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Durkheim, Rawls e a educação moral

DURKHEIM, RAWLS AND MORAL EDUCATION

DURKHEIM, RAWLS Y LA EDUCACIÓN MORAL

RESUMO

O objetivo do presente texto é apresentar as versões de Durkheim e de Rawls a respeito da educação moral. Para tanto, o texto será estruturado como se segue: em primeiro lugar, discorrer-se-á sobre a concepção de educação moral durkheimiana, externalizando os elementos básicos da moralidade para as escolas públicas de uma sociedade democrática e laica, tal como se encontra em L’éducation morale, evidentemente relacionando-a à sua teoria moral; em segundo lugar, apresentar-se-á a educação moral como Rawls a concebe, no contexto da formação e desenvolvimento do senso de justiça, por meio dos três estágios correspondentes, como descritos em Uma teoria da justiça; em terceiro lugar, finalmente, contrastar-se-ão as duas teorias, acenando para convergências, assim como possíveis divergências, indicando que os autores, apesar de críticos, mutatis mutandis, demonstram certa simpatia em relação a Kant, de modo que adotam algumas de suas ideias.

PALAVRAS-CHAVE:
Durkheim; Rawls; educação moral; moralidade; sociologia da educação moral

ABSTRACT

The objective of this paper is to present versions of Durkheim and Rawls about moral education. For this purpose, the text is structured as follows: first, it will be discussed about the design of Durkheim’s moral education, outsourcing the basic elements of morality in the public schools of a democratic and secular society, such as L’éducation morale, evidently, relating it to his moral theory; secondly, moral education will be presented as Rawls conceives it, through training and development of a sense of justice, through three corresponding stages, as described in A theory of justice; thirdly and finally, the two theories will be contrasted, pointing to convergence as well as potential differences, indicating that the authors, although critical, mutatis mutandis, show some sympathy towards Kant, to adopt some of their ideas.

KEYWORDS:
Durkheim; Rawls; moral education; morality; sociology of moral education

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es presentar las versiones de Durkheim y Rawls acerca de la educación moral. Por lo tanto, el texto se estructura de la siguiente manera: en primer lugar, se discutirá sobre la concepción de la educación moral de Durkheim, en lo que se apuntará a los elementos básicos de la moralidad para las escuelas públicas de una sociedad democrática y laica, como esta en la L’éducation morale, por supuesto, relacionándolo con su teoría moral; en segundo lugar, se presentará la educación moral como concibe Rawls, a través de la formación y el desarrollo del sentido de la justicia, a través de las tres etapas correspondientes, como él las describe en A theory of justice; en tercer lugar, finalmente, las teoría serón contrastadas, apuntando a las convergencias, así como a los posibles diferencias, lo que indica que los autores, pesar de críticos, mutatis mutandis, muestran cierta simpatía por Kant, aunque adoptan algunas de sus ideas.

PALABRAS CLAVE:
Durkheim; Rawls; educación moral; moralidad; sociología de la educación moral

INTRODUÇÃO

O TEMA DA EDUCAÇÃO MORAL NA HISTÓRIA DO PENSAMENTO OCIDENTAL

A educação moral, quando cotejada, é uma parte de qualquer teoria mais ampla a respeito da educação. É uma subparte que guarda conexão com a filosofia da educação e com a filosofia moral, assim como com a psicologia e a sociologia da educação, para não falar historicamente da teologia moral. Nesse sentido, a investigação em torno dos princípios que formariam e moldariam o caráter virtuoso, que deveriam estar presentes em qualquer prática educativa, como sendo o escopo da educação moral, desde há muito já se encontra presente na cultura ocidental.

Dessa feita, a noção de que a virtude e o caráter moral, como excelência moral, devem ser cultivados nas crianças, formalmente pela via da educação, são encontrados na Ética a Nicômaco, de Aristóteles. Nessa obra, Aristóteles tem como ponto de partida a tese de que toda ação e toda escolha possuem um fim próprio, compreendido como um bem, e esse bem é a finalidade de todas as ações. E, no caso do homem, o bem supremo consiste em realizar-se naquilo que lhe é específico, isto é, na vida segundo a razão. Aristóteles considerava central para sua visão de educação moral a perspectiva de que a virtude moral pode ser adquirida pelo hábito. Assim, entende que a virtude deve ser exercitada, guiando-se, lenta e gradualmente, para a ação virtuosa. A virtude, como uma disposição de caráter, encontrar-se-ia, dessa forma, não nos excessos e nas faltas, mas no meio-termo, no equilíbrio, isto é, no justo meio, de modo que a virtude é uma espécie de mediania (Aristóteles, 1992Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília, DF: UnB, 1992. , 1106b).

Além disso, como aponta Menezes (2000Menezes, E. Kant e a ideia de educação das luzes. Educação e Filosofia, Uberlândia: UFU. 14, n. 27-28, p. 113-126, jan./dez. 2000.), a educação moral é o âmbito no qual grande parte dos pensadores do esclarecimento vai centrar seus esforços de conduzir os homens para a maioridade, preservando a si mesmos dos tutores externos e conduzindo, por consequência, a humanidade para o progresso coletivo. Educar moralmente é, pois, desenvolver no indivíduo os sentimentos e as disposições que convenham à virtude (Menezes,2000Menezes, E. Kant e a ideia de educação das luzes. Educação e Filosofia, Uberlândia: UFU. 14, n. 27-28, p. 113-126, jan./dez. 2000., p. 113-117). Claramente, o que está em pauta é o ideal iluminista de uma educação para a autonomia, que mais clara e lucidamente se manifesta em Kant: “Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo” (Kant, 1990Kant, I. Resposta à pergunta: que é o iluminismo? In: Kant, I. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1990. p. 11-19., p. 11).

A educação moral é, dessa maneira, um tema de envergadura ao longo do pensamento ocidental. O objetivo no presente texto é apresentar as versões de Durkheim e de Rawls a respeito dessa temática. Para tanto, o texto será estruturado obedecendo a seguinte ordem: em primeiro lugar, discorrer-se-á sobre a educação moral de Durkheim, externalizando os elementos básicos da moralidade para escolas públicas de uma sociedade democrática e laica, como era a França do final do século XIX, evidententemente relacionando-a à sua teoria moral; em segundo lugar, apresentar-se-á a educação moral como Rawls a concebe, no contexto da formação e desenvolvimento do senso de justiça, por meio dos três estágios correspondentes, como descritos em Uma teoria da justiça;1 1 Sabe-se que a norma para a referência em citação obedece ao padrão: Autor, data da publicação utilizada, página; entretanto, para Rawls, utilizar-se-á: Autor, data da publicação utilizada, parágrafo da obra, página. A razão disso é para facilitar o leitor em sua busca, tendo em vista as muitas traduções de A theory of justice. em terceiro lugar, finalmente, contrastar-se-á as duas teorias, acenando para convergências, assim como possíveis divergências, indicando que os autores, apesar de críticos, mutatis mutandis, demonstram certa simpatia em relação a Kant, de modo que adotam algumas de suas ideias.

