âmbito da atuação religiosa.

De fato, o texto escrito por Gil Bonfim ao qual Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) se refere tem muito mais potencial evangelizador que educativo. Ele foi publicado na seção “Assuntos Pastorais” da Revista Eclesiástica Brasileira, em 1955. Iniciava-se por uma citação bíblica: “Quod in aure auditis, praedicate super tecta” (Mt. 10,27) (“O que escutais ao ouvido, proclamem dos telhados”), relacionando essa frase ao “prodígio da radiodifusão: o momento providencial em que ondas invisíveis, expansivas e velozes como o pensamento, seriam convertidas pelo homem em canto e poesia, eloquência e instrução” (Bonfim, 1955BONFIM, Frei G. O. M. F. Pregai por sobre os telhados. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1955. v. 15, fasc. 2. p. 405-424., p. 405).

Bonfim (Bonfim, 1955BONFIM, Frei G. O. M. F. Pregai por sobre os telhados. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1955. v. 15, fasc. 2. p. 405-424., p. 405, grifo do original) lembra que a Igreja

costuma corresponder ao momento da Providência. Quando se inventou a arte tipográfica, e durante o tempo em que a Imprensa continuou sendo a maior arma de propaganda para qualquer ideologia, a Igreja se utilizou dela, desde o princípio, a fim de orientar as grandes massas. [...] E releva notar que a Igreja não somente se serviu da Imprensa, mas lançou mão de editoras próprias, para atingir melhor o seu objetivo.

Nesse trecho, é relevante perceber que há muito de propaganda e de difusão de ideologia. Com ou sem intenção, o frei revela aspectos do programa que extrapolam o problema educacional. Nesse sentido, vale registrar que, para a Igreja, ainda que a educação fosse um meio fundamental, estava a serviço de um objetivo maior, de ordem moral e teológica, o da salvação (Romano, 1979ROMANO, R. Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kayrós, 1979.).

Anteriormente, Monsenhor Salcedo, falando no Seminário Latino-Americano de Bem-Estar Rural realizado no Rio de Janeiro em 1953, também destacara o aspecto religioso envolvido, afirmando que os participantes do evento entenderiam que

um sacerdote católico, sob as condições de uma sociedade que, desde séculos, procura o bem da humanidade, tenha sentido, com imensa alegria, a concretização do sonho da comunicação direta entre seu escritório e os ranchos dos camponeses. Esse milagre foi feito pelo rádio (Salcedo, 1953SALCEDO, J. J. (Rev.). O rádio como meio de educação nas zonas rurais. In: Seminário Latino-Americano de Bem-Estar Rural, 1953., Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Universidade Rural do Brasil, 1953. v. 2., p. 102).

Eventuais milagres ou salvações efetuados pela educação radiofônica, contudo, necessitariam também da chancela legitimadora e do apoio técnico de organismos internacionais. Nessa direção, percebe-se que o tom da argumentação geral de Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) aponta para a valorização da participação da Unesco. Tal estratégia, com efeito, já fora empregada em Sutatenza. Hernando Vaca Gutiérrez (2009VACA GUTIÉRREZ, H. Processos interativos midiáticos da rádio Sutatenza com os camponeses da Colômbia (1947-1989). 2009. 324f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009.), autor de uma tese sobre essa experiência, registra que seu fundador, Salcedo,

simpatiza com os organismos internacionais. Com efeito, em 1948, realiza duas viagens aos Estados Unidos para procurar ajuda para sua obra. Em seu discurso nas Nações Unidas, fala da necessidade de promover o desenvolvimento rural e das possibilidades que em tal sentido oferecem os meios de comunicação de massas. Suas ideias são bem recebidas e, como fruto desses encontros, consegue o envio de uma Missão de Assistência Técnica da UNESCO. (Vaca Gutiérrez, 2009VACA GUTIÉRREZ, H. Processos interativos midiáticos da rádio Sutatenza com os camponeses da Colômbia (1947-1989). 2009. 324f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009., p. 109, grifos do autor).

Presente na Colômbia desde 1953, a instituição foi importante na construção do projeto.

