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A inclusão escolar de alunos com deficiência: uma leitura baseada em Pierre Bourdieu* * Meus agradecimentos ao professor Lucas Krotsch.

INCLUSIÓN ESCOLAR DE ESTUDIANTES CON DISCAPACIDAD: UNA LECTURA DESDE PIERRE BOURDIEU

RESUMO

Este ensaio tem por objetivo discutir e compreender o processo de inclusão escolar de alunos com deficiência no sistema público de ensino brasileiro, pós-década de 1990, valendo-se de conceitos e (pro)posições teórico-metodológicos de Bourdieu. Como material investigativo da pesquisa, recorre-se aos dados empíricos obtidos em uma pesquisa de campo realizada em uma sala de recursos multifuncionais; aos resultados de pesquisas já produzidas sobre o assunto no Brasil; e, sobretudo, a analogias entre as análises bourdieusianas sobre o sistema de ensino francês e a situação atualmente vivida nas escolas brasileiras, com a incorporação dessa nova clientela. Argumenta-se que a inclusão de estudantes com deficiência na e pelas escolas comuns, embora se apresente como democrática, revela-se seletiva, classificatória e estigmatizante, contribuindo para a reprodução da ordem estabelecida e para a legitimação das desigualdades entre os agentes escolares, o que constitui o processo de exclusão por dentro do sistema escolar.

PALAVRAS-CHAVE
escola inclusiva; educação especial; sociologia da reprodução escolar

RESUMEN

Este ensayo pretende discutir y comprender el proceso de inclusión escolar de los estudiantes con discapacidad en el sistema público de educación brasileño, desde los años 1990, a partir de conceptos y (pro)posiciones teóricas y metodológicas de Bourdieu. Como material investigativo de la pesquisa, se recurre a datos empíricos de una investigación de campo llevada a cabo en una sala multifuncional; a resultados de otras investigaciones ya producidas sobre el tema en Brasil, y, sobre todo, a analogías entre el análisis bourdieusianas del sistema educativo francés y la situación vivida en la actualidad en las escuelas brasileñas, con la incorporación de esta nueva clientela. Se argumenta que la inclusión de alumnos con discapacidad en las escuelas comunes, aunque se muestre como democrática, demuestra ser selectiva, clasificadora y estigmatizante. Esto contribuye a la reproducción del orden establecido legitimando la desigualdad entre los agentes de la escuela constituyéndose como proceso de exclusión interna del sistema escolar.

PALABRAS CLAVE
escuela inclusiva; educación especial; sociología de la reproducción escolar

ABSTRACT

This essay aims to discuss and understand the process of school inclusion of students with disabilities in the public system of education in Brazil, after the 1990s, based on the concepts and theoretical and methodological positions of Bourdieu. As investigative material of the research, it is resorted to the empirical data from field research conducted in a multifunction resource room; the results of research already produced on the subject in Brazil; and, above all, the analogies between the bourdieusianas analysis of the French education system and the situation currently lived in Brazilian schools, with the incorporation of this new clientele. It is argued that the inclusion of students with disabilities in and by the common schools, although presents itself as democratic, proves to be selective, qualifying and stigmatizing, contributing to the reproduction of the established order and to legitimize inequality between school agent, the which is the process of exclusion within the school system.

KEYWORDS
inclusive school; special education; sociology of the school reproduction

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, em especial a partir da década de 1990, a inclusão escolar de alunos com deficiência tem sido cotidianamente vivenciada nas escolas comuns de todo o país, ainda que se possam lançar muitas críticas ao modo como a perspectiva da educação inclusiva foi sendo concebida e operacionalizada no Brasil (Bezerra, 2012Bezerra, G. F. Enquanto não brotam as flores vivas: crítica à pedagogia da inclusão. 2012. 270f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, 2012.). Vale ressaltar que a ampliação do atendimento aos educandos com deficiência na rede pública de ensino e nas salas de aula comuns concretizou-se, sobretudo, com o lançamento, pelo Ministério da Educação (MEC), em 2008, da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008Brasil. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Inclusão: revista da educação especial, Brasília, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008.). Essa política, pelo menos em tese, aboliu a matrícula de alunos com deficiência em escolas ou classes especiais de forma substitutiva à escola comum, embora na prática isso nem sempre tenha acontecido.

Porém, esse documento ressignificou o próprio conceito de educação especial, cuja responsabilidade precípua passou a ser a de organizar, fomentar e apoiar, no contraturno, a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos os alunos com necessidades educacionais especiais, em caráter complementar e/ou suplementar à sua frequência na sala de aula comum. Passou-se a admitir como locus desse AEE tanto as antigas escolas especiais, redefinidas como centros educacionais especializados em deficiência, devidamente conveniados aos sistemas de ensino, quanto as escolas públicas. Nesse último caso, a realização do AEE é viabilizada em salas de recursos multifuncionais (SRM), instaladas na própria escola onde está matriculado o aluno que dela necessitar, ou então disponíveis em outra escola pública da rede regular de ensino (Brasil, 2008Brasil. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Inclusão: revista da educação especial, Brasília, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008., 2009______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 4, de 1º de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Disponível em: <http://www.cesarcallegari.com.br/v1/edesp.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2011.
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, 2011______. Decreto n. 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7611.htm#art8>. Acesso em: 24 dez. 2011.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
; Fávero; Pantoja; Mantoan, 2007Fávero, E. A. G.; Pantoja, L. M. P.; Mantoan, M. T. E. Atendimento Educacional Especializado: aspectos legais e orientações pedagógicas. São Paulo: MEC/SEESP, 2007.). Nesse contexto, pode-se dizer que o país vem seguindo a tendência mundial de criar sistemas educacionais inclusivos e, portanto, pretensamente menos restritivos à participação de pessoas com deficiência ou outras singularidades. Estas têm assegurado o direito de frequentar a escola ao lado das outras crianças e jovens da sua geração, em vez de permanecerem segregadas em escolas, classes ou instituições especiais, como historicamente se verificou na educação brasileira (Bueno, 1993Bueno, J. G. S. Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993.; Jannuzzi, 2006Jannuzzi, G. M. A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. 2. ed. Campinas: Autores Associados , 2006.; Mendes, 2010Mendes, E. G. Breve histórico da educação especial no Brasil. Revista Educación y Pedagogía, Medellín: Universidade de Antióquia, v. 22, n. 57, p. 93-109, mayo/ago. 2010. Disponível em: <http://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/revistaeyp/article/viewFile/9842/9041>. Acesso em: 29 jan. 2014.
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).

Tendo em vista esse fenômeno educacional recente, não se trata de tomar a sociologia francesa nos moldes inaugurados por Bourdieu (1930-2002) como um referente imediato para a compreensão da realidade brasileira pós-década de 1990, quando se intensificam, portanto, os debates, os embates e as práticas sobre inclusão escolar de pessoas com deficiência (Bezerra, 2012Bezerra, G. F. Enquanto não brotam as flores vivas: crítica à pedagogia da inclusão. 2012. 270f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, 2012.). Antes, entendo ser justo tomar esse referencial teórico-metodológico como uma lente de aumento, que nos permita enxergar com mais clareza o que vemos sem compreender. É, pois, esta a função do instrumento: ser mediador entre o homem e a natureza, potencializando sua ação nesta. Logo, tento recorrer à sociologia de Bourdieu como um instrumento para a reflexão teórica, como um recurso para ler e decifrar a realidade e seus mecanismos de produção e reprodução da exclusão escolar. O legado bourdieusiano pode nos fazer (re)pensar as consequências e as implicações desse processo que temos vivenciado nas escolas brasileiras, no que tange aos seus mecanismos de conservação da sociedade hodierna.

Por isso, não se deve esperar deste texto um tratado sobre os conceitos do autor. Ao contrário, deve-se lê-lo como resultado de uma apropriação reflexiva, por meio da qual construo sentidos para interpretar os jogos de poder que se travam, atualmente, no campo da chamada educação inclusiva. Para tanto, recorro ao recurso da analogia com as teorizações bourdieusianas, a resultados de outras pesquisas na área e a dados empíricos coletados em uma pesquisa de campo que desenvolvi, de meados de 2013 a março de 2015, em uma SRM criada e mantida pelo sistema público municipal de ensino de um município pequeno, localizado no sul de Mato Grosso do Sul, estado da federação brasileira.1 1 O projeto de pesquisa referido intitula-se A mediação verbal no atendimento educacional especializado para alunos com deficiência intelectual: contribuições teórico-metodológicas da psicologia histórico-cultural, tendo se iniciado em julho de 2013, com a aprovação da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPP) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), pela CI n. 2173/2013, de 25 de julho de 2013, e aceite do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) pelo parecer n. 675.245, de 4 de junho de 2014. No que tange aos procedimentos metodológicos, realizei sessões de estudo e trabalho colaborativo com as professoras participantes, cujos diálogos daí resultantes foram gravados em áudio e transcritos para análise. São alguns dos fragmentos desses diálogos que aparecem reproduzidos neste ensaio. Instalada em uma das escolas municipais da cidade, a citada SRM funcionava como sala-polo, sendo responsável por atender, nesse período, a toda a demanda de AEE para os estudantes daquela rede municipal.

