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Prática educativa bem-sucedida na escola: reflexões com base em L. S. Vigotski e Baruch de Espinosa

SUCCESSFUL EDUCATIONAL PRACTICE AT SCHOOL: REFLECTIONS BASED ON L. S. VYGOTSKY AND BARUCH SPINOZA

PRÁCTICA EDUCATIVA EXITOSA EN LA ESCUELA: REFLEXIONES BASADAS EN L. S. VYGOTSKY Y BARUCH SPINOZA

RESUMO

O texto reúne parte dos resultados de pesquisa realizada com o objetivo de investigar mediações constitutivas de professores e alunos que desenvolvem com sucesso práticas educativas. O significado de prática educativa bem-sucedida no qual nos apoiamos encontra-se ancorado nas ideias de L. S. Vigotski e do filósofo Baruch de Espinosa. Com base nos teóricos, compreendemos práticas educativas bem-sucedidas aquelas que, além de gerar aprendizagem e desenvolvimento, possibilitam a expansão de afetos alegres que potencializam mentes e corpos humanos. A pesquisa aconteceu entre os anos de 2011 e 2014. Neste artigo, apresentamos parte dos resultados alcançados com os alunos. Esses resultados apontam que, quando são alegres, as vivências educativas convergem para o aumento da potência de ser aluno. O aumento dessa potência reorienta a produção de novos sentidos que alteram de forma significativa a relação dos educandos com os estudos, com a escola e com a vida.

PALAVRAS-CHAVE:
prática educativa; mediações; significados e sentidos; afetação; vivência

ABSTRACT

The text brings together research results conducted in order to investigate the constitutive mediations of teachers and students who successfully develop educational practices. The meaning of successful educational practice which supports us is anchored in the ideas of L. S. Vygotsky and Baruch Spinoza, the philosopher. Based on the theoretical, it is understood that successful educational practices are those that generate learning and development and enable the expansion of joyful affections that enhance human minds and bodies. The survey results showed that, when joyful, educational experiences converge to the increased power of being a student. The increased power reorients the production of new meanings that significantly alter the relationship of students with the studies, with school and with life.

KEYWORDS:
educational practice; meanings and senses; affectation; experience

RESUMEN

El texto reúne parte de los resultados de las investigaciones llevadas a cabo con el fin de investigar las mediaciones constitutivas de los profesores y estudiantes que desarrollan con éxito las prácticas educativas. El significado de la práctica educativa exitosa en la que nos basamos está anclado en las ideas de L. S. Vygotsky y Baruch Spinoza. Con base en los teóricos, entendemos prácticas educativas exitosas las que generan aprendizaje y desarrollo y permiten la expansión de afectos alegres que mejoran mentes y cuerpos humanos. La investigación tuvo lugar entre los años 2011 y 2014. Esto artículo presenta parte de los resultados alcanzados con los alumnos. Los resultados mostraron que, cuando alegres, las experiencias educativas convergen a la mayor potencia de ser un estudiante. El aumento de potencia reorienta la producción de nuevos sentidos que alteran significativamente la relación de estos con los estudios, con la escuela y con la vida.

PALABRAS CLAVE:
práctica educativa; significados y sentidos; afectación; experiencia

INTRODUÇÃO

O presente texto reúne resultados de pesquisa de doutorado realizada com o objetivo de investigar as mediações constitutivas de professores e alunos que desenvolvem com sucesso as práticas educativas. O significado de prática educativa bem-sucedida no qual nos apoiamos encontra-se fundamentado nas ideias do psicólogo soviético L. S. Vigotski e do filósofo Baruch de Espinosa. Com Vigotski (1998Vigotski, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.), chegamos à compreensão de que todo bom ensino que se desenvolve por meio de práticas educativas é aquele que gera aprendizagem e colabora com o desenvolvimento de funções psíquicas superiores, ou seja, colabora com o desenvolvimento do pensamento, linguagem, memória, atenção dirigida, formação de conceitos, consciência, entre muitas outras funções que nos tornam qualitativamente diferentes dos outros animais. Portanto, prática educativa bem-sucedida é aquela que contribui para que os alunos tornem-se mais humanos do ponto de vista sócio-histórico. Com Espinosa (2007Espinosa, B. Tratado da reforma do entendimento. São Paulo: Escala, 2007.), esse conceito se expandiu, de modo que passamos a compreender também que bem-sucedida é toda prática educativa que afeta os sujeitos de alegria e, consequentemente, contribui para aumentar a potência de ser e agir tanto do professor quanto do aluno. Ou seja, práticas educativas bem-sucedidas são aquelas que geram aprendizagem e desenvolvimento humano, porque contribuem para a expansão de afetos alegres que potencializam mentes e corpos humanos a agirem com compromisso social.

Entre muitas coisas reveladas com a pesquisa, a principal delas foi que as práticas educativas bem-sucedidas resultam da mediação do social e do afetivo na constituição dos sujeitos que desenvolvem essas práticas. Em outras palavras, a pesquisa confirmou a tese de que o professor que afeta positivamente seus alunos (de alegria) é afetado por satisfação, significa que ele mesmo é afetado positivamente (de alegria). Para manter o estado de satisfação que aumenta a potência de agir, o professor continua desenvolvendo práticas educativas que colaborem com o sucesso dos alunos, porque o sucesso dos alunos é o seu sucesso, é a expansão da sua alegria. Os alunos, por sua vez, ao serem afetados positivamente, criam relação de sentido que potencializa o desejo de continuar aprendendo e se desenvolvendo. Mas como isso acontece? De que modo o social e o afetivo medeiam a constituição de professores e alunos que desenvolvem práticas educativas bem-sucedidas?

As reflexões levantadas neste texto pretendem dar conta de responder a essas questões e, para isso, sustentam-se nos pressupostos teóricos da psicologia sócio-histórica e da filosofia de Baruch de Espinosa. Para melhor exposição dessas reflexões, o texto está organizado em três partes. Na primeira, discutimos o processo de constituição do humano por meio das categorias da psicologia sócio-histórica: significado e sentido e vivência. Na segunda parte, discutimos sobre a categoria afetação e sua relação com a educação com base na filosofia de Espinosa por tratar-se de elemento constitutivo do humano. Na terceira parte, apresentamos um recorte da pesquisa com discussão de resultados que confirmam a tese anunciada no início desta introdução. Finalizamos tecendo considerações acerca do valor heurístico das categorias da psicologia sócio-histórica e da categoria afetação filiada à filosofia de Espinosa para o desenvolvimento de pesquisas na área da educação, envolvendo sobretudo professores e alunos e as condições sócio-históricas e afetivas que os constituem.