A organização e o planejamento foi uma das características fortes da Rádio Sutatenza. Para responder às necessidades e desafios da educação radiofônica foi criado o Comitê radiopedagógico que estava constituído pelos técnicos da UNESCO, o chefe da seção de pesquisas radiopedagógicas e o professor-locutor e como assessor o professor-reitor de Sutatenza. (Vaca Gutiérrez, 2009VACA GUTIÉRREZ, H. Processos interativos midiáticos da rádio Sutatenza com os camponeses da Colômbia (1947-1989). 2009. 324f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009., p. 214, grifos do autor)

De fato, tais resultados práticos eram efeito de uma política bem definida de organizações supranacionais. O já citado contrato estabelecido entre UNESCO e OEA, por exemplo, previa, em seu Artigo 3, alínea b, que o centro de formação do pessoal deveria coordenar os esforços das organizações nacionais, internacionais ou de governos que empreenderiam a produção do material de educação de base para a América Latina e fornecer informações técnicas (UNESCO, 1950ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Conseil Executive. Education de base: Centre de formation du personnel et de préparation du matériel d'éducation de base pour l'Amérique Latine. Paris: UNESCO, 1950. Disponível em: Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000161809_fre?posInSet=2&queryId=6e0a5e45-dc66-4ab0-991da3d7523ed9f5 . Acesso em: 26 set. 2019.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 23). Ao se referir recorrentemente à UNESCO, Costa, como representante de uma multinacional, ao mesmo tempo em que legitima sua defesa da educação pelo recurso à autoridade de um órgão respeitado, transcende os limites do Estado, alargando ainda mais as possibilidades de sua atuação e de seus potenciais mercados.

Tal observação não deve obliterar um eventual comprometimento com a educação, mas a posição da empresa em defesa da indústria e da expansão do seu mercado transparece. Ao justificar a iniciativa de patrocinar a obra, era afirmado que a Philips do Brasil não almejava somente “cooperar na divulgação dos modernos processos educativos que nos proporciona a Eletrônica” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 19-20), mas destacar

o valor e a importância da indústria nacional de receptores, uma vez que o presente trabalho demonstra, à saciedade, que um aparelho de rádio não deve ser considerado apenas como a caixa de música que diverte, mas é, e deve ser, o mais eficiente instrumento de educação e de cultura popular, em qualquer parte do Mundo. (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 19-20)

A empresa atuaria no Brasil de forma semelhante ao que já fazia na Colômbia. Segundo o Padre Rauber (1956RAUBER, L. (Pe.). O Rádio Educa um Povo. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes , 1956. v. 16, fasc. 4. p. 941-944.), mais um religioso que escreveu sobre o tema: “De acordo com uma informação fornecida pela Philips do Brasil, mais 20.000 aparelhos teriam sido encomendados a esta Companhia para as escolas radiofônicas da Colômbia” (Rauber, 1956RAUBER, L. (Pe.). O Rádio Educa um Povo. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes , 1956. v. 16, fasc. 4. p. 941-944., p. 943). Munida desse know how, a empresa apresentava-se como a mais indicada para o fornecimento e a manutenção da aparelhagem. Esse aspecto era também evidenciado no texto de Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 82):

Para efeito de garantia e de assistência técnica, [...] é necessário que a responsabilidade técnica e comercial dos fornecimentos fique a cargo de uma empresa industrial de renome tradicionalmente firmado e que mantenha uma organização extensamente ramificada em todo o país.

Embora sem nomeá-la, a função era direcionada à Philips do Brasil. Observemos que o período da publicação do estudo corresponde precisamente àquele de maior expansão da empresa em termos industriais e comerciais, quando se orgulhava de estar presente em todo o território nacional. Relembrando a década de 1950, uma publicação oficial da companhia registra: “O crescimento econômico do Brasil impulsiona os negócios da Philips no país” (Philips, 2004PHILIPS. 80 anos à frente: história ilustrada da Philips do Brasil. São Paulo: Philips, 2004., p. 36). Era ainda um pouco mais explícita em relação às expectativas de comercialização de aparelhos de rádio:

No Brasil, o rádio sempre foi um importante instrumento de integração nacional. Ao lançar a ampla campanha “uma estação de rádio em cada município do Brasil”, a Philips pretendia vender transmissores de rádio e aparelhos receptores em todo o país. (Philips, 2004PHILIPS. 80 anos à frente: história ilustrada da Philips do Brasil. São Paulo: Philips, 2004., p. 32)

