Acessibilidade / Reportar erro

RESENHA

MORAIS, Regis de.. Um abominável mundo novo? O ensino superior atual. São Paulo: Paulus, 2011. 159p. Coleção Educação Superior

Regis de Morais, doutor e livre-docente em educação, professor titular aposentado da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), ex-professor convidado da Pontificia Universidad Católica de Chile e da Universidade Técnica de Lisboa. É escritor e conferencista, com 54 livros já publicados. Nessa obra, o autor discute com dedicação e competência a educação superior no Brasil nos dias atuais. Tem a preocupação com os desequilíbrios socioculturais que desestabilizam a educação como um todo, mas, especialmente, o ensino superior. Afirma que, na sociedade escravizada pelo consumo e pela crise de valores, acentua-se o valor dos lucros e prazeres imediatos. Englobando 159 páginas, a obra apresenta boa diagramação, traz uma introdução seguida de sete capítulos, procurando desnudar os duros aspectos do trabalho e do contexto universitário, finalizando com conclusão e posfácio.

Na Introdução do livro, no pórtico das reflexões anuncia que a obra contém um tanto bom de denúncias e outro tanto de esforço por apontar um caminho de renovação. Tratando do contexto da universidade, um colega declara: “[...] ali, meu caro, se você cobrir, é um circo, se cercar, é um hospício, e, se fizer exame vestibular, ganha até ares de universidade. [...] Muita egolatria, com surpreendente estreiteza de visão e, algumas vezes, falsa cultura” (p. 13).

Pensa na imensa fortuna que o Estado investe nesse modelo de instituição de grandes proporções. Ainda, movido pela enorme estima que tem pelos ambientes acadêmicos que acolheram seu trabalho com alunos e professores, analisa a sociedade enferma, escravizada pelo consumismo e pela mídia. Essa sociedade influencia a fragilidade das relações humanas na universidade, a diminuição da qualidade da formação que cada vez é mais frágil; o que exige maior quantidade de publicações dos professores em detrimento da maior qualidade.

No Capítulo I, “O ensino superior e o novo barbarismo”, Regis de Morais destaca a barbárie da alienação, a indiferença social e a falta de contextualização histórica e sociocultural. Relembra os vinte e um anos de ditadura vividos no Brasil, seguidos dos acordos Ministério da Educação e United States Agency for International Development (MEC/USAID) e da redemocratização que caminha a passos lentos e atropelados. Coloca como primeiro momento da barbárie a perda da memória histórica, como a queda na armadilha de uma contemporaneidade radical e uma desconsideração, infiltrada nas novas gerações de modo subliminar, pela historicidade humana. E, por consequência, relata experiências com alunos indiferentes na sala de aula, alheios ao conteúdo que está sendo tratado, com desinteresse total. Comenta sobre as delegações de fiscalização das escolas enviadas pelo MEC que são vítimas, muitas vezes, de encenações e documentações suspeitas, bajulações visando interferir nos resultados das avaliações. Discute ainda a diferença existente entre os puros administradores escolares e os gestores dotados de ideal educativo.

“O pão e circo e o ensino superior”, no Capítulo II, o autor discute que por mais de quinhentos anos a educação não foi prioridade em nosso país. A Segunda Grande Guerra (1939-1945) pôs fim à influência dos brasileiros com a cultura francesa e promoveu a invasão da cultura norte-americana com o seco pragmatismo. Denuncia a consagração da mediocridade na universidade quando as instituições particulares não podem reprovar porque perdem os clientes que se negam a estudar, a clientela que os mantém; nas públicas, recebem orientação para que aprovem 90% dos estudantes, tenham ou não merecimento, sob pena de diminuição de verbas. Mas é reconhecido que, mesmo com a baixa qualidade, as escolas privadas dão sua contribuição social.

No Capítulo III, intitulado “Burocracia e pesquisa acadêmica”, o autor afirma que a burocracia pode não ser nem boa nem má, mas que sua má prática pode ser devastadora. A pressão da universidade pelas publicações Qualis pode levar ao estresse. A exigência do aspecto quantitativo sobrepõe ao qualitativo de uma maneira fria, por meio de cobranças descabidas. Insiste que é preciso voltar a respeitar a vocação investigatória e o ritmo do docente-pesquisador. Afirma que podemos voltar a ter excelentes produções, compreendendo que há profissionais medianos, mas que podem melhorar agrupando-se aos muitos bons

Sobre as extensões universitárias, tratadas no Capítulo IV, percebe-se que em um ambiente de agitação do pensamento, de intercâmbios de leitura do mundo e do viver, há o risco de se assumir o melancólico reprodutivismo que lhe permite ser um supermercado de diplomas, que não permite melhores resultados individuais nem sociais. As extensões não podem desempenhar papel menor na tríade ensino, pesquisa e extensão. Destarte, se bem programadas e conduzidas, podem resultar experiências ricas e inesquecíveis para os que participarem dela, com ricas aprendizagens.

