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Estudos comparados como método de pesquisa: a escrita de uma história curricular por documentos curriculares

ESTUDIOS COMPARADOS COMO MÉTODO DE INVESTIGACIÓN: LA REDACCIÓN DE UNA HISTORIA CURRICULAR POR DOCUMENTOS CURRICULARES

RESUMO

O artigo apresenta uma pesquisa concluída, inscrita no campo da história da educação, com foco na reflexão sobre as condições teóricas e metodológicas que se colocam à utilização dos procedimentos do estudo comparado. A pesquisa objetivou a escrita de uma história curricular particular, por meio do estudo de documentos curriculares. A metodologia empregada nesta investigação está orientada pela explicitação dos fundamentos teóricos, das áreas de comparação e dos procedimentos investigativos que sustentam a eleição do estudo comparado como método de pesquisa. Ao elegermos os fundamentos, as áreas e os procedimentos, tratamos de analisar as diferenças e as semelhanças, de explorá-las ao máximo para descobrir como se expressam, de rastrear os conteúdos das informações no contexto em que estão apresentadas, de contextualizá-las, isto é, de estabelecer relações com as distintas situações em que foi/é produzida uma história curricular.

PALAVRAS-CHAVE:
pesquisa em educação; estudos comparados; história do currículo

RESUMEN

El artículo presenta una investigación concluida, inserida en el campo da la historia de la educación, focalizando la reflexión sobre las condiciones teóricas y metodológicas que se utilizan en los procedimientos del estudio comparado. El objetivo de la investigación fue el de escribir una historia curricular particular, mediante el estudio de documentos curriculares. La metodología utilizada se orienta por la explicitación de los fundamentos teóricos, de las áreas de comparación y de los procedimientos investigativos que sustentan la elección del estudio comparado como método de investigación. Al escoger los fundamentos, las áreas y los procedimientos, tratamos de analizar las diferencias y las semejanzas, de explorarlas al máximo para descubrir cómo se expresan, de rastrear los contenidos de las informaciones en el contexto en el que se presentan, decontextualizarlas, es decir, buscamos establecer relaciones con las diferentes situaciones en que una historia curricular fue/es producida.

PALABRAS CLAVE:
investigación en educación; estudios comparados; historia del currículo

ABSTRACT

The article presents research that contributes to the history of education, with a focus on reflections on the theoretical and methodological issues that arise from the use of comparative study procedures, aimed at writing a particular curricular history, through the study of national curriculum documents. The research aimed to writing a particular curricular history, through the study of curriculum documents. The methodology used in this research is guided by explicit theoretical foundations, the comparison of areas and the investigative procedures that support the election of comparative study as a research method. By choosing the grounds, areas and procedures, we try to analyze the differences and similarities, to exploit them to the fullest to find out how they express themselves, to track the contents of the information in the context in which they are presented, to contextualize them, that is, to establish relations with the different situations in which a curricular history was/is produced.

KEYWORDS
research in education; comparative studies; history curriculum

NOTAS INTRODUTÓRIAS

A pesquisa em história da educação, considerando o objeto deste estudo, está determinada pela perspectiva da escrita de uma história curricular, com base em uma versão bem particular, que transita entre as análises de documentos curriculares oficiais, publicados entre as décadas de 1970 e 1990, estabelecendo relações e correlações no intuito de recuperar os estudos comparados como um método de pesquisa.

Os documentos da década de 1970 foram publicados entre 1976 e 1979 pelo Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), órgão do Ministério da Educação e Cultura (MEC), sob o formato de propostas curriculares para as áreas de deficiência mental, auditiva, visual e da superdotação. Já o da década de 1990 foi publicado em 1999 pela Secretaria de Educação Especial (SEESP) do MEC, intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares (estratégias para a educação de alunos com necessidades especiais).

Com esses documentos, a perspectiva da escrita de uma história curricular está delineada, de um lado, com base em um processo que admite uma lógica de desconstrução, com a introdução de sucessivos discursos, de sociedade, de processos de escolarização, de ensino e de aprendizagem, como uma tática de controle pedagógico. De outro, por uma abordagem que busca as expressões da cultura escolar, materializada no conjunto das normas que definem os conhecimentos a ensinar e as condutas a inculcar presentes em qualquer projeto curricular, por meio do que se pretende (expectativas e intenções curriculares), bem como o que e onde ocorre (realidade curricular).

Nesse sentido, os períodos das publicações são tomados como espaços e tempos de projeções da (re)invenção dos princípios de uma escola justa, entendida como objeto de um novo contrato educativo (sociedade e governo), que assume formas de incluir "a todos", especificamente os alunos com deficiência. Já os documentos curriculares, como fontes, são lidos como um conjunto de meios, objetos e artefatos que foram/são elaborados especificamente para facilitar o desenvolvimento dos processos educativos nas escolas e nas salas de aulas.