O texto de Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.), além do mais, é permeado de observações técnicas relativas aos tipos de equipamentos, possibilidades e especificidades quanto ao uso. Seu autor age, nesse aspecto, como legítimo representante de sua empresa. É interessante perceber, entretanto, que sua argumentação, seus números e informações vão além dessa especificação técnica, apresentando muitos cálculos demonstrativos do quanto o sistema de radioeducação seria mais econômico do que o sistema escolar convencional. Segundo seus números, a despesa representada por um ano de manutenção de escolas convencionais seria “suficiente para instalar e fazer funcionar, durante cinco anos, o sistema rádio-educativo, e ainda sobrariam mais de vinte milhões de cruzeiros” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 43). Logo adiante o autor informa que “a razão dessa diferença espantosa entre os custos dos dois sistemas, reside na substituição de milhares e milhares de professores por uns poucos especialistas, atuando ao microfone das emissoras” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 43). Reforçando o argumento, assevera:

No sistema escolar atual, a verba que se gasta, em cada ano, com as gratificações pro labore, é totalmente irrecuperável. No sistema Rádio-Educativo, já de si mais barato, acontece que a maior parte da verba empregada não se perde, pois é investida e se transforma num respeitável patrimônio, representado pelas emissoras e pelas dezenas de milhares de receptores. (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 46-47, grifos nossos)

Nessa parte da argumentação sobressai o fato de os salários dos professores do sistema escolar convencional ser apresentado como “gasto” e os custos com a infraestrutura para a instalação do sistema radiofônico como “verba empregada que não se perde” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 46-47), permitindo o acúmulo patrimonial. Em nenhuma parte do texto o autor considera as questões elementares de depreciação, obsolescência e manutenção do aparato tecnológico como possíveis gastos. Além disso, deve-se considerar que nesses cálculos não está contabilizada a maior parte dos recursos humanos necessários ao funcionamento do sistema de ensino radiofônico, os monitores e as monitoras responsáveis pelo acompanhamento presencial das aulas.

A explicação para essa ausência aparece em seguida, quando o autor informa que, seguindo o modelo colombiano, no Brasil os monitores e as monitoras também trabalhariam de forma voluntária e gratuita. Essa parte do trabalho se desenvolveria com base na noção de apostolado, pois seriam recrutadas “pessoas de ambos os sexos, com um mínimo de conhecimentos, que auxiliariam a tarefa do professor-locutor” contando com a “alma e o coração do povo bom do interior” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 45).

Os argumentos de Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) apresentam, portanto, um interessante paradoxo: a defesa da modernização tecnológica de maneira concomitante à manutenção do arcaísmo religioso nas relações humanas. No texto, essa possível contradição era superada pela apresentação naturalizada do ensino como sacerdócio. Assim, tornavam-se muito importantes a adesão a essas ideias e a reprodução delas por parte dos clérigos que defendiam a implantação do sistema no Brasil.

Mas, além da Igreja, o Estado, com o governo de turno, teria necessariamente de participar da implantação do sistema. Essa participação, então, era vista fundamentalmente como de fomento, em associação com outras instituições. Ao analisar a experiência colombiana, Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) resume o que poderíamos chamar de cooperação interinstitucional, com base no questionamento sobre o financiamento de um empreendimento dessa magnitude. Os recursos viriam de diversas fontes.

Não somente da Igreja, mas também do Governo, que percebeu a transcendência da obra e dela entrou a participar, de forma ativa, com o fim de incrementar a ação educacional que beneficia diretamente os núcleos rurais do país. As grandes firmas industriais e comerciais também contribuem com sua parcela, não só em razão das altas finalidades do empreendimento, mas também porque, evidentemente, quanto mais culto for o povo, mais eficientes serão os centros produtores e mais amplo o mercado consumidor. (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 27)

Na sequência, o autor menciona a Unesco, cujo apoio concreto se deu “assegurando a cooperação de especialistas que se encarregassem da conjugação do ensino meramente auditivo, dado pelo rádio, com os meios visuais adequados, já financiando a aquisição desse material complementar” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 27).