Os duros aspectos da vida universitária são discutidos no Capítulo V, focando o aumento dos distúrbios psíquicos e somatizações ocasionados pelas dramáticas relações interpessoais nos segmentos intermediários, não só entre professores e alunos. Existe também o “burocrativismo administrativo que não logra se elevar ao nível de gestão educacional (p. 85) [...] submete o professorado ao que temos de mais medíocre no âmbito da ética do interesse (funcionalidade do lucro)” (p. 86).

No contexto acadêmico, raramente a minoria não sucumbe às pesadas pressões da maioria cognitiva, sendo conduzida a avaliar negativamente a relação entre seu trabalho e os resultados dele. Assim, a maioria cognitiva desestabiliza o tônus emocional do docente, causando-lhe confusão íntima e desgaste, seguido de estresse existencial. Os docentes comumente sofrem graves ameaças de seus alunos nada educados. A família dos alunos repetidas vezes são vítimas e algozes, imersas no despedaçamento financeiro dos valores consumistas e da mídia, que zomba da polidez e do crescimento cultural. A má qualidade do ensino no Brasil leva cidadãos com título de doutor a disputarem vagas de garis. Por isso, o ensino superior do qual necessitamos está muito distante do que temos neste momento. Ressalta que a distância chama-nos à caminhada e, portanto, muitos esforços devem ser empreendidos nessa direção.

No Capítulo VI, o tema educação e direitos humanos retoma a Declaração dos Direitos Humanos (ONU, 1948), que coloca a educação e a instrução como direitos inalienáveis de todo ser humano, deveres da família e das escolas, mas destacando o educar como tarefa do todo social. Assim, denuncia que, quando isso não é feito com qualidade, há um mascaramento e uma dissimulação lamentável da escola, da família e da sociedade. Afirma ainda que o pior tipo de exploração é sofrida por aquele que não tem consciência da exploração que sofre, por aquele que finge que aprende e estuda, sem noção de que está jogando sua formação para a vida. Contudo, acredita-se na possibilidade de recuperação da qualidade do ensino superior, como também na recuperação da decência de ser jovem, de ser adulto, de ser idoso, enfim, de ser humano. “O ser humano tem direito de estar no universo, de ser tratado com equidade de justiça, de se alimentar dos frutos da terra, de viver afetivamente, etc.” (p. 118).

Construiremos um abominável mundo novo? é a interrogação trazida no Capítulo VII. A reforma é sempre uma confirmação e a ruptura é uma negação. Existe possibilidade de um novo amanhecer na educação como um todo e, especialmente, na educação superior brasileira. Parafraseando Bertrand, “O passado, podemos conhecê-lo, mas não podemos mudá-lo; ao contrário, o futuro, não podemos conhecê-lo, mas podemos mudá-lo” (p. 127).

Para mudar, garante o autor, é preciso investir em grande dose de generosidade, responsabilidade e decência.

Na Conclusão, afirma que, pelos caminhos atuais, grande parte do ensino superior não pode prosseguir, reduzindo a uma encenação imitativa pífia do que realmente pode e deve ser a semeadura do futuro. Que as escolas públicas tenham menos burocracia e manobras políticas e pensem mais no futuro, que se baixem menos portarias obrigando aprovação sem mérito e sem competências. Assim, afirma o autor, “desejo firmemente ver mudado o atual cenário preocupante de boa parte do ensino superior no Brasil” (p. 151).

No posfácio necessário, o autor confessa que se sente um cidadão ofendido, pois investiu sua vida no lado mais sério e humano da formação acadêmica. Dessa forma, sente-se entristecido e lamenta. Investiu sua vida para que houvesse competência e coração em nossa sociedade, e hoje vê multiplicarem-se os vendilhões do templo no meio que sempre tratou não apenas como profissão, mas com fé na perfectibilidade humana. Mesmo assim, é preciso manter a esperança de construir um futuro diferente para a universidade.

O livro discute de maneira lúcida e sábia a realidade das universidades brasileiras, tratando-se de ótima leitura, recomendada para a reflexão – para acadêmicos e professores −, no intuito de revisão tanto da qualidade do ensino na educação superior quanto da qualidade das relações pessoais e de trabalho nesse contexto.

Por fim, a leitura é um alerta de que toda a situação educacional mostra-se problemática. Da maneira como é abordada e refletida a educação superior no Brasil, não é por acaso que seu título principal interroga: Um abominável mundo novo? Sim, precisamos construir uma nova realidade no sistema educacional em nível superior, tanto na rede privada como na pública. Urge investir em maior qualidade de valores humanos e de competência técnica para o ensino de melhor qualidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    Fev 2013
  • Aceito
    Dez 2013
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@anped.org.br