Acresce-se a essa apreensão o "lugar" que tais documentos ocupam no espaço dos estudos curriculares, porque se diferenciam de outros tipos de materiais por serem desenhados para o cumprimento de funções determinadas pela difusão e para o desenvolvimento prático dos processos de ensino aprendizagem1 1 Utilizamos essa grafia para expressar a compreensão acerca da indissociabilidade entre ensino e aprendizagem (Silva, 2008). em um determinado projeto curricular de uma também determinada rede de ensino.

Nesse sentido, seguindo uma perspectiva crítica, os documentos curriculares têm uma repercussão muito direta nos padrões de realização desse novo contrato e de difusão do conhecimento para ele necessário, na medida em que afetam a produção e a disseminação das práticas educativas.

Portanto, partimos da premissa de que os estudos comparados permitem recuperar os aspectos macrossociais e as dimensões microescolares em que o currículo materializa-se. Assim, com base em dados de coleta, análises de bibliografia e de diferentes evidências metodológicas e históricas dos estudos comparados, nos estudos da história, da educação e da história da educação, chegamos à política e à história curriculares.

Diante disso, esta investigação está orientada pela explicitação dos fundamentos, da escolha das áreas de comparação dos procedimentos investigativos que tomaram forma nesta escrita como terreno da eleição e aplicação do estudo histórico-comparado como método de pesquisa. Ao elegermos os fundamentos, as áreas e os procedimentos, tratamos de analisar as diferenças e as semelhanças, de explorá-las ao máximo para descobrir como se expressam, de rastrear os conteúdos das informações no contexto em que estão apresentadas, de contextualizá-las, isto é, de estabelecer relações com as distintas situações em que foi/é produzida uma história curricular.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS: DO CONTEXTO DOS ESTUDOS COMPARADOS

O reaparecimento dos estudos comparados, na última década do século XX, no meio acadêmico e nas pesquisas em história da educação, com diferentes propósitos e alinhamentos teórico-metodológicos, tem nos levado a interrogações desde a produção de generalizações e singularidades, na perspectiva da melhoria dos sistemas educativos, até o privilegiamento de dados estruturais, como esforço para o encontro do método.

Na produção determinada pela perspectiva da melhoria dos sistemas educativos, Hans (1961)Hans, N. Educação comparada. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961. registra que esse estudo só seria possível após afirmação da concepção de "Estado nacional" e da compreensão das diferenças de valores existentes nas mais diversas constituições sociais, culturais, geográficas e do aparelhamento normativo. No tocante ao privilegiamento de dados estruturais, Bereday (1968, p. 12)Bereday, G. Z. F. El método comparativo en pedagogía. Barcelona: Herder, 1968. declara que o estudo comparado não é um simples método, e sim uma ciência "cujo objeto é deslindar as semelhanças e diferenças dos sistemas educacionais".

Para Malet (2004, p. 1.311)Malet, R. Do Estado-nação ao espaço-mundo: as condições históricas da renovação da educação comparada. Educação & Sociedade, Campinas: CEDES, v. 25, n. 89, p. 1.301-1.332, set./dez. 2004., esses estudos desenvolvem-se como uma reação contra:

  1. as condições objetivas e fechadas dos fenômenos educativos e culturais que o funcionalismo tende a promover;

  2. as perspectivas de evolucionismo social que, cegadas por uma concepção continuísta da história e uma abordagem pragmática dos fatos educativos, tende a descuidar dos processos de mudanças social;

  3. o consensualismo, que impede a empreitada científica de questionar seus fins, o que constitui o melhor meio de eludi-los, sobretudo quando os espaços de intervenção ultrapassam as fronteiras nacionais.

No atual contexto, a perspectiva parece incidir sobre diferentes unidades e objetos, determinadas pela cultura e pelo discurso, o que para Schriewer (2009, p. 95)Schriewer, J. Aceitando os desafios da complexidade: metodologias de educação comparada em transição. In: Souza, D. B.; Martinez, S. A. (Orgs.). Educação comparada: rotas de além-mar. São Paulo: Xamã, 2009. p. 63-104. dota a análise da condição de

transformar-se em argumento explanatório na medida em que ela consegue identificar por meio de reconstruções conceitualmente informadas, soluções de problema historicamente realizados como realizações particulares daquilo, que nos diferentes cenários, ou configurações, socioculturais é estruturalmente possível.

