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RESENHA

CARNEIRO, Moaci Alves. O nó do ensino médio. São Paulo: Vozes, 2012. 283 p.

Em tempos recentes, os debates pertinentes ao currículo e aos mecanismos de avaliação do ensino médio ultrapassaram os limites da agenda governamental e dos meios acadêmicos, alcançando amplo destaque na grande mídia. Dia após dia, assistimos ao crescente número de notícias que, de modo geral, denunciam as mazelas desse nível de ensino, notadamente as disparidades dos resultados de alunos de escolas públicas e privadas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Se tais resultados sugerem, de um lado, que aos filhos das classes trabalhadoras permanece a oferta de uma educação de segunda classe, de outro denunciam a existência de instituições privadas que, antes de serem nichos de excelência escolar, preparam seus estudantes unicamente para o ingresso em universidades federais, a despeito das múltiplas funções do ensino médio, etapa final da educação básica.

Esse cenário controverso é que serviu de inspiração para a publicação que passamos a resenhar. Dividido em duas partes, cada qual composta de diferentes artigos, o livro faz jus ao título, pois por sua leitura constatamos que o ensino médio de hoje se assemelha a um nó difícil de desatar. De fato, já nos primeiros textos da obra, o autor destaca matizes da atual crise de identidade do ensino médio, apresentando críticas e soluções. Chama a atenção para os efeitos nocivos das funções assumidas pelo ENEM a partir de 2009, quando, na contramão de seu papel original de avaliar o desempenho discente no ensino médio, passou a servir de "passaporte" para o ingresso na educação superior. Daí, segundo o texto, as mais bem equipadas escolas privadas do país focaram sua atenção à preparação para o novo ENEM, esquecendo-se de que, antes de tudo, o currículo deve contemplar as atribuições que lhe foram legalmente atribuídas, destacadamente a de preparar os estudantes para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho.

Com efeito, por envolver interesses dos setores médios intelectualizados e matriculados em escolas privadas de prestígio, desde então os resultados do novo ENEM são objeto do noticiário dos principais jornais do país, que destacam o êxito das instituições privadas e o fracasso, agora reconfigurado, das escolas públicas.

Em precisa análise, Carneiro observa a incompatibilidade desse movimento com a oferta de um ensino público de qualidade: sob os holofotes dos meios de comunicação mencionados no livro, a crise do ensino médio se confundiu com a equidade associada aos resultados do ENEM e não, como deveria ser, com a multifacetada precariedade da educação básica, desaguando com toda força no ensino médio ofertado em instituições oficiais. À busca de soluções simples correspondeu o argumento de que nos resultados mais ou menos favoráveis do novo ENEM residiam desarranjos e acertos do ensino médio. Ledo engano!

Para afastar tais argumentos, tidos como simplistas e contraditórios, o autor lança luzes novas sobre o debate a respeito do que vemos e o que não queremos ver na atual configuração do ensino médio. Assevera que sem a valorização do trabalho docente não há que se pensar em qualidade da oferta educacional.

Com uma série de exemplos contundentes, enfatiza o abismo salarial que separa os vencimentos dos professores do ensino médio dos de outros profissionais com formação superior. Consequentemente destaca o desinteresse dos vestibulandos pelas carreiras do magistério público, provocando acentuado número de vagas ociosas nos cursos de licenciatura, inclusive nas melhores universidades federais do país. Afinal, se aqueles que demonstram aptidão pela física, química ou matemática podem perceber remunerações significativamente maiores em outras áreas, como as engenharias, o que os levaria às salas de aula? Mesmo a mais latente vocação pela docência parece esbarrar na caótica situação dos sistemas públicos de ensino.

Procurando soluções para o ensino médio sem a dissolução da educação básica, Carneiro propõe alternativas que se materializariam em outra escola e em outro ensino médio. Que escola? Que ensino médio? Uma escola não fechada em si mesma, isto é, aberta à diversidade cultural e às nuances do protagonismo reclamado pelos jovens da contemporaneidade, estes seu público-alvo. E um ensino médio que não esteja de costas para o ensino fundamental e de frente para a educação superior, unicamente.