A EDUCAÇÃO MORAL EM DURKHEIM

Durkheim escreveu variados textos destinados à investigação da moralidade, muito embora sua versão mais completa da temática infelizmente não tenha sido formulada, já que foi interrompida por conta de sua morte precoce, em 1917. ­Apesar disso, escreveu artigos de importância reconhecida, como La détermination du fait moral, em 1906Durkheim, É. Détermination du fait moral. Dans le cadre de la collection: les classiques des sciences sociales. 1906. Disponível em: <Disponível em: http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/Socio_et_philo/ch_2_fait_moral/fait_moral.html >. Acesso em: 25 maio 2014.
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, e deu palestras notáveis, como aquela da póstuma publicação de L’éducacion morale (1899). De forma simples, as publicações de Durkheim seguem essa sequência. Em 1893, defende a tese de doutorado principal, De a division du travail social, na qual estabelece o objeto de estudo da sociologia; e a tese complementar, escrita em latim e publicada em 1892, mas editada em francês apenas em 1953, Montesquieu et Rousseau, précurseurs de la sociologie. Em 1895, publicou Les règles de la méthode sociologique, obra em que lança as bases metodológicas da nova ciência. Em 1896 funda L’année sociologique, revista orientadora do pensamento e da pesquisa sociológica na França. Em 1897, Le suicide. Étude sociologique, na qual procurou aplicar o método sugerido na pesquisa social, com a utilização da estatística como recurso metodológico. Em 1912, Les formes élémentaires de la vie religieuse. Le système totémique en Australie. Após sua morte, as seguintes obras foram editadas: em 1922, Éducation et sociologie (1902); em 1924, Sociologie et philosophie; em 1925 L’éducation morale; em 1928, Le socialisme; em 1938, L’évolution pédagogique en France (1904-1905). A discussão aqui empreendida centrar-se-á em L’éducation morale. Antes, porém, discutir-se-á de modo amplo a teoria moral de Durkheim, a qual tinha por fito a fundação de uma sociologia da moral, ou uma physique des moeurs.

A TEORIA MORAL DURKHEIMIANA

A teoria moral de Durkheim é especialmente original, sendo caracterizada tanto pela rejeição de preceitos morais a priori quanto de raciocínios lógicos e abstratos para a construção de sistemas éticos. Contrariamente, partindo da ideia de que a sociedade é um conjunto das interações e representações sociais elaboradas histórica e socialmente, afirma que a origem da moralidade, os fenômenos e os fatos relacionados à moral são fundamentalmente situados na própria sociedade, de modo que é nela mesma que se devem encontrar as categorias fundamentais à análise sociológica da moral (Weiss, 2005Weiss, R. Émile Durkheim e a ciência da moral. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., p. 71-81). Nas próprias palavras de Durkheim,

É a sociedade que institui a moral, pois é ela que a ensina. Mesmo que se suponha ser possível demonstrar a verdade moral fora do tempo e do espaço, para que tal verdade moral chegue a se tornar uma realidade, será preciso que existam sociedades que possam adequar-se a ela, que a sancionem e que a tornem realidade. Para que exista a justiça que pedimos, é mister que existam legisladores que a façam penetrar nas leis. A moral não é uma coisa de livros; brota das mesmas fontes da vida e chega a ser um fator real da vida dos homens. Não existe senão na sociedade e pela sociedade. (Durkheim, 2007bDurkheim, É. O ensino da moral na escola primária. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo: CEBRAP, n. 78, p. 61-75, 2007., p. 67)

Dessa forma, Durkheim entende que cada sociedade, ao longo de sua história, cria suas próprias regras morais, as quais, vistas como um sistema, são profundamente distintas dos demais conjuntos morais de outras sociedades. Isso quer dizer que cada sociedade, tomada individualmente, é a gênese de seus princípios morais. Além disso, de acordo com a teoria de Durkheim, para analisar os fenômenos morais, o teórico moral, como sociólogo da moral, deve levar em consideração a historicidade da moral.

Assim considerada, a moral é particular a cada sociedade. Mas isso não implica um niilismo moral, posto que as regras morais estão enraizadas na própria base de cada realidade social, já que são únicas em seu gênero. No horizonte desse entendimento, há o reconhecimento de que a moral é um fato social e, assim sendo, pode ser estudada sociologicamente, já que o objeto da sociologia é o fato social. Vale lembrar que, para Durkheim (2007aDurkheim, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes , 2007a., p. 13, grifo do original), como coisa, o fato social pode ser definido como

[...] toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.

Além disso, o fato social, na relação do indivíduo com sua sociedade, tem três características fundamentais, a saber: a externalidade, que é entendida como a propriedade do fato social relacionar-se a padrões culturais e morais que são exteriores e independentes da consciência dos indivíduos; a coercitividade, que é relativa ao poder de coerção com a qual os padrões culturais de uma determinada sociedade são impostos aos indivíduos que pertencem a ela, de modo que possa obrigar a obediência o indivíduo; e a generalidade, que aponta para a qualidade de que os fatos sociais são coletivos, no sentido de que pertencem à sociedade (­Durkheim, 2007a7Durkheim, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes , 2007a., p. 1-13).

No que se refere ao tratamento da moral, Durkheim (2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a.) rejeita o modo como é considerada pelas teorias filosóficas, notadamente aquelas inspiradas no utilitarismo e no kantismo, como uma expressão do deontologismo. Para Durkheim, o utilitarismo tem duas falhas principais: de um lado, afirma que o fundamento da moral é exclusivamente o interesse, e de outro, como consequência por supervalorizar o interesse como força motriz da moral, ela não se pode tornar obrigatória. Já em relação ao kantismo, apesar de reconhecer a evidente inspiração, no sentido de fundamentar a moral inteiramente na razão, Durkheim afirma que seu erro está no fato de que procura fundamentar a moral em um princípio a priori, aspecto que o afasta da ciência (Weiss, 2005Weiss, R. Émile Durkheim e a ciência da moral. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005., p. 26-70).

Durkheim rejeita tanto a fundamentação da moral em teorias morais filosóficas quanto na análise psicológica, que se baseia nas leis psicológicas, que, assim como as leis do mundo físico, são invariáveis. Propõe, diversamente, que, por meio de uma meticulosa análise, levando em consideração o entendimento de que o ideal moral é variável conforme as épocas e os lugares, a atitude daquele que se interessa pelos cânones da ciência deva ser a de reconhecer os limites do próprio conhecimento: nada se sabe a respeito do que faz do homem um ser moral, já que a moral é uma complexa teia de regras, irredutíveis a ideias gerais. Nesse sentido, Durkheim afirma que a moral é sempre uma construção social, de modo que não seja eterna, nem absoluta e inscrita em qualquer forma superior de razão, e cuja origem é a sociedade. Essa é a tese central da ciência moral de Durkheim.

Além disso, é pertinente afirmar que a função social da moral, conforme a descreve Les règles de la méthode sociologique (Durkheim, 2007aDurkheim, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes , 2007a.), é a de regular a conduta humana, de forma que estabeleça limites aos desejos e às paixões. Nessa direção, como se verá em L’éducacion morale, à autoridade cumpre um papel fundamental, já que o indivíduo precisa de uma força exterior para que se estabeleçam tais limites.