Para compreendê-la desse modo, temos assistido a um processo de construção de configurações que colocam em tela a perspectiva do cruzamento entre teorias do conflito e do consenso, abordagens descritivas e conceituas (cf. Nóvoa, 2009______. Modelos de análise em educação comparada: o campo e a carta. In: Souza, D. B.; Martinez, S. A. (Orgs.). Educação comparada: rotas de além-mar. São Paulo: Xamã, 2009. p. 23-62.), teoria da reflexão ligada à reforma e teoria científica ligada à compreensão das diferenças entre sistemas educativos (Madeira, 2009Madeira, A. I. O campo da educação comparada: do simbolismo fundacional à renovação das lógicas de investigação. In: Souza, D. B.; Martinez, S. A. (Orgs.). Educação comparada: rotas de além-mar. São Paulo: Xamã, 2009. p. 105-135.) e/ou diferenças e semelhanças no encontro do sentido para os processos educacionais (Ferreira, 2009Ferreira, A. G. O sentido da educação comparada: uma compreensão sobre a construção de uma identidade. In: Souza, D. B.; Martinez, S. A. (Orgs.). Educação comparada: rotas de além-mar. São Paulo: Xamã, 2009. p. 137-166.).

Contudo, o que parece mais significativo nesse processo é a capacidade de o estudo comparado instituir-se em uma pluralidade de perspectivas, abordagens e metodologias ao mesmo tempo e indicar limites para compreensão dos fatos ou fenômenos educativos que compara, apresentando-se como um importante instrumento de conhecimento e de análise da realidade educativa.

Nesse contexto, o diálogo com as ciências humanas e sociais tem tornado ineficiente a proposição de qualquer estudo que desconsidere, na explicação de qualquer fato ou fenômeno educativo, as relações com as convicções políticas, econômicas e/ou filosóficas da sociedade a que serve, tampouco comparar as mudanças educacionais sem um mínimo de análise sobre o sentido histórico do período em que estas se deram.

Segundo Popkewitz (1998)Popkewitz, T. Struggling for the Soul - the politics of schooling and the construction of the teacher. New York; London: Teachers College Press, 1998., estamos diante de uma nova epistemologia do conhecimento, de cunho sócio-histórico, que define perspectivas de pesquisa centradas não apenas na materialidade dos fatos educativos, mas também sobre os mercados simbólicos que os descrevem, interpretam e localizam em um dado espaço-tempo.

Do ponto de vista teórico-metodológico, a "reinstituição" de um passado ligado à educação nos remete, mais particularmente, à história da educação comparada, desde uma história demográfica, convertida em um tipo de história social que repensa o materialismo histórico em suas noções de "infraestrutura" e "superestrutura", passando por uma história da cultura material − história esta dedicada ao estudo dos objetos materiais em sua interação como os aspectos mais concretos da vida, correlacionado-os em seus usos e apropriações sociais − e fechando, com a história das mentalidades empregada na eleição de um recorte privilegiado e na abordagem extensiva das fontes, como contributo para ampliar a concepção documental.

Esse movimento da história da educação comparada nos coloca diante de procedimentos de pesquisa marcados, de um lado, pela identificação e análise de questões educativas definidas pela pertença geográfica, mas no sentido de uma interação a certos mercados simbólicos; de outro, determinados pela apreensão dos espaços-tempos educativos, impressos por meio das regulações econômicas e políticas que atravessam as fronteiras dos diferentes estados e países.

No tocante ao mercado simbólico, entendido como aquele que designa determinados espaços habitados por múltiplas vozes que concorrem entre si, encontramos os documentos como fontes e/ou fontes como documentos, que testemunham uma produção social dos sentidos, o que requer considerações acerca da polifonia, polissemia, contexto, concorrência discursiva e posicional, habitus e lugares de interlocuções. Portanto, mercado habitado por grupos que produzem e/ou fazem circular discursos.

O que se deseja, em última instância, é a possibilidade de "fazer ver e fazer crer" como parte da construção da realidade, ou melhor, do poder simbólico (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. O poder simbólico. Portugal: Difel, 1989.). Parte dessa construção, nos limites do exercício da escrita de uma história curricular, está delineada pela premissa de que documentos curriculares são indutores, isto é, reforçadores das expectativas em relação à cultura, à educação e às práticas sociais que a sociedade quer difundidas na escola.

Nesse sentido, recorremos à teoria do currículo, ou melhor, a uma teoria da educação que engloba o que se passa no interior das salas de aulas e da escola e supõe a instituição escolar como local específico de transmissão de conhecimentos e aquisição de hábitos e capacidades. Segundo Forquin (1993) Forquin, J.-C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993., os estudos sobre currículo e teoria do currículo, reportando principalmente aos processos de ensino, organização e legitimação e transmissão de conteúdos, são um campo que contribui significativamente para reflexões sobre a relação escola e cultura e suas implicações.