Nesse ponto o texto apresenta consequências para o ensino e a aprendizagem do currículo enciclopédico e descontextualizado usualmente adotado pelos sistemas estaduais de ensino, responsáveis pelo provimento do ensino médio público: cada vez mais conectados entre si, os jovens estudantes do ensino médio apresentam dificuldade de adaptação às arcaicas normas e modelos adotados em sala de aula. Daí à fuga da escola o caminho é curto. Não por acaso, como enfatizado na obra, a evasão escolar no ensino médio alcança índices alarmantes, maiores que em qualquer outro segmento da educação básica.

Portanto, a realidade delineada na primeira parte do livro aponta para uma crise fecunda no ensino médio. Do lado da docência, muitos universitários não escolhem a carreira e os que nela ingressaram estão a um passo de abandoná-la. Quanto aos estudantes - esses verdadeiros agraciados, porque muitos ainda esbarram nas barreiras do ensino fundamental -, a necessidade de frequentar a escola convive com um turbilhão de anseios e expectativas que muitas vezes encontram significado fora dos muros escolares, levando à fuga da sala de aula rumo ao "currículo da rua". No limite, o que esperar de um ensino médio com professores desqualificados, alunos desmotivados e infraestrutura física deplorável? O caos atualmente instalado.

Na segunda parte do livro, encontramos aspectos inerentes à legislação e à organização do ensino médio, sempre com foco em sua função precípua de encerramento do ciclo da educação básica. Aqui, diferentemente do que asseveram os diplomas legais, o cenário a que assistimos é composto do currículo voltado para o vestibular nas instituições privadas e do ensino público que, sem ser capaz de competir em igualdade de condições, não oferece consistente formação técnico-profissionalizante. A propósito, o ensino médio que não prepara para o prosseguimento dos estudos nem para a necessidade de inserção imediata no mundo do trabalho parece ser a tônica da mediocridade da escola pública, hoje atualizada.

As consequências não poderiam ser mais trágicas: ao tempo em que os resultados de nossos alunos revelam-se inferiores aos dos discentes de outros países em desenvolvimento, empresas nacionais têm reclamado das dificuldades de recrutar profissionais qualificados para fazer frente aos incessantes avanços científicos e tecnológicos do novo século.

Neste momento histórico, com a chamada "onda jovem" - o número de jovens de 15 a 29 anos nunca foi tão elevado -, perde-se a oportunidade de moldar o futuro, porque falta cuidado com a escola média do presente. Escola por cujas salas e corredores transitam jovens com pretensões distintas. Rapazes e moças pouco dispostos a abrirem mão de sua autonomia em nome de um futuro potencialmente pouco promissor. Como nos lembra Carneiro, a busca por equidade, satisfação, pertinência e respeito ao ritmo individual deve perpassar as atividades do ensino médio. Caso contrário, e disso não faltam exemplos, alunos e professores continuarão compondo um simulacro de ensinos e aprendizagens. E os que estão fora da sala de aula se sentirão cada vez menos estimulados ao retorno aos bancos escolares.

Nesse contexto, em que o país desperdiça a riqueza de seu capital humano, o autor conclama a existência de uma escola múltipla de ensino médio. Escola que, em suas palavras,

Deve estar pronta para receber alunos da cidade e do campo, das áreas urbanas privilegiadas e das periferias, jovens e adultos, ingressantes no mercado de trabalho e trabalhadores já experientes, pessoas de condição econômica média e alta e pessoas submetidas a todas as formas de privação cultural e socioeconômica. (p. 253)

Se, de olho no futuro, reclamamos mudanças no ensino médio, os argumentos apresentados no livro oferecem uma visão panorâmica e atual da etapa final da educação básica. Daí, para os formuladores de políticas públicas, membros da academia e público em geral, o ensino médio pode representar um novelo com nós mais fáceis de desatar.

Recebido em fevereiro de 2013

Aprovado em maio de 2013

Leonardo Claver é mestre em educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). E-mail:leonardoclaver@gmail.com

Fechas de Publicación

  • Publicación en esta colección
    11 Abr 2014
  • Fecha del número
    Mar 2014
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