L’ÉDUCACION MORALE E OS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE

Em L’éducation morale, Durkheim objetiva apresentar suas ideias sobre a educação moral na perspectiva da escola pública e laica. A sua intenção era auxiliar na construção de um novo sistema social baseado na razão e na ciência, como forma de assegurar a coesão das sociedades modernas, ameaçada pela anomia e pelo individualismo. Sabe-se que suas ideias foram desenvolvidas entre a implantação da Terceira República Francesa e a Primeira Guerra Mundial. A obra é constituída, no que diz respeito a conteúdo, por dezoito lições temáticas, manuscritas originalmente, elaboradas por Durkheim no formato de conferências, postumamente publicadas, divididas em três partes:

  1. A moral laica (La morale laïque);

  2. Os elementos da moralidade (Les éléments de la moralité); e

  3. Como constituir na criança os elementos da moralidade (Comment constituer chez l’enfant lês éléments de la moralité).

Nesse ciclo de conferências, Durkheim parte da ideia de que a educação moral é algo relevante e urgente em relação à educação de seu tempo, notadamente da França republicana:

Se escolhi a educação moral como principal assunto deste curso, não foi apenas em virtude da importância vital que os pedagogos sempre lhe concederam, mas porque se trata de um problema particularmente urgente nos dias de hoje. É nessa parte de nosso sistema educacional que a crise é mais profunda e, ao mesmo tempo, mais grave; porque tudo aquilo que pode diminuir a eficácia da educação moral, tudo aquilo que ameaça tornar a ação mais incerta, ameaça à moralidade pública em sua própria fonte. Não há, portanto, nenhuma outra questão que se imponha com mais urgência à atenção do pedagogo. (­Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 19)

A educação moral é justamente um problema porque se decidiu pela necessidade de uma educação baseada em princípios de laicidade e racionalidade, no contexto de uma escola pública. Como Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 19) explica,

Decidimos dar às nossas crianças, em nossas escolas, uma educação que fosse puramente laica: com isso, se deve entender uma educação que abdica de qualquer referência aos princípios sobre os quais repousam as religiões reveladas, que se apoia exclusivamente sobre ideias, sentimentos e práticas que se justificam unicamente pela razão, em uma palavra, uma educação puramente racionalista.

A moral laica tem em vista a criação de um tipo de homem desejado por uma sociedade laicizada que credita à racionalidade e à ciência, baseadas no espírito científico, a força motriz do progresso científico. Nesse sentido, uma educação moral, que, a um só tempo, seja racional e baseada no postulado científico não é apenas logicamente possível, mas apresenta-se como uma necessidade, considerando-se o desenvolvimento histórico. Afirmar algo assim significa reconhecer que a educação vem passando por um processo de laicização ao longo dos séculos: desde os antigos povos, cuja moral era predominantemente religiosa, enviesando obrigações no intuito de seu cumprimento em relação aos ritos, até as modernas sociedades, baseadas no espírito científico, nas quais a disciplina e os deveres morais não são mais em relação aos ritos religiosos, mas em relação aos homens (Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 21-23).

Tornar a educação laica, tendo em conta uma moral laica, no entanto, não implica eliminar os vínculos que uniam a moral à religião, isto é, “suprimir tudo aquilo cuja origem não fosse laica” (Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 23). Isso quer dizer que, se para racionalizar a moral e a educação moral se resolve retirar da disciplina moral tudo aquilo que é religioso, sem colocar nada em seu lugar, correr-se-ia o risco de também retirar elementos propriamente morais, de modo que, sob o nome de moral racional, não se teria mais do que uma moral empobrecida e desbotada. Para Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 24-25), mais que isso, era preciso buscar no próprio seio das concepções religiosas as realidades morais, de forma que fosse possível descobrir os equivalentes racionais dessas noções religiosas que durante muito tempo serviram de veículo às ideias morais mais essenciais. A palavra-chave, então, não é a eliminação, mas sim a substituição:

É preciso descobrir essas forças morais que os homens, até o presente, representaram apenas sob a forma de alegorias religiosas, é preciso descolá-las de seus símbolos, apresenta-las, por assim dizer, em sua nudez racional, e encontrar o meio de fazer com que a criança possa sentir essa realidade, sem recorrer a qualquer intermediário mitológico. É a isso que devemos nos apegar inicialmente se quisermos que a educação moral, tornando-se racional, produza todos os efeitos que devemos esperar. (Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 26-27)

Com tal objetivo e tendo em vista acrescentar outros elementos que constitutivamente enriqueçam a moral, distinguindo a educação da criança em duas fases, a primeira infância, cuja responsabilidade educativa deve-se às famílias, e a segunda infância, em que, ao integrar-se à escola, a criança passa a inserir-se no meio que a circunda, Durkheim passa a discorrer sobre os elementos da moralidade, que devem ser o núcleo da educação moral para as crianças de escolas públicas - no caso do autor, as escolas públicas francesas (2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 33-34).

O primeiro desses elementos é o espírito de disciplina, que, em sentido amplo, tenciona fortalecer nas crianças a obediência às regras. E, dado que as regras têm duas características principais, a saber, a regularidade e a autoridade, Durkheim espera que elas sejam vistas como um dever. Assim, a regularidade de uma regra social, ao mesmo tempo em que indica a sua adequação, correção e justiça, conduz ao reconhecimento de sua autoridade. Nesse sentido, a regra exige obediência. A ideia de Durkheim é que o espírito de disciplina, transmitido na educação moral, promova a sujeição da criança à autoridade da regra. Compreende-se, assim, a razão de o sociólogo cobrar a sua prática: como personificações da autoridade da regra, os pais e professores têm o dever de cobrá-la das crianças, de modo que incuta o espírito de disciplina nas gerações posteriores (2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 33-60).

O segundo elemento, que concerne não à forma, mas ao conteúdo da moralidade, é a adesão ao grupo, e é indicado como se segue: considerando-se que os objetivos afixados pela vontade individual são vazios de qualquer valor moral, Durkheim explica que apenas em sociedade, nos grupos sociais, é que esses valores são substancialmente preenchidos. Isso sugere que os valores morais dos grupos sociais são a própria fonte e finalidade da educação moral. Assim considerados, educar moralmente a criança para a vida social e fazê-la aderir aos objetivos nela vigentes significa educá-la moralmente, de modo que não há uma vida moral sem a adesão a um grupo no interior de uma sociedade (Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 76-88). Como se percebe, associada à ideia do condicionamento da moralidade à disciplina, Durkheim, 2008Durkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 72) empreende uma descrição do ser humano como tendo a necessidade de interessar-se por algo distinto de si mesmo mediante a adesão a grupos sociais, assim como corresponde solidariedade para com tais grupos, uma vez que “agir moralmente é agir tendo em vista um interesse coletivo”.

