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EDITORIAL

Iniciamos este editorial alertando para a recente mobilização do Ministérioda Educação (MEC) em torno de uma possível redefinição da política curricularnacional. Apesar do cenário político indefinido, consideramos importante registrar apreocupação da RBE diante da possibilidade de o MEC propor uma Base NacionalComum, estabelecendo um currículo mínimo e estreitamente vinculado aos sistemasde avaliação em curso. Reforçamos, portanto, a necessidade de uma política curricularnacional construída sobre bases democráticas com ampla participação da comunidadeacadêmica e educacional e que considere a diversidade cultural, social, econômica,educacional e política do país, como forma de garantir que as desigualdades educacionais não se aprofundem.

Tendo como horizonte as políticas públicas, este número 60 da RBE reflete a amplitude e a complexidade das pesquisas educacionais contemporâneas em artigosque discutem as políticas educacionais no Brasil, nos Estados Unidos e em Portugal.Os artigos revelam a atualidade e a pertinência de estudos que discutem a respeitode políticas educacionais, apontando seus fundamentos e implicações para a qualidade do ensino, particularmente da rede pública. Os autores lançam um olhar críticosobre a expansão e a internacionalização da educação superior, articulando-as aoprocesso de privatização em curso nesse nível de ensino. Outras questões candentesda cena educacional são igualmente abordadas em artigos que se voltam para o ensino médio, a educação infantil, a educação de jovens e adultos, a escola inclusiva ea transdisciplinaridade.

No primeiro artigo, “Privatização da educação: experiências dos EstadosUnidos e outros países”, Steven J. Klees e D. Brent Edwards Jr. analisam propostasde privatização da educação nos Estados Unidos e mostram de maneira os modelosneoliberais privatistas estão vinculados a discursos conservadores que, ancorados emdados pouco confiáveis, mas com forte apelo midiático, visam desacreditar a qualidadeda educação pública naquele país.

Ainda sobre o tema da privatização, no artigo “Políticas de expansão da educação superior no Brasil: 1995-2010”, Deise Mancebo, Andréa Araujo do Vale e Tânia Barbosa Martins expõem o panorama da privatização da educação superior no Brasil,promovido pelo governo federal desde os anos 1990. Analisam-se o crescimento e osrumos da privatização, esta associada aos interesses empresariais e à mercantilizaçãodo conhecimento científico e tecnológico produzido nas universidades.

Com foco na expansão da educação superior no Brasil, no artigo “A políticapública de expansão para a educação superior entre 1995 e 2010: uma abordagemneoinstitucionalista histórica”, Cristina Helena Almeida de Carvalho traz para o centro das análises o papel histórico-político das instituições e de seus atores, destacando o poder de intervenção das instituições educacionais e de seus atores nas políticasadotadas e a possibilidade de provocarem inflexões ou rupturas na agenda dominante.

O artigo de Emília Rodrigues Araújo e Sílvia Silva, “Temos de fazer umcavalo de Troia: elementos para compreender a internacionalização da investigaçãoe do ensino superior”, também traz como temática discussões sobre o ensino superior. O texto apresenta uma pesquisa realizada com gestores de universidades e visaproblematizar a variedade de sentidos por eles atribuídos à internacionalização doensino superior em Portugal e, em decorrência, as estratégias adotadas para promoverpolíticas suscetíveis de melhorar a qualidade da educação superior.

O artigo “Instituições de ensino superior públicas em Portugal: sua administração sob as premissas da New Public Management e da crise econômica global”,de Miguel Lira, Miguel Gonçalves e Maria da Conceição da Costa Marques, fecha o conjunto de textos que analisam as repercussões das políticas neoliberais sobre aeducação. Com foco no contexto português, os autores fazem uma revisão da literatura sobre o cenário da administração das instituições públicas de ensino superior eanalisam o impacto da introdução da New Public Management,adotada para imprimirmaior eficiência das instituições diante da austeridade orçamentária decorrente da criseeconômica no país, com efeitos danosos para o ensino superior público em Portugal.