A leitura dos excertos anteriores suscita uma questão a ser observada. Para além da divulgação de interesses mais imediatos da empresa, o discurso de Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) também revela argumentos de fundo mais ideológico, de defesa de um sistema de valores cujo substrato é o capitalismo liberal, então em disputa no Brasil e no mundo. Daí a relação estabelecida entre educação, produtividade e ampliação do mercado consumidor. Tratava-se de defender as ideias de valorização do capital humano, que vinham se disseminando entre intelectuais e técnicos da época. A Igreja também era envolvida nessa linha de argumentação: “Técnica é técnica - e quer dizer mais produtividade em menos tempo - e a Igreja sabe muito bem disso” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 64).

Pensando mais especificamente no Brasil, com relação ao financiamento e aos apoios que um programa amplo de educação radiofônica teria de angariar, Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) sustenta que várias instituições deveriam estar interessadas, pois dele se beneficiariam. Entre elas, ele cita empresas estatais, como a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce, federações de comércio, indústria e agricultura e similares, bancos e empresas privadas. “Todas essas entidades [...] tirariam proveito das Escolas Radiofônicas, porque ‘povo mais culto, melhor mercado’” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 77-78, grifo nosso). Nessa direção, diante da tarefa de redimir os adultos da condição de analfabetismo, argumentava que seria necessário vencer a resistência passiva que se opunha às campanhas educativas. Para tanto, a maneira era “atraí-los, aos poucos, por meio da transmissão de conhecimentos práticos que se traduzem em vantagens materiais evidentes e imediatas” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 92-93, grifo nosso).

Além de sua economia e eficácia, a implantação do sistema radiofônico também se amparava na suposição de que este estaria acima de vicissitudes políticas. Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.) advoga o estabelecimento de um órgão solidamente estruturado “sobranceiro às circunstâncias tumultuárias que nos rodeiam que se encarregue do estabelecimento da rádio educação” (Costa, 1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956., p. 62). No Brasil esse órgão viria da Igreja, como coordenadora, e não do Estado, e seria conduzido por técnicos (UNESCO e Philips), entes apresentados como acima e além da política.

O pleito do professor ilustra o argumento de Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 94) em relação à independência e pretensa neutralidade de que se revestem as estratégias de ação. Há um projeto em questão, e, no caso da empresa, trata-se de expansão do mercado de aparelhos receptores. Tal intenção não pode ser apresentada dessa forma, então se recorre a uma solução que associa sua estratégia a uma mais ampla. Envolve a Igreja, o Estado, quase como sócio minoritário, e frisa o comprometimento dos “técnicos” de diferentes áreas, tidos como alheios aos embaraços da vida política em “circunstâncias tumultuárias”. O arranjo proposto promove aquela “organização combinatória dos movimentos específicos” de seus participantes (Certeau, 2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 96).

Entretanto, a identificação de determinadas posturas ideológicas corresponde a apenas um aspecto do autor em questão. Não se trata, reiteramos, de entender João Ribas da Costa como um mero funcionário defendendo os interesses de sua empresa. Ele é mais do que isso. É uma personagem que transita entre as diversas instituições e órgãos interessados e efetivamente participa dos projetos de educação radiofônica, graças a sua ampla formação enquanto técnico e também educador, além de manter uma rede de relações solidamente constituída.

Isso foi reconhecido logo em seguida à publicação do livro, em 1957, quando Ribas da Costa foi escolhido para organizar e dirigir o SIRENA, no âmbito do MEC. Seu prestígio era demonstrado na exposição de motivos para a criação do sistema que Heli Menegale, diretor-geral do Departamento Nacional de Educação, enviara para o ministro da Educação Clóvis Salgado da Gama. No documento, há somente uma pessoa citada, Costa: “Outra facilidade para a imediata viabilidade da iniciativa decorre da participação, neste empreendimento, do professor Ribas da Costa, cuja colaboração Vossa Excelência requisitou recentemente para este fim específico” (Brasil, 1957aBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Exposição de motivos para a criação do Sistema Rádio-educativo Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1957a. Disponível em: Disponível em: http://forumeja.org.br/df/files/motivosministro.pdf . Acesso em: 4 out. 2019.
http://forumeja.org.br/df/files/motivosm...
, s.p.). Acrescentava:

Em vista de sua especialização neste campo de atividades, adquirida em vários anos de estudo e pesquisa, a contribuição de mais esse colaborador assegurará grande economia de tempo e, portanto, de recursos, na concretização deste projeto, principalmente na fase de planificação, lançamento e desenvolvimento inicial do Sistema Rádio-educativo. (Brasil, 1957aBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Exposição de motivos para a criação do Sistema Rádio-educativo Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1957a. Disponível em: Disponível em: http://forumeja.org.br/df/files/motivosministro.pdf . Acesso em: 4 out. 2019.
http://forumeja.org.br/df/files/motivosm...
, s.p.)

