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EDITORIAL

O fechamento do número 56 da Revista Brasileira de Educação (RBE) coincidiu com a posse da nova diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) (gestão 2013-2015). Na solenidade, realizada no dia 12 de dezembro de 2013, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, tanto a diretoria que concluía seu mandato como a nova gestão reafirmaram em seus discursos a importância da ANPEd na avaliação e na proposição de políticas públicas para a educação, ciência e tecnologia.

Nesse sentido, foi destacada a importância da participação da entidade no Fórum Nacional de Educação, objetivando a sistematização do documento-base que orientará os debates da Conferência Nacional de Educação (CONAE), então marcada para fevereiro de 2014. Nessa mesma ocasião, Maria Margarida Machado, falando em nome da nova diretoria, destacou que, infelizmente, chegaremos à II CONAE sem um Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado. Ponderou também que, "desde a apresentação do projeto de lei do governo ao Congresso Nacional, em dezembro de 2010, a ANPEd foi atuante no debate crítico e nas proposições em torno das diretrizes, metas e estratégias que compõem a proposta de PNE". A sequência dos acontecimentos demonstrou que a apreensão da entidade em relação à morosidade nos encaminhamentos das discussões do PNE estava correta, pois, no dia 24 de janeiro, veio a público a notícia do adiamento, por parte do Ministério da Educação (MEC), da II CONAE. Essa atitude unilateral levou a ANPEd a uma nova manifestação pública que, em suas conclusões, conclama "todas as entidades, associações e movimentos que defendem a educação brasileira à mobilização em defesa da aprovação do Plano Nacional de Educação, com a retomada do substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados, pois, embora este não represente todos os anseios defendidos e aprovados na I CONAE, na conjuntura atual configura-se em menor prejuízo diante do substitutivo aprovado pelo Senado".

A menção a esse compromisso histórico da entidade com a formulação de políticas públicas para a educação, com a participação ativa da sociedade, vem ao encontro dos temas que prevalecem neste número da RBE: gestão e política pública para a educação. Dessa maneira, aqui estão reunidos artigos que tematizam, por diferentes perspectivas, os múltiplos sentidos da gestão e da política como substrato fundamental para a compreensão das realidades educacionais em distintos períodos históricos e em diferentes países.

Os três primeiros artigos trazem questões referentes à gestão da educação. O primeiro deles, "Gestão da educação infantil nas políticas municipais", utiliza- -se da aplicação de questionários, realização de entrevistas e observação de práticas educativas em creches, pré-escolas e escolas públicas, para analisar e problematizar aspectos fundamentais da temática sobre políticas públicas municipais na gestão da educação infantil no município do Rio de Janeiro, salientando, pelas vozes dos sujeitos entrevistados, a urgência de se fazer a abertura de concurso específico para professor de educação infantil; processos democráticos de nomeação de diretor, em especial nas creches; plano de cargos e salários compatível com a função docente; melhoria nas condições das instituições; e, para finalizar, formação das equipes de gestão.

No segundo texto, "Crítica à razão gestionária na educação: o ponto de vista do trabalho", focam-se as relações entre gestão e política pela via do trânsito das ferramentas de gestão do setor privado para o público e sobre a efetividade de tais ferramentas no próprio contexto do setor privado, tendo como lócus de análise e crítica a rede pública estadual de ensino de São Paulo. Com base em um estudo de cunho teórico, evidencia-se o papel político de estilos de gestão que conferem lugares específicos e delimitados à competência humana. O terceiro artigo, "Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na Escola", apresenta uma ampla avaliação, do ponto de vista dos gestores, do Programa Saúde na Escola (PSE). Descrevem-se as etapas e os resultados de uma pesquisa que se baseia na análise de respostas a questionários, cujas questões visaram abordar dimensões da gestão do PSE, o desenvolvimento das ações intersetoriais, o monitoramento e avaliação das ações e a sustentabilidade do PSE.

O olhar para as políticas educativas, em diferentes níveis e formas de organização, constitui um grupo de outros cinco textos, visando contrastar distintos estilos e modos de pesquisar sobre esse tema. O artigo "As ideias do poder e o poder das ideias: o Banco Mundial como ator político-intelectual" se dedica à análise do Banco Mundial como agência que atrela a atividade de pesquisa à pauta política que impulsiona. Uma das principais contradições que o texto aponta é que tal movimento contraria o discurso de suposta neutralidade técnica veiculada pela instituição. Em "Novas (re)configurações no Ministério da Educação: entre o fio de Ariadne e a mortalha de Penélope", encontramos uma reflexão sobre a extinção, pelo Ministério da Educação, da antiga Secretaria de Educação Especial (SEESP), para introduzir os assuntos de sua competência na estrutura da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), por meio do decreto presidencial n. 7.480, de 16 de maio de 2011. Em uma escrita que articula descrição e interpretação de fontes documentais, os autores dão visibilidade às novas condições políticas da educação especial quando associada ao paradigma da diferença e da diversidade, explorando metaforicamente as figuras mitológicas de Ariadne e Penélope.