Paolo Nosella, no artigo “Ensino médio: unitário ou multiforme?”, renova odebate sobre o lugar do ensino médio, hoje, no Brasil. O autor defende que esse nívelde ensino detém uma posição pedagógica crucial no percurso formativo dos indivíduos, não podendo, portanto, ser reduzido unicamente a um elo entre os ensinosfundamental e superior. Apoiado nas ideias de Gramsci, sustenta a exigência de umaampla reforma e sua valorização no país.

No artigo “Alfabetização de jovens e adultos: qual autoestima?”, Maria LúciaFerreira de Figueirêdo Barbosa apresenta uma pesquisa sobre autoestima realizadacom estudantes em processo de alfabetização e docentes da educação de jovense adultos. Os resultados revelam que o tema é visto de diferentes maneiras pelosparticipantes e evidenciam a necessidade de aprofundar o debate, tendo em vista asimplicações da autoestima no éthosdos alfabetizandos.

O artigo de Alessandra Santana Soares e Barros, “Quarenta anos retratandoa deficiência: enquadres e enfoques da literatura infantojuvenil brasileira”, apresentauma pesquisa que reuniu 150 livros infantis, publicados nos últimos quarenta anos noBrasil, que focalizam a deficiência. A autora aponta mudanças no perfil dos autores.Se nos anos 1970 e 1980 eles eram escritos predominante por autores profissionais, ideologicamente mais autônomos, nas duas últimas décadas os escritores são predominante iniciantes, e seus livros priorizam mensagens moralizadoras e informaçõestécnicas a respeito da deficiência abordada. Dessa mudança resulta certo empobrecimento das dimensões estética e lúdica das obras literárias, além de problemasconceituais que comprometem sua qualidade.

Com o objetivo de discutir a transdisciplinaridade no currículo do ensinobásico, Elisabete Cruz e Fernando Albuquerque Costa apresentam, em “Formas e manifestações da transdisciplinaridade na produção científico-académica em Portugal”,pesquisa sobre a produção científica portuguesa entre 1999 e 2009. Além de variadagama de definições e vertentes a respeito do tema, demonstram que a transdisciplinaridade não recebe ainda um reconhecimento significativo na produção analisada.

O último artigo, intitulado “O letramento e o brincar em processos de socialização na educação infantil: brincadeiras diferentes”, de Vanessa Ferraz AlmeidaNeves, Maria Lúcia Castanheira e Maria Cristina Soares Gouvêa, examina o lugardo letramento e da alfabetização na educação infantil. Segundo as autoras, o ensinofundamental de nove anos contribuiu para intensificar tais atividades, geralmenteentendidas como opostas às atividades lúdicas na educação infantil. As autoras discutem possibilidades de integração entre tais atividades de modo que equilibrem aimportância do letramento e da alfabetização no início da escolarização.

Na seção Espaço Aberto, Murilo Mariano Vilaça discute um tema de grandepreocupação para todas as áreas e campos de conhecimento: as más condutas científicas. Em seu texto,“Más condutas científicas: uma abordagem crítico-comparativa parain-formar uma reflexão sobre o tema”, o autor destaca que o plágio, a falsificação e afabricação de dados formam a “tríade maligna” da má conduta que fere os princípiosético-científicos. Problematiza a influência do produtivismo nesse fenômeno crescentee aponta o papel fundamental das agências científicas como forma de estimular asboas condutas no universo acadêmico, ultrapassando o mero policiamento.

Finalizando este número da RBE, Maria Célia Borges e Claudenir MódoloAlves retomam o tema do ensino superior na resenha do livro de Régis de Morais, Um abominável mundo novo? O ensino superior atual (Paulus, 2011). Os autores enfatizamque, nessa obra, Regis de Morais discute os desequilíbrios socioculturais que desestabilizam a educação em geral e, em particular, o ensino superior, ressaltando o predomínio do valor do lucro e dos prazeres imediatos, que comprometem a qualidade dasrelações pessoais e profissionais. O livro provoca reflexões que se situam na contramãodessa tendência dominante a favor de uma educação com maior qualidade humana.

Desejamos a todos e todas uma leitura agradável e inspiradora.

A Comissão Editorial
Rio de Janeiro, janeiro de 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015
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