O SOCIAL E O AFETIVO MEDIANDO A CONSTITUIÇÃO HUMANA: REFLEXÕES A PARTIR DE L. S. VIGOTSKI

A psicologia sócio-histórica idealizada por Vigotski (2009Vigotski, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes , 2009.) e seus discípulos, sobretudo Leontiev e Luria, representa um projeto de ciência psicológica fundamentada nos princípios do materialismo histórico e dialético. Com base nesses princípios, concebe o homem como ser social e historicamente constituído, o que significa situar o psiquismo humano no tempo e na materialidade. A adoção dessa concepção de homem implica analisá-lo em seu processo histórico de constituição e desenvolvimento, ou seja, estudá-lo em sua relação dialética com o mundo e com os outros homens. Essa relação dialética acontece pela mediação existente entre homem e mundo. A psicologia sócio-histórica propõe, para a realização dessa análise, categorias que possibilitam o estudo dialético do homem. Entre essas categorias, escolhemos dissertar sobre: significado e sentido e vivência.

Para os autores da psicologia sócio-histórica, o desenvolvimento do psiquismo humano marca o início de etapa superior do desenvolvimento do homem, etapa em que as leis gerais que vão determinar o seu curso e desenvolvimento não serão mais as leis biológicas, mas sim as leis sócio-históricas. Nesse processo, a atividade representa a condição fundamental para o desenvolvimento da forma superior do psiquismo, que é a consciência humana. Portanto, a consciência encontra na atividade humana a condição de desenvolvimento e transformação. Isso significa que a consciência humana tem natureza sócio-histórica (Leontiev, 1978Leontiev, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa, Portugal: Horizontes, 1978.).

A consciência, para Vigotski (2004Vigotski, L. S. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes , 2004.), somente se forma no processo de interiorização por meio de relações sociais constituídas em atividade. Ou seja, somente uma psicologia concreta pode dar conta desse estudo. O estudo da consciência em movimento, realizado por meio do estudo da atividade humana, torna-se possível pela caracterização psicológica dessa atividade, pela identificação das necessidades, motivos e objetivos que dão origem a uma ação. Em outras palavras, a consciência que o homem tem acerca da atividade que realiza, isto é, o que ela representa para ele; como ele a compreende, as modificações que ela engendra em sua vida, tudo isso se reflete em suas relações objetivas, no desenvolvimento da atividade, ou melhor, na significação dessa atividade, algo que se cria na vida. Estamos falando do significado e sentido da atividade que se revela por meio da palavra.

Para esse autor, o significado da palavra é, ao mesmo tempo, fenômeno do pensamento e do discurso, o que representa a unidade da palavra com o pensamento. No campo semântico, corresponde às relações que a palavra encerra. No campo psicológico, são generalizações, conceitos que são partilhados, construídos e reconstruídos historicamente pelos homens que dividem a mesma cultura. Em outras palavras, é o que possibilita a comunicação entre os homens. O significado é, ao mesmo tempo, linguagem e pensamento, porque é unidade do pensamento verbalizado. Assim, Vigotski (2009Vigotski, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes , 2009., p. 10) considera que “o método de investigação do problema não pode ser outro senão o método de análise semântica, da análise do sentido da linguagem, do significado da palavra”.

Enquanto os significados implicam generalizações e, por isso, são mais fixos e cristalizados pela cultura, os sentidos, embora também sejam produzidos historicamente, porque têm a mediação do social, revelam construções pessoais ligadas aos aspectos afetivos. São, assim, determinados pelo conjunto de momentos afetivo-volitivos existentes em nossa consciência, portanto são mais amplos que os significados. Para explicar melhor a relação entre significado e sentido na formação do pensamento verbal, tomamos de Vigostki (2009Vigotski, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes , 2009., p. 475) a seguinte explicação:

O sentido real de uma palavra é inconstante. Em uma operação ela aparece com um sentido, em outra, adquire outro. Esse dinamismo do sentido é o que nos leva ao problema de Paulham, ao problema da correlação entre significado e sentido. Tomada isoladamente, no léxico, a palavra tem apenas um significado. Mas este não é mais que uma potência que se realiza no discurso vivo, no qual o significado é apenas uma pedra no edifício do sentido.

A análise que envolve a relação entre significado e sentido não pode perder de vista que o sentido é o que enriquece a palavra, é o que dinamiza o seu significado. Isso porque, de acordo com Vigotski (2009Vigotski, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes , 2009.), a palavra incorpora, de todo o contexto no qual está entrelaçada, os conteúdos intelectuais e afetivos. Os sentidos são, portanto, constituídos a partir dos processos cognitivos, mas também afetivos. É com base na ideia de que o pensamento tem também uma dimensão afetiva e volitiva que esse autor, ao estudar a consciência humana em sua materialidade, quer dizer, o indivíduo em atividade, esclarece que toda atividade humana é significada e que a análise da significação da atividade envolve, sobretudo, a análise das motivações, interesses, expectativas e emoções dos sujeitos que se encontram em atividade.

Os significados e os sentidos medeiam ainda a transformação de determinadas experiências de vida dos sujeitos em vivências à medida que levam à produção de sentidos que alteram a forma do homem relacionar-se com a realidade. A vivência, portanto, é outra categoria da psicologia sócio-histórica fundamental para o entendimento do processo de constituição humana.

Com a intenção de esclarecer que o psiquismo humano constitui-se culturalmente, Vigotski (1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386.) recorre à categoria vivência para explicar que o desenvolvimento da consciência é um processo ao mesmo tempo, racional e afetivo, ligado à vida real das pessoas, isto é, “as vivências englobam tanto a tomada de consciência quanto a relação afetiva com o meio e da pessoa consigo mesma, pela qual se dispõem, na atividade consciente, a compreensão dos acontecimentos e a relação afetiva com eles” (Toassa, 2011Toassa, G. Emoções e vivências em Vigotski. Campinas: Papirus, 2011., p. 231).