A título de introdução, também devo ressalvar que neste ensaio priorizo dados empíricos coletados em uma situação muito específica e particular, o que pode parecer um grande risco. A princípio, eu poderia ser acusado de apresentar condições de reprodução escolar as quais talvez não sejam observadas em outros contextos da região visada ou, ainda, de tomar a exceção pela regra. Não obstante, em minha defesa, devo mencionar que venho pesquisando a inclusão escolar de alunos com deficiência na rede pública de ensino da localidade visada desde 2013, mediante a orientação de trabalhos de conclusão de curso na graduação em pedagogia, bem como atuado na formação inicial e continuada de professores locais, por meio de ações de extensão universitária. Tais fatos me permitem ter acesso a vários dados e informações sobre como esse processo ocorre localmente, seja do ponto de vista das políticas municipais e/ou estaduais, seja das práticas e concepções pedagógicas objetivadas. Pela limitação inerente a este ensaio, não me é possível, agora, uma exposição desses dados, os quais, todavia, encontram-se evidenciados nos trabalhos de conclusão de curso que tenho orientado sobre a temática na universidade onde atuo.2 2 Os títulos desses trabalhos e outras informações sobre artigos publicados podem ser obtidos mediante acesso ao meu currículo Lattes on-line.

OS SENTIDOS DA REPRODUÇÃO CONTEMPORÂNEA

Quando Bourdieu e Passeron publicaram A reprodução, em 1970, na França, desvelando os modos de funcionamento do sistema escolar francês e suas práticas de violência simbólica, responsáveis em grande medida pela perpetuação das desigualdades sociais e pela seleção excludente dentro da escola daqueles que não herdavam capital cultural legitimado pelas camadas dominantes (Bordieu; Passeron, 1992______.; Passeron, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.), o debate sobre a inclusão escolar de pessoas com deficiência não se colocava no Brasil e, para ser mais exato, nem mesmo nos países europeus, como a França. Nesse livro, porém, podem ser encontradas balizas para refletirmos sobre tal fenômeno da contemporaneidade, na medida em que os autores analisaram os efeitos sociais e pedagógicos da entrada maciça, na escola, de um público antes preterido por ela. Esclarecendo como se dá a reprodução nos domínios escolares, dizem os autores que "Assim, o sistema de ensino tende objetivamente a produzir, pela dissimulação da verdade objetiva de seu funcionamento, a justificação ideológica da ordem que ele reproduz por seu funcionamento" (idem, p. 215).

Essa ordem revela-se, pois, excludente, seletiva e conservadora, de modo que cabe ao sistema de ensino a "[...] função de consagração da ordem social [...] sob a aparência de neutralidade" (Bourdieu; Saint-Martin, 1998______.; Passeron, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992., p. 196, grifo do original). Para tanto, tal sistema realiza, especialmente no plano simbólico, "a transmutação da verdade social em verdade escolar [...]" (idem, p. 199), proclamando-se uma democratização das oportunidades que de fato é apenas aparente, negada pelas práticas conservadoras e pelas classificações intraescolares. Mesmo a estreita margem de mobilidade social proporcionada pela escola coloca-se a favor da manutenção das relações de classe, pois os poucos indivíduos que ascendem a uma posição mais privilegiada na sociedade, a partir do sistema de ensino, são resultado de uma seletividade controlada empreendida por esse sistema. Em contrapartida, os poucos "escolhidos" tendem a reforçar a ideologia de que a escola é de fato uma instância democrática para a ascensão social, neutra em relação às diferenças de classe, contanto que o agente se esforce e tenha as aptidões "naturais" para esse fim. Ainda na acepção dos autores de A reprodução,

[...] a Escola pode melhor do que nunca e, em todo caso, pela única maneira concebível numa sociedade que proclama ideologias democráticas, contribuir para a reprodução da ordem estabelecida, já que ela consegue melhor do que nunca dissimular a função que desempenha. Longe de ser incompatível com a reprodução da estrutura das relações de classe, a mobilidade dos indivíduos pode concorrer para a conservação dessas relações, garantindo a estabilidade social pela seleção controlada de um número limitado de indivíduos, ademais modificados por e pela ascensão individual, e dando assim sua credibilidade à ideologia da mobilidade social que encontra sua forma realizada na ideologia escolar da Escola libertadora. (Bourdieu; Passeron, 1992______.; Passeron, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992., p. 175-176, grifos meus)

Pois bem, tais reflexões, que provocaram grande celeuma naquele contexto histórico, motivam-me a ponderar sobre o legado de Bourdieu e colaboradores para a leitura da realidade atual no que diz respeito ao contexto escolar brasileiro. O problema, ao que me parece, é entender se não estamos também produzindo novas formas de reprodução do status quo, novas formas de manutenção da ordem estabelecida, sob a aparência de uma democratização nunca antes vista. De outro modo, vale indagar o que significa, em termos sociológicos, retirar os estudantes com deficiências das antigas escolas especiais e trazê-los para o cotidiano das escolas comuns, desde o decênio final do século passado? Como fica o equilíbrio das relações sociais nessas condições e como se (re)configura o poder simbólico no cotidiano escolar? Pensando nessas questões e tomando-as como chave de leitura em relação aos textos de Bourdieu e colaboradores, penso que se trata de descrever e compreender o fenômeno social em tela, explicitando seus mecanismos de (re)produção, pois esse é o caminho para possivelmente o reverter.

Para se entender a analogia que proponho entre os pressupostos bourdieusianos e a problemática levantada, tenho de realizar algumas retomadas e digressões para em seguida recuperar o fio da meada e extrair as consequências possíveis de tal relação. Assim, para começar, lembro que no texto Os excluídos do interior, Bourdieu e Champagne (1998, p. 219)______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79. iniciam dizendo que "Até o final dos anos [19]50, as instituições de ensino secundário conheceram uma estabilidade muito grande fundada na eliminação precoce e brutal (no momento da entrada em sixième) das crianças oriundas de famílias culturalmente desfavorecidas". Isso significa que as barreiras de seleção, por meio de exames de admissão, entre outras, eram muito mais explícitas e eficientes no sistema escolar francês, de modo que pudesse manter a conservação social do status atribuído à escola e aos títulos conferidos por esta aos que nela ingressavam. A brutalidade dessa eliminação precoce era escamoteada pelo (auto)convencimento dos eliminados de que não eram, de fato, feitos para a escola e para as posições sociais que hipoteticamente poderiam ser alcançadas por seu intermédio. Nas palavras dos autores,

A seleção com base social que se operava, assim, era amplamente aceita pelas crianças vítimas de tal seleção e pelas famílias, uma vez que ela parecia apoiar-se exclusivamente nos dons e méritos dos eleitos, e uma vez que aqueles que a Escola rejeitava ficavam convencidos (especialmente pela Escola) de que eram eles que não queriam a Escola. (idem, ibidem)

Semelhante realidade alterou-se a partir do final dessa década, quando houve "[...] a entrada no jogo escolar de categorias sociais que, até então, se consideravam ou estavam praticamente excluídas da Escola [...]". Entre estes, podem-se citar os próprios imigrantes, vindos das ex-colônias francesas ou de regiões mais pobres do Leste Europeu, além dos "[...] pequenos comerciantes, os artesãos, os agricultores e mesmo (devido ao prolongamento da obrigação escolar até os 16 anos e da generalização correlativa da entrada em sixième), os operários das indústrias" (idem, p. 220). Tal processo remodelou a aparência do jogo e trouxe para a partida mais jogadores; pouco alterou, porém, suas regras, de maneira que os "recém-chegados" não estavam de modo geral em condições de jogar o jogo da escola, embora imersos nele.

Relatam os autores citados que esse processo foi mesmo apressadamente chamado de democratização escolar na França, revelando-se logo em um engodo, porquanto "Um dos efeitos mais paradoxais deste processo - a propósito do qual se falou, com um pouco de precipitação e muito preconceito, de 'democratização' - foi a descoberta progressiva, entre os mais despossuídos, das funções conservadoras da Escola 'libertadora'" (idem, ibidem). Diante dessa situação, surgiram, por assim dizer, os excluídos de dentro, que estavam no jogo, mas jogavam sem as mesmas possibilidades que os jogadores "veteranos", numa licença metafórica; jogavam, de antemão, pela derrota, sobretudo porque permaneciam alheios às regras desse jogo ou, para ser mais exato, às suas sutilezas estratégicas e instrumentos de dominação simbólica.