Por fim, o terceiro dos elementos da moralidade, que sugere uma aproximação à teoria moral kantiana, é a autonomia da vontade e ocupa um espaço menor no curso e nas preocupações do autor. Consoante o que Durkheim escreve, a autonomia da vontade é resultado de uma moralidade compreendida como a superação da antinomia entre o bem e o dever, do dualismo entre a autonomia e a heteronomia. Como elemento básico da moral, é um elemento moral original que permite a substituição da obediência à moral inscrita na religião por uma obediência por meio do esclarecimento. Desse modo, a autonomia na submissão individual às regras sociais, notadamente em virtude do espírito de disciplina e do altruísmo formado no ser humano. Tal sujeição e obediência às regras sociais, como resultado da educação moral, reconhece o valor científico da ciência moral no intuito de indicar o funcionamento da natureza e da sociedade. Portanto, a autonomia da vontade consiste na liberdade individual que se coloca diante do indivíduo ao aceitar a regra social como dever (Durkheim, 2008aDurkheim, É. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2008a., p. 103-129).

Dessa feita, a educação moral durkheimiana conduz o indivíduo à integração à vida social e civil, condução na qual a escola tem um papel intermediário entre a família e a sociedade. Além disso, uma possível contradição entre os três elementos da moralidade resolve-se ao cotejar a autonomia da vontade como submissão esclarecida: o educador deve comunicar às crianças as razões das regras morais, de forma que as tornem claras, em vista da preparação de pessoas por uma escola laica, para uma sociedade democrática, conduzida pelas condições do espírito científico.

FORMAÇÃO MORAL EM RAWLS: O SENSO DE JUSTIÇA E OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO MORAL

Rawls (2009) desenvolve uma teoria da justiça de primeira grandeza. Em sua versão de Uma teoria da justiça, a teoria da justice as fairness é defendida a partir dos fins a que pretende chegar. É especialmente nessa parte que Rawls fala de uma educação moral cuja finalidade é a de fazer ver os estágios mediante os quais o senso de justiça é formado. Nesse sentido, a experiência francesa de uma teoria de educação moral para uma sociedade laica, como a de Durkheim, pode ter muitos argumentos simétricos com as teorias éticas contemporâneas, como a de Rawls, em Uma teoria da justiça.

Como aponta Stock-Morton (1988Stock-Morton, P. Moral education for a secular society: the development of morale laïque in Nineteenth Century France. New York: State University of New York Press, 1988., p. 168), assim como virtualmente todos os pensadores franceses, Rawls rejeita o utilitarismo em favor de uma interpretação neokantiana da justiça, que, tal como Durkheim, é vista como intimamente ligada aos seres humanos em sociedade. É verdade que, como defende Weber (2010Weber, E. T. Rawls, Dewey, and constructivism. On the epistemology of justice. London: Continuum, 2010., p. 118), não se percebe ostensivamente a adesão de Rawls, em Uma teoria da justiça, a uma teoria robusta e específica da educação, isto é, o endosso a uma teoria já existente sobre a educação, bem como a formulação de uma teoria específica da aprendizagem.2 2 Quando discute a questão da estabilidade e do equilíbrio, no parágrafo sobre a sociedade bem-ordenada, Rawls distingue, em geral, duas grandes tradições da aprendizagem moral. A saber, a primeira, originada historicamente no empirismo e defendida por autores especialmente de vertentes utilitaristas, tais como Hume, Sidgwick e James Mill, entre outros, embora também seja parcialmente encontrada em Freud, tendo em vista haver semelhanças entre elas e na teoria da aprendizagem social. Outra tradição do aprendizado moral é a proveniente do pensamento racionalista e ilustrada por autores como Rousseau e Kant, parcialmente Mill e, recentemente, por Piaget e Kohlberg (Rawls, 2009, § 69, p. 565-569). Em vez disso, em matéria de treinamento moral, ou, educação ou formação moral, apresenta uma teoria que se vale dos princípios recolhidos com base em uma variedade de teorias da aprendizagem (Johnston, 2005Johnston, J. S. Rawls’s Kantian educational theory. Educational Theory, Urbana-Champaign: University of Illinois, v. 55, n. 2, p. 201-218, 2005., p. 205), uma vez que acredita que a educação deva orientar e conduzir o desenvolvimento moral de um indivíduo para a autonomia em uma sociedade fundada nos dois princípios de justiça (Rawls, 2009, § 78, p. 636).

Dentro do esquema proposto por Rawls em Uma teoria da justiça, que apresenta exemplo de uma sociedade bem-ordenada, no que se refere à educação moral, a criança deverá ter experiências tais que a levem a desenvolver um nível suficiente de autoestima e autorrespeito. Nesse sentido, é importante indicar que os três estágios do desenvolvimento moral são norteados pela ideia de reciprocidade, como resultado de um fato psicológico profundo, segundo o qual os indivíduos tendem a formar seus vínculos com pessoas e instituições de acordo com a percepção de que o bem individual é por elas afetado. Segundo Freeman (2007Freeman, S. Rawls. New York: Taylor & Francis, 2007., p. 254-255), essa tendência à reciprocidade é o pressuposto psicológico mais significativo da teoria da justiça de Rawls, sendo ela a base para as três leis psicológicas do desenvolvimento moral. O autor aplica essas leis para argumentar que normalmente as pessoas chegam a querer fazer justiça em resposta à justiça e que, nas circunstâncias especiais de uma sociedade bem-ordenada da justiça como equidade, as pessoas acabarão por adquirir um desejo de apoiar instituições justas, porque se beneficiam delas.

As três fases distintas do desenvolvimento do senso moral são: a moralidade de autoridade, em que os filhos, ao submeterem-se à autoridade dos pais, aprendem a lidar com relações primariamente sociais; a moralidade de grupo - própria do convívio social -, ocasionada pela ocupação de diversos cargos e funções, ao participarem ativamente de uma cooperação social, as pessoas compreendem a importância de desempenharem papéis sociais diversos e de colocarem-se no lugar do outro; e a moralidade de princípio, que fundamenta o desejo de ser uma pessoa justa. Assumindo-se como cidadão e admitindo padrões de justiça para regular as condutas, a pessoa adota responsabilidades sociais coerentes com o ideal de cidadania (Rawls, 2009, § 70, 71 e 72).

No que diz respeito à educação moral, a criança deve ter desenvolvido um efetivo senso de justiça, de forma que, assim, em todos os níveis das instituições sociais, a justiça esteja presente e levando as crianças, por assim dizer, a aprender a agir justamente.3 3 É importante que se diga que essa é uma temática que se relaciona com outra muito mais extensa e relevante em Uma teoria da justiça, que é a da estabilidade. Uma concepção de justiça, numa sociedade em que se deseje ser bem-ordenada, deve ser tal que leve efetivamente seus cidadãos a desenvolver, mediante práticas justas, um senso de justiça. Quanto mais uma concepção de justiça for capaz de conduzir e produzir um senso de justiça, mais consistente e forte é essa concepção. Além disso, os princípios para os indivíduos, os quais orientam propriamente as condutas individuais, são escolhidos na posição original. Nesse sentido, a educação, tal qual sugerida em Uma teoria da justiça, é preocupada caracteristicamente com a educação moral. Essa formação, no que se refere aos termos de uma teoria da aprendizagem, ancora-se nos princípios prevalescentes da psicologia e da sociologia e tem por finalidade desenvolver um senso de justiça. Nesse sentido, Rawls enfatiza tanto mecanismos associativos e ambientais quanto mecanismos cognitivos e racionais para a formação desse senso moral.