Ao esclarecer sobre a importância desse conceito na obra de Vigotski, Prestes (2012Prestes, Z. Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2012.) ressalta que o conceito de perejivanie (vivência) está muito ligado ao conceito de situação social de desenvolvimento. Para Vigotski, perejivanie (vivência) não diz respeito a uma particularidade da criança e nem ao meio social em que ela se encontra, mas à relação entre os dois. Significa que para Vigotski a situação social e as especificidades da criança formam uma unidade. Tal processo se explica porque o meio não existe em absoluto, ao contrário, o meio social tem sentidos diferentes para a criança em fases de vida diferentes, ou seja, crianças em idades diferentes podem viver a mesma situação social, mas cada uma terá sua perejivanie (vivência) de modo diferenciado.

Vigotski (1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386.) parte do pressuposto de que o processo de tomada de consciência tem início mediante a relação dialética entre indivíduo e meio, tendo como mediador fundamental as vivências. Em que momento dada situação deixa de ser mera experiência e passa a ser vivência na vida da criança é uma explicação que o psicólogo russo realiza no texto “La crisis de los siete años”.

Nesse texto, Vigotski (1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386.) explica que a criança de sete anos enfrenta uma situação de crise, descrita por cientistas como a crise dos sete anos. Nesse momento, a característica marcante é a perda da espontaneidade. Vigotski (1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386., p. 377)1 1 Tradução disponível em: <https://pt.scribd.com/document/80644227/A-Crise-Dos-7-Anos>. Acesso em: 26 set. 2017. esclarece:

A razão da espontaneidade infantil radica no fato de que não se diferencia suficientemente a vida interior da exterior. As vivências da criança, seus desejos e sua manifestação, isto é, a conduta e a atividade, não constituem no pré-escolar um todo suficientemente diferenciado. Nos adultos, essa diferenciação é muito grande e por isso seu comportamento não é tão espontâneo ou ingênuo como o da criança.

A perda da espontaneidade acontece, conforme esclarece Vigotski (1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386., p. 378), quando a criança incorpora à sua conduta, ao seu modo de agir, à sua atividade, um fator intelectual, ou seja, “o fator intelectual que se insere entre a vivência e o ato direto, o que vem a ser o polo oposto da ação ingênua e direta própria da criança”. Pode parecer estranha essa afirmação de que a criança tem ação direta no mundo, quando sabemos que para Vigotski a relação do homem com o mundo é sempre mediada. Entretanto, entendemos que o autor usa a expressão “direta” para referir-se à ação que ainda não é totalmente conscientizada pela criança.

Esse fator intelectual faz a mediação entre a vivência e a percepção da criança acerca dessa vivência, o que, para Vigotski (1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386.), significa a atribuição consciente de sentido àquilo que se vive. Isso acontece porque a criança, ao se apropriar da linguagem, apropria-se do seu conteúdo semântico, ou seja, dos significados, tornando-se capaz de generalizar. As generalizações ajudam a criança a estabelecer diferenciação entre mundo interior e mundo exterior, passando então a ter consciência de seus estados afetivos, ou seja, passa a compreender o que vive e atribuir sentido a isso. A criança começa a compreender seus afetos e, especialmente, o que a afeta. Se antes ela sentia fome, frio, sede, mas não tinha consciência disso, agora ela não só sente fome, frio e sede como toma consciência desses estados e passa a significá-los por meio da linguagem. Isso significa que “aos sete anos se forma na criança uma estrutura de vivências que lhe permite compreender o que significa ‘estou alegre’, ‘estou angustiada’, ‘estou enfadada’, ‘sou boa’, ‘sou má’” (Vigotski, 1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386., p. 380).

A capacidade de significar as próprias vivências leva a criança a estabelecer novas relações com o meio e consigo mesma. Vale lembrar que o meio a que se refere Vigotski (2003Vigotski, L. S. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 197) é o social, nunca visto como invariável e permanente, mas sim como “Uma imensa quantidade de aspectos e elementos muito diversos, que sempre estão em flagrante contradição e luta entre si”. Essa vai ser a razão pela qual Vigotski vai considerar vivência a verdadeira unidade dinâmica da consciência. A vivência é o que permite compreender como cada pessoa se relaciona com o mundo e como esse mundo é subjetivado, porque a vivência envolve a produção de afetos e sentidos. Os sentidos evidenciam os motivos que impulsionam os sujeitos a agir. A ação dos sujeitos pode ser de atividade ou de passividade. E o que vai determinar que os sujeitos ajam ativamente ou passivamente? A natureza da relação afetiva.

A relação do homem com o mundo e com os outros é sempre uma relação afetiva produtora de sentido. Os sentidos são produzidos em virtude dos afetos constituídos nas vivências de cada ser humano. Entendemos com isso que são os afetos que colocam os indivíduos em situação de atividade ou de passividade, porque são os afetos que determinam a qualidade do sentido produzido pelo indivíduo na relação com a realidade. Queremos dizer que enquanto para uns uma vivência pode sentida de forma positiva, para outros a mesma situação pode ser vivida de forma negativa. Isso acontece porque cada pessoa produz um sentido para aquilo que vive, cada pessoa sente de forma única e constrói sua relação com dado fenômeno de forma única, mas sempre mediado pelo social e pelo significado historicamente constituído.

Resumindo, entendemos que não há entre o homem e o mundo uma relação direta. Sua visão de mundo, sua percepção, suas escolhas, enfim, sua atividade no mundo e com o mundo passa pela mediação das significações. Isso quer dizer que o modo como professores e alunos significam suas relações significam o que fazem e o que vivenciam, determinam sua subjetividade e, consequentemente, sua atividade. Nesse processo de mediação, os afetos movimentam os sujeitos porque orientam a produção de sentidos e, por conseguinte, o modo como se relacionam com a realidade.

Para esclarecer essa relação entre homem e mundo mediada pelos afetos, recorremos à filosofia de Baruch de Espinosa (2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.) e a alguns de seus apropriadores para entender que os afetos podem levar o homem à situação de atividade ou de passividade. Essa discussão servirá de base para o entendimento acerca das práticas educativas que se constituem em encontros alegres capazes de ativar o desejo de professores e alunos por uma educação plena de sentido.

