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Editorial

EDITORIAL

O leitor encontrará neste número reflexões sobre diversos temas de pesquisa educacional, bem como a aplicação de abordagens teóricas e metodológicas diversificadas. Não obstante, existe uma tônica comum em parte significativa dos artigos: a questão da desigualdade e os seus impactos nos diversos níveis dos processos formativos. A desigualdade problematizada pelos textos perpassa diferentes regiões, cidades e países, envolvendo dimensões econômicas, culturais, regionais, linguísticas e sociais. Os artigos reunidos neste número mostram uma complexa questão que se impõe ao debate pedagógico e político, uma vez que, por um lado, eles revelam como a desigualdade social, propiciada pela distribuição desigual das oportunidades escolares, leva à exclusão e à marginalização dos setores mais pobres da população; por outro lado, mostram que a ideia de uma escola única, de acesso universal e controlada pelo Estado não é um processo neutro e pode conduzir à homogeneização cultural e, por extensão, à limitação das liberdades de pensar, sentir e agir.

Nesse sentido, Mauricio Érnica analisa o processo de produção da desigualdade social valendo-se da tensão entre a oferta de escolarização pela rede pública e privada de ensino na cidade de Teresina (PI), mostrando que mesmo no contexto do ensino público foi criada uma espécie de mercado em torno das vagas das escolas mais bem aparelhadas e qualificadas. No artigo de Mariano Narodowski, encontramos uma polêmica e bem construída argumentação sobre as limitações inerentes ao desejo de universalização da escola pública, apoiado nas ideias de democracia e igualdade e na defesa do monopólio do Estado em relação à oferta de educação. Para ele, a homogeneização dos métodos, dos saberes e dos valores transmitidos pela ação do Estado educador é um problema, tanto no ideal de sociedade democrática quanto na possibilidade de esse projeto se materializar nos países pobres e periféricos da América Latina. Kelly Russo e Cinthia Araujo, investigando o cotidiano escolar, enfocam a difícil distinção entre desigualdade social e diferenças culturais, com base nas representações e práticas de professores na cidade do Rio de Janeiro.

Dois textos neste número abordam políticas e projetos para as populações do campo no Brasil, que historicamente foram alijadas das condições educacionais presentes nas áreas urbanas, demarcando um índice importante de desigualdade, seja de inversão de recursos ou de atenção à especificidade desse tipo de contingente populacional. Iraíde Marques de Freitas Barreiro trata dos programas da Campanha Nacional de Educação Rural (1952-1963), voltados para a fixação do homem no campo, mostrando seus objetivos, potencialidades e limitações. Marlene Ribeiro, em contexto contemporâneo, critica os projetos federais de educação do campo, particularmente pela incompatibilidade entre a realidade das populações rurais e os métodos pedagógicos que são prescritos pelas orientações governamentais.

Deslocando o foco para a relação entre economia e educação, reunimos um conjunto de quatro artigos que investem na análise da produção da desigualdade, tomando-se por base os impactos da lógica econômica do capitalismo sobre a esfera educacional. Geruza Cristina Meirelles Volpe discute a exiguidade dos recursos voltados para o financiamento da educação de jovens e adultos (EJA), considerando como delimitação da pesquisa o estado de Minas Gerais, entre 1996 e 2006. O texto conclui que os investimentos na EJA são insuficientes, além de inferiores aos disponibilizados para outros níveis e modalidades de ensino, interpretando tal constatação como dimensão ainda não realizada da democratização do Estado brasileiro. Também em chave de leitura econômica e política, por meio da análise da formação da classe trabalhadora brasileira, Sonia Maria Rummert, Eveline Algebaile e Jaqueline Ventura discutem a precarização do processo de formação dos trabalhadores no contexto dos países economicamente subalternos. A economia política segue como campo de investigação e princípio metodológico nos artigos sobre gestão da educação, de Rafael Rodrigo Mueller, e na análise sobre a mercantilização da educação superior no Brasil, de Cristina Helena Almeida de Carvalho. Ambos problematizam a assunção de lógicas próprias do mercado e da produção de mercadorias nos contextos da gestão da educação e da organização do ensino superior no Brasil.

Da economia política para a história, o texto de Ramon de Oliveira analisa a urbanização na cidade de Recife, na segunda metade do século XIX, baseando-se na relação entre educação e qualificação profissional. Seguindo na senda historiográfica, Cancionila Janzkovski Cardoso analisa a circulação no estado do Mato Grosso e, depois, nacionalmente da cartilha Ada e Edu, entre os anos de 1977 e 1985. Da história do livro e da leitura no Brasil à discussão sobre a aprendizagem da linguagem no contexto do ensino básico português é o percurso que fazemos quando nos voltamos para artigo de José António Brandão Carvalho e Luís Filipe Barbeiro. Estes autores defendem a tese de que o estudo da linguagem é subdimensionado na escola portuguesa, pois esta é, segundo os autores, encarada apenas como habilidade que permite ao aluno reproduzir e transmitir informações, enquanto os autores sustentam que a linguagem deveria ser perspectivada como processo, por excelência, de produção de conhecimento.

Na seção Espaço Aberto, a questão da desigualdade é abordada no contexto da avaliação da produção acadêmica em cenário internacional. Aimée Vega Montiel, em texto originalmente apresentado no encontro da European Communication Research and Education Association (ECREA), afirma que os estudiosos latino-americanos são submetidos a padrões de cientificidade definidos pelos países centrais da Europa e dos Estados Unidos. Argumenta também que a supremacia científica dos pesquisadores do Norte deve-se, fundamentalmente, à supremacia do inglês no sistema acadêmico internacional. Por fim, a resenha do livro de Gunther Dietz, Multiculturalismo, interculturalidad y diversidad en educación. Una ­aproximación antropológica, é apresentada de maneira que ofereça outro olhar para a questão que, como afirmamos anteriormente, acompanha em diferentes proporções e com diferentes aproximações as relações entre diversidade e desigualdade.

Desejamos a todos e todas uma boa leitura.

A Comissão Editorial

Rio de Janeiro, julho de 2013

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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