PERCURSOS DO MÉTODO: DOCUMENTOS CURRICULARES COMO FONTES NA ESCRITA DE UMA HISTÓRIA CURRICULAR

Os documentos curriculares são tomados como objetos e fontes. Na condição de objetos, entendidos como impressos, que selecionam, legitimam e distribuem conhecimentos, mobilizam discursos na produção das verdades do processo de escolarização. E, nesse sentido, operam na seleção e distribuição dos conhecimentos que chegam às escolas e no modo como estes devem ser recebidos. Esse entendimento permite a análise de sua materialidade, isto é, suporte material da construção de práticas nos espaços educativos. De acordo com Batista e Galvão (2005, p. 16)Batista, A. G.; Galvão, A. M. O. Práticas de leitura, impressos, letramentos: uma introdução. In: Batista, A. G. (Org.). Leitura: práticas, impressos, letramentos. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 11-46., pesquisar os impressos "exige também examinar a qualidade dos textos, [...] descrevendo seus suportes e temas".

Como fontes, particularmente escritas e dialógicas, ocupam, de um lado, espaço privilegiado de reconstituição das ideologias ou mentalidades educativas subtraídas a uma projeção particular, oficial; e, de outro, diferenciam-se de outras fontes por contemplar propósito muito particularizado, isto é, o cumprimento de funções determinadas pela difusão e o desenvolvimento prático dos processos de escolarização, com base em uma rede de intertextualidades que se alimenta da política educativa ao desenvolvimento dos processos educativos nas escolas e nas salas de aulas.

Nesse contexto, historicizar os documentos curriculares como objetos e fontes requer que se tenham em conta as condições de sua produção, isto é, que o conteúdo em si não pode ser dissociado do lugar ocupado por esse impresso na história da educação e do currículo. Assim como qualquer outro tipo de impresso, os documentos curriculares "corporificam o saber" (Darnton, 2010Darnton, R. A questão dos livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 16).

Nas duas últimas décadas, nos discursos sobre a educação escolar e sobre a escola, tem sido comum apontar que o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social, estando fortemente determinado pelas relações de poder que distribuem desigualmente as oportunidades de sucesso escolar aos diferentes grupos socioculturais.

De fato, a existência, nas redes de ensino, de uma mentalidade curricular entendida enquanto consciência do sistema em que se está inserido e das opções que o orientam, bem como do modelo que se veicula e no qual se fundam as ações que se realizam, acaba por institucionalizar "vários elementos por vezes contraditórios" (Nóvoa, 1991Nóvoa, A. Concepções e práticas da formação contínua de professores: In: Nóvoa, A. (Org.). Formação contínua de professores: realidade e perspectivas. Portugal: Universidade de Aveiro, 1991. p. 52-53., p. 52), isto é, aspectos que conduzem a um reforço do poder estatal e, simultaneamente, a "uma tecnologia que mediatiza a distribuição do poder" (idem, p. 53).

No campo curricular, a versatilidade, a competência e a importância prática dos saberes têm servido para a justificação de um novo currículo que se constitui validado pelos valores de emancipação, integração, pertinência social e atualização do conhecimento. É no quadro dessas ideias que estamos concebendo os conhecimentos, as escolas e seus profissionais como agentes ativos na configuração de processos que tornam o currículo mais rico, mais rigoroso, mais reflexivo. No entanto, entendemos que a produção e a distribuição de conhecimentos estão a ocorrer apenas pela localização da dominação dos dominados, e não pela descolonização dos saberes que criam/criaram tal condição.

Entendemos que os documentos curriculares produzem uma cultura específica, com tipos de símbolos organizados e selecionados, que estão diretamente relacionados com os tipos de estudantes e com o modo com os quais eles fazem uso desse tipo de conhecimento que é estratificado socialmente e que representa conflitos. É com base nesses conflitos que se torna possível a compreensão das funções econômicas e culturais das instituições educacionais.

Nesse sentido, criam e recriam lugares, elaborando um mundo educacional, econômico e social por meio de um conjunto organizado de significados e práticas que estão relacionados a um processo central, efetivo e dominante desses significados, desses valores e dessas ações que são vividas no e pelo acesso ao conhecimento.

Sabemos, no entanto, que esses documentos não conseguiriam realizar todas as insuficiências da sociedade diante dos distintos grupos e suas necessidades educativas. Mas é nas impossibilidades de construção da diferenciação curricular que encontramos a realização do conceito formal (e ideal) da igualdade de oportunidades por meio de um currículo único para todos os alunos.

Seja pelo nível de detalhamento e fragmentação que alcançam, seja pela complexidade de suas formulações ou justaposição de concepções e conceitos não explícitos, os documentos curriculares locais são centralizadores, complexos e com pouca integração entre os níveis de escolaridade.

Embora materializem discursos menos elitistas, esses documentos possuem ainda características de uma cultura de elite, como o que é privilegiado e o modo como esse saber é dispensado. Nesse processo de apropriação, denominado de recontextualização (Bernstein, 1990Bernstein, B. The structuring of pedagogic discourse. Londres: Routledge, 1990.), o discurso curricular atua como um conjunto de regras para embutir e relacionar dois outros discursos: o "discurso instrucional" - especializado das áreas de conhecimento que se espera transmitido pela/na escola - e o discurso regulativo - associado a valores e princípios pedagógicos. O discurso regulativo cria ordem, relação de identidade no discurso instrucional.