AS LEIS DO DESENVOLVIMENTO MORAL

Uma das partes que Rawls mais estimava de sua teoria da justiça, na versão de Uma teoria da justiça, era aquela destinada aos fins da justiça como equidade, que se relacionava, de um lado, à discussão da convergência entre uma concepção de justiça (o justo) e uma concepção de bem (o bem) e, de outro, ao desenvolvimento de um senso de justiça, o qual articula essa congruência. Dessa forma, a grande questão presente na terceira parte concerne ao problema da estabilidade de uma sociedade, pelo que o problema do senso de justiça resulta crucial: a educação moral está associada às forças que possibilitam a estabilidade e a coesão social (Mandle, 2009Mandle, J. Rawls’s a theory of justice - an introduction. New York: Cambridge University Press, 2009., p. 119; Rohling, 2012Rohling, M. A educação e a educação moral em “Uma teoria da justiça” de Rawls. Fundamento: Revista de Pesquisa em Filosofia, Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto, v. 1, p. 125-149, 2012., p. 140-141).4 4 Rawls escreveu, em 1963, um artigo intitulado The sense of justice (Rawls, 1999, p. 96) sobre o senso moral, dando suporte antropológico à justiça como equidade e se constituindo no núcleo de sua teoria moral, relativa ao senso de justiça, no qual retoma uma ideia desenvolvida por Rousseau, em Emílio, afirmando que sua ideia de senso de justiça, numa filiação à linha racionalista da concepção moral, é proveniente de uma capacidade inerente ao ser humano; bem como endossando princípios contidos nas doutrinas empiristas, das quais a noção de influência da sociedade sobre a formação do indivíduo tem certo destaque. Contudo, a ideia de Rawls, à luz da doutrina de Rousseau, é que o senso de justiça seria resultante da correlação entre o sentimento e a razão. Certo é que, ainda que o senso de justiça seja uma tendência natural para agir orientado mediante princípios de justiça, ele pode vir a não se efetivar caso as instituições sociais não possibilitem sua manifestação. Especificamente nessa terceira parte, quando discute as leis do desenvolvimento moral ao longo de todo o capítulo VIII (§ 69 a 77), o filósofo evidencia sua concepção de formação e educação moral, mais claramente uma concepção pela qual é possível um aprendizado do que seria a justiça, isto é, de práticas de justiça mediadas pelas instituições mais importantes da sociedade, ou seja, pela estrutura básica da sociedade.5 5 Esse aspecto não é aqui abordado mais amplamente em vista dos propósitos do texto estarem voltados ao contraste entre as versões de educação moral de Durkheim e Rawls, mas, no fundo, defende-se, com a afirmação, a noção de que, na teoria de Rawls, na versão de Uma teoria da justiça, evidentemente, as instituições econômicas, políticas e sociais possuem, ao mesmo tempo, um papel formativo e educativo, que revelam o caráter moral da justiça como equidade. Sobre essa questão, recomenda-se: Danner (2009).

O senso de justiça é o resultado de práticas institucionais que produzem uma moralidade que as legitima, isto é, para Rawls, ter um senso de justiça é ter um “desejo normalmente efetivo de aplicar e agir segundo os princípios de justiça” (Rawls, 2009, § 77, p. 623; § 72, p. 584-585), o que se manifesta de dois modos específicos: (i) em primeiro lugar, leva o indivíduo a aceitar as instituições justas que se aplicam a ele e das quais ele e os demais associados se beneficiam; e (ii) em segundo lugar, dá origem à disposição de trabalhar pela criação de instituições justas e pela reforma das existentes, quando a justiça o exigir (Rawls, 2009, §72, p. 585). Dessa forma, é por meio do senso de justiça que seres comuns são considerados morais, tendo em vista a aceitação de viver como o exige a justiça e dispondo-se a regular suas condutas seguindo um padrão de justiça, regulado pelos princípios de justiça.

Essa forma de considerar o senso de justiça está alicerçada em uma concepção de aquisição e desenvolvimento moral, que acompanha o indivíduo desde a infância até a vida social adulta, em que se depara com situações que exigem certo grau de decisão moral para resolvê-las.6 6 Por esse aspecto, na direção da herança kantiana e rousseauniana, a teoria do desenvolvimento do senso de justiça rawlsiana mostra afinidade com a teoria do psicólogo americano Lawrence Kohlberg, de influência piagetiana. Em linhas gerais, Kohlberg desenvolve uma teoria acerca da aquisição da moralidade em seis estágios. Para mais, ver: Kohlberg (1981). Como Hill Jr. aclara, o pressuposto de fundo do senso de justiça e de seu desenvolvimento é que os cidadãos compreendem, aceitam e geralmente seguem os princípios de justiça como uma carta pública, ao mesmo tempo em que sabem que os outros cidadãos também fazem o mesmo. Nessa senda, quando as crianças crescem em uma tal sociedade, o seu desenvolvimento moral, avançando em três estágios principais de moralidade, os quais são regidos por três leis psicológicas que representam tendências que são efetivas, permite a elas que formem um senso de justiça efetivo, como um desejo para agir e aplicar os princípios de justiça (Hill Jr., 2014Hill Jr., T. E. Stability, a sense of justice, and self-respect. In: Mandle, J.; Reidy, D. A. (Ed.). A companion to Rawls. Sussex: Wiley Blacwell, 2014. p. 200-215., p. 204).

Os estágios de moralidade em questão, que conduzem à aquisição do senso de justiça, podem ser descritos sumariamente da seguinte maneira:

  1. em primeiro lugar, a moralidade de autoridade, estágio no qual os filhos, ao submeterem-se à autoridade dos pais, aprendem a lidar com relações primariamente sociais. Essas relações estão alicerçadas na autoridade que têm os pais diante das crianças, o que se legitima quando a criança percebe que os pais agem tendo em conta o seu melhor interesse. Assim, ao sentirem o amor de seus pais para consigo, ela gradualmente é levada a desenvolver o sentimento de amor por seus pais. Notoriamente, Rawls dá valor à reciprocidade, como princípio, pois, em relação à pessoa, é sendo amada e querida que os vínculos sociais são formados na família (Rawls, 2009, §70);

  2. em segundo lugar a moralidade de grupo, que, por ser própria do convívio social, resulta do exercício e ocupação de diversos cargos e funções sociais. As crianças vão ampliando seus vínculos e travando novas relações com o tempo, passando gradualmente a participar de associações, tais como a escola, associações de bairro e moradores, equipes de atividades desportivas, entre outras. Nessas associações, como partes da cooperação social, os indivíduos assumem papéis, cargos e funções aos quais correspondem certas responsabilidades, sem o cumprimento das quais seus participantes sofrem efeitos indesejáveis. Além disso, sentimentos como os de fraternidade, solidariedade e amizade são desenvolvidos quando cada qual percebe que todos cumprem com os vínculos que firmaram uns com os outros por meio das associações: é a importância de desempenharem papéis sociais diversos e de se colocar no lugar do outro. Uma vez mais, o que está implicitamente operando é a reciprocidade: o indivíduo cumpre com suas obrigações quando percebe que o seu cumprimento se reflete no bem não apenas dele, mas também de seus amigos, colegas, entre outros, e que esses, por sua vez, também agem do mesmo modo (Rawls, 2009, §71); e,