Como despossuídos do capital cultural visado e valorizado pela escola, os novos jogadores foram e são simbolicamente violentados e negligenciados em investimento pedagógico, enquanto se vai observando "[...] uma intensificação da concorrência e um crescimento dos investimentos educativos por parte das categorias que já utilizavam, em grande escala, o sistema escolar" (idem, ibidem). Daí que esses jogadores oriundos das camadas populares e/ou sem o capital cultural exigido pelo sistema escolar passam a jogar por figuração, para tornar possível que os demais jogadores, exímios conhecedores das regras mais sutis, sejam reconhecidos por suas capacidades "inatas" de vitória. Capacidades que, no entanto, são herdadas do meio familiar e/ou social de onde surgem e convivem esses jogadores exitosos, naturalizando-se, então, os êxitos destes e o fracasso, já esperado, daqueles. Como bem oportunamente sintetizam os autores supracitados, tais mecanismos

[...] fazem com que o sistema de ensino, amplamente aberto a todos e, no entanto, estritamente reservado a alguns, consiga a façanha de reunir as aparências da "democratização" com a realidade da reprodução que se realiza em um grau superior de dissimulação, portanto, com um efeito acentuado de legitimação social. (idem, p. 223, grifos meus)

Diante do exposto, pode-se inferir que a escola francesa foi se abrindo a diferentes clientelas, mas nesse ínterim foram sendo acionados também pelos agentes da dominação econômica e cultural novos modos simbólicos de legitimar e reproduzir de forma dissimulada as desigualdades sociais no seu interior, mediante a desvalorização e a descrença quanto às potencialidades dos novos jogadores. Estes, internalizando tal concepção, sentiam-se, eles próprios, culpados de sua suposta incapacidade natural, desprovidos dos "dons" requeridos ao estudo e, por conseguinte, ainda mais alheios ao universo escolar. Distante da linguagem e dos modos de vida desses novos jogadores, a escola, por meio de um currículo incompreensível e sem sentido para os membros das camadas populares e/ou aos "despossuídos" do capital cultural, legitimado pelos que estão em posição dominante, "no mando do campo", contribuiu e contribui para institucionalizar e manter uma exclusão por dentro, sem alterar suas concepções e modos de trabalho essenciais. Destarte, se inviabilizam, dissimulam ou se restringem os efeitos da propalada democratização escolar.

As semelhanças e diferenças entre esse processo, marcado pelo ingresso generalizado daquelas clientelas antes excluídas por fora e para fora da escola, e a realidade anteriormente vivida na França até cerca dos anos de 1950, quando os agentes das camadas populares estavam afastados dos bancos escolares, ausentes dessa instituição ou nela entrando por curtos períodos de tempo, apenas no ensino "primário", são descritas pelos autores citados ao afirmarem que:

[...] no estado completamente diferente do sistema escolar que foi instaurado com a chegada de novas clientelas, a estrutura da distribuição diferencial dos benefícios escolares e dos benefícios sociais correlativos foi mantida, no essencial, mediante uma translação global das distâncias. Todavia, com uma diferença fundamental: o processo de eliminação foi diferido e estendido no tempo e, por conseguinte, como que diluído na duração, a instituição é habitada, permanentemente, por excluídos potenciais que introduzem nela as contradições e conflitos associados a uma escolaridade cujo único objetivo é ela mesma. (idem, p. 221, grifos meus)

Em outra passagem, a qual recorro para dar forma a minha analogia e que para dela se possa depreender as considerações pertinentes, os autores continuam dizendo, ainda sobre o "novo" estado da escola francesa, que "Como sempre, a Escola exclui; mas a partir de agora, exclui de maneira contínua, em todos os níveis do cursus [...] e mantém em seu seio aqueles que exclui, contentando-se em relegá-los para os ramos mais ou menos desvalorizados" (idem, p. 220). Surgem, então, os excluídos do interior, para usar a expressão dos sociólogos. Ora, é justamente nesse ponto que quero me deter em tais retomadas do pensamento de Bourdieu e seus colaboradores para desenvolver a analogia prometida, comparando o caso francês com a atual abertura das escolas brasileiras para os estudantes com quaisquer síndromes, deficiências ou limitações físico-cognitivas, haja vista ser esse um fato social que carece de maiores análises e ponderações científicas - em que pesem as defesas políticas apaixonadas pela escola inclusiva, feitas de modo quase místico e mítico no Brasil (Bezerra, 2012Bezerra, G. F. Enquanto não brotam as flores vivas: crítica à pedagogia da inclusão. 2012. 270f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, 2012.; Bezerra; Araujo, 2010______.; Araujo, D. A. C. As aparências enganam: a pretexto de uma crítica radical sobre o ideário inclusivista. Educere et Educare - revista de educação, Cascavel: Unioeste, v. 5, n. 9, p. 253-266, jan./jun. 2010., 2011______.;______.; Araujo, D. A. C. . De volta à teoria da curvatura da vara: a deficiência intelectual na escola inclusiva. Educação em Revista, Belo Horizonte: UFMG, v. 27, n. 2, p. 277-302, ago. 2011., 2012______.; ______. Filosofia e educação inclusiva: reflexões críticas para a formação docente. Inter-Ação, Goiânia: UFG, v. 37, n. 2, p. 267-285, jul./dez. 2012.).

Assim, quando digo que há uma analogia possível entre a situação atual do Brasil e os dizeres de Bourdieu, estou querendo dizer que também nossas escolas abriram suas portas para todos esses alunos que antes não faziam parte do seu jogo cotidiano, porque já eram detidos pelas barreiras sistêmicas de seleção, sendo enviados para as escolas e/ou instituições especiais, as classes especiais, ou sequer recebiam qualquer escolarização ou acompanhamento pedagógico-institucional, como atesta a história da educação do deficiente em nosso país (Bueno, 1993Bueno, J. G. S. Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993.; Jannuzzi, 2006Jannuzzi, G. M. A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. 2. ed. Campinas: Autores Associados , 2006.; Mendes, 2010Mendes, E. G. Breve histórico da educação especial no Brasil. Revista Educación y Pedagogía, Medellín: Universidade de Antióquia, v. 22, n. 57, p. 93-109, mayo/ago. 2010. Disponível em: <http://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/revistaeyp/article/viewFile/9842/9041>. Acesso em: 29 jan. 2014.
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). A escola comum lhes estava objetivamente interditada, com o consenso da sociedade. Agora, todavia, essa interdição não só foi abolida como é reprovada nas teorizações discursivas, nas representações sociais e nas diretrizes políticas, o que redunda nas supostas práticas inclusivas.

Ora, nessa abertura, contudo, houve e há tensões e contradições, consequências que atingem, sobretudo, os novos jogadores. De modo similar ao ocorrido na França a partir dos anos de 1960, estamos criando um grupo de excluídos de dentro, que ingressam e permanecem na escola, mas sem que esta lhes faça sentido; ao passo que se reforçam estratégias de violência e dominação simbólica sobre os "diferentes". Para usar expressões tomadas de empréstimo a Bourdieu (1998a)______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79., amplia-se o desfavorecimento dos mais desfavorecidos e o favorecimento aos mais favorecidos, sendo tais estratégias cada vez mais perversas, posto mais dissimuladas, sob a bandeira aparentemente democrática da inclusão. Por isso, tenho afirmado que, atualmente, quanto mais se fala em democracia na escola, de maneira menos democrática se comporta essa instituição, por se pautar na igualdade formal, logo abstrata, entre todos os estudantes que nela ingressam. Consequentemente, a escola torna as desigualdades objetivas, impostas pela deficiência, em permanente desvantagem (auto)imposta para aqueles que apresentam tal condição ontogenética.