Nesses documentos, os discursos regulativos alimentam-se da existência de alguns alunos que estariam em posição de classe e/ou condição de classes mais favoráveis para atender às exigências implícitas. Ou seja, diferenciam-se os agentes pelo capital cultural (posição de classe) e capital econômico (condição de classe) e, mais especificamente, pela condição orgânica.

Portanto, tendem a complexificar as prescrições acerca do que se deve ensinar nas escolas, incluindo não somente conteúdos temáticos, mas enfoques, aproximações, recomendações metodológicas, instrumentos e modos de avaliação e indicações sobre a formação requerida dos professores.

PERCURSOS DO MÉTODO: A ELEIÇÃO DAS ÁREAS DE COMPARAÇÃO

As áreas de comparação, eleitas por determinação de sua configuração, estão intimamente ligadas com o movimento de organização da escolaridade. Tais áreas, no caso deste estudo, não se limitam à descrição, e, sim, intencionam expor argumentos relacionados aos conceitos teóricos, hipóteses ou modelos explanatórios, pelos quais escolhemos estabelecer a comparabilidade entre os movimentos, aqui anteriormente referendados, observados no interior dos documentos. Para melhor construção dessa observação, elencamos algumas questões norteadoras, a saber:

  1. Quais os temas mais focalizados na organização do processo de escolaridade?

  2. Que aspectos e dimensões desses temas vêm sendo destacados e privilegiados?

Para que se encontrem respostas a essas questões, desenvolvemos procedimentos de categorização e análise dos temas identificados, na expectativa de revelar os múltiplos enfoques e perspectivas presentes nos documentos estudados. Entre esses múltiplos destacamos o espaço e o tempo escolares, como áreas intrínsecas à produção de uma identidade essencializada da deficiência no plano da escolaridade.

A primeira das tarefas, organizada pelo procedimento de categorização, é o exame das informações disponíveis nos documentos curriculares sobre o espaço e o tempo. Para tal, o principal exercício seria rastrear as condições de produção do espaço e do tempo escolar como área de comparação, o que requer entendê-los não limitados a uma série de fatos observáveis, mas idealizados de maneira elaborada, segundo a qual na ação da comparação é possível detectar modelos de explicação.

É importante ressaltar que o fundamento da categorização do espaço e do tempo alimenta-se das condições do cruzamento contingente entre eles e o contexto do processo de distribuição de conhecimento, que caracteriza o objeto dos documentos curriculares, que residem de um ponto de vista "imanente" em relação ao conhecimento enquanto experiência e de um ponto de vista "transcendente" em relação ao espaço e tempo como áreas.

Tomando-os como perspectivas indissociáveis, em termos metodológicos, o espaço e o tempo traduzem-se pela "justaposição" em relação aos seus conteúdos, ao mesmo tempo em que retratam uma espécie de "cumplicidade" com as orientações didáticas. O que parece estar em jogo entre a justaposição e a cumplicidade é o caráter estritamente ideológico das áreas, ao desempenharem uma tarefa de legitimação, o que pode ser utilizado como instrumento conceitual para uma reflexão analítica que problematiza seus próprios estatutos.

No que diz respeito à análise das áreas que destacamos, recorremos ao suporte dos estudos já produzidos sobre elas. Tais estudos permitiram, fundamentalmente, superar a hipótese da incompatibilidade entre o universalismo das áreas espaço e tempo − identificadas na forma escolar e tidas como etnocêntricas por definição, já que produtos metodológicos de uma experiência histórico-social particular, a institucionalização da escola, e um relativismo cultural que se pretende imparcial e as identifica como categorias histórica e socialmente específicas.

O espaço ajuda a descrever e a analisar que a arquitetura das escolas, das salas de aulas, contém um programa de educação, uma pauta que proporciona aos indivíduos experiências culturais e escolares com objetivos implícitos. Para Benito Escolano (2000)Benito Escolano, A. Tiempos y espacios para la escuela. Ensayos históricos. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000., o estudo do espaço escolar incorpora símbolos e signos que asseguram uma identidade inequívoca e que transmitem determinadas mensagens de comum significado para as pessoas da escola, portanto,

a codificação da linguagem da arquitetura escolar tem dado origem a toda uma série de invariantes que podem ser analisadas como um texto que transmite imagens de firmeza, ordem, harmonia, seguridade, beleza... Essas invariantes podem adotar diferentes estilos, porém como sistema constitui todo um discurso com sentido. (idem, p. 23)

Sobre o espaço escolar, Viñao Frago (1998)Viñao Frago, A. Tiempos escolares, tiempos sociales. Barcelona: Editorial Ariel, 1998. afirma que seriam possíveis duas análises: a primeira focaliza o espaço escolar como lugar, isto é, analisa a escola como o local onde ocorre o ato pedagógico, com todas as implicações possíveis, da estrutura do prédio escolar, da extensão do seu terreno, e assim por diante. A outra análise necessária para a compreensão do espaço escolar está relacionada com seu entendimento como território, ou seja, nas suas relações com tudo o que o circunscreve, com outros espaços próximos, com os usos que se faz da sua geografia.