Além da defesa da indicação do professor, deve-se observar que o documento de proposição do SIRENA, enviado ao ministro, apoia-se largamente nos dados e nas informações técnicas presentes no livro de Ribas da Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.). Esse material estabeleceu-se então como o texto-base para a formação do consenso em torno da necessidade e da viabilidade do sistema.

Logo após sua efetivação, em 1957, o SIRENA integrou a Campanha Nacional de Educação Rural, programa governamental que já vinha ocorrendo desde 1950 e que contribuíra para a criação de experiências-piloto de radioeducação em alguns municípios de norte a sul do Brasil12 12 Conforme Costa (2012, p. 54), são eles: Leopoldina (MG), Timbaúba (PE), Benjamin Constant (AM), Santarém (PA) e Júlio de Castilhos (RS). . Ademais, quando da criação do MEB, em 1961, o SIRENA e a RENEC formaram conjuntamente a rede de radiodifusão utilizada pelo movimento. Mas, a despeito da expertise acumulada, o êxito da experiência foi relativo e o sistema foi extinto em 1963. Para Sônia Moreira, entre as razões para isso estariam “a preocupação excessiva com os recursos materiais, em detrimento do preparo de pessoal e do controle de resultados, e as oscilações de natureza política” (Moreira, 1991 apudAndrelo, 2012ANDRELO, R. O rádio a serviço da educação brasileira: uma história de nove décadas. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, v. 12, n. 47, p. 139-153, set. 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8640044 . Acesso em: 1º out. 2019. https://doi.org/10.20396/rho.v12i47.8640044
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 145).

O que se pode conjeturar, para além desses fatores, é que faltou ao sistema, pelo menos de forma mais efetiva, a configuração de agentes atuantes, o que se observaria no desenvolvimento do MEB. Nesse sentido, a Igreja Católica, que tanto protagonismo tivera na articulação e na divulgação da ideia de educação radiofônica, foi um elemento que, embora não ausente no SIRENA, acabou por ter participação relativamente limitada. No projeto de implantação do sistema, no tópico que definia a responsabilidade de administração regionalizada da recepção organizada das aulas, era feita uma referência às dioceses ou aos “grupos de paróquias”, entretanto estes surgiam listados juntamente com os governos estaduais, municipais e mesmo instituições particulares interessadas (Brasil, 1957bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Sistema Rádio-educativo Nacional: projeto de esquema de trabalho. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura , 1957b. Disponível em: Disponível em: http://forumeja.org.br/df/files/ProjetoSirena.pdf . Acesso em: 10 out. 2019.
http://forumeja.org.br/df/files/ProjetoS...
, s.p.).

Independentemente do alcance de resultados efetivos das primeiras experiências, o recorrido histórico que buscamos acompanhar, com base nas relações políticas, interinstitucionais e mesmo pessoais aqui analisadas, evidencia uma convergência de interesses. Convergência esta que se traduziu na formação de um consenso em torno da necessidade de implantação de um sistema de educação rural por meio da radiodifusão no Brasil. Na base dessa legitimação, estavam os argumentos de que o sistema de educação seria eficiente, econômico e apolítico, uma vez que fosse financiado pelo Estado, coordenado pela Igreja Católica e subsidiado tecnologicamente pela Philips. Tal consenso tornou-se substrato fértil para os futuros projetos de educação radiofônica, sobretudo no caso do MEB.