Esses agentes, não tendo suas especificidades reconhecidas, sucumbidos sob o manto da neutralidade institucional e seu pretenso igualitarismo de oportunidades, podem, então, ser vistos como incapazes para a vida escolar, vítimas da indiferença velada e, portanto, abandonados à própria sorte na escola (Bezerra; Araujo, 2011______.;______.; Araujo, D. A. C. . De volta à teoria da curvatura da vara: a deficiência intelectual na escola inclusiva. Educação em Revista, Belo Horizonte: UFMG, v. 27, n. 2, p. 277-302, ago. 2011.; Bezerra, 2012______.; ______. Filosofia e educação inclusiva: reflexões críticas para a formação docente. Inter-Ação, Goiânia: UFG, v. 37, n. 2, p. 267-285, jul./dez. 2012.). Talvez essa situação que descrevo seja mais um exemplo que confirme, em nosso país, aquele dito já consagrado e anedótico segundo o qual os alunos, quando aprendem, o fazem apesar da escola. Não obstante, democracia tem sido a palavra de ordem no seu interior, nos discursos políticos e nas representações socialmente tecidas a seu respeito. Ainda que eu já tenha abordado essa questão da igualdade/desigualdade em outros textos, sob outros enfoques (Bezerra; Araujo, 2011______.;______.; Araujo, D. A. C. . De volta à teoria da curvatura da vara: a deficiência intelectual na escola inclusiva. Educação em Revista, Belo Horizonte: UFMG, v. 27, n. 2, p. 277-302, ago. 2011.; Bezerra, 2012______.; ______. Filosofia e educação inclusiva: reflexões críticas para a formação docente. Inter-Ação, Goiânia: UFG, v. 37, n. 2, p. 267-285, jul./dez. 2012.), percebo, agora, ao retomar as proposições de Bourdieu, quão profundas e fecundas ainda são suas ideias para se entender a inclusão escolar à brasileira.

Por certo, ao se realizarem tais aproximações, não se pode olvidar, entretanto, que o sociólogo francês não falava propriamente de inclusão, tampouco de "deficientes", como hoje observamos no Brasil, mas da incorporação de camadas populares em uma escola que contraditoriamente buscava preservar uma relação aristocrática com a cultura (Bourdieu, 1998a______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79.). É nessa direção e com semelhante cuidado que me ocorreu buscar, como instrumento de pensamento, o recurso da analogia - e aqui nela insisto -, pois as observações sobre a sociedade francesa da segunda metade do século XX têm grande potencial heurístico e hermenêutico para se compreender a presente conjuntura brasileira. É o que se pode depreender pela citação a seguir, relativamente longa, mas indispensável por seu conteúdo esclarecedor. Diz Bourdieu (idem, p. 53, grifos meus):

Ora, se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo o sistema escolar é injusta de fato e que, em toda sociedade onde se proclamam ideais democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios.

Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura.

A igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais diante do ensino e da cultura transmitida, ou, melhor dizendo, exigida.

De maneira similar, o tempo todo hoje se fala em nosso país de uma escola pluralista, que se abre às diferenças, às deficiências e que oferece as mesmas oportunidades de acesso e permanência para todos os alunos, sem distinção alguma. Já no ponto de partida, todos são considerados iguais pela e na escola inclusiva, e qualquer diferenciação é considerada perigosa, inconciliável com essa atitude "democrática". Nesse contexto, são acionados mecanismos jurídicos e ideológicos que normalizam a diferença, até quase apagá-la por completo no cotidiano escolar e, assim, garantir a equalização formal dos desiguais. Entendo, porém, que esse tratamento igualitarista aos alunos com limitações intelectuais e/ou físicas na escola comum, ao ser levado às últimas consequências, não só lhes cerceia o direito ao pleno exercício da cidadania, como tende a prejudicar seu desenvolvimento cognitivo, psicossocial e cultural (Bezerra; Araujo, 2011______.;______.; Araujo, D. A. C. . De volta à teoria da curvatura da vara: a deficiência intelectual na escola inclusiva. Educação em Revista, Belo Horizonte: UFMG, v. 27, n. 2, p. 277-302, ago. 2011.). A obviedade dessa constatação passa despercebida, porque semelhante ilusão de democracia já é um dos modos de reprodução da ordem estabelecida e de reafirmar seus compromissos antidemocráticos, apesar da aparência oposta.

Tal perspectiva de análise se revela ainda mais válida quando notamos que sequer a escola brasileira sofreu modificações substanciais nos modos de ser e ensinar com o advento da chamada educação inclusiva. Outra vez, persiste a analogia com a França da década de 1960 em diante, na medida em que tanto se fez, lá, a defesa fictícia da escola libertadora, quando, no entanto, essa instituição se mantinha culturalmente aristocrática e conservadora (Bourdieu, 1998a______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79.; Bourdieu; Champagne, 1998______.; Champagne, P. Os excluídos do interior. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes , 1998. p. 217-227.; Bourdieu; Saint-Martin, 1998______.; Champagne, P. Os excluídos do interior. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes , 1998. p. 217-227.). Hoje, no Brasil, todos os alunos com deficiência podem ingressar na escola comum, mas de modo geral as distâncias entre os estudantes sem deficiência e os que estão nessa condição ontogenética são cada vez mais ampliadas e estendidas, se bem que dissimuladas, quanto mais permanecem na escola, arquiteta de seus destinos diferenciados.

Para os agentes com deficiência, a escola torna-se, sobretudo, uma instância de dominação simbólica e tentativa de normalização, valorando-os pelo que lhes falta, ao representá-los, a priori, como agentes física, intelectual e culturalmente "descapitalizados", e não pelas suas possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento. Logo, lhes são cerceadas as chances de apropriação e usufruto dos supostos benefícios alardeados pelas políticas públicas inclusivas. Talvez aqui eu possa retomar, de novo, as palavras de Bourdieu e Champagne (1998)______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79., estabelecendo outra similaridade entre o que já disseram sobre o anseio de ingresso, na escola francesa, pelos membros das famílias mais desprovidas econômica e culturalmente, e o que se verifica em nosso país, após o "esforço" nacional para que todos, inclusive aqueles com deficiências mais severas, estivessem nas classes comuns. Como antes, lá, aqui também se verifica, mais recentemente, um sentimento de frustração por aqueles que foram alvo dessas medidas "democratizantes" e/ou "inclusivistas", porquanto

[...] a instituição escolar tende a ser considerada cada vez mais, tanto pelas famílias quanto pelos próprios alunos, como um engodo, fonte de imensa decepção coletiva: essa espécie de terra prometida, semelhante ao horizonte, que recua na medida nem que se avança na sua direção. (Bourdieu; Champagne, 1998______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79., p. 221)

Nesse ponto, é válido que eu apresente alguns dados empíricos do projeto de pesquisa que venho realizando, desde agosto de 2013, em uma escola pública de uma cidade pequena, no interior do estado brasileiro de Mato Grosso do Sul, para evidenciar tal realidade, posto não se fazer sociologia apenas de modo especulativo e crítico por si só, ao menos na acepção bourdieusiana. Desse ponto de vista, a investigação sociológica é inseparavelmente teórica e empírica, de maneira que Bourdieu (1998b, p. 11)______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79. sempre se preocupou, no ofício de sociólogo, em "[...] hacer una sociología empírica fundada teóricamente, una sociología que puede tener intenciones criticas (como toda ciencia), pero que se debe realizar empíricamente". A reprodução é, pois, resultante dessa concepção do autor, a qual eu não poderia me furtar neste ensaio. Sendo assim, para me colocar por dentro dessa realidade e conhecer suas implicações, tenho pesquisado o que ocorre na referida SRM da rede municipal de ensino dessa cidade, debatendo com as professoras, em sessões de estudo e/ou de observação das atividades aí realizadas, suas representações e concepções acerca dos estudantes com deficiência que atendem nesse espaço, bem como sobre o próprio trabalho que desenvolvem.

