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RESENHA

ALARCÃO, Isabel; CANHA, Bernardo. Supervisão e colaboração: uma relação para o desenvolvimento. Porto: Porto Editora, 2013. 127p

A obra de Isabel Alarcão tem vindo a inspirar o pensamento sobre a didática e a formação de professores em Portugal desde a década de 1970, sendo a Universidade de Aveiro um dos principais polos pelo qual tem irradiado a sua produção científica. Bernardo Canha, por sua vez, desponta no cenário da didática com seus estudos sobre práticas colaborativas de investigação e formação, com particular ênfase nos diálogos entre investigadores e professores na construção do conhecimento educacional.

Essas são breves notas sobre fatos que possivelmente já levaram os leitores ao encontro dos autores, do seu pensamento e, agora, do livro que nestas linhas é apresentado. Supervisão e colaboração: uma relação para o desenvolvimento pode ser, assim, caracterizado, desde logo, como um exercício de conjugações. Trata-se de uma síntese entre os olhares dos autores e de uma proposta de concertação entre dois processos, supervisão e colaboração, em direção ao desenvolvimento de pessoas e de organizações. Também pode ser o convite a uma outra conjugação, a ser atualizada no ato da leitura, entre o olhar dos autores e o olhar do(a) leitor(a) - convite expresso nas atividades propostas no decorrer dos capítulos da publicação que ora apresentamos.

O livro tem como matéria o contexto presente, marcado por uma busca de sentido para as constantes transformações que contornam a área da educação (e não só) e, igualmente, uma busca de sentido para palavras emblemáticas que povoam círculos profissionais nas escolas e em outras organizações (qualidade, avaliação, desenvolvimento, entre outras). Em atenção a essa profusão de expressões e significados, os conceitos-chave supervisão e colaboração encontram, na abordagem do livro, contornos identitários por meio de exercícios de conceptualização, que lançam mão de diferentes recursos, como a análise de metáforas e de títulos de publicações.

Os quatro capítulos em que o livro se organiza constroem o percurso de um encontro, um casamento (no dizer dos autores) entre supervisão e colaboração. Desde o princípio, o(a) leitor(a) é interpelado(a) sobre a possibilidade ou o sucesso de tal enlace, dadas as opostas lógicas que correntemente são associadas à supervisão, verticalidade, e à colaboração, horizontalidade. E, com esse desafio de fundo, a leitura se inicia, entretanto, já vislumbrando a possibilidade de um enlace feliz, antecipado no próprio título.

Assim, é possível encontrar, no primeiro capítulo, uma jornada pela biografia recente do pensamento sobre supervisão em Portugal, percurso cuja sistematização e desenvolvimento, reafirmamos, devem-se ao fundamental contributo da obra de Alarcão. Os autores não deixam de assinalar, contudo, outros nomes cujas obras constituíram marcos importantes no percurso de consolidação epistemológica da supervisão nesse contexto.

Nesse trajeto de conceptualização, é possível constatar a vasta abrangência que a supervisão assume na atualidade enquanto campo de ação, estendendo o seu olhar sobre organizações, e não apenas sobre pessoas, e alcançando diversos âmbitos para além da área educativa. Trata-se de uma amplitude que também se revela na multiplicidade de conceitos afins, que os autores têm o cuidado de inventariar, analisar e articular com a atividade supervisiva que preconizam.

Como resultado, é-nos apresentada uma supervisão cuja abrangência conceptual figura-se mais vasta que a inicialmente realizada por Alarcão e Tavares em 1987, na primeira edição do livro Supervisão da prática pedagógica. Uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem, referência incontornável para quem se movimenta pela área da supervisão pedagógica. Essa reconceptualização, reflexo da abrangência alargada da supervisão, é intencionalmente aberta a releituras por parte de diferentes profissionais para além daqueles envolvidos na formação docente. O conceito sistematizado conjuga as noções de acompanhamento, regulação, monitorização e avaliação sem perder de vista as pessoas envolvidas nesses processos. Ao propor essa conjugação, os autores apontam uma solução para as discussões epistemológicas que são travadas no campo da educação em torno da relação que pode ser estabelecida entre esses processos.

No segundo capítulo, o significado de colaboração assume centralidade. Em sua exploração, os autores adotam como referência a conceptualização construída no projeto colaborativo de investigação em didática de línguas conduzido por Bernardo Canha em seu trabalho de doutorado. Na abordagem apresentada, a colaboração é compreendida como um instrumento ao serviço do desenvolvimento, como um processo de realização e, ao mesmo tempo, como uma atitude de abertura. Ainda nesse capítulo, são apresentadas algumas condições que podem tornar a supervisão mais próxima da noção de colaboração desenhada, entre as quais importa destacar: maior ênfase no desenvolvimento e na aprendizagem, em oposição a um pendor exclusivamente inspetivo, e horizontalidade, confirmada nas dinâmicas supervisivas entre pares e na vivência das organizações como projetos coletivos.