Esse movimento, criado pela Igreja Católica no início de 1961, destacou-se como o mais abrangente e duradouro projeto educacional por meio de escolas radiofônicas em âmbito nacional. Visava atender às populações das áreas rurais consideradas subdesenvolvidas do norte, nordeste e centro-oeste do país. Embora originado da iniciativa eclesiástica e coordenado por membros do clero, teve seu funcionamento financiado pelo governo federal. O convênio foi instituído por decreto presidencial assinado em março de 1961. Segundo Osmar Fávero (2006FÁVERO, O. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas: Autores Associados , 2006., p. 6)13 13 Osmar Fávero pertenceu ao Secretariado Nacional do MEB desde sua criação até maio de 1966. Foi responsável pela formação de equipes locais e por boa parte das orientações metodológicas da ação educativa do movimento (Beisiegel, 2006, p. XI). Seu trabalho, publicado como livro em 2006, foi inicialmente apresentado como tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1984. , o movimento chegou a contar com 7.353 escolas radiofônicas, abrangendo 14 estados, no início de 1964. As aulas eram então transmitidas por uma rede de 29 emissoras, e, nos primeiros cinco anos de funcionamento, cerca de 320 mil alunos concluíram o ciclo de alfabetização.

Em 1961, quando ocorreu a assinatura do decreto instituindo o MEB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dispunha das emissoras filiadas à RENEC, que, conjuntamente com as do SIRENA, compuseram a rede de emissoras utilizadas pelo movimento. A empresa Philips do Brasil garantiu o direito de exclusividade no fornecimento dos aparelhos de recepção cativa, ou seja, que sintonizavam apenas a rádio participante da rede em cada região. A distribuição dos aparelhos era realizada por intermédio dos párocos locais, que também se responsabilizavam pela escolha dos monitores para as turmas de radioaulas (Fávero, 2006FÁVERO, O. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas: Autores Associados , 2006., p. 37).

O MEB inspirou-se fortemente em seu predecessor colombiano, e, assim como naquele caso, sua concretização no Brasil só se tornou possível porque contou com uma rede mais abrangente envolvendo empresários dispostos a desenvolver, com a Igreja, uma ampla campanha de legitimação e convencimento de setores do governo quanto à viabilidade e à eficiência do estabelecimento de uma rede de escolas radiofônicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A argumentação aqui elaborada partiu, inicialmente, de um recorrido de caráter histórico que buscou uma contextualização do período em questão. Nesse sentido, destacaram-se, em termos macropolíticos, a constituição e exposição em pauta mundial da visão do analfabetismo como entrave ao crescimento econômico e à diminuição das desigualdades. Esse discurso era dirigido, fundamentalmente, ao chamado Terceiro Mundo e tinha matrizes teóricas relativas à defesa da disseminação do capitalismo liberal, em um mundo polarizado pela Guerra Fria. Uma dessas matrizes era a teoria do capital humano, que apostava na formação, sobretudo dos adultos e mais pobres, para inserção numa economia de mercado.

Nessa conjuntura, situa-se a documentação analisada, na qual apontamos as proposições e os planos atinentes aos programas de educação radiofônica, apresentada, então, como particularmente adequada às condições brasileiras. Além dos textos oficiais, partiu-se de apreciações de distintos autores, com especial atenção conferida à obra de João Ribas da Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.). Estudar suas ideias, considerando-as haja vista o contexto descrito e cotejando-as com as demais fontes, permitiu situar Costa como um agente de trânsito interinstitucional. Enquanto técnico da Philips do Brasil e educador, sua trajetória possibilita a percepção de um conjunto de relações. Esse encadeamento envolveu a empresa, a Igreja Católica, o governo brasileiro e a UNESCO.

O exame do envolvimento de tais instituições com o tema, orientado pela noção de interesse, de Michel de Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.), destacou as justificativas e formas de legitimação do sistema proposto. Tanto foi legitimado que, na constituição do SIRENA, são perceptíveis os resultados das articulações que enfatizamos.

O que a análise documental nos permite perceber é que, mesmo que se possa considerar como relativo o êxito do SIRENA, sobretudo pelo curto período de seu funcionamento, de 1957 a 1963, as articulações para sua implantação produziram frutos mais duradouros. Entre eles, a formação de um consenso em torno da ideia de que a radiodifusão seria o meio mais eficiente, econômico e estável de disseminação da educação de base em âmbito rural. O livro de Ribas da Costa (1956COSTA, J. R. Educação fundamental pelo rádio: alfabetização de adultos e cultura popular por meio de sistemas radiofônicos com recepção organizada. São Paulo: Empresa Gráfica Editora Guia Fiscal, 1956.), financiado pela Philips, forneceu ampla base de argumentação tanto para religiosos quanto para agentes estatais que aderiram ao projeto.