Ressalto que o exemplo apresentado não tem pretensões de esgotar a realidade investigada, mas ilustrá-la e perscrutá-la como "um caso particular do possível", haja vista existir vasta bibliografia, com sobejo de dados teóricos e/ou empíricos, denunciando os efeitos contraditórios e paradoxais, quando não perversos e excludentes, da inclusão escolar no Brasil, em diversas regiões do país e sob distintos enfoques teórico-metodológicos, os quais corroboram os resultados deste estudo (Alcântara, 2011Alcântara, R. L. S. A ordem do discurso na educação especial. 2011. 214f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2011. Disponível em: <http://www.tedebc.ufma.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=564>. Acesso em: 7 fev. 2015.
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; Bezerra, 2012Bezerra, G. F. Enquanto não brotam as flores vivas: crítica à pedagogia da inclusão. 2012. 270f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, 2012.; Briant, 2008Briant, M. E. P. A inclusão de crianças com deficiência na escola regular na região do Butantã: conhecendo estratégias e ações. 2008. 208p. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5163/tde-25062009-101306/pt-br.php.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2015.
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; Garcia, 2013Garcia, R. M. C. Política de educação especial na perspectiva inclusiva e a formação docente no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd; Campinas: Autores Associados, v. 18, n. 52, p. 101-119, jan./mar. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v18n52/07.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2014.
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; Glat; Pletsch, 2011Glat, R.; Pletsch, M. D Inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.; Marques, 2001Marques, L. P. O professor de alunos com deficiência mental: concepções e prática pedagógica. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2001.; Meletti, 2014Meletti, S. M. F. Indicadores educacionais sobre a educação especial no Brasil e no Paraná. Educação & Realidade, Porto Alegre: UFRGS, v. 39, n. 3, p. 789-809, jul./set. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/edreal/v39n3/v39n3a09.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2015.
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; Nozu, 2013Nozu, W. C. S. Política e gestão do Atendimento Educacional Especializado nas Salas de Recursos Multifuncionais de Paranaíba/MS: uma análise das práticas discursivas e não discursivas. 2013. 241f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, 2013.; Pletsch, 2009Pletsch, M. D. Repensando a inclusão escolar de pessoas com deficiência mental: diretrizes políticas, currículo e práticas. 2009. 254f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/images/pdf/MarciaPletsch_Tese_2009.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2015.
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; Souza et al., 2012Souza, A. C. et al. A inclusão escolar no município de Paranaíba (MS): reflexões sobre a atuação profissional do monitor de alunos com deficiência. Revista Pedagógica, Chapecó: UnoChapecó, ano 16, v. 2, n. 29, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/pedagogica/article/view/1467>. Acesso em: 2 maio 2014.
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; Victor; Drago; Chicon, 2013Victor, S. L.; Drago, R.; Chicon, J. F. (Orgs.). A educação inclusiva de crianças, adolescentes, jovens e adultos: avanços e desafios. Vitória: EDUFES, 2013.). Por esse ângulo, parto do pressuposto de que o universal se mostra também no e pelo singular, especialmente no caso das SRM, cuja organização e funcionamento estão condicionados por diretrizes políticas, técnicas e operacionais comuns em todo o Brasil (Brasil, 2010______. Manual de orientação: Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2010.; Garcia, 2013Garcia, R. M. C. Política de educação especial na perspectiva inclusiva e a formação docente no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd; Campinas: Autores Associados, v. 18, n. 52, p. 101-119, jan./mar. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v18n52/07.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2014.
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), não obstante possam existir algumas variações na materialização dessa política, efetivada por agentes diversos, em contextos múltiplos, sob distintas relações de poder e resistência.

Assim, tendo em vista as considerações supracitadas, compreendo que recorrer à dimensão empírica do caso, como recomenda Bourdieu (1998b)______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79., torna possível ao pesquisador captar a lógica das práticas e das representações sociais que movem os agentes no campo escolar, desnaturalizando-as e expondo seus mecanismos de ação. Ademais, a simples constatação e divulgação de fatos desabonadores sobre a inclusão de agentes com deficiência, no e pelo sistema de ensino, não pode bastar ao sociólogo-pesquisador, que deve ir além em seu trabalho. Creio que era isso que Bourdieu afirmava quando defendeu Os herdeiros,3 3 Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Tradução de Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis, Editora da UFSC, 2014. trabalho lançado em 1964 com a colaboração de Passeron, perante catedráticos japoneses a quem concedeu uma entrevista em 1989. Disse o autor na ocasião:

Retrospectivamente me parece que Les héritiers [Los herederos], el primer libro en el que fueron expuestos los resultados de los trabajos sobre educación, fue un verdadero estallido en el cielo político. El libro tuvo mucho éxito. Fue leído por toda una generación y produjo el efecto de una revelación aunque no decía nada extraordinario: los hechos eran bien conocidos por la comunidad científica. Se tenían, desde hacia mucho tiempo, encuestas sobre la eliminación diferencial de los niños según su medio de origen. Yo creo que lo que ha impresionado es que este libro, a diferencia de los trabajos anglosajones, ha extraído las consecuencias de todo ello, o mejor aún, ha despejado los mecanismos que están en la base de las observaciones empíricas. No nos contentamos con decir que el sistema escolar elimina a los hijos de las clases desfavorecidas: tratamos de explicar porqué pasaba de este modo y, en particular, cuál era la responsabilidad, la contribución -porque la palabra responsabilidad es ya normativa-, cual era la contribución que el sistema escolar, y por ello los enseñantes, aportaban a la reproducción de las divisiones sociales. (idem, p. 38, grifos meus)

Nesse sentido, o autor está convicto de que "[...] no se puede asir la lógica más profunda del mundo social sino a condición de sumergirse en la particularidad de una realidad empírica, históricamente situada y fechada, pero para construirla como 'caso particular de lo posible'" (Bourdieu, 1998b______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79., p. 7). Foi isso, em linhas gerais, o que empreendi desde 2013, como relatei anteriormente, ao mergulhar na particularidade empírica da citada SRM, a qual atendia a clientela de alunos com necessidades educacionais especiais de todo o sistema municipal de ensino da cidade pesquisada, sendo protótipo de outras tantas SRM espalhadas pelo país. Com esse mergulho, pude verificar, pelos depoimentos e práticas das professoras consideradas no caso em análise, que o laudo médico, responsável por atestar a suposta deficiência dos estudantes e, assim, garantir seu acesso à SRM, constitui um dos novos mecanismos de exclusão interna e depreciação desses mesmos estudantes, legitimando o não investimento escolar em suas potencialidades. Afinal, eles são despossuídos do capital cultural e/ou da hexis corporal4 4 Entendo que, na perspectiva da reprodução das desigualdades sociais e manutenção de privilégios aos "herdeiros" na e pela escola, os julgamentos depreciativos e as taxinomias escolares incidem, sobretudo, em torno da hexis corporal (Bourdieu; Saint-Martin, 1998), no caso dos estudantes com deficiências físicas, embora não se possa desconsiderar também as implicações decorrentes dos conceitos de habitus e capital cultural, inter-relacionados. No caso da deficiência intelectual propriamente dita, nas suas diversas manifestações esses conceitos tornam-se operantes em conjunto, sendo talvez a noção de capital cultural mais determinante, dadas as dificuldades objetivas desses alunos para se exprimir segundo as disposições e habitus da cultura socialmente reconhecida como legítima ou a esta se aculturar. Em outro momento, pretendo desenvolver melhor essas teses. esperados e predeterminados pela escola, convertendo-se nos "excluídos do interior", isto é, presenças ausentes, corpos marcados pela rejeição, física e simbólica, porque socialmente desqualificados e, por conseguinte, inadequados às práticas escolares (Bourdieu, 1998aBourdieu, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64.; Bourdieu; Champagne, 1998______.; Champagne, P. Os excluídos do interior. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes , 1998. p. 217-227.; Bourdieu; Saint-Martin, 1998______.; Saint-Martin, M. As categorias do juízo professoral. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes, 1998. p. 185-216.).

Parece-me que, de modo semelhante ao diploma, o qual pode atribuir pela via da institucionalização determinado capital cultural e poder simbólico no jogo das (dis)posições sociais, aos seus portadores (Bourdieu,1998c______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79.) os laudos médicos têm funcionado como um atestado de incapacidade apriorística, relativamente autônomo do próprio agente a quem se dirige e classifica, à medida que lhe institui um lugar social dado. Analogamente ao poder instituinte e instituído dos diplomas, ouso dizer, em relação às sentenças e juízos médicos quando empreendidos de forma arbitrária e descontínua, que também "Vê-se claramente, nesse caso, a magia performática do poder de instituir, poder de fazer ver e de fazer crer, ou, numa só palavra, de fazer reconhecer" (idem, p. 78, grifos do original). Isto é, o laudo tem o poder de representar e criar representações sobre quem se refere, de legitimar pela máscara da imparcialidade a posição social inferior e desprestigiada que passa a ser ocupada por alguns dos jogadores em campo, direcionando assim as práticas escolares reprodutoras da exclusão na inclusão.

Tais ponderações são evidenciadas pela fala de uma das professoras participantes do projeto, Alice (A),5 5 O nome das professoras é fictício. que atuava na SRM como uma espécie de coordenadora desse espaço e tutora das demais docentes que ali chegavam por ter mais experiência profissional, com atuação durante anos em uma instituição de educação especial para alunos com deficiência intelectual e múltipla. Em um de nossos encontros, após ser questionada se a avaliação médica, utilizada como uma das condições6 para envio dos estudantes tidos como deficientes para a SRM, continuava ao longo de sua frequência a esse espaço ou era feita apenas de modo pontual, para justificar o encaminhamento do aluno a tal sala, ela afirmou:

A: Ela [a avaliação médica] não continua depois; só que daí eu acho que esses laudos neurológicos, de certa forma, eles têm sido prejudiciais. Porque, a partir de um momento que o professor recebe um aluno com laudo de deficiência, o professor já fala: "Esse já não vai!". Então, quer dizer, é uma coisa que marca.

Pesquisador (P): Na sala comum ou na SRM?