O espaço escolar, na perspectiva de área de comparação, traduz manifestações não somente de ideários da organização pedagógica, mas também conteúdos de cultura e diversos signos estéticos, sociais e ideológicos.

Nessa mesma ordem, consideramos o tempo como outra variável dessa tradução, associado ao espaço, pois se apodera dele e lhe oferece identidade. "Os marcos temporais são algo mais que 'uma pequena contingência que inibe ou facilita' a atividade da escola, toda vez que condicionam representações e percepções dos espaços e também sua planificação e seus usos" (Hargreaves, 1996Hargreaves, A. Os professores em tempos de mudança. Lisboa: McGraw-Hill, 1996., p. 107).

Sem dúvida, os tempos escolares são múltiplos e, aliados à ordenação do espaço, tomam parte na cultura escolar. A organização rítmica da vida escolar expressa-se no transcurso e na rotina cotidiana, na duração, nas alternâncias, continuidades e descontinuidades das atividades, originadas nos distintos contextos e nas sequências e compassos das relações e práticas escolares.

Expressando-se nos regulamentos e nas orientações de ensino, o tempo escolar impõe-se aos professores, às escolas e, com certeza, às famílias, tornando-se o sustentáculo da qualidade do aprendizado dos indivíduos.

Desse modo, o tempo e o espaço, como áreas de comparação, são portadores de uma lógica própria, uma lógica social que os transforma em um lugar em que se manifestam as intenções humanas. É exatamente essa lógica que os define como objetos curriculares, portanto objetos que devem ser analisados de acordo com as transformações que se materializam no interior do processo de escolarização e escolaridade.

UMA HISTÓRIA CURRICULAR ESCRITA POR DOCUMENTOS CURRICULARES

Com base nas áreas eleitas, destacamos que o caráter procedimental da comparação está imerso, de um lado, na busca das semelhanças e diferenças expressas nos documentos eleitos, e, de outro, pelo sentido dessa comparação, isto é, as dinâmicas colocadas em curso com base nas transformações discursiva das condições de escolarização e escolaridade, superando a mera descrição.

O primeiro documento analisado foi do final da década de 1970, que instituiu o currículo como proposta definida para as áreas da deficiência (mental, visual, auditiva, física e superdotação) em nível nacional e difundido em todas as regiões e escolas, de modo que salvaguardasse a legitimidade normativa e a racionalidade técnica no processo de desenvolvimento curricular. Cabe ressaltar que o documento foi trazido a público em um conjunto que abarcou cinco áreas de deficiência (mental, auditiva, visual, física e superdotação) e expressou uma compreensão de educação integradora2 2 O princípio da integração expressou-se educacionalmente por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 4.024, de 1961, e da lei n. 5.692, de 1971. na qual o treino, a recuperação e a adaptação dos deficientes configurariam, quando possível, oportunidade de acesso ao sistema de ensino comum.

Para a concretização desse currículo, assente na ideia de adaptação curricular, predominava a noção de que os indivíduos pertencentes a grupos biossocioculturais afastados da cultura escolar clássica e da "cultura padrão" deveriam ser colocados em grupos especiais para serem trabalhados no nível dos déficits que apresentavam, e, por isso, as respostas curriculares, nessa concepção teórico-ideológica, concretizavam-se pela criação de redes escolares ou de classes distintas.

Já o documento da década de 1990, segundo documento analisado, foi uma construção que procurou responder ao chamado movimento da "escola para todos" (pós-Declaração de Jomtien, 1990). O MEC publicou em 1998 os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que expressam o currículo nacional (na forma prescritiva de um currículo oficial), entendido no sentido de orientar. Um dos critérios que os justificavam era a adoção de uma estrutura geral de disciplinas e seus respectivos conteúdos, e não a sua contextualização. Na sequência, a SEESP publicou, em 1999, o documento curricular, voltado para assegurar a escolarização dos deficientes, intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares.

No caso da escola inclusiva, entendemos que a proposição de currículos tem sido uma característica forte. No exercício de propor algo que deve ser seguido, o currículo é entendido como um objeto manipulável, apreensível, quantificável e relativamente estável, e que por isso se muda, se molda e se fixa de maneira controlada.

Diante disso, era factível que se realizasse a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atendesse realmente a todos os alunos.