Assim, postulamos que, no desenvolvimento das ações de implementação da educação radiofônica no Brasil, existiu uma inter-relação intensa na articulação dos diversos interesses e estratégias, permitindo a constituição de saberes - tanto no sentido lato quanto no sentido específico que lhe atribui Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.). Tais saberes, ao mesmo tempo em que legitimavam a Igreja Católica, a Philips do Brasil, as instâncias governamentais e supraestatais, asseguravam-lhes a primazia nas intenções de massificação da educação popular, sobretudo radiofônica. Nessa ótica, podem-se pensar a posterior organização e trajetória do MEB como tributárias, em grande medida, das discussões, disputas e convergências que aqui analisamos.

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  • VACA GUTIÉRREZ, H. Procesos interactivos mediáticos de Radio Sutatenza con los campesinos de Colombia (1947-1989). Cali: Universidad Autónoma Del Occidente, 2017.
  • 1
    Os dados dos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que, em 1950, a taxa de urbanização brasileira era de 36,1% e que a partir daí aumentaria rapidamente, atingindo 55,9% em 1970 (Girardi, 2017GIRARDI, E. P. Atlas da Questão Agrária Brasileira. Presidente Prudente: UNESP/NERA, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.atlasbrasilagrario.com.br . Acesso em: 25 jul. 2019.
    http://www.atlasbrasilagrario.com.br...
    ).
  • 2
    Acerca do período de emergência do rádio no Brasil, é interessante observar uma dimensão ressaltada por Maria Salvadori (2010SALVADORI, M. A. B. Sonoras cenas escolares: histórias sobre educação, rádio e humor. Revista Brasileira de História da Educação, v. 10, n. 24, p. 167-192, set./dez. 2010.). Juntamente com a valorização do veículo como instrumento educacional, surgiram programas humorísticos que satirizavam as temáticas escolares. Isso, em parte, resultava de uma inflexão do sistema radiofônico, que de panaceia educativa passava a explorar mais os aspectos comerciais e populares. A autora, baseada em exemplos dessa programação e nas reações por esta suscitadas, analisou as tensões existentes entre a missão pedagógica e civilizadora inicial do rádio e seu desenvolvimento posterior (Salvadori, 2010SALVADORI, M. A. B. Sonoras cenas escolares: histórias sobre educação, rádio e humor. Revista Brasileira de História da Educação, v. 10, n. 24, p. 167-192, set./dez. 2010.).
  • 3
    Sobre as formas de utilização da imprensa escrita por setores católicos ao longo da Primeira República, ver, entre outros: Gonçalves (2008GONÇALVES, M. Missionários da “boa imprensa”: a revista Ave Maria e os desafios da imprensa católica nos primeiros anos de século XX. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 28, n. 55, p. 63-84, jan./jun. 2008. https://doi.org/10.1590/S0102-01882008000100004
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ).
  • 4
    José Joaquín Salcedo foi ordenado sacerdote em 1947, no mesmo ano assumiu a paróquia de Sutatenza, no departamento rural de Boyacá, Colômbia. Em seguida, instalou ali uma pequena emissora de rádio, dando início ao projeto da ACPO, que viria a se propagar por um sistema radiofônico, alcançando todo o país. As transmissões radiofônicas foram mantidas até 1989 (Vaca Gutiérrez, 2017VACA GUTIÉRREZ, H. Procesos interactivos mediáticos de Radio Sutatenza con los campesinos de Colombia (1947-1989). Cali: Universidad Autónoma Del Occidente, 2017.).
  • 5
    Fundou, em 1948, o Serviço de Assistência Rural (SAR), difundido em Natal e no interior do estado do Rio Grande do Norte. Fundou também, na periferia de Natal, escolas-ambulatório ligadas aos centros comunitários.
  • 6
    O Sistema de Radioeducativo de Sergipe (SIRESE) dispunha de um centro de execução, um centro de treinamento, uma estação transmissora e uma rede de escolas radiofônicas sob a responsabilidade da diocese de Aracaju (IPEA/IPLAN, 1976, p. 24 apudBaumworcel, 2008BAUMWORCEL, A. As escolas radiofônicas do MEB. In: CONGRESSO DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 6., 2008, Niterói. Anais... Niterói: UFF, 2008. Disponível em: Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/As%20escolas%20radiofonicas%20do%20MEB.pdf . Acesso em: 5 maio 2019.