A: Não, na SRM influencia em nada [o laudo]; só no papel para nós, porque nós priorizamos o aluno, a sua individualidade, nós não pensamos se ele tem laudo de deficiência intelectual, se ele tem síndrome de Down, se é autista, ou o que é. Nós valorizamos o aluno na sua individualidade. Então nós vamos elaborar a atividade complementar à sua dificuldade. Então, ele vai ter atividades que vão ajudá-lo no seu desenvolvimento intelectual, conforme a sua necessidade. Então, o laudo neurológico para nós é indiferente, só que daí ele pesa [o laudo neurológico], ele pesa na sala de ensino regular, porque o professor não conhecendo o aluno na sua individualidade, ele vai achar que ele não tem condição de aprendizagem e nós sabemos que alguma condição ele tem [...].

A professora reconhece que o laudo, dessa forma, acaba por exercer um efeito negativo sobre os julgamentos e avaliações que o professor da sala de aula comum faz do estudante considerado "deficiente", embora defenda seu campo de ação, a SRM, como um local em que ela e demais docentes sob sua influência não se prenderiam apenas ao laudo, pois seu trabalho estaria centrado, sobretudo, na individualidade do aluno. Tal aspecto precisa ser aprofundado em estudos posteriores, pois, a meu ver, o discurso tecido pela professora sobre seu trabalho é contraditório e pode ser resultante, sobretudo, de uma disputa de poder, de espaço e de representações que ela e as demais colegas da SRM travam com os professores das classes comuns e com os próprios médicos, pois, em outras passagens de nossas conversas, Alice reconhece que o laudo já foi - e ainda é - um dos critérios básicos para o acesso dos estudantes a essa sala e realização posterior das intervenções docentes.

Ao que parece, a professora, negando as descrições dos laudos e/ou a necessidade de sua existência, tenta redimir-se do caráter seletivo e esotérico da própria SRM, bem como afastar de si a responsabilidade pela estigmatização e classificação dos alunos com deficiência, que passaria a ser imputada aos médicos, possibilitando-se, no entanto, a continuidade das práticas classificatórias instituídas na e pela escola comum, agência que reclama para si o direito de reconhecer ou não a deficiência, de legitimá-la ou não, a fim de melhor controlar os mecanismos da reprodução e exclusão sociais.

Nesse contexto, as intervenções pedagógicas tidas como bem-sucedidas na SRM, que até contradizem o fatalismo sentenciado por alguns laudos médicos quanto ao destino dos indivíduos "deficientes", e os casos-modelo de inclusão escolar ratificam o pretenso caráter democrático da escola e suas virtudes equalizadoras, justificando a ordem estabelecida ao dar margem para alguma "desestigmatização" ou "desrotulação" consentidas, à semelhança do que teorizaram Bourdieu e Passeron (1992)______.; Champagne, P. Os excluídos do interior. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes , 1998. p. 217-227. sobre a mobilidade social controlada pela escola reprodutivista. Em contrapartida, a não obrigatoriedade de um laudo médico que condicione a frequência dos alunos tachados como deficientes à SRM tem dado espaço para inflacionar o número de agentes nessa condição, porquanto o professor da classe comum e outros agentes revestidos de autoridade pedagógica passam a se atribuir o direito de empreender tal "diagnóstico", objetivados em listas apressadas, como se verá nos discursos seguintes. Na fala de Alice:

A: O médico tem autoridade, ele pode. Então, agora, o professor não, porque o médico tem autoridade. Então, até que a família, meio a contragosto, aceita [a avaliação do médico] e sabe que aqui faz esse atendimento. Aí nós não encontramos nenhum problema, mas, quando vem de nós a indicação para procurar [o médico], a coisa complica, é uma ou outra família que aceita.

Nessa sala, faz três anos que está funcionando, [teve] uma família [...] que eu indiquei assim: "Mãe, procura um neuro, vê com ele certinho", porque o menino chegou aqui e não sabia nada, só que até eu me enganei, porque ele não sabia nada mesmo, só que com o tempo e o trabalho ele foi desenvolvendo, só que daí o neuro já taxou a deficiência intelectual leve, e foi também numa psicóloga. A psicóloga fez um trabalho e aqui nós começamos a trabalhar e teve resultado e agora nós percebemos, ele não é deficiente intelectual, só que na época foi deficiente intelectual leve taxado pelo neuro [...].

Então, eu acho que até foi uma... porque, no começo, isso foi bem no comecinho, no comecinho foi me falado assim: "Olha, só aceita na sala de recurso [aluno com laudo]" ... Eu sei que é só aluno com laudo, eu sei disso! Só que, aí, nós falamos para mãe, né, ele tem que ter laudo para ele vir para cá, e foi meu erro, esse erro eu assumo, né, porque daí eu pedi para a mãe levar [ao neuro] para poder estar frequentando aqui, porque eu vi que ele tinha realmente dificuldade, foi feita a avaliação psicopedagógica. Ele estava na primeira série, no final da primeira série, e não tinha aprendido realmente nada. Eu falei, pode ser um... [N]Esse caso, pedi para a mãe levar num neuro para poder estar frequentando aqui [a SRM]. Depois nós abrimos exceções, por conta dessas, desses erros nossos [...].

Eu acho que poderia ter dado um tempo maior para essa criança, mas daí essa questão: "Não atende! Só com laudo". A gente acabou tendo que seguir fielmente no comecinho, depois nós abrimos a guarda nessa questão, mas no começo era só com laudo e eram pouquíssimos alunos que tinham laudo [...].

Além disso, o fato de haver ou não impactos significativos do laudo médico na prática de AEE não invalida, porém, o caráter de seleção interna, ocorrido quase sempre de modo sutil e tacitamente nas classes comuns em virtude desse diagnóstico ou da mera desconfiança de deficiência. Posso dizê-lo porque a classificação e promoção dos estudantes em nosso sistema de ensino é um atributo das classes comuns e não das SRM, que funcionam como apêndice complementar ou suplementar à escolaridade obrigatória dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Assim, a SRM, em que pesem suas eventuais realizações bem-sucedidas, torna-se também, pari passu, mais um instrumento de legitimação da ordem estabelecida e de (re)produção autorizada de "deficientes", os quais têm poucas chances de êxito no contexto da meritocracia escolar, subvertendo-se a suposta democratização da escola inclusiva ou escola para todos.

Perscrutando de perto o funcionamento e a concepção da SRM nos últimos anos, minha análise é que tal espaço fornece ao sistema escolar a objetividade de uma ilusão democrática e o consolo de uma formalidade, com pouca influência na modificação dos destinos dos alunos com deficiência, predeterminados ao insucesso escolar. Para tanto, basta observar que estes são representados - e também acabam por se representar, salvo os casos de elevado comprometimento cognitivo em que a percepção de si é alterada - como agentes que não foram talhados para a escola, usurpadores de um espaço que não lhes pertencia e, portanto, alvo "[...] da violência de uma espécie absolutamente nova que a Escola pratica sobre aqueles que não são feitos para ela" (Bourdieu; Champagne, 1998______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79., p. 224), qual seja, a exclusão por dentro, valendo-se aqui as implicações decorrentes da ideologia dos dons naturais e dos julgamentos professorais sobre a ausência de capital cultural/cognitivo e hexis corporal "desajeitada" desses estudantes, entre outros conceitos bourdieusianos (Bourdieu; Champagne, 1998______.; Champagne, P. Os excluídos do interior. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes , 1998. p. 217-227.; Bourdieu; Saint-Martin, 1998______.; Saint-Martin, M. As categorias do juízo professoral. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes, 1998. p. 185-216.).

Diante do exposto, se se assegura aos estudantes com deficiência, com ou sem laudo, a frequência à SRM como uma possível forma de garantir o reconhecimento de suas particularidades e lhes dar condições de equidade para acesso e permanência à classe comum, nota-se, porém, nas práticas cotidianas, que as potencialidades democratizantes desse espaço são desqualificas e sabotadas a priori, à medida que exerce uma dupla função estigmatizante: 1) sobre o professor que aí atua e 2) sobre os alunos que o integram. De fato, indaguei as professoras sobre essa questão, perguntando-lhes se essa sala produzia ou não algum modo de estigma sobre os estudantes, e obtive respostas surpreendentes. Vejamos o diálogo travado com a professora responsável pela sala e a outra colega, Helena (H), que ingressara há pouco tempo nesse trabalho, em 2014:

A e H (juntas): Não só o aluno é rotulado, mas o professor também.

[...]

A: Essa é real. É real! Essa é real! Essa é real!

H: É verdade!

A: Todo professor de escola, de ensino especial, ele também é rotulado como: "Ele tem algum problema!"

[...]

A: Então, quer dizer, essa questão é séria!