  3. finalmente, a moralidade de princípio, que fundamenta o desejo de o indivíduo ser uma pessoa justa: ao assumir-se como cidadão e admitir padrões de justiça para regular as condutas, a pessoa aceita responsabilidades sociais coerentes com ideal de cidadania. Por meio das relações com as associações e as instituições, os indivíduos se vinculam uns aos outros. Percebem, igualmente, que essas associações conduzem à percepção de que suas condutas devem ser orientadas por padrões mais elevados de moralidade. Esses padrões, por sua vez, para Rawls, são os princípios de justiça, os quais, na sua teoria, correspondem aos princípios da justiça como equidade. É nesse sentido que, ao aceitarem responsabilidades sociais coerentes com o ideal de cidadania e motivados para aplicarem os padrões morais e agirem justamente, eles dão anuência a princípios de justiça que escolheriam em uma situação inicial de igualdade, de forma que se possa realizar com plenitude, na perspectiva da interpretação kantiana da sua teoria da justiça, o ideal de autonomia (Rawls, 2009, §72).

Naturalmente, esses estágios do desenvolvimento moral conceituados são muito mais caracterizados do que se indicou aqui. No entanto, a argumentação de Rawls quanto aos três estágios converge para as leis psicológicas do desenvolvimento moral, as quais não apenas respaldam, mas constituem-se na base de cada qual desses estágios. De acordo com Rawls, essas leis são as seguintes:

Primeira Lei: dado que os pais expressam seu amor preocupando-se com o bem da criança, esta, por sua vez, reconhecendo o amor patente que eles têm por ela, vem a amá-los.

Segunda Lei: dado que a capacidade de solidariedade da pessoa se constitui por meio de vínculos adquiridos de acordo com a primeira lei, e dado um o arranjo social justo e publicamente conhecido por todos como justo, então essa pessoa cria laços amistosos e de confiança com outros membros da associação quando estes, com intenção evidente, cumprem com seus deveres e obrigações e vivem segundo os ideais de sua posição.

Terceira Lei: dado que a capacidade de solidariedade da pessoa foi constituída por meio da criação de laços em conformidade com as duas primeiras leis, e já que as instituições da sociedade são justas e publicamente conhecidas por todos como justas, então essa pessoa adquire o senso de justiça correspondente ao reconhecer que ela e aquelas com quem se preocupa são beneficiárias desses arranjos. (Rawls, 2009, §75, p. 605)

Essas leis, que são inspiradas em autores de diferentes tradições, tais como a dos racionalistas, de Rousseau, Kant, Piaget e Kohlberg, e a dos empiristas, de James Mill, Freud e os defensores das teorias do aprendizado social, afirmam que os sentimentos ativos de amor e de amizade, e mesmo o senso de justiça, nascem da intenção manifesta de outras pessoas de agir para o bem dos indivíduos (­Rohling, 2012Rohling, M. A educação e a educação moral em “Uma teoria da justiça” de Rawls. Fundamento: Revista de Pesquisa em Filosofia, Ouro Preto: Universidade Federal de Ouro Preto, v. 1, p. 125-149, 2012., p. 145). Nesse sentido, como defende Hill Jr. (2014Hill Jr., T. E. Stability, a sense of justice, and self-respect. In: Mandle, J.; Reidy, D. A. (Ed.). A companion to Rawls. Sussex: Wiley Blacwell, 2014. p. 200-215., p. 205), as leis do desenvolvimento moral incorporam hipóteses sobre certos conceitos morais que não podem ser testadas pela psicologia empírica, ainda que sejam um ganho inegável por se relacionar com tal ciência de muitos outros modos.

Com efeito, as leis do desenvolvimento moral, no que se refere à educação moral, têm outro valor: legitimam-se pela reciprocidade. Ou seja, é o reconhecimento de que os vínculos se estabelecem quando o sujeito percebe a manifestação da intenção das pessoas e das instituições sociais de agir para o seu bem, desejando, em troca, promover o bem-estar dessas pessoas e dessas instituições sociais com as quais se vê envolvido. Ora, a ideia de fundo é, então, que o bem das pessoas é afetado pelas ações institucionais (das famílias e das associações, como um todo) - e é justamente por isso que elas devem ser orientadas pelos princípios de justiça. Os estágios do desenvolvimento moral, portanto, ensejam uma concepção de educação moral que se estabelece por meio de instituições justas que não apenas criam ônus, mas, inversamente, produzem benefícios - evocando a imagem do fair play. As pessoas, assim postas, não apenas reagem aos meios, nem apenas desenvolvem aspectos que possuem inatamente, mas pela reciprocidade estabelecem vínculos e interações de modo que desenvolvem um senso de justiça. Dessa maneira, a reciprocidade é crucial para que a cooperação social não seja uma noção frágil no horizonte da qual se vislumbra a educação moral (Rawls, 2009, §75, p. 610-611): a reciprocidade está no cerne da concepção de formação e de educação moral na teoria da justiça como equidade rawlsiana.

DURKHEIM E RAWLS: ENTRE CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Depois de se ter discutido as teorias de Durkheim e de Rawls, a respeito da educação moral, é imperativo que se faça um contraste entre os autores, de modo que se possa dar nota às afinidades teóricas, assim como às suas divergências. ­Conforme salientado, a moral ocupou um lugar central no pensamento sociológico de Durkheim. No que concerne à consciência coletiva - embora não se tenha discutido tal conceito -, Durkheim a afirma como um sistema de crenças e sentimentos compartilhados pelos membros de uma sociedade que definem quais devem ser as suas relações mútuas. Pode-se afirmar que é da consciência coletiva que depende a solidariedade social. Isso porque age dentro de um marco referencial comum, sob a forma de solidariedade, integra os diferentes em um sistema social ordenado ou estável. Nesse sentido, Durkheim insiste no caráter normativo inerente a todo sistema social, dentro do qual a consciência coletiva se expressa principalmente por meio do direito (Agra Romero, 1985Agra Romero, M. J. J. Rawls: el sentido de justicia en una sociedad democrática. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 1985., p. 84-85).