Em "A escola e famílias de territórios metropolitanos de alta vulnerabilidade social: práticas educativas de mães protagonistas", os autores apresentam uma pesquisa na qual se identificaram famílias que, sob a liderança das mães, coloca na escola "grandes aspirações e realiza, com os recursos que possui, acentuados investimentos para assegurar uma escolarização de sucesso para seus filhos". A pesquisa apoia-se em entrevistas semiestruturadas e na observação de 12 famílias e suas interações com a vizinhança imediata e entre as participantes de um projeto social, do qual elas também fazem parte, dirigido a mães moradoras de um território de alta vulnerabilidade social, da extrema periferia de São Paulo.

O quarto artigo desse grupo, intitulado "A implantação de cotas na universidade: paternalismo e ameaça à posição dos grupos dominantes", aborda as atitudes perante as cotas raciais e sociais de estudantes universitários de Sergipe em dois momentos: antes e depois da implantação do sistema. A pesquisa, de cunho quali-quantitativo, trabalha o tema em duas épocas distintas (2005 e 2010) e, com base em uma comparação, salienta que, ainda que considerem desigual e injusta a situação econômica dos negros comparativamente aos brancos no Brasil, os estudantes se mostram em sua maioria contrários às cotas sociais, sobretudo às cotas raciais. Os autores interpretam esses dados com categorias que dialogam com as representações de paternalismo e ponderam os efeitos esperados sobre o efeito do contato intergrupal nas atitudes perante as cotas, especialmente no que tange ao preconceito.

Fechando esse conjunto de textos que tratam da política educacional, temos o artigo "'Se você não mudar, morrerá': a (con)formação de um trabalhador de novo tipo no discurso de autoajuda". Esse texto trata do universo editorial da literatura de autoajuda e, ao associá-la com conteúdos de documentos e proposições de política educacional e gestão, como relatórios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), apresenta à leitura os processos que, segundo as autoras, relacionam tais discursos com mudança social, com a construção de sistemas de conhecimento e crenças, permitindo discutir as ideologias subjacentes nas práticas discursivas que, de tão repetidas, acabam se tornando parte de uma linguagem do senso comum. Recoloca-se, pelas análises, o poder que os discursos da autoajuda engendram na construção do consenso em torno da concepção burguesa de mundo.

Apresentamos, também neste número, dois textos derivados de pesquisas do campo da educação matemática que têm em comum a busca de articulações entre a configuração da matemática como uma disciplina escolar e contextos socioculturais mais amplos. Ambos trabalham com análises de livros didáticos. Segundo as autoras do artigo "Matemática e texto: práticas de numeramento num livro didático da educação de pessoas jovens e adultas", a escolha da dimensão sociocultural das práticas matemáticas foi fundamental para a análise das atividades de livros didáticos da educação de jovens e adultos (EJA), buscando-se os domínios de constituição dos sujeitos que aos materiais didáticos ensejam. O artigo "Ideologia em problemas matemáticos nos livros didáticos soviéticos da pré-revolução até 1960" contextualiza os conhecimentos escolares da disciplina de matemática em diferentes momentos históricos: antes e depois da Revolução Socialista de 1917. Os autores expõem uma análise categorial de livros didáticos, centrando a atenção na análise do papel da ideologia implantada pelo Partido Comunista e enunciando seu papel na busca de assegurar a hegemonia e a reprodução da ordem social.

O Espaço Aberto traz a descrição dos resultados de uma primeira avaliação de política de formação de professores na Argentina que visa ao acompanhamento dos docentes em início de carreira. A pesquisa a que se refere o artigo, intitulado "Las políticas de desarrollo profesional del profesor principiante en el Programa de Acompañamiento de Docentes Noveles en su Primera Inserción Laboral de Argentina", utiliza-se de um conjunto variado de procedimentos metodológicos, sendo destacados os aspectos mais relevantes, do ponto de vista quantitativo, que permitam provocar reflexões sobre a realidade analisada considerando-se diversos enquadramentos: o desenvolvimento profissional dos professores iniciantes; o ofício do professor, ou seja, as práticas de ensino; os recursos e as ferramentas que auxiliam os professores iniciantes; o modelo de acompanhamento e as relações de colaboração.

Em sintonia com as temáticas apresentadas e debatidas nos diferentes artigos, a resenha do livro O nó do ensino médio coloca em destaque aspectos e condições de políticas públicas que se comprometam com a equidade, com as condições salariais da profissão docente, além de destacar a necessidade de uma formação qualificada de professores para trabalharem com a juventude.

E, para finalizar este editorial, destacamos, com muito pesar, o falecimento de uma importante colaboradora da RBE, a professora Mariluce Bittar. Essa pesquisadora, que goza de amplo reconhecimento nas áreas de ensino, pesquisa e administração universitária, compôs a Comissão Editorial da RBE no triênio 2010- -2013 e, atualmente, vinha ocupando uma posição no Conselho Editorial. Nesse sentido, é com muito apreço e carinho que a RBE manifesta o seu reconhecimento à contribuição da professora para o aprimoramento da nossa revista.

Desejamos a todos e todas uma boa leitura.

A Comissão Editorial

Rio de Janeiro, janeiro de 2014

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2014
  • Data do Fascículo
    Mar 2014
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