Pesquisador (P): Você já acabou de chegar, Helena, já sentiu isso?

A: Já foi rotulada!

H: Já! Já fui rotulada!... "Mas você?!"

A: É, ainda dizem, admirados: "Nossa, eu não imaginava que você fosse parar lá!"

[...]

A: [...]. É a mesma coisa de você [dizer]: "Ah! Ele é lá da APAE,7 ele é professor lá da APAE, sabe?!" E aqui é a mesma coisa: "Ah! Ele é lá da sala de recursos!".

P: Em relação aos alunos, vocês acham que também esse rótulo é presente no caso da sala de recursos? Isso chega a ser evidente em relação aos outros alunos [isto é, sem deficiência]?

A: É, às vezes, eles [os colegas sem deficiência] questionam [aqueles com deficiência]: "Ah! Você vai naquela sala lá?!" Então é... existe esse rótulo ainda.

[...]

A: [...] situação complicada. Até algum tempo atrás... Agora parece que diminuiu. Eles não me chamavam de professora Alice. Alice da APAE.

P: Mas os alunos ou os profissionais [da escola]?

A: Todo mundo! Todo mundo! Alice da APAE. [...]. Hoje diminuiu, porque já faz quatro anos que eu saí de lá [da APAE], mas no começo ainda permaneceu algum tempo.

H: Agora você imagine eu, que eu nunca trabalhei, é minha primeira vez [como professora na SRM]. "Nossa, mas você..." É um espanto! Até fora, ainda, o pessoal não [incompreensível]... "Nossa, mas você não devia estar lá!"

O diálogo evidencia que, sendo a SRM um lugar de alunos deserdados dos dons cultivados pela tradição escolar, também os professores que nela atuam tornam-se deserdados de sua áurea profissional, são rebaixados no jogo de posições em disputa no campo educacional, com a consequente perda de status. Creio que isso, sem que os docentes percebam ou ajam deliberadamente para tal fim, corrobora a reprodução das desigualdades na escola para todos. E o mecanismo é tão mais eficiente quanto menos racionalmente compreendido e inteligível aos agentes (Bordieu; Saint-Martin, 1998______.; Passeron, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.). Nessas condições, a existência mesma da SRM representa um modo de institucionalizar a segregação por dentro e dissimular a crise da escola, porquanto a existência desse espaço dá aos professores uma pretensa legitimidade e tranquilidade para classificar os estudantes que não aprendem do modo desejado como "deficientes". Realizando tal classificação, aqueles podem atribuir as dificuldades de aprendizagem destes apenas às supostas condições naturais desfavorecidas, e não às deficiências do ensino e seu caráter meritocrático, seletivo e formalista, o que redunda nas marcas da violência simbólica perpetuada e perpetrada pela escola contra os estudantes com deficiência, seja esta de fato ou por ficção.

Para os docentes das classes comuns, por sua vez, esses estudantes teriam a SRM como alternativa justa do sistema escolar para compensar suas limitações e se "capitalizarem" para enfrentar a sala de aula inclusiva, sendo responsabilidade dos professores especialistas desencadear esse processo. Todavia, dessa maneira, o círculo da reprodução vai se fechando na escola que é considerada democrática, porquanto o objetivo proclamado da SRM não é reforçar o ensino escolar e suas características seletivas e competitivas, mas atuar sobre as especificidades dos alunos, por meio do AEE. Como explicam Batista e Mantoan (2006, p. 17)Batista, C. A. M.; Mantoan, M. T. E. Educação inclusiva: atendimento educacional especializado para a deficiência mental. 2. ed. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2006., em publicação subsidiada pelo MEC: "Esse atendimento existe para que os alunos possam aprender o que é diferente do currículo do ensino comum e que é necessário para que possam ultrapassar as barreiras impostas pelas deficiências".

A problemática que ora suscito foi também captada a partir de nossos diálogos, em que ficaram nítidos, em vários momentos, a (re)produção da deficiência pela escola, dado o elevado número de alunos enviados à SRM com essa justificativa, a ponto de esta exceder suas capacidades de atendimento. Penso que, se de um lado tal fato representa a patologização crescente dos estudantes e, por consequência, um modo de seletividade escolar, de transformação das "[...] desigualdades de fato em desigualdades de direito [...]" (Bourdieu, 1998a______. Os três estados do capital cultural. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998c. p. 72-79., p. 59) e, portanto, de deserdar e excluir os agentes por dentro do sistema escolar, rompidas as principais barreiras de acesso a ele, a situação, como exposta nos parágrafos anteriores, também pode ser vista, paradoxalmente, como indício de fragilidade do próprio serviço instituído para assegurar a permanência e o "sucesso" dos alunos com deficiência nas classes comuns. Eis, portanto, mais um dado que põe em xeque a perspectiva democrática da inclusão escolar. Para evidenciar o exposto, reproduzo o diálogo a seguir:

A: Até que no começo, o professor da sala, ele fazia uma folha de caderno. Lá ele colocava as dificuldades que ele estava tendo na sala de aula, mas ultimamente é só a lista, e aí vêm 25 alunos em uma lista. Como é que você faz para selecionar? Geralmente eu estou olhando a série, porque daí o aluno que está lá na segunda, terceira série, ele tem mais urgência.

[...]

A: Então, mas no começo, os professores começaram a mandar, mas depois a coordenação começou a fazer lista e mandar para cá. Então, aí o que a gente faz?! Você vê lá uma escola mandar 25 alunos para cá. Poxa! Vinte e cinco alunos é o que eu tenho num período. Aí, acabo olhando aquele que tem laudo, aquele que tem mais dificuldade para poder encaixar, e deixo os outros na fila de espera.

H: É que a escola, hoje em dia, no ensino regular, pensa o seguinte: "Ah! Esse aluno não aprende, não aprende!". Eles já acham que ainda é uma deficiência. Eu só contei na minha sala, eu estou com 10 alunos [que possivelmente não aprendem],8 7 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Essa instituição especializada foi fundada no Brasil em 1954, com caráter privado-filantrópico, para atender, sobretudo, sob os enfoques clínico, pedagógico e assistencial, pessoas com deficiência intelectual e múltipla, em caráter substitutivo e paralelo às escolas comuns, que, até o final do século XX, segregavam ou expulsavam esses agentes do seu interior. mas você vai vendo... Agora que eu percebi, porque eu estou [aqui]. Esses alunos, eles não são deficientes, eles não têm deficiência nenhuma, eles têm dificuldades de aprendizagem. Eu estou percebendo isso porque eu estou aqui, porque, se eu não estivesse aqui, para mim já seria uma deficiência, e não é.

A: E é o que acontece.

H: E é o que acontece. Então, para eles, que não estão a par da situação, para eles é uma deficiência, você está entendendo? E aí então vai gerando esse tanto de aluno aqui para nós.

A: Então, tanto é que a hora que, aqui na escola X, a hora que ela me deu uma lista com 25 alunos, eu disse assim: "Fulana, não é reforço filha, lá é recurso, você não pode me mandar mais do que quatro, cinco alunos, porque eu tenho que colocar as outras escolas também".

P: Uma escola mandou 25?

A: Uma escola.

P: Nossa, é muito!

H: Mas é o que eu estou te falando!

P: Estatisticamente, isso é muito.

A: É muito.

H: É muito, não é?! É assustador!

A: É muito, é assustador! Eu falei assim: "Filha, não é reforço, é recurso, então é só aluno que tem realmente deficiência ou que se tem suspeita que ele tenha deficiência e não tenha laudo." [...] porque daí a gente vai acompanhar e vai ver, se ele não for ["deficiente"], eu devolvo, tanto é que veio uma menina lá da quarta série, né Helena?

H: É, quarto ano.

A: Quarta série, mas porque ela tinha laudo, aí mandaram, mas a professora não foi consultada, não foi conversado, nada, simplesmente tinha laudo, [a escola] mandou.