Importante sublinhar que essa obra avança grande passo em direção a uma visão mais nítida sobre os contornos conceptuais do trabalho colaborativo, estabelecendo uma contribuição importante no intuito de evitar que mais uma expressão tão estimada na área da educação se esvazie de sentido diante de um emprego indistinto em situações diversas.

Conhecidos os elementos da díade, supervisão e colaboração, o terceiro capítulo dedica-se à exploração de um cenário em que o encontro entre os dois processos torna-se possível e, dentro de certas circunstâncias, necessário.

Maria do Céu Roldão, no prefácio, faz alusão a uma metáfora importada das artes visuais, o "ponto de fuga", para referir-se a um dos pontos temáticos mais desafiantes do livro valendo-se de sua perspectiva de leitora. Peço emprestada essa metáfora, reconduzindo-a para o "ponto de fuga" que encontro com base em meu ponto de vista de leitora.

A partir da minha perspectiva, o ponto para o qual convergem todas as linhas do cenário construído por Alarcão e Canha é o próprio desenvolvimento, referência que pode ser encontrada logo no título. Desenvolvimento em uma visão holística, contextualizada, interativa, de construções e desconstruções. Aproveitando essa introdução, cabe convocar a voz dos autores na seguinte passagem:

O ser humano é iminentemente social e accional. Nasce, cresce e, desejavelmente, também morre em sociedade. Aprende com os outros, interagindo com eles. Colabora e desenvolve-se. Ao longo da vida vai realizando uma diversidade de atividades cada vez mais complexas. Nessa caminhada assume diferentes papéis, conhece outras pessoas e estabelece novas ligações, caminhando na sua espiral de desenvolvimento e aprendizagem. (p. 68)

Nesse cenário, em que o "ponto de fuga" é o desenvolvimento (de pessoas e de organizações), as linhas mestras são, sem dúvida, a supervisão e a colaboração.

É assim que o leitor é conduzido pelo terceiro capítulo. A partir de uma leitura bioecológica do desenvolvimento humano, cuja base é o trabalho de Urie Bronfenbrenner, os autores discutem os contornos de uma supervisão perspetivada em relação a pessoas, processos, contextos e tempo. Nesse panorama, a face contextualizada, interpessoal, dialógica, interativa do processo supervisivo o aproxima e o interconecta - em certas circunstâncias - às dinâmicas colaborativas.

Para concluir, Alarcão e Canha apresentam, no quarto e último capítulo, um "caso virtual", assumindo como referência uma escola, "São Pedro Pescador". Nesse cenário, estratégias supervisivas e colaborativas encontram as cores das situações práticas e apresentam uma amostra do seu potencial mobilizador e multiplicador (provavelmente fazendo jus à simbologia bíblica expressa pela denominação da escola).

Antes de terminar, não se pode deixar de introduzir breves notas sobre a linguagem do livro. Sendo transparente e precisa, estabelece uma aberta comunicação com o(a) leitor(a), constantemente evocado(a) a participar na construção da linha de pensamento presente nos textos. É de se referir ainda o amplo leque de leitores convidados a participar nessa dinâmica, não se restringindo a profissionais da educação e abrindo possibilidades a profissionais da saúde, da gestão e a outros que se encontram envolvidos ou que se interessam pelos processos de supervisão e de colaboração.

Para finalizar, é possível afirmar que Supervisão e colaboração: uma relação para o desenvolvimento pode ainda ser entendido como um guia para uma transição ecológica, emprestando mais um dos conceitos abordados no livro. Uma transição ecológica no sentido de que a sua leitura convida a uma consciência mais alargada dos contextos de atuação (sejam eles instituições de ensino, hospitais, empresas ou outros) e da teia de relações entre esses contextos e outros, menos imediatos, mas ainda assim influentes e influenciados. E, nessa tomada de consciência, encontram-se possibilidades para a assunção de novos papéis, o desempenho de novas atividades e o estabelecimento de novas ligações interpessoais nos ambientes profissionais (e não só) em que se move. A diferença, nesse caso, estará no olhar. E, nesse ponto, vale ressaltar, citando mais uma vez os autores, que "o olhar e a capacidade de visão são elementos fundamentais no processo de acompanhamento supervisivo" (p. 19).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2015
  • Aceito
    10 Jun 2015
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