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RESENHA

SANTOS, Sales Augusto dos. . Educação: um pensamento negro contemporâneo. Jundiaí: Paco Editorial, 2014. 300.

Entre os vários desafios da atualidade, a desconstrução do racismo ainda é um dos mais debatidos, apesar de ser combatido em vários espaços e ter ingressado na agenda política do país por meio de conquistas, tais como: a lei n. 10.639/2003, que inseriu o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares; a lei n. 11.645/2008, que inseriu o ensino de história e cultura indígena nos currículos escolares; a resolução CNE/CP n. 01, de 17 de março de 2004, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, em 2009; a lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso na maioria das universidades e institutos federais no Brasil, estabelecendo o sistema de cotas; entre outras.

O racismo é identificado, apesar da naturalização em negá-lo, segundo Florestan Fernandes afirma em seu livro O negro no mundo dos brancos, como ainda muito existindo o "preconceito contra o preconceito". Contudo, o cenário das desigualdades no Brasil é perverso e muito objetivo, seja na invisibilidade sobre como tais questões são abordadas, seja na indiferença em como os indivíduos negros são tratados e na desigualdade racial, a qual mantém entre a população negra o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) diferenciado daquele atribuído aos estados, segundo estudos do professor Marcelo Paixão no livro 500 anos de solidão: ensaios sobre as desigualdades raciais no Brasil (Appris Editora, 2013).

As garantias políticas conquistadas em prol da população negra refletem também a história individual e coletiva do negro/negra em pautas situadas em uma disputa que procura corrigir as desigualdades sofridas por essa população. Tal enfrentamento é abordado por Sales Augusto dos Santos em uma linha histórica com análise sociológica. O autor reconstrói as reinvindicações de agentes, movimentos e organizações negras com passos analíticos na e para a educação. A obra é composta, com maestria, de cinco capítulos distribuídos nas trezentas páginas do livro.

O diferencial dessa obra consiste em trazer para o leitor o percurso de análises referenciadas pelo pesquisador como fundamentos para refletir sobre as raízes históricas do racismo no Brasil. Reconhecer esses pressupostos permite refletir sobre os espaços em que práticas racistas ainda inspiram debate e participação social com bases para o aprofundamento de questões e da desconstrução de tais práticas.

A obra inicia-se com o prefácio da professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e afirma os direitos da população negra. O livro apresenta as categorias norteadoras, os fundamentos históricos e a tessitura da narrativa, para então o autor expor em seu primeiro capítulo as bases do combate ao racismo no sistema escravista. Nessa sequência, apresenta a atitude do negro/negra no centro do sistema escravista, quando este/esta não aceita ser tratado/tratada como mercadoria. A luta à margem do sistema escravista é mantida pela organização dos quilombos, indicando como fundamentais essas ações ao se unirem aos movimentos negros pós-escravismo na mobilização contra o racismo.

O destaque para o início do século XX fica para a imprensa negra, a Frente Negra Brasileira e a valorização da educação formal por meio da construção e afirmação da memória. O autor também destaca o importante papel do teatro experimental negro, circunscrevendo a arte, a estética e a cultura negra à educação formal em uma aliança para reescrever tais histórias e descolonizar os espaços materiais e simbólicos da arte e da cultura.

O segundo capítulo apresenta o panorama da ditadura e da pós-ditadura com a sublevação de movimentos políticos organizados no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, inclusive o movimento negro. Em uma ordem, na qual a expressão racista era negada pela harmonia entre as raças, encontra-se a valorização da estética negra, a denúncia contra atos discriminatórios e racistas.

A Marcha Zumbi dos Palmares, em 1995, em Brasília, foi decisiva para o governo dialogar sobre políticas públicas efetivas contra o racismo. Soma-se a isso a atuação de Abdias Nascimento na ampliação do ativismo da população negra em prol de políticas educacionais com acentuado relevo na agenda pública do país.

O terceiro capítulo aponta sobre a importância dos movimentos negros no debate para a implementação de cotas em um diálogo contínuo, mudando o rumo das políticas pensadas para aquele momento. A lei n. 10.639/ 2003, alterada pela lei n. 11.645/2008, é importante para a valorização étnico-racial dos grupos de negros/negras e dos povos indígenas.

A luta dos movimentos negros brasileiros associada à pauta internacional de combate ao racismo insere, no quarto capítulo, a inclusão da questão racial na agenda da política brasileira. A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR) pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirma que há discriminação racial contra negros no Brasil. A ação e o discurso são consoantes com as propostas para as políticas de ações afirmativas na redução da desigualdade racial.

No quinto capítulo do livro, o sociólogo apresenta o cenário político da última década para lastrear o movimento negro na ampliação de novos agentes antirracistas. Sales Augusto dos Santos apresenta um trabalho cuidadoso, entrelaçando levantamento histórico, análises sociológicas, no qual esboça as transformações institucionais e sociais do Estado. Ainda, nesse mesmo capítulo, apresenta a motivação de um ideário antirracista e os bolsões racistas mantidos no seio de vários segmentos sociais, culturais e institucionais na atualidade. A obra intensifica as discussões sobre a questão racial brasileira e os agentes responsáveis e importantes nesse diálogo, com o objetivo de que tais debates sejam inseridos de maneira definitiva na agenda nacional do país.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2015
  • Aceito
    21 Out 2015
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