EDUCAÇÃO E AFETAÇÃO: CONSIDERAÇÕES COM BASE NA FILOSOFIA DE BARUCH DE ESPINOSA

A filosofia de Espinosa ajuda-nos a compreender a educação como processo racional, mas sobretudo afetivo. Para tal esclarecimento, Merçon (2013Merçon, J. O desejo como essência da educação. Filosofia e Educação, Campinas: UNICAMP, v. 5, n. 1, p. 25-51, abr./set. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/rfe/article/view/3630/3812 >. Acesso em: 5 out. 2012.
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) faz uso do conceito espinosano de conhecimento adequado. Segundo a autora, Espinosa elucida que a razão predomina no ato educativo quando dela se configura um conhecimento adequado das coisas, mas nem sempre isso acontece. Às vezes o que predomina na produção do conhecimento que temos das coisas é a imaginação, a percepção imediata, fruto de nossas sensações ou crenças. Nesse sentido, o que predomina no processo educativo não é o pensamento racional, mas sim afetivo, e o conhecimento que vem dessa relação é considerado inadequado. A razão é o que leva ao conhecimento adequado ou racional. É a isso que ele faz referência quando menciona que o ato educativo pode orientar-se ou não por meio da razão, mas jamais na ausência de afetos.

Portanto, nem sempre a razão predomina nos processos educativos. Entretanto, o desejo, este sim sempre participa desse processo, uma vez que não há educação sem desejo, nem desejo sem educação (Merçon, 2013Merçon, J. O desejo como essência da educação. Filosofia e Educação, Campinas: UNICAMP, v. 5, n. 1, p. 25-51, abr./set. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/rfe/article/view/3630/3812 >. Acesso em: 5 out. 2012.
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).

Fundamentada nesse princípio, Merçon (2013Merçon, J. O desejo como essência da educação. Filosofia e Educação, Campinas: UNICAMP, v. 5, n. 1, p. 25-51, abr./set. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/rfe/article/view/3630/3812 >. Acesso em: 5 out. 2012.
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) explica que em toda situação educativa na qual se aprende ou se ensina algo, imaginativo ou racional, o desejo está presente. Entretanto, mesmo estando presente em toda e qualquer situação educativa, nem sempre esse desejo é ativo, o que significa que nem sempre os indivíduos são ativos. Eles, muitas vezes, são passivos. E o que significa ser ativo ou passivo para Espinosa? A explicação acerca da situação de atividade ou passividade do homem nas relações sociais está ligada à explicação de como o homem conhece o mundo.

Segundo Espinosa (2007Espinosa, B. Tratado da reforma do entendimento. São Paulo: Escala, 2007.), existem três gêneros de conhecimento. O primeiro gênero ele chamou de imaginativo, ou seja, é o conhecimento que nasce “quando a mente humana considera os corpos exteriores por meio das ideias das afecções de seu próprio corpo” (2007Espinosa, B. Tratado da reforma do entendimento. São Paulo: Escala, 2007., p. 119). Espinosa considera esse conhecimento inadequado, porque é um conhecimento mutilado, superficial, que existe em razão de uma experiência vaga, física. É inadequado porque não revela as causas de dada realidade, apenas sentimos seus efeitos, ou melhor, os vestígios que ele deixa em nós. Por exemplo, imaginamos que o sol está perto de nós porque sentimos a nossa pele queimando. Desconhecemos as verdadeiras causas do calor e passamos a conhecer a realidade pela sensação da pele, pelo desconforto que o calor provoca em mim (afecções do corpo). É isso que Espinosa define como passividade: a incapacidade de o homem conhecer pela natureza essencial das coisas.

O segundo nível do conhecimento Espinosa (2007Espinosa, B. Tratado da reforma do entendimento. São Paulo: Escala, 2007.) chamou de conhecimento adequado, ou melhor, o conhecimento que provém da razão. O conhecimento que se constitui das noções comuns e ideias adequadas das propriedades das coisas, enfim, das causas. Quando passamos a conhecer o fenômeno a partir de sua causa e não do efeito que ele provoca em nós, a consciência toma lugar nessa relação, pois nossa visão acerca da realidade não é mais opaca, e sim clara e distinta. Isto é, sabemos exatamente o que queremos e porque estamos agindo de uma forma e não de outra. Nisso consiste o agir ativo para a filosofia de Espinosa. O agir que envolve a consciência, o conhecimento adequado das causas.

O terceiro gênero do conhecimento é o intuitivo, entendido como o mais alto nível de conhecimento e que, portanto, vai direto à essência do fenômeno. Por ser o mais elevado, é o conhecimento que mais nos aproxima de Deus, pois, ao atingir esse nível de conhecimento, o homem entra em harmonia com a natureza.

Na escola, a produção do conhecimento precisa superar o primeiro gênero (imaginativo) e passar ao segundo gênero (conhecimento racional). Acontece que a ascensão de um gênero a outro depende do nosso esforço, ou seja, da potência do nosso desejo. Segundo Espinosa (2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.), a essência dos homens é o desejo. O desejo é o que nos movimenta. Podemos nos movimentar ativamente ou passivamente. Somos ativos quando em nossos encontros somos afetados de alegria. A alegria ilumina nossa mente e nos leva a construir ideias adequadas sobre aquilo que desejamos. Ter ideias adequadas sobre o que desejamos significa maior consciência na relação com os fenômenos da realidade, porque a alegria aumenta nossa potência de pensar e agir. O aumento da potência leva ao entendimento racional, adequado da realidade. Na escola, contribuímos para o aumento da potência dos nossos alunos quando motivamos um pensar adequado, racional, organizado. Quando reconhecemos suas potencialidades, quando enfatizamos suas conquistas e valorizamos seus êxitos. Nesses encontros, os alunos fortalecem a confiança em si mesmos e acreditam que podem alcançar um nível mais avançado de desenvolvimento intelectual com a ajuda e a colaboração dos colegas e dos professores. Quanto mais somos afetados de alegria, maior a possibilidade de desejarmos aquilo que nos faz bem e que colabora para nossa felicidade. Ou seja, maior a possibilidade de construir um sentido para frequentar e permanecer feliz na escola.