    http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-naci...
    , p. 6).
  • 7
    O documento denomina-se Educação de base: centro de formação de pessoal e de preparação de material de educação de base para a América Latina (Tradução nossa). Gostaríamos de agradecer à bibliotecária Katia Midori Hiwatashi, do Departamento de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, o auxílio na localização e disponibilização de documentos.
  • 8
    A noção de estratégia, para Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.), é desenvolvida em contraposição à tática, que sinteticamente corresponderia à capacidade de ação dos mais fracos, com menor potencial propositivo. Trata-se de uma ação mais reativa, agindo nos interstícios das estratégias traçadas pelo poder, e ocupa a maior parte de sua reflexão. Embora sejam, de certa forma, noções complementares, para nosso estudo, em vista dos agentes sociais implicados, parece ser determinante a primeira. Para maior detalhamento, ver Certeau (2012CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 19. ed. Petrópolis: Vozes , 2012., p. 91-97).
  • 9
    O PCB havia definido, no Manifesto de agosto, em 1950, a estratégia de construção de uma base social operário-camponesa como linha de ação política. Respondendo à expansão da atividade dos partidos comunistas nos continentes africano e latino-americano, em 1957 o Papa Pio XII publicou a encíclica Fidei Donum, a qual tinha entre seus principais objetivos o trabalho missionário de evangelização e o combate ao comunismo (Alves, 1968ALVES, M. M. O Cristo do povo. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968., p. 68; Montenegro, 2010MONTENEGRO, A. T. História, metodologia, memória. São Paulo: Contexto, 2010., p. 95).
  • 10
    Sobre a atuação desse pastor e a difusão do assembleísmo no Brasil, podem ser consultados, entre outros: Fajardo (2011FAJARDO, M. P. Pentecostais, migração e redes religiosas na periferia de São Paulo. 2011. 179f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2011.; 2015FAJARDO, M. P. “Onde a luta se travar”: a expansão das Assembleias de Deus no Brasil urbano (1946-1980). 2015. 358f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2015.) e Barrera Rivera (2012BARRERA RIVERA, D. P. Evangélicos e periferia urbana em São Paulo e Rio de Janeiro: estudos de sociologia e antropologia urbanas. Curitiba: CRV, 2012.).
  • 11
    Em artigo intitulado “Investment in human capital and personal income distribution”, publicado no Journal of Political Economy, em 1958, Jacob MincerMINCER, J. Investment in Human Capital and Personal Income Distribution. Journal of Political Economy, Chicago, v. 66, n. 4, p. 281-302, ago. 1958. Disponível em: Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/258055 . Acesso em: 20 out. 2019. https://doi.org/10.1086/258055
    https://www.journals.uchicago.edu/doi/10...
    apresentou uma síntese de seus principais postulados.
  • 12
    Conforme Costa (2012COSTA, D. M. V. A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos no Brasil e no Estado do Espírito Santo (1947-1963): um projeto civilizador. 2012. 245f. Tese (Doutorado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012., p. 54), são eles: Leopoldina (MG), Timbaúba (PE), Benjamin Constant (AM), Santarém (PA) e Júlio de Castilhos (RS).
  • 13
    Osmar Fávero pertenceu ao Secretariado Nacional do MEB desde sua criação até maio de 1966. Foi responsável pela formação de equipes locais e por boa parte das orientações metodológicas da ação educativa do movimento (Beisiegel, 2006BEISIEGEL, C. R. Prefácio. In: FÁVERO, O. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática educativa do MEB - Movimento de Educação de Base (1961/1966). Campinas: Autores Associados, 2006. p. ix-xiii., p. XI). Seu trabalho, publicado como livro em 2006, foi inicialmente apresentado como tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2019
  • Aceito
    12 Maio 2020
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