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RESENHA

DIETZ, Gunther. Multiculturalismo, interculturalidad y diversidad en educación. Una aproximación antropológica. México: FCE, 2012, 279 p.

Já faz alguns anos que o caráter multicultural das sociedades tem ganhado visibilidade em vários meios mundo afora. Também, o discurso multicultural e/ou intercultural tem estado cada vez mais presente nos debates acadêmicos, políticos e na elaboração de políticas públicas destinadas a grupos minoritários: imigrantes e minorias étnicas. Não obstante, tal discurso é controverso e tem suscitado debates e polêmicas diversas, relacionadas principalmente com as políticas educativas destinadas aos grupos minoritários, ou seja, à denominada educação intercultural.

Longe da pretensão de sanar tais debates, Gunther Dietz, pesquisador do Instituto de Investigação em Educação da Universidade Veracruzana, México, em sua mais recente obra, Multiculturalismo, interculturalidad y diversidad en educación. Una aproximación antropológica, oferece-nos uma intensa análise dos discursos sobre a multiculturalidade e a interculturalidade, bem como das práticas que surgiram desses discursos para formar a chamada educação intercultural. Nessa obra, de cunho eminentemente epistemológico, o autor não se limita a apresentar a teoria e a prática da interculturalidade nos diferentes sistemas educativos, mas trata de analisar o processo de "interculturalização" de tais sistemas. Para tanto, utiliza-se do instrumental teórico e metodológico da antropologia para fundamentar seu referencial empírico e teórico sobre a educação intercultural, tema central do livro.

Ao refletir sobre os diferentes modelos de educação intercultural, por um prisma antropológico, o autor assume que a antropologia já não se define pelo seu "objeto primitivo, exótico e distante", mas pelo seu "olhar particular e sua oscilação permanente entre distanciamento e identificação ao analisar qualquer tipo de objeto-sujeito humano" (p. 14, tradução minha). Assim, as práticas culturais e sua relação com os processos de identidade no seio da sociedade contemporânea tornam-se um dos núcleos principais das preocupações da antropologia na atualidade. É por essa perspectiva que o autor propõe o estudo da educação intercultural, não como "um mero apartado" dentro da antropologia das migrações, da sociedade multicultural ou da educação, mas como um estudo antropológico das estruturas e processos intergrupais e interculturais de constituição, diferenciação e integração das sociedades contemporâneas. E elege como ponto de partida as políticas de identidades características dos atores que formam as sociedades e Estados "supostamente" pós-nacionais, bem como seus sistemas educativos.

O livro está organizado em quatro capítulos com uma sequência lógica que nos possibilita entender como o discurso intercultural foi adentrando os espaços educativos. Dietz inicia sua análise afirmando que o discurso sobre interculturalidade e educação intercultural não surgiu no interior das escolas ou universidades, mas no seio de movimentos sociais contestatórios, ou seja, do multiculturalismo. Partindo dessa perspectiva, no primeiro capítulo analisa o processo pelo qual passou o multiculturalismo como um "novo" tipo de movimento social, de seu gradual processo de institucionalização acadêmica até sua chegada ao âmbito pedagógico e a conquista dos espaços institucionais, bem como os impactos que essa institucionalização causou na conformação de outros campos disciplinares que estudam a temática de educação intercultural. Demonstra, ainda, como o discurso intercultural foi internalizado nos sistemas educativos, o processo de "culturalização" do multiculturismo e a apropriação de um discurso que essencializa as diferenças étnicas e culturais perante outros problemas sociais.

No segundo capítulo, Dietz analisa as relações que dentro do âmbito acadêmico e educativo se estabeleceram entre "o legado multicultural" e as ciências humanas e sociais que estudam a interculturalidade. Nesse debate interdisciplinar, pondera sobre as relações entre a antropologia e os estudos étnicos, os estudos culturais e a própria pedagogia no estudo da diversidade cultural. Ao analisar criticamente tais estudos, apresenta os limites e deficiências que eles apresentam em relação ao caráter intercultural para, em seguida, apresentar uma opção analítico-teórica de tal fenômeno, o que ele denomina "antropologia da interculturalidade".

