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EDITORIAL

EDITORIAL

A Revista Brasileira de Educação (RBE) número 55 vem a público no contexto de inúmeras manifestações de protesto, tendo como foco principal a crítica à falta de qualidade nos serviços públicos oferecidos pelo Estado brasileiro. As manifestações ocorrem tanto nas grandes como nas médias e pequenas cidades do país e revelam a emergência de novos atores sociais, desvinculados dos tradicionais representantes da sociedade civil. A população jovem vem se apresentando como uma força decisiva nesse cenário que, além das históricas reivindicações em torno de melhorias nas áreas de saúde e de educação, incorporou bandeiras mais recentes, associadas à mobilidade urbana, segurança, habitação, direitos civis, meio ambiente, controle e transparência nos investimentos públicos.

A diversidade das reivindicações evidencia a pluralidade do movimento, bem como a complexidade dos problemas vivenciados pelas cidades brasileiras cujos habitantes se engajaram nas manifestações. Fenômenos como a crítica à participação dos partidos políticos, a reação à cobertura da imprensa, a violência e a destruição do patrimônio público e privado devem ser objeto de reflexão cuidadosa, pois podem provocar retrocessos políticos graves. Não obstante, entendemos que essas ações representam também formas de manifestação que refletem a insatisfação e o desejo de protagonismo político da população.

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a RBE não poderiam deixar de somar-se às vozes que enfatizam a necessidade de mudanças nas relações entre o Estado e a sociedade, particularmente no que concerne à abrangência e à qualidade dos serviços públicos oferecidos, em especial para os setores sociais mais atingidos pelas desigualdades.

Em editoriais anteriores, afirmamos que temos avançado no que se refere às ações no campo educacional, porém há muito ainda por fazer e a população neste momento manifesta claramente que tem pressa na implementação de medidas que possam significar avanços, sejam eles de caráter social, político ou econômico. Essa breve menção às manifestações de protesto ocorridas recentemente justifica-se pelo desejo de a RBE reiterar sua missão de dar visibilidade e acesso às pesquisas que visam identificar, problematizar, investigar e buscar soluções para as mais variadas questões que perpassam o campo educacional, tanto em contexto nacional como internacional.

Em sintonia com o momento presente, a RBE 55 apresenta textos que abordam educação ambiental, gênero e a organização escolar diante da diversidade. A atenção a essas questões decorre tanto do movimento da sociedade civil quanto de acordos e programas internacionais que impactam a educação de países em todos os continentes. Na contemporaneidade, torna-se impossível falar de educação sem se considerar a diversidade cultural, étnica, bem como as características de grupos ou de indivíduos em suas particularidades. Tais questões se materializam na escola de diferentes formas: pela implantação de políticas afirmativas e também como assuntos a serem considerados na formação acadêmica. Esses, por sua vez, passam a fazer parte dos currículos e das propostas político-pedagógicas da instituição escolar.

Desse modo, nas últimas décadas foram registradas mudanças importantes na educação nos diferentes países. Especialmente na educação brasileira, evidenciou-se nas escolas a presença da diversidade, constitutiva da história do país. Observa-se o impacto dessa diversidade na produção de conhecimento no campo da educação, indicando consonância entre a academia e os anseios e desafios da escola, as perspectivas e os desafios da escola.

A RBE vem se consolidando como espaço sensível à emergência de questões importantes para o debate educacional, e este número é um exemplo disso. Os quatro primeiros textos focalizam diretamente a questão ambiental. Hebert Kondrat e Maria Delourdes Maciel nos introduzem à temática, analisando os conhecimentos prévios de alunos da educação básica sobre ambiente, em visitas ao Jardim Botânico da cidade de São Paulo.

A consideração da questão ambiental impele a mudanças de paradigmas na construção do conhecimento. Os dois artigos seguintes têm essa preocupação em comum. Com a intenção de associar o pensamento filosófico ambiental ou os princípios de uma ecofilosofia à pesquisa narrativa em educação ambiental, Martha Tristão defende que as bases ontológicas e epistemológicas que guiam os pressupostos metodológicos adotados em sua pesquisa podem potencializar e enriquecer o campo da educação ambiental, tirando do anonimato sujeitos que vivem nas margens de uma cartografia dominante do espaço sociocultural. Ana Tereza Reis da Silva discute a racionalidade científica moderna, sua influência nos currículos e consequentemente nas representações sociais predominantes acerca do homem e da natureza. Para o desenvolvimento de suas críticas, a autora articula três campos conceituais: a teoria das representações sociais de Serge Moscovici, as teorias críticas e pós-críticas de currículo e a teoria da complexidade de Edgar Morin.