Somos passivos quando somos afetados de tristeza. A tristeza, que representa a própria diminuição da nossa potência, origina um conhecimento inadequado, mutilado da realidade. Agimos motivados não por uma vontade consciente, mas por forças externas que controlam nossas necessidades. A minha mente enfraquecida torna-se distraída, desatenta. Quando os alunos não conseguem sentir e viver a escola como espaço de trocas, de alegria, de crescimento, de conquista, de estímulo, de descoberta, significa que eles estão vivendo uma afetação negativa, e nesse caso tudo converge para a diminuição da potência de pensar e agir. Os alunos mostram-se cada vez mais distraídos porque frequentar a escola não é algo desejado, a ida para a escola é uma obrigação cumprida para satisfazer uma exigência externa (os pais, a sociedade, os professores). Essa situação confirma o que nos diz Leontiev (1988Leontiev, A. N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: Vigotski, L. S.; Luria, A. R.; Leontiev, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988. p. 59-76.) sobre a transformação dos motivos. Se inicialmente a necessidade de ir à escola é produzida pelos outros e não pelos próprios alunos, é preciso que as práticas educativas surjam como possibilidade que os alunos têm de transformar os motivos iniciais e produzir novos. Para transformar essa realidade, os encontros na sala de aula, na escola, precisam constituir-se em encontros alegres, ou seja, em encontros nos quais os alunos tenham a possibilidade de construir um “sentido pessoal” (Leontiev, 1978Leontiev, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa, Portugal: Horizontes, 1978.) para estarem na escola, na sala de aula e para aprenderem. Portanto, a transformação de um desejar passivo em um desejar ativo ocorre em virtude de nossos encontros, que podem ser alegres ou tristes, que provocam o aumento ou a diminuição de nossa potência.

É, portanto, nas relações sociais que essa potência pode ser aumentada ou diminuída. Nesse sentido, o que professores e alunos vivenciam na escola converte-se em fonte de afetos que levam à produção de novos sentidos. Na escola, professores e alunos são afetados de diversas maneiras, fato que impulsiona aumentando ou diminuindo a potência de pensar e agir de cada um, o que contribui tanto para o sucesso como para o fracasso das ações educativas. Isso porque o que aumenta ou diminui favorece ou coíbe a potência de agir de nosso corpo, a ideia dessa mesma coisa aumenta ou diminui, favorece ou coíbe a potência de pensar da nossa mente (Espinosa, 2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.).

A afetação é, portanto, mediação importante capaz de revelar muito sobre a constituição do humano. A filosofia de Espinosa (2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.) nos ajuda a compreender como se estabelece, na vida, o processo de afetação entre os homens e de que modo, nesse processo, são elaborados os sentidos que direcionam nossa atividade e aumentam nossa energia vital, impulsionando-nos para sermos mais. A essa energia vital Espinosa chamou de conatus, princípio de autoconservação e também de autoexpansão e realização de tudo o que existe e está contido na essência dos seres singulares - os homens, por exemplo.

As mediações afetivas são fundamentais no entendimento acerca de como o professor consegue realizar um ensino capaz de mediar o desejo ativo de aprender dos alunos. A filosofia de Espinosa (2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.) mostra que todas as relações sociais são, ao mesmo tempo, mediadas/mediadoras de afetações. A partir disso, entendemos que os processos educativos, ao se constituírem no conjunto das relações sociais, produzem e são produto de afetações. Isso significa que tanto professores quanto alunos afetam e são afetados pelo que vivenciam em suas relações.

As práticas educativas são da ordem do encontro que acontece entre professores e alunos. Nesse sentido, é preciso entender quais condições (objetivas e subjetivas) precisam ser produzidas para que, na escola, professores e alunos vivenciem encontros alegres, ou seja, práticas educativas que levem ao aumento da potência de ambos e, consequentemente, a um desejar ativo. Consideramos que estão dentro das condições objetivas melhores salários, melhores condições de trabalho, investimento em políticas públicas que colaborem com a valorização da profissão e a supressão de formas de precarização do trabalho docente. Com relação às condições subjetivas, entendemos que fazem parte dessa dimensão os processos formativos e as significações produzidas nesses processos sobre a profissão e a condição de ser professor no Brasil. Compreendemos que as condições objetivas e subjetivas constituem unidade dialética que medeia o processo de tornar-se professor e a produção do desejar ativo de ser professor e continuar na profissão.

Segundo Merçon (2013Merçon, J. O desejo como essência da educação. Filosofia e Educação, Campinas: UNICAMP, v. 5, n. 1, p. 25-51, abr./set. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/rfe/article/view/3630/3812 >. Acesso em: 5 out. 2012.
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), o desejar ou educar ativo enlaça o entendimento do desejo, o desejo de entender e o desejo de compartilhar conhecimentos. Portanto, uma educação pela ou para a atividade realiza-se a partir desse triplo movimento, que se inicia quando o indivíduo tem conhecimento sobre o que o afeta. A partir daí, ele passa a ser a causa de si mesmo, fato que o leva a desejar compartilhar conhecimento. Quando o aluno ativa o desejo pela aprendizagem, ele passa a ter ideias adequadas sobre a escola, sobre as matérias ensinadas, sobre o saber. Estar na escola e participar das atividades educativas deixa de ser obrigação e passa a ser sentido como prazer, alegria.

O aumento ou a diminuição da potência dos sujeitos passa pelo tipo de afetação que provoca o desejar ativo ou passivo. Entendemos, portanto, que na educação a afetação é o processo pelo qual práticas educativas transformam-se em vivências capazes de aumentar ou diminuir a potência humana. Fundamentadas nessa ideia, defendemos a tese de que o professor consegue realizar prática educativa bem-sucedida quando afeta positivamente seus alunos. O afeto alegre é a condição subjetiva que pode provocar nos alunos a produção de sentidos capazes de potencializar o desejo de continuar aprendendo e se desenvolvendo, tanto na escola, quanto na vida. Na atualidade, o desafio é, portanto, instigar práticas educativas que levem à potencialização do desejar ativo de professores e alunos. Esse objetivo depende do tipo de afetação que vai constituir o encontro entre eles.