No entanto, toda a teoria sociológica de Durkheim, não apenas a sua abordagem da moralidade, põe em manifesto a primazia da sociedade, da qual se deriva que não existe possibilidade de contrato ou pacto social entendido de modo que os indivíduos, prévios à sociedade, fundem a sociedade. Durkheim é, assim, um crítico das teorias contratualistas, as quais, por sua vez, estão presentes como herança doutrinal na teoria de Rawls. O que é claro é que o individualismo, que surge historicamente, é característico das sociedades modernas: desses dois aspectos se extraem a explicação do ser social do homem e da normatividade inerente a todo sistema social. A oposição de Durkheim aos contratualistas, como se pode notar, vai na direção de que, mais que conceber a solidariedade orgânica como um pacto social, fala de consenso ou unidade coerente da coletividade. O consenso é consequência da diferenciação social, de modo que Durkheim se aproxima da ideia de vontade geral de Rousseau: seu ponto forte é a comunidade e os vínculos comunitários, bem como a necessidade de ambos para que se dê a ordem social (Agra Romero, 1985Agra Romero, M. J. J. Rawls: el sentido de justicia en una sociedad democrática. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 1985., p. 86). Dessa feita, a teoria de Durkheim opõe-se àquela representada pelo utilitarismo, especialmente aquele de Spencer e de Mill, precisamente porque não contempla os elementos normativos que definem os contratos ad hoc, nos quais é possível a negociação. Esses elementos normativos, por sua vez, não são suscetíveis de negociação, mas de consenso, de modo que se possa afirmar a normatividade social e o individualismo moral (Agra Romero, 1985Agra Romero, M. J. J. Rawls: el sentido de justicia en una sociedad democrática. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 1985., p. 86).

A visão sociológica de Durkheim centra-se na esfera da institucionalização dos processos sociais, ao mesmo tempo em que insiste em sua internalização no indivíduo. A preocupação fundamental de seu pensamento reside na defesa da divisão social do trabalho como um fato positivo que, apesar de gerar desajustes sociais, comportamentos atômicos, pode facilitar a integração social, sempre que se dê um mínimo de consciência coletiva e se empreenda a reforma moral.

O senso de justiça rawlsiano pode ser entendido como o mínimo de consciência coletiva que permite a solidariedade social: uma consciência coletiva que é ideal e que se oferece como uma guia para a solução dos conflitos existentes na sociedade. Tanto Rawls quanto Durkheim opõem-se ao utilitarismo e ao individualismo atomista.7 7 É importante recordar as críticas que Rawls recebeu, contemporaneamente, dos pensadores comunitaristas, como MacIntyre, Sandel, Taylor e Walzer. Entre elas, ressalta-se aquela de Sandel, segundo a qual Rawls opera com a noção de um “eu desimpedido”, e, por isso, com vinculações ao individualismo metodológico. Sobre essa questão, em particular, e sobre o debate liberal-comunitarista, em geral, recomenda-se: Oliveira (2014). Para os dois autores, a reforma social é uma reforma moral, em nenhum caso uma mudança estrutural que suponha a ruptura com a estrutura capitalista, de modo que não se ocupam com a produção, mas com a distribuição. Talvez o único elemento diferenciador destacável entre Rawls e Durkheim seja o voluntarismo que parece acompanhar a concepção rawlsiana e que superaria as objeções de Piaget a Durkheim. Por isso, talvez seja oportuno dizer que Rawls aproxima-se mais da teoria sociológica de Parsons, a teoria voluntarista da ação social, como modelo de sociedade que subjaz à teoria da justiça como equidade, que propriamente da de Durkheim (Agra Romero, 1985Agra Romero, M. J. J. Rawls: el sentido de justicia en una sociedad democrática. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 1985., p. 86-87).

Em Uma teoria da justiça, quando Rawls trata da educação moral, revela, mutatis mutantis, algo similar, pois que, calcada na noção de reciprocidade, por meio de práticas justas mediadas pelas principais instituições da estrutura básica da sociedade, aprende a agir justamente e contrai vínculos gradualmente com a família, com as associassões e a ter respeito aos próprios princípios de justiça. ­Assim, leva à formação de um senso de justiça, processo no qual há implicitamente uma noção de aprendizado traduzida na reciprocidade. Além disso, a ressonância da teoria kantiana nesses autores se faz sentir principalmente pela valorização da autonomia: Durkheim vê a autonomia da vontade como integração do indivíduo à sociedade, mediante a sujeição às regras sociais e uma educação moral laica, fundada sobre os valores do respeito à ciência, da razão e dos valores morais democráticos (Steiner, 1994Steiner, P. La sociologie de Durkheim. Paris: Éditions La Découverte, 1994., p. 96), ao passo que o processo de desenvolvimento moral tem em vista realizar a autonomia no interior de uma sociedade bem-ordenada, que é uma democracia constitucional liberal e, portanto, laica. As convergências entre os dois autores nessa direção são evidentes, muito embora se tratarem de empresas teóricas distintas.

Com efeito, como Stock-Morton (1988Stock-Morton, P. Moral education for a secular society: the development of morale laïque in Nineteenth Century France. New York: State University of New York Press, 1988., p. 167-168) mostra, a rejeição de Durkheim e de Rawls ao utilitarismo, assim como a uma fundamentação baseada em doutrinas teológicas e metafísicas para a moralidade, dá-se em favor de uma interpretação kantiana de justiça. O treinamento moral afirmado por Rawls favorece a teoria dos estágios morais, referindo-se a Piaget e a Kohlberg, principalmente. E, notadamente, por meio das três moralidades - a moralidade de autoridade, a moralidade de associação e a moralidade de principios - percebem-se consistências com as teses durkheimianas da relevância da autoridade moral, do valor da comunidade e das relações interpessoais, assim como de valores e padrões de justiça mais elevados. Há, assim, conforme se procurou discorrer, uma base comum entre Rawls e Durkheim e, pode-se dizer, entre os pensadores franceses do século XIX, tais como Proudhon (1990Proudhon, P.-J. De la justice dans la Révolution et dans l’Église: études de philosophie pratique. IV v. 2. ed. Paris: Fayard, 1990.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durkheim e Rawls são autores muito distintos e com trajetórias intelectuais muito particulares: enquanto o primeiro, embora tenha formação filosófica, é um dos clássicos e o fundador da sociologia científica, o segundo é um dos mais importantes filósofos políticos e morais do século XX, filiado à tradição analítica da filosofia. São, assim, pensadores com interesses intelectuais muito diferentes. A educação moral é um tema comum possível de vinculá-los entre si. Nesse sentido, discorreu-se a respeito do modo como cada um deles coteja a temática da educação moral: Durkheim, no contexto de uma moral laica para o ensino em escolas públicas, e Rawls no contexto de uma sociedade bem-ordenada, no tocante ao problema da estabilidade em Uma teoria da justiça.

Como se procurou mostrar, para Durkheim, a educação moral é a forma de conferir ao cidadão o gosto pela vida em coletividade, assim como o de criar o costume de pensar em agir em conformidade com os valores da sua sociedade, tendo em vista os vínculos com seus concidadãos. A sociedade, contudo, tem como finalidade a autonomia das pessoas, por isso as regras morais não se podem impor arbitrariamente. Dessa forma, a educação moral, na direção de uma moral laica, deve ser conduzida de modo que desenvolva os elementos da moralidade: o espírito de disciplina, a adesão ao grupo e a autonomia da vontade. Assim, a autonomia afigura-se como propósito do processo de formação moral que se compreende ao integrar-se e sujeitar-se às regras sociais.

