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Editorial

EDITORIAL

O financiamento da educação pública figura como temática fundamental nas discussões acerca do Plano Nacional de Educação (PNE) que estão em curso. A previsão de aumento de recursos é oportuna e vem ao encontro das expectativas expressas no Documento-Referência,1 1 Disponível em: < http://fne.mec.gov.br/images/pdf/documentoreferenciaconae2014versaofinal.pdf>. Acesso em: mar. 2013. produzido pelo Fórum Nacional de Educação como base para os debates a serem realizados nacionalmente, a partir de 2013, com vistas à realização da II Conferência Nacional de Educação (CONAE) em 2014. No item "Financiamento da educação, gestão, transparência e controle social dos recursos", o Documento-Referência (p. 91) assinala que "O financiamento da educação é elemento estruturante para a organização e o funcionamento das políticas públicas educacionais e, desse modo, para materialização do Sistema Nacional de Educação (SNE). Embora não seja fator suficiente, é condição necessária para a universalização do direito à educação pública de qualidade".

O Documento reafirma que a ampliação da destinação de recursos para o setor precisa estar associada à garantia de eficácia na fiscalização de sua aplicação, na qual os órgãos de fiscalização e controle - Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas dos estados, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas dos municípios, Ministério Público, entre outros - desempenham papel imprescindível. A aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) assegura que "ao menos 80% dos recursos da área ficarão sob a vigilância de um sistema mais robusto de conselhos de acompanhamento, controle social e fiscalização do setor, o que propiciará uma análise mais precisa do que efetivamente foi gasto" (p. 86). O Documento ratifica, ainda, a necessidade de fortalecimento dos conselhos de educação, importantes tanto na fiscalização quanto na gestão democrática dos mesmos.

Na perspectiva defendida pelos membros do Fórum Nacional de Educação, educação com qualidade social, democratização da gestão e redução de desigualdades educacionais implicam também "a avaliação, não apenas da aprendizagem, mas também dos fatores que a viabilizam, tais como: políticas, programas, ações, de modo que a avaliação da educação esteja embasada por uma concepção de avaliação formativa que considere os diferentes espaços e atores, envolvendo o desenvolvimento institucional e profissional, articulada com indicadores de qualidade" (p. 60). O Documento afirma, ainda, a necessidade de se "pensar em processos avaliativos mais amplos, vinculados a projetos educativos democráticos e emancipatórios, contrapondo-se à centralidade conferida à avaliação como medida de resultado e que se traduz em instrumento de controle e competição institucional" (p. 60) e remete ao debate sobre a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e à consolidação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior e da Pós-Graduação, como políticas de Estado.

A Revista Brasileira de Educação (RBE) ao difundir proposições constantes do Documento-Referência produzido pelo Fórum Nacional de Educação, voltadas para a melhoria da educação pública no país, entende que sua principal contribuição a essas proposições consiste na divulgação de estudos e reflexões que possam subsidiar a formulação de políticas para a área.

O presente número traz um estudo exploratório acerca das atuais políticas de avaliação, elaborado pelo pesquisador português Almerindo Janela Afonso, intitulado "Mudanças no Estado-avaliador: comparativismo internacional e teoria da modernização revisitada". Nesse texto, o pesquisador analisa algumas características da primeira fase do Estado-avaliador, revisita a teoria da modernização e sugere que alguns dos seus pressupostos continuam, em grande medida, subjacentes ao atual comparativismo avaliador, agenda política à qual, na perspectiva por ele defendida, corresponderia à segunda fase do Estado-avaliador. O artigo apresenta hipóteses em torno de uma terceira fase - a de pós-Estado-avaliador - cujos contornos, ainda pouco definidos, parecem estar vinculados à "continuidade da expansão global capitalista das políticas de privatização e mercadorização da educação (e da avaliação)".

Uma temática também central no contexto das discussões acerca da avaliação educacional - o papel dos gestores de estabelecimentos de ensino - é discutida por Anne Barrère, no artigo "Controlar ou avaliar o trabalho docente? Estratégias dos diretores numa organização escolar híbrida". A autora