Diante disso, creio ter desvelado, com base em um caso particular do possível, algumas tendências gerais pelas quais se tem produzido e reproduzido, no cotidiano das escolas comuns, a segregação e rotulação interna do aluno "deficiente", categoria que cada vez mais é "forjada" pela escola para justificar suas práticas excludentes e conservar seus compromissos tácitos com a cultura estabelecida, embora se apregoem virtudes democráticas da inclusão. Se antes o discurso corrente era, sobretudo, que o estudante não possuía "jeito" ou "dom" para os estudos, convertendo as desvantagens sociais das camadas populares em "déficits" naturais e individuais, agora, além disso, lança-se mão de mais um argumento contra os membros das classes desprestigiadas, qual seja, o de que são também deficientes. Logo, a responsabilidade pela não aprendizagem lhes é unilateralmente imposta, porquanto lhes foi assegurado o direito de estar no jogo, de estar na classe comum e na SRM. Se não obtêm êxito, isso já não é problema da escola ou dos docentes. Em última instância, parece-me ainda que essa prática de inclusão escolar no sistema público de ensino sugere uma concessão da autoridade pedagógica dominante e, portanto, também nesse aspecto coloca-se como uma violência simbólica, destinada a valorizar ainda mais a posição "dos que aprendem" e conseguem jogar, em detrimento daqueles que se tornam, dia a dia, cartas marcadas, meros espectadores da partida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este ensaio, que resulta de uma primeira aproximação do autor às teses de Bourdieu e seus colaboradores para a análise do fenômeno de inclusão escolar maciça - e, de certo modo, imposta - de alunos com deficiência no sistema público de ensino brasileiro, especialmente a partir da década de 1990, não deve ser tomado pela perspectiva do mero reprodutivismo, da mesma forma que os trabalhos do sociólogo francês não podem ser lidos sob esse rótulo determinista. Também não se trata, aqui, de imputar aos docentes e/ou à escola comum toda a responsabilidade pela situação apresentada. Na verdade, tomando por base alguns dados empíricos de minhas investigações, os resultados das pesquisas já conhecidas e o recurso da analogia, procurei trazer à luz outro foco de análise para a perspectiva da educação inclusiva, na tentativa de explicar por que os estudantes com deficiência estão na escola comum, mas tão pouco dela se têm beneficiado, convertendo-se nos novos excluídos de dentro do nosso sistema escolar, tido como "democrático".

Nessa linha de raciocínio, busquei argumentar que a entrada maciça desses agentes não só não alterou a estrutura excludente, meritocrática e reprodutivista da nossa escola comum, como ainda torna mais patente o sucesso de uns poucos, em detrimento do fracasso de muitos, considerados - pois nem sempre o são objetivamente - "deficientes" e, portanto, incapazes para o tirocínio escolar. Embora o direito formal lhes assegure o ingresso na escola comum e a prerrogativa fictícia de jogar o jogo dessa instituição, eles estão interditados em seus possíveis êxitos - ou estes são limitados a número reduzidíssimo de agentes com suposição de deficiência -, pois, quase sempre de antemão, são dados como perdedores. Logo, depreende-se que várias são as práticas, estratégias e representações deflagradas, pelos agentes da autoridade pedagógica, geralmente de modo inconsciente, que sabotam e embotam as possibilidades dos agentes com deficiência de se apropriarem dos conteúdos e habitus escolares.

Na direção do exposto, antes de concluir este texto, para não deixar uma má impressão, decorrente talvez do mal-estar que as ponderações aqui desenvolvidas possam ter causado, preciso ainda alertar para o fato de que descrevi um processo macrossociológico com base em um exemplo factual de seu funcionamento. Nessas condições, os agentes nem sempre agem deliberadamente, participando de relações que desconhecem. Como bem lembram Bourdieu e Saint-Martin (1998, p. 199, grifos do original)______.; Passeron, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992., "Mistificadores mistificados, eles [os agentes encarregados das operações de classificação] são as primeiras vítimas das operações que efetuam". Em contrapartida, não gostaria que este texto fosse entendido como se eu me colocasse favorável às antigas escolas e instituições especializadas e contrário à entrada de alunos com deficiência nas classes comuns, bem como um oponente radical do trabalho realizado nas SRM. Não se tratou disso. O que fiz foi descrever e explicar como funciona, em linhas gerais, o referido processo sociológico de exclusão na inclusão, o qual deve continuar sendo objeto de novos estudos, pesquisas e inferências para conhecermos mais seus detalhes e avançarmos em torno das generalizações possíveis.

Não foi, portanto, objetivo deste trabalho dizer como se deve ou não realizar a "inclusão" escolar de alunos com deficiência nas classes comuns, se deve ou não existir SRM e AEE. Tais discussões já seriam objeto de outras reflexões, de cunho didático-pedagógico, que por ora não tenho como fazê-las ou já fiz em outras ocasiões. Ademais, para que não seja tachado também de mais um novo reprodutivista ou determinista, gostaria de lembrar que conhecer esses processos de reprodução e segregação escolar, por dentro do sistema de ensino, abre-nos a possibilidade de enfrentar, doravante, tais mecanismos e suas ideologias subjacentes com maiores chances de êxito, pois lutar contra um inimigo desconhecido é enfrentar riscos ainda maiores e dispender, muitas vezes, esforços e energias em direções equivocadas. Ao conhecer o chão que pisamos, podemos ter mais segurança para arriscar os próximos passos. Creio que esse era o maior intento de Bourdieu, como também é o meu agora: apresentar os mecanismos da (re)produção e naturalização das desigualdades sociais na e pela escola, agora também reforçados pelo argumento da deficiência subjetiva, de modo que, conhecidos pelos agentes, tais mecanismos comecem a ser desnaturalizados e combatidos. Afinal não é esse o ofício do sociólogo-pesquisador?

  • 1
    O projeto de pesquisa referido intitula-se A mediação verbal no atendimento educacional especializado para alunos com deficiência intelectual: contribuições teórico-metodológicas da psicologia histórico-cultural, tendo se iniciado em julho de 2013, com a aprovação da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPP) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), pela CI n. 2173/2013, de 25 de julho de 2013, e aceite do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) pelo parecer n. 675.245, de 4 de junho de 2014. No que tange aos procedimentos metodológicos, realizei sessões de estudo e trabalho colaborativo com as professoras participantes, cujos diálogos daí resultantes foram gravados em áudio e transcritos para análise. São alguns dos fragmentos desses diálogos que aparecem reproduzidos neste ensaio.
  • 2
    Os títulos desses trabalhos e outras informações sobre artigos publicados podem ser obtidos mediante acesso ao meu currículo Lattes on-line.
  • 3
    Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Tradução de Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis, Editora da UFSC, 2014.
  • 4
    Entendo que, na perspectiva da reprodução das desigualdades sociais e manutenção de privilégios aos "herdeiros" na e pela escola, os julgamentos depreciativos e as taxinomias escolares incidem, sobretudo, em torno da hexis corporal (Bourdieu; Saint-Martin, 1998______.; Saint-Martin, M. As categorias do juízo professoral. In: Nogueira, M. A.; Catani, A. (Orgs.). Pierre Bourdieu: escritos de educação . Petrópolis: Vozes, 1998. p. 185-216.), no caso dos estudantes com deficiências físicas, embora não se possa desconsiderar também as implicações decorrentes dos conceitos de habitus e capital cultural, inter-relacionados. No caso da deficiência intelectual propriamente dita, nas suas diversas manifestações esses conceitos tornam-se operantes em conjunto, sendo talvez a noção de capital cultural mais determinante, dadas as dificuldades objetivas desses alunos para se exprimir segundo as disposições e habitus da cultura socialmente reconhecida como legítima ou a esta se aculturar. Em outro momento, pretendo desenvolver melhor essas teses.
  • 5
    O nome das professoras é fictício.
  • 6
    No Brasil, até pouco tempo, muitas redes públicas de ensino condicionavam o ingresso e a permanência dos alunos com deficiência nas SRM à existência de um laudo médico (diagnóstico clínico) atestando ao sujeito essa condição. Todavia, a nota técnica n. 04, de 23 de janeiro de 2014, emitida pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), estabeleceu, finalmente, que "[...] não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, uma vez que o AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico (Brasil, 2014______. Nota técnica n. 04/2014/MEC/SECADI/DPEE. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Diretoria de Políticas de Educação Especial, 23 jan. 2014. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16761&Itemid=1123>. Acesso em: 7 fev. 2015.
    http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
    , p. 3). No município pesquisado, antes mesmo dessa medida tornar-se oficial, a SRM considerada já atendia a alunos "sem laudo", desde que apresentassem dificuldades acentuadas de aprendizagem e desenvolvimento cognitivo, características ou evidências de alguma deficiência, mediante queixas dos professores das classes comuns, coordenadores pedagógicos e/ou resultados de avaliações psicopedagógicas realizadas por profissionais da própria rede municipal de ensino.
  • 7
    Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Essa instituição especializada foi fundada no Brasil em 1954, com caráter privado-filantrópico, para atender, sobretudo, sob os enfoques clínico, pedagógico e assistencial, pessoas com deficiência intelectual e múltipla, em caráter substitutivo e paralelo às escolas comuns, que, até o final do século XX, segregavam ou expulsavam esses agentes do seu interior.
  • 8
    Helena continua sendo, em outro período, professora de sala de aula comum.
  • *
    Meus agradecimentos ao professor Lucas Krotsch.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2015
  • Aceito
    13 Ago 2015
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