Esse formato de currículo divulgava que a todos, independentemente de suas origens e experiências de vida, deveriam ser oferecidos os mesmos percursos, de modo que atingissem os mesmos fins, optando-se por respostas uniformes e estruturadas no conhecimento considerado universal; por isso, um currículo organizado nesse quadro teórico-ideológico ofereceria a todos os alunos o mesmo tipo de percursos curriculares, de métodos e de materiais, em uma atitude de homogeneização e assimilação.

As condições concretas da organização curricular para a escolarização dos indivíduos com deficiência apresentam variantes na ordenação dos tempos e dos espaços escolares. Nesse último, com regras mais ou menos oscilantes, com ocupações do espaço mais ou menos sedentárias, com maior ou menor dependência do relógio na medição do tempo.

No documento curricular da década de 1970, a classe especial foi instituída como uma comunidade de aprendizagem de iguais, com currículo adaptado, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sociocognitivo e emocional dos deficientes a ela destinados. Em relação à distribuição do tempo, este era regulado por uma noção biológica, determinada pelos diferentes graus de uma deficiência, e pelo uso do relógio como uma de suas ferramentas, ou seja, uma das melhores estratégias para medir e para controlar o funcionamento dessa classe e de suas atividades. Em razão disso, eram curtos os períodos de atividades mais cansativas e que exigissem maior esforço e atenção, bem como o tempo a ser dedicado à consecução de cada objetivo dependia do grau de complexidade.

A construção do espaço perpassava questões de controle, vigilância, disciplina e, sobretudo, difusão da ideologia. A classe especial era desenhada por uma ótica essencialmente física, materializada na arquitetura do prédio escolar, bem como em suas divisões e subdivisões internas. Distante da ideia de produzir-se tanto quanto era produto de uma nova forma de cultura, essa classe ia se constituindo e incorporando os múltiplos significados produzidos nesse mesmo lugar quando relacionado a outros lugares.

Um dos elementos-chave na configuração da cultura escolar de uma determinada instituição educativa, juntamente com a distribuição e os usos do tempo, os discursos e as tecnologias da conversação e comunicação nela utilizados, é a distribuição e os usos do espaço, ou seja, a dupla configuração deste último como lugar e como território. (Viñao Frago, 2005______. Espaços, usos e funções: a localização e disposição física da direção escolar na escola graduada. In: Bencostta, M. L. (Org.). História da educação, arquitetura e espaço escolar. São Paulo: Cortez, 2005. p. 17., p. 17)

O espaço construído na/pela escola serve para configurar os indivíduos que fazem parte desse jogo social, ou seja, esses indivíduos são o resultado desses espaços que habitam. Na nova forma escolar instaurada pelas classes especiais estava delineada a perspectiva de delimitação do espaço de atuação dos deficientes, tornando inegável a designação de lugares marginais para aquelas pessoas também consideradas marginais e desviantes.

Em meio a isso, a educação especial continuou tentando consolidar projetos educacionais que possibilitassem aos denominados "alunos deficientes" o benefício do ensino nas escolas comuns.

Uma forma desse projeto foi editada nos Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares (1999), que operava com a ideia de dificuldade no estabelecimento do conceito de currículo, diante dos diversos ângulos envolvidos. Contudo, apontava-o como central para a escola, uma vez que se associava à própria identidade da instituição escolar, à sua organização e funcionamento e ao papel que exercia, ou deveria exercer, com base nas aspirações e expectativas da sociedade e da cultura em que estava inserido.

Quanto ao tempo, esse documento colocava que a sua organização deveria ser feita considerando os serviços de apoio ao aluno e o respeito ao ritmo próprio de aprendizagem e desempenho de cada um (idem, p. 42). Os espaços eram, preferencialmente, os dos serviços de apoio, destacadamente a sala de aula comum e/ou as salas de recursos.

As salas de aulas comuns eram espaços tidos como ambiente regular de ensino aprendizagem, no qual também estavam matriculados, em processo de integração instrucional, os alunos com deficiência que possuíam condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais. Nesse sentido, constituíam um espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente, por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação de seus sujeitos; e, cotidianamente, por uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos.

Em relação às salas comuns, o tempo aparecia dividido em unidades horárias relacionadas ao ensino de diferentes áreas de conhecimento e ao recreio. A estrutura de unidades horárias instituía alterações no sistema de gestão das aulas, pois, estando os professores diante de uma organização externa, que cobrava a identificação do tempo como fator determinante do processo de ensino e de aprendizagem, acabava por formular tipos de atividades cuja estrutura implicava estratégias de aprendizagem apoiadas nos resultados.

Já as salas de recursos eram serviços de apoio pedagógico especializado, conduzido por professor especializado, o qual complementava o atendimento educacional realizado no ensino comum. Para ingresso, o aluno deveria estar matriculado na sala de aula comum no ensino fundamental de 1ª a 9ª séries, e receberia o atendimento de acordo com suas necessidades, podendo ser atendido de duas a quatro vezes por semana, não ultrapassando duas horas diárias.