Considerando que as práticas educativas são produções humanas e, como tal, se desenvolvem expressando os movimentos contraditórios que emergem do processo de lutas e interesses, muitas vezes antagônicos de quem as realiza, não faz nenhum sentido analisá-las abstratamente, pois se trata de uma dimensão da vida humana, que, como tal, transforma-se historicamente, acompanhando-se e articulando-se às transformações do modo como professores e alunos produzem sua existência. Portanto a análise de práticas educativas requer, em última instância, a análise acerca do processo histórico de constituição dos homens que produzem essas práticas. Nesse sentido, na próxima sessão, analisamos uma pequena parte das histórias de vida de quatro alunos, contadas por meio de memoriais, para entender em quais condições os encontros educativos podem produzir encantamento, prazer e convívio frutífero, compondo assim subjetividades felizes em seus processos de aprendizagem e desenvolvimento.

ENSINO, APRENDIZAGEM E AFETOS: LAÇOS QUE CONSTITUEM ALUNOS COM HISTÓRIAS BEM-SUCEDIDAS NA EDUCAÇÃO

A pesquisa a qual nos referimos neste artigo foi realizada entre os anos de 2011 e 2014. Envolveu um professor de matemática e quatro ex-alunos desse mesmo professor. Os sujeitos foram escolhidos por serem reconhecidamente (em âmbito nacional e internacional) sujeitos de histórias bem-sucedidas em educação.2 2 A história de sucesso do professor e dos alunos vem sendo divulgada amplamente pela mídia local e nacional desde 2011. A divulgação mais recente foi veiculada em reportagem apresentada no programa Fantástico, exibido pela Rede Globo em 16 de março de 2014, como parte da série Educação.doc. Para mais detalhes, consultar: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/03/escola-publica-de-cidade-do-piaui-tem-alunos-motivados-e-otimos-resultados.html>. Acesso em: 21 set. 2017. Os sujeitos são identificados no relato com nomes fictícios.

A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada em um primeiro momento com o professor, por meio de entrevista semiestruturada e do tipo reflexiva. Em um segundo momento, reunimo-nos com os alunos e propomos a escrita do memorial. Nesse relato, utilizaremos uma pequena parte dos dados relativos aos memoriais dos alunos.

Como procedimento de análise, utilizamos a proposta desenvolvida por Aguiar e Ozella (2013Aguiar, W. M. J.; Ozella, S. Apreensão dos sentidos: aprimorando a proposta dos núcleos de significação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília: INEP, v. 94, n. 236, p. 299-322, jan./abr. 2013.) conhecida como “núcleos de significação”. Esse procedimento analítico, segundo Aguiar e Ozella (2013Aguiar, W. M. J.; Ozella, S. Apreensão dos sentidos: aprimorando a proposta dos núcleos de significação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília: INEP, v. 94, n. 236, p. 299-322, jan./abr. 2013.), permite apreender as mediações sociais constitutivas dos indivíduos em atividade, por meio de significações expressas nos discursos. Nesse procedimento, partimos da apreensão dos significados para chegar às “zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ou seja, as zonas de sentido” (Aguiar e Ozella, 2013Aguiar, W. M. J.; Ozella, S. Apreensão dos sentidos: aprimorando a proposta dos núcleos de significação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília: INEP, v. 94, n. 236, p. 299-322, jan./abr. 2013., p. 304). Os significados revelam o que está na aparência, no discurso, mas o que nos interessa é o que está no subtexto, aquilo que não se mostra sem uma análise cuidadosa e profunda, o sujeito na sua essência, o que o singulariza. Por meio desse procedimento analítico, chegamos à identificação de três núcleos de significação que expressaram, entre outras coisas, os motivos, as escolhas, os percursos históricos, as vivências, as relações importantes e decisivas para o desenvolvimento desses alunos.

Os núcleos de significação são representativos das mediações constitutivas desses sujeitos em seus percursos históricos, por isso foram nomeados considerando essas mediações. Um exemplo disso é o núcleo que vamos apresentar aqui: “Afetos constituídos na relação com os professores”. Esse nome foi escolhido porque, de todas as mediações reveladas com a análise das significações presentes em um grupo de indicadores desse núcleo, havia uma que se destacava com mais intensidade e força, ou seja, os afetos. Nesse núcleo, articulamos discussões com a finalidade de demonstrar de que forma a relação afetiva com os professores mediou a instituição do desejo de estudar para aprender e se desenvolver nos alunos. As narrativas a seguir foram extraídas dos memoriais produzidos pelos alunos:

As provas aplicadas em nossa turma eram muito difíceis, os professores tiveram uma grande dedicação à nossa turma, principalmente a professora NB. Tínhamos aulas no sábado, domingo e feriado. (Cecília)

Ao final do período, eu estava sentada em um banco do departamento e o professor BB me chamou em sua sala, eu nem imaginava o que ele queria comigo. Ele me deu um livro pra eu estudar e disse que era pra eu apresentar pra ele, e pouco tempo depois passei a estudar na sala dele e ganhei bolsa de iniciação científica. (Cecília)

Com o apoio do professor BB, que aguentou meus choros nas horas complicadas, tive a oportunidade de concluir o mestrado e logo ingressar no doutorado. (Cecília)

Meus professores [...] eram exemplo de força de vontade, numa época onde muitos e muitos desistiam dos estudos para trabalhar de roça porque não tinham condições de arcar com os custos pra seguir adiante no estudo. Eles foram muito importantes. (Raquel)

Eu me impressionava ao ver o tamanho da força de vontade que todos os meus professores de ensino médio tinham em relação aos seus alunos. Se não fosse esse incentivo, não teríamos acreditado em nós mesmos! (Raquel)

Em certas ocasiões, o professor é o principal responsável para que um aluno tenha uma história de vida bem-sucedida. Cada professor tem em suas mãos um papel transformador na sociedade. Eles são o ponto estratégico pra se melhorar a educação em locais onde ainda a taxa de escolaridade é baixa, pois eles, quando cientes de seu papel, podem mudar a realidade. (Raquel)

Foi então que, aos poucos, fui “apresentado” a uma nova matemática. (Pitágoras)

Se não fosse o projeto do professor Torricelli lá na sexta série, talvez hoje não pudesse está escrevendo esse texto, talvez tivesse seguido a profissão dos meus pais. (Isaac)

Escolhemos trechos que expressassem situações e relações vividas durante a escolarização carregadas de afetos. Nos trechos destacados (pré-indicadores), verificamos que dadas situações e relações vividas no cotidiano escolar sinalizam para o modo como esses alunos foram afetados pelas ações dos professores.