A questão da educação ambiental também suscita a necessidade de alterações na organização da escola e de seu currículo. Julio César Tovar-Gálvez pensa a necessidade da construção dos conceitos de uma pedagogia e uma didática ambiental para a formação no ensino superior.

Três artigos neste número ressaltam o tema gênero e sua presença nas pesquisas em educação e na própria escola. Márcia Ondina Vieira Ferreira, Georgina Helena Lima Nunes e Márcia Cristiane Völz Klumb apresentam uma análise dos trabalhos sobre educação, gênero e sexualidades no âmbito da ANPEd e evidenciam características dessa produção. O artigo de Maria Celeste Reis Fernandes de Souza e Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca discute as tensões de gênero que permeiam as práticas de numeramento que se constituem nas atividades laborais de alunas e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e destacam os jogos de poder definidos pelas relações que impregnam tais atividades e corroboram para a naturalização das desigualdades de gênero.

Márcia Buss-Simão toma como foco a educação infantil em seu trabalho sobre gênero, apresentando uma descrição com base na perspectiva das crianças. Nesse espaço, a autora identifica que as relações de pertencimento e as noções de gênero envolvem conhecimentos e elementos sociais e culturais. Tal identificação requer estudos que possibilitem compreender como e o que as crianças sabem e aprendem sobre gênero e que usos fazem desse conhecimento nas relações entre elas e também com os adultos.

A diversidade nas instituições de ensino também diz respeito a diferenças físicas, sensoriais ou cognitivas. Cristina Borges de Oliveira focaliza os processos de permanência de estudantes com limitação por deficiência em cursos de graduação, focos de políticas afirmativas. A abordagem adotada propõe um olhar que considere, além das políticas públicas e das macroanálises, as dimensões prática e histórica que envolvem os sujeitos em que se elaboraram os sentidos e as representações sobre tais ações afirmativas.

Na sequência temos dois artigos que tratam da formação de educadores no espaço da educação formal e têm o ensino superior como lócus privilegiado. Cristiane Regina Xavier Fonseca-Janes, Celestino Alves da Silva Júnior e Anna Augusta Sampaio de Oliveira apresentam a constituição histórica dos cursos de pedagogia e a proposta atual de formação para a docência. Analisam o processo de mudanças desse curso no Brasil e na Universidade Estadual Paulista (UNESP), que foi pioneira na formação de recursos humanos para o exercício do magistério direcionado a pessoas com deficiências. O artigo também analisa como cada um dos seis cursos dessa instituição mantém particularidades em seus projetos pedagógicos, considerando as demandas contemporâneas e tendo como base as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de pedagogia.

O artigo de Micaías Andrade Rodrigues ressalta o estágio supervisionado de ensino como momento fundamental na formação inicial de professores. O autor apresenta uma pesquisa por meio da qual buscou-se compreender esse momento por quatro diferentes visões: a visão legal, a dos autores abordados, a visão dos alunos e a dos professores colaboradores.

Na seção Espaço Aberto, o ensaio de Cesar Augusto Alves da Silva fundamenta-se em Walter Benjamin para pensar/criticar o estreitamento e a padronização da formação dos seres humanos na sociedade capitalista, verificando a influência dessa concepção de homem na formação dos indivíduos na educação formal de ensino fundamental e médio. Encerrando este número, a resenha do livro organizado por Roxane Rojo e Eduardo de Moura Almeida, Multiletramentos na escola, que visa, segundo os organizadores, motivar e desafiar os docentes de educação básica que visam trabalhar com a "pedagogia dos multiletramentos".

Por fim, gostaríamos de registrar que este número representa o trabalho da nova Comissão Editorial da RBE e, sendo assim, aproveitamos o momento para expressar o nosso reconhecimento à contribuição da professora Sandra Maria Zákia Lian Sousa frente à editoria da RBE nos últimos três anos. Estendemos essa consideração às professoras Janete Maria Lins de Azevedo e Mariluce Bittar e ao professor Álvaro Luiz Moreira Hypólito, que também encerraram suas atividades na Comissão Editorial.

Desejamos aos leitores uma boa leitura.

A Comissão Editorial

Rio de Janeiro, outubro de 2013

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013
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