O tempo parecia condicionar-se por uma interpretação simplista e, ao mesmo tempo, complexa. Simplista no sentido de que se convertia em indicador da capacidade de maior alcance de resultados, tendo em vista uma cobertura mais precisa das necessidades dos alunos. Complexa, porque seriam as atividades que acabariam por contextualizar o tempo, como o instrumento material das aprendizagens dos alunos.

O tempo, portanto, não só estabelece a socialização dos indivíduos, como representa uma ordem que se experimenta e se apreende na escola. [...] o uso rotineiro, ritualístico e desgastante do tempo social padronizado na escola no sentido de formar homens capazes, racionais, laboriosos nos induzem a crer que a escola efetivamente não pretende apenas modelar dimensões cognitivas, mas organizar e sistematizar em tempos experiências, comportamentos, relações corpóreas e temporais da vida prática da criança e da juventude. Propõe-se a organizar, gerenciar tempos, mais que transmitir conhecimentos. (Correia, 1996Correia, T. S. L. Tempo de escola... e outros tempos (quem viveu assim, sabe. E quem não viveu... que pena!). Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1996., p. 56-57)

Sem dúvida, era essa ordem racionalizada que conformava as marcas de um modo particular de tratamento da deficiência, isto é, a deficiência diante de uma "forma escolar". A sala de recursos estaria, assim, produzindo o embate de culturas, pela imposição de seu modelo diante do modelo escolarizado de escola, isto é,

espaço fechado e totalmente ordenado para a realização de cada um de seus deveres, num tempo tão cuidadosamente regrado, que não pode deixar nenhum lugar a um movimento imprevisto, cada um submete sua atividade aos "princípios" ou "regras" que a regem. (Vincent, 1994Vincent, G. L'éducation prisionnière de la forme scolaire? Scolarisation et socialization dans les sociétés industrielles. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1994. p. 11-48., p. 14)

Os espaços educativos são constituídos de significados que podem transmitir valores, podem impor suas leis, e a arquitetura escolar é "uma forma silenciosa de ensino", que pode ser também vista como parte integrante de uma economia de tempo. Já os tempos escolares, para materialização da escolarização dos deficientes, eram hierarquizados mediante necessidade de manutenção da ordem, mas esse tempo instituído poderia não ser vivido de modo passivo por parte dos alunos.

Cabe destacar que o estudo dos documentos curriculares nos permitiu mapear um processo sutil e silencioso de criação do que chamamos de uma nova pedagogia do tempo e do espaço, tornada mediadora das práticas curriculares.

NOTAS FINAIS

Definir e descrever os fundamentos, as áreas e os procedimentos do estudo comparado, como exercícios de escrita de uma história curricular particular, nos permitiu superar as dicotomias quase sempre visíveis entre o método e "a ideia de praticá-lo" em um contexto tão específico como o dos documentos curriculares.

A "economia" dessa definição e descrição do estudo comparado, na perspectiva de remetê-las à condição de sistema metodológico, por força de nossa proposta, consiste em seu poder de "fazer e desfazer as causalidades" e de "traduzir uma relação prática dos limites objetivos". Relação esta inscrita na observação histórico-educativa dos efeitos da linguagem e da comunicação na produção dos discursos no "mercado" dos documentos curriculares, que funciona com certas especificidades, a seleção e distribuição de conhecimentos.

Tomando os espaços e os tempos como áreas de comparação, os procedimentos investigativos revelaram que elas são construções em que não há neutralidade, mas sim lugares representando símbolos, sinais, marcos dessas relações, isto é, parte da dinâmica educativa. Os espaços e tempos instituídos e delimitados pelos documentos curriculares, invadidos de disciplina e de ordenamentos, parecem ser definidores de outras maneiras de conceber a deficiência e a diferença no/do processo educativo.

Por fim, os documentos curriculares, condutores do processo de escrita de uma história curricular por meio dos estudos comparados, parecem ter sido concebidos unicamente como guias, orientadores do trabalho docente, frequentemente menosprezando o debate do "por que fazer" em virtude da valorização do "como fazer". Contudo, professam a ideia de progresso e pretendem-se inovadores e instituidores de uma nova lógica de organização da escola e do acesso ao conhecimento escolar.

  • 1
    Utilizamos essa grafia para expressar a compreensão acerca da indissociabilidade entre ensino e aprendizagem (Silva, 2008Viñao Frago, A. Tiempos escolares, tiempos sociales. Barcelona: Editorial Ariel, 1998.).
  • 2
    O princípio da integração expressou-se educacionalmente por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 4.024, de 1961, e da lei n. 5.692, de 1971.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    Ago 2013
  • Aceito
    Jul 2014
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