Cecília relata que os professores dedicaram-se muito ao trabalho realizado com os alunos e, em seu relato, reconhece que a dedicação foi além do esperado, pois ressalta: “Tínhamos aulas no sábado, domingo e feriado”. Ao enfatizar esse detalhe, a estudante, na verdade, quer evidenciar que houve esforço por parte dos professores em cumprir o projeto de ajudar os alunos a concluírem o ensino médio e, em seguida, conseguirem ingressar no ensino superior. O esforço dos professores é uma mediação que afeta não apenas Cecília, mas grande parte do grupo de alunos, conforme relata a discente: “Todo esse clima de vestibular contagiou a turma. Quando saiu o resultado, nem mesmo nós acreditávamos que tantas pessoas foram aprovadas”.

Na universidade, a relação com os professores continua sendo uma mediação capaz de produzir em Cecília estados afetivos que, segundo Espinosa (2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.), aumentam a capacidade de agir e de pensar. Das inúmeras experiências partilhadas pela aluna na sua vida acadêmica, ela significou aquela que lhe parece ser o momento decisivo no processo de transformação da sua condição de aluna: “Ao final do período, eu estava sentada em um banco do departamento e o professor BB me chamou em sua sala [...]. Ele me deu um livro pra eu estudar [...] e pouco tempo depois passei a estudar na sala dele e ganhei bolsa de iniciação científica”. Essa situação tem para Cecília significação especial e evidencia que a aluna demonstra consciência de que aconteceu algo determinante que mudaria sua vida. Isso mostra que a participação na iniciação científica, a confiança do professor e o fato de sentir-se apoiada nos momentos difíceis, “Com o apoio do professor BB, que aguentou meus choros nas horas complicadas”, representam vivências para a aluna, porque promoveram o desenvolvimento e a expansão de novos sentidos pessoais relacionados aos estudos. Cecília não apenas conseguiu concluir o ensino superior, mas também o desejo de continuar aprendendo e se desenvolvendo a motiva a seguir dando saltos cada vez mais longos na sua vida escolar, desejo este que fica muito evidente quando ela afirma: “Penso em terminar o doutorado e fazer concurso pra alguma universidade federal e incentivar jovens a seguir a carreira acadêmica e trabalhar com muito amor”.

As vivências, segundo Vigotski (2010Vigotski, L. S. Quarta aula: a questão do meio na pedologia. Tradução de Márcia Pileggi Vinha e Max Welcman. Psicologia USP, São Paulo: USP, v. 21, n. 4, p. 681-701, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pusp/v21n4/v21n4a03.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.
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), são fonte inesgotável de novos afetos e, por isso mesmo, alteram a compreensão da realidade, além de possibilitar a sua efetiva transformação. Foi isso que aconteceu com Cecília. Se, antes, o sentido de estudar para ela representava a espera por recompensas e elogios, os afetos instaurados nessa nova relação conduzem-na à produção de novos sentidos. Estudar não é uma atividade realizada apenas para garantir-lhe algo imediato, é algo que a projeta para novos horizontes. Realiza-se com Cecília o que Vigotski (2003Vigotski, L. S. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003., p. 77) considera a meta da educação: “a criação de um ser humano que olhe para além do seu meio”.

Com Cecília, confirma-se a tendência à transformação do sentido. Essa transformação revela um salto qualitativo na produção dos sentidos sobre estudar, pois encontramos zonas de sentido que mostram não mais a busca pela recompensa pessoal, mas, sobretudo, a realização de algo maior e mais significativo que envolve não apenas seu bem-estar, mas o bem-estar de outras pessoas. Merçon (2013Merçon, J. O desejo como essência da educação. Filosofia e Educação, Campinas: UNICAMP, v. 5, n. 1, p. 25-51, abr./set. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/rfe/article/view/3630/3812 >. Acesso em: 5 out. 2012.
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, p. 48) nos ajuda a esclarecer que o desejo de Cecília de fazer com que outras pessoas sigam o mesmo caminho e amem com a mesma intensidade a carreira acadêmica acontece porque “as coisas que amamos são amadas por nós com mais firmeza quando imaginamos que outras pessoas também as amam, segue-se que nos esforçaremos para que os outros amem o que nós próprios amamos”.

Raquel não esconde sua admiração pelos professores e ressalta a importância deles para a formação dos alunos: “meus professores [...] eram exemplo de força de vontade [...] Eles foram muito importantes”. A estudante acredita que, sem o incentivo, a dedicação e o esforço dos professores, ela e os demais alunos não teriam conseguido chegar tão longe nos estudos. A relação da discente com os professores é mediada pelo reconhecimento da importância dos professores para o desenvolvimento dos alunos, sobretudo daqueles que dispõem de poucas condições de escolarização, como é o caso dos alunos de cidades como a que ela vive. O afeto de valorização é o responsável pela produção do sentido que a discente constrói sobre seus professores e as atividades realizadas, o que explica por que para a aluna “o professor é o principal responsável para que um aluno tenha uma história de vida bem-sucedida”.

Isaac significa que “Se não fosse o projeto do professor Torricelli lá na sexta série, talvez hoje não pudesse está escrevendo esse texto, talvez tivesse seguido a profissão dos meus pais”. O modo de significar essa relação sinaliza que o sentido produzido pelo aluno ao que é desenvolvido pelos professores passa também pelo reconhecimento do valor social que o trabalho tem na vida dos discentes.

O afeto de reconhecimento que Raquel e Isaac desenvolveram nas relações afetivas vividas com os professores pressupõe que eles foram afetados de amor por sentirem-se favorecidos pelo bem que os professores fazem aos alunos. De acordo com Espinosa (2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008., p. 325), “o reconhecimento não se opõe à razão; em vez disso, concorda com ela e pode dela surgir”. É esse afeto que vai conferir a Raquel e Isaac novo sentido para estar na escola, para estudar, pois o afeto, segundo Vigotski (2003Vigotski, L. S. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2003.), é também o resultado de uma avaliação que o indivíduo faz do mundo que o cerca e com o qual se relaciona.

Pitágoras também expressa significações que mostram que as relações desenvolvidas com os professores resultaram em vivência porque originaram afetos que orientaram a produção de novos sentidos sobre estar na escola e sobre a atividade de estudar. Ao rememorar em seu relato que “Foi então que, aos poucos, fui ‘apresentado’ a uma nova matemática”, Pitágoras dá mostras de que houve momentos em que estudar matemática passou a ter novo sentido para ele. Estudar foi deixando de representar uma obrigação e passando a significar prazer e alegria.

Isso, segundo Vigotski (1996Vigotski, L. S. La crisis de los siete años. In: Vigotski, L. S. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor, 1996. p. 377-386.), evidencia que na vivência com os professores e com as atividades por eles propostas, a relação do estudante com o meio (a aula de matemática) se transformou, ganhou novo sentido e significado, transformando também o próprio aluno. O que antes era sentido como obrigação, agora é sentido como felicidade. Pitágoras sinaliza que os afetos produzidos na sua relação com o estudo da matemática elevam sua potência ao máximo possível, por isso o estado de felicidade e completude. Espinosa (2008Espinosa, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2008., p. 297) esclarece que, “à medida que uma coisa concorda com nossa natureza, ela é necessariamente boa”, Estudar matemática para Pitágoras é algo bom, é algo que lhe é útil no sentido de que produz estado de felicidade, concorda com sua natureza, por isso eleva ao máximo sua potência.

Essas significações refletem que, na relação dos discentes com os professores no processo de escolarização, determinadas práticas educativas constituem-se em vivências. Essas vivências deflagram a produção de afetos que orientam a constituição de sentidos pessoais relacionados aos estudos que potencializam essa atividade levando-os a experimentarem transformações importantes para o desenvolvimento de cada um, seja como alunos, seja como pessoas.

Nesse núcleo, apreendemos significações que revelaram vivências afetivas instauradas na relação com os professores. As análises apontaram que a vivência de cada aluno desencadeou a transformação de sentidos que alteraram de forma significativa a relação destes com os estudos, com a escola e com a vida. Essa transformação foi sendo possível à medida que os alunos foram envolvendo-se em práticas educativas que ativaram o desejo de aprender não mais apenas com a finalidade de satisfazer necessidades imediatas, mas necessidades afetivas. O envolvimento com tais práticas educativas foi a condição objetiva que possibilitou a constituição de subjetividades bem-sucedidas. Entretanto, é importante deixar claro que esse processo é sempre dialético na medida que um estado não anula o outro, ou seja, os alunos são sujeitos sócio-históricos e, como tal, são mediados pela realidade sempre contraditória. Estar em condições de sucesso não significa a permanência, e sim a transitoriedade. Práticas educativas bem-sucedidas representam a possibilidade que professores e alunos têm de continuarem em movimento de transformação do desejo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do humano a partir das categorias significado, sentido, vivência e afetação nos permite compreendê-las como categorias teórico-metodológicas com valor heurístico em pesquisas que investigam a totalidade dos processos constitutivos dos sujeitos. Isso porque carregam a materialidade e as contradições do mundo real presentes na consciência, além de revelar aspectos contraditórios da mediação dialética entre a realidade objetiva e subjetiva, ou seja, entre homem e mundo.

A ideia de que as significações transformam-se no curso da vida que se vive, e que essas transformações indicam que houve mudança na relação do indivíduo com o mundo, foi um dos pressupostos que orientaram as discussões nesta pesquisa. Esse pressuposto encontra respaldo na categoria vivência, desenvolvida por Vigotski (2010Vigotski, L. S. Quarta aula: a questão do meio na pedologia. Tradução de Márcia Pileggi Vinha e Max Welcman. Psicologia USP, São Paulo: USP, v. 21, n. 4, p. 681-701, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pusp/v21n4/v21n4a03.pdf >. Acesso em: 10 out. 2012.
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) para explicar a relação dialética entre homem e realidade. O psicólogo russo esclarece que a vivência não é algo apenas experimentado, mas também um trabalho interior, um trabalho mental, algo emocionalmente forte, que altera a relação do indivíduo com o mundo, porque envolve a produção de afetos.

A pesquisa mostrou que os afetos produzidos nas vivências dão cor e conteúdo aos sentidos. Educar com o sentido de afetar de desejo o aluno, essa é a condição que precisa ser produzida pelos professores que buscam realizar uma prática educativa bem-sucedida. Foi isso que aconteceu com os alunos pesquisados. As relações com os professores foram umas das mediações responsáveis pela produção de afetos que reorientaram os sentidos sobre estudar. Isso aconteceu porque os sentidos singularizam os sujeitos, ligam-se aos motivos, afetos e emoções constituídos nas experiências pessoais de cada ser humano.

Em síntese, entendemos que os professores afetaram positivamente Cecília, Raquel, Isaac e Pitágoras à medida que despertavam neles afetos ativos (alegria, felicidade, autoconfiança, satisfação), que potencializam mente e corpo. Os afetos ativos mediaram o processo pelo qual os alunos estabelecem ideias adequadas (compreensão do valor da educação; que o estudo possibilita aprendizagem e desenvolvimento; transforma a vida) sobre a realidade na qual estão envolvidos (o processo educativo). Ideias adequadas estimulam mente e corpo a compreender e a se desenvolver, porque elas aumentam a potência de ser. A potência estimulada tende a se conservar, por isso o desejo por continuar aprendendo e se desenvolvendo não cessou, mesmo quando eles concluíram a educação básica. Tanto é verdade que agora, no ensino superior, seja na graduação, seja na pós-graduação, esse desejo tende a aumentar e a se desenvolver.

Considerando que o processo ensino e aprendizagem só faz sentido se for capaz de elevar a potência de ser dos professores e alunos, que investimentos precisam ser feitos para que essa realidade torne-se possibilidade? Que condições os professores têm de desenvolver bons encontros? A psicologia sócio-histórica e a filosofia de Espinosa representa um caminho que poderá subsidiar a construção de respostas para essas questões.

REFERÊNCIAS

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    » http://www.scielo.br/pdf/pusp/v21n4/v21n4a03.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2015
  • Aceito
    24 Maio 2016
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