Para Dietz, em uma antropologia da interculturalidade, a noção hermenêutica se amplia recorrendo ao conceito de "mundos de vida", e considera que essa pluralidade de "mundos de vida" requer uma pluralização das pautas compreensivas. Portanto, a possibilidade de compreensão intercultural que procura traduzir esses "mundos de vida" depende não só de competências e habilidades linguísticas, mas também de diálogos reflexivos com o horizonte de compreensão do outro. Caso se estabeleça essa reflexividade dialógica entre os diferentes "horizontes de sentido", a compreensão do outro assentará as bases para modificar as atitudes em relação ao outro, o que inaugurará um processo de "interculturalização" entre o Eu e o outro. Essa seria uma contribuição genuinamente antropológica, cujo procedimento empírico, a etnografia se encarrega de sistematizar os desafios dessa tradução entre os distintos "mundos de vida".

No capítulo três, Dietz nos apresenta um debate entre as diferentes propostas teóricas que analisam a interculturalidade e sua própria conceptualização, a antropologia da interculturalidade, insistindo na necessidade de manter uma perspectiva antropológica que gire em torno do conceito de cultura e sua "vigência" dentro dos estudos interculturais. Para Dietz, diferentemente de outros debates interdisciplinares, em que a antropologia insistia em estender o conceito de cultura e "culturalizar" outros discursos, hoje no campo dos estudos interculturais a tarefa da antropologia consiste em vigiar os usos terminológicos desse conceito e suas consequências, seja em nível teórico ou metodológico. Assim, faz uma densa análise da noção de cultura e de sua inter-relação com expressões identitárias, como a etnicidade e o nacionalismo. Nesta, critica o caráter "essencial", "estático" e "primordialista" com que o conceito de cultura vem sendo usado pelas diversas vertentes teóricas que têm estudado o caráter intercultural das sociedades, sobretudo o multiculturalismo, e apresenta um amplo panorama dos desafios e respostas que os diferentes Estados-nação europeus, norte e latino-americanos experimentaram ante a diversidade cultural no campo educativo.

Após apresentar seu enfoque conceitual de uma antropologia da interculturalidade, Dietz dedica o quarto e último capítulo do livro à elaboração de um referencial empírico, ou seja, uma proposta metodológica para a antropologia da interculturalidade. Esta consiste em uma etnografia da educação intercultural denominada pelo autor de "doble hermenéutica, o etnografía doblemente reflexiva", tendo como objetivo superar os abismos existentes entre o normativo-prescritivo (o que deve ser) e o descritivo-empírico (o que é de fato) por meio de uma análise dialética da relação entre os discursos do pedagógico-intercultural e a práxis educativa cotidiana. Tal estratégia visa superar o reducionismo autor-referencial da "etnografia experimental" e a simplificação imediatista da "antropologia da libertação".

Nessa estratégia metodológica, que tem como ponto central a reflexividade, Dietz parte da identificação de dois processos reflexivos distintos – de um lado, o ator social, que constantemente reflete acerca de sua prática cotidiana e, do outro, a atividade "metacotidiana" do investigador social – que interatuam em uma "doble hermenéutica". A negociação recíproca de interesses acadêmicos e políticos gera uma mistura entre teoria e prática que, por sua vez, se traduz em uma "metodologia triádica" que consta de diferentes fases: investigação empírica, teorização acadêmica e transferência para a prática política ou educativa.

Essa proposta metodológica, conceitual e interpretativa da educação intercultural, congrega três dimensões: dimensão sintática, ou uma etnografia das instituições que participam e constituem o sistema educativo no seio dos Estados-nação; dimensão semântica, ou análises das estratégias discursivas empregadas pelos diferentes atores pedagógico-institucionais; e dimensão pragmática, centrada nos modos de interação dos diferentes atores que operam no contexto escolar. Tal práxis é estudada principalmente por meio da observação participante, por uma perspectiva etic, e analisada tanto em razão do seu habitus intracultural como em suas competências interculturais.

Estamos sem sombra de dúvida diante de uma leitura instigante, tanto por seu significativo conteúdo analítico como teórico. Esta deve servir de referência a todos os que se interessam pelo estudo da temática da interculturalidade e/ou educação intercultural, pois nos apresenta um novo modelo de fazer etnográfico em relação às práticas educativas. Essa nova perspectiva deixa de lado a "limitante etnografia pós-moderna" e nos direciona a uma nova forma de fazer etnografia de cunho genuinamente reflexivo. A obra em tela propõe, assim, um modelo analítico significativamente rico e original para a compreensão de vários aspectos do cotidiano dos grupos minoritários: populações indígenas, (i)migrantes, ou outras minorias étnicas em contextos educativos.

Recebido em fevereiro de 2013

Aprovado em março de 2013

Raimundo Nonato Ferreira do Nascimento é professor da Rede Pública Estadual de Educação de Roraima e doutorando em antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: nonatorr.33@gmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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