Já em Rawls, a educação moral é parte de uma concepção de justiça, a justice as fairness (Rawls, 2003). O intuito do filósofo, na obra citada, era indicar que as concepções de bem e a faculdade para o senso de justiça, de algum modo, são congruentes. Mas é importante ater-se ao fato de que, em Uma teoria da justiça, a atenção fundamental se afixa sobre os princípios de justiça, cuja justificação dá-se mediante a posição original, que é caracterizada singularmente: em uma posição inicial de igualdade e liberdade, partes representativas, racionalmente motivadas e sob o véu da ignorância, deliberam acerca dos princípios que orientarão as principais instituições da sociedade na distribuição dos bens primários, uma vez que são escassos. São dois os princípios de justiça da concepção da justice as fairness: o primeiro princípio é o da liberdade igual, ao passo que o segundo é composto de duas partes, a saber: o princípio da igualdade equitativa de oportunidades e o princípio de diferença. A primeira parte do segundo princípio legifera medidas que atenuem, se não façam desaparecer, as desigualdades de ordem social. Assim, esse princípio estabelece que pessoas que tenham talentos semelhantes não sejam, por contingências sociais, fadadas às piores experiências.

O desenvolvimento moral em Rawls tem o propósito de mostrar que as pessoas podem ter uma ação refletida pelos princípios de justiça que elas aceitariam como pessoas racionais, livres e iguais. Assim, os estágios do desenvolvimento do senso de justiça e as moralidades correspondentes são indicadores dos valores assumidos e dos vínculos que gradualmente a criança assume, preponderando, em todos os estágios, o princípio da reciprocidade. Assim, uma educação moral, mediada pelas instituições, é possível quando o indivíduo beneficia-se de instituições justas. As moralidades descritas nos sucessivos momentos do florescimento moral são, pois, a moralidade de autoridade, a moralidade de associação e a moralidade de princípios, de modo que, quando o senso de justiça resultar formado, pode-se dizer que o indivíduo terá realizado a sua autonomia, pois que agiria de acordo com os princípios que ele mesmo escolheria numa situação inicial de igualdade.

Nesse sentido, pode-se afirmar que tanto Durkheim quanto Rawls afixam a autonomia como propósito da educação moral, indicando a clara influência da teoria moral kantiana. No entanto, para Durkheim, a moralidade está definida de acordo com o conjunto de regras impostas de indivíduos de fora e que deveriam seguir e aderir a elas a fim de ter uma vida coletiva aceitável, já a gênese da moralidade se radica na sociedade. Para Rawls, por sua vez, a autonomia se radica na proteção da liberdade, conforme os princípios de justiça, de modo que ser autônomo é agir de acordo com os princípios que ele mesmo escolheria em uma situação inicial de igualdade e liberdade.

REFERÊNCIAS

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  • Weiss, R. Émile Durkheim e a ciência da moral Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
  • 1
    Sabe-se que a norma para a referência em citação obedece ao padrão: Autor, data da publicação utilizada, página; entretanto, para Rawls, utilizar-se-á: Autor, data da publicação utilizada, parágrafo da obra, página. A razão disso é para facilitar o leitor em sua busca, tendo em vista as muitas traduções de A theory of justice.
  • 2
    Quando discute a questão da estabilidade e do equilíbrio, no parágrafo sobre a sociedade bem-ordenada, Rawls distingue, em geral, duas grandes tradições da aprendizagem moral. A saber, a primeira, originada historicamente no empirismo e defendida por autores especialmente de vertentes utilitaristas, tais como Hume, Sidgwick e James Mill, entre outros, embora também seja parcialmente encontrada em Freud, tendo em vista haver semelhanças entre elas e na teoria da aprendizagem social. Outra tradição do aprendizado moral é a proveniente do pensamento racionalista e ilustrada por autores como Rousseau e Kant, parcialmente Mill e, recentemente, por Piaget e Kohlberg (Rawls, 2009, § 69, p. 565-569).
  • 3
    É importante que se diga que essa é uma temática que se relaciona com outra muito mais extensa e relevante em Uma teoria da justiça, que é a da estabilidade. Uma concepção de justiça, numa sociedade em que se deseje ser bem-ordenada, deve ser tal que leve efetivamente seus cidadãos a desenvolver, mediante práticas justas, um senso de justiça. Quanto mais uma concepção de justiça for capaz de conduzir e produzir um senso de justiça, mais consistente e forte é essa concepção. Além disso, os princípios para os indivíduos, os quais orientam propriamente as condutas individuais, são escolhidos na posição original.
  • 4
    Rawls escreveu, em 1963, um artigo intitulado The sense of justice (Rawls, 1999, p. 96) sobre o senso moral, dando suporte antropológico à justiça como equidade e se constituindo no núcleo de sua teoria moral, relativa ao senso de justiça, no qual retoma uma ideia desenvolvida por Rousseau, em Emílio, afirmando que sua ideia de senso de justiça, numa filiação à linha racionalista da concepção moral, é proveniente de uma capacidade inerente ao ser humano; bem como endossando princípios contidos nas doutrinas empiristas, das quais a noção de influência da sociedade sobre a formação do indivíduo tem certo destaque. Contudo, a ideia de Rawls, à luz da doutrina de Rousseau, é que o senso de justiça seria resultante da correlação entre o sentimento e a razão. Certo é que, ainda que o senso de justiça seja uma tendência natural para agir orientado mediante princípios de justiça, ele pode vir a não se efetivar caso as instituições sociais não possibilitem sua manifestação.
  • 5
    Esse aspecto não é aqui abordado mais amplamente em vista dos propósitos do texto estarem voltados ao contraste entre as versões de educação moral de Durkheim e Rawls, mas, no fundo, defende-se, com a afirmação, a noção de que, na teoria de Rawls, na versão de Uma teoria da justiça, evidentemente, as instituições econômicas, políticas e sociais possuem, ao mesmo tempo, um papel formativo e educativo, que revelam o caráter moral da justiça como equidade. Sobre essa questão, recomenda-se: Danner (2009Danner, L. F. Rawls, política e psicologia ,moral. Perspectiva, Florianópolis: UFSC, v. 33, n. 124, p. 149-159, dez. 2009.).
  • 6
    Por esse aspecto, na direção da herança kantiana e rousseauniana, a teoria do desenvolvimento do senso de justiça rawlsiana mostra afinidade com a teoria do psicólogo americano Lawrence Kohlberg, de influência piagetiana. Em linhas gerais, Kohlberg desenvolve uma teoria acerca da aquisição da moralidade em seis estágios. Para mais, ver: Kohlberg (1981Kohlberg, L. Essays on moral development. San Francisco: Harper & Row, 1981. (The of Moral Development, v. 1).).
  • 7
    É importante recordar as críticas que Rawls recebeu, contemporaneamente, dos pensadores comunitaristas, como MacIntyre, Sandel, Taylor e Walzer. Entre elas, ressalta-se aquela de Sandel, segundo a qual Rawls opera com a noção de um “eu desimpedido”, e, por isso, com vinculações ao individualismo metodológico. Sobre essa questão, em particular, e sobre o debate liberal-comunitarista, em geral, recomenda-se: Oliveira (2014Oliveira, N. Revisitando a crítica comunitarista ao liberalismo: Sandel, Rawls e Teoria Crítica. Síntese - Revista de Filosofia, Belo Horizonte: FAJE, v. 41, n. 131, p. 393-413, 2014.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2015
  • Aceito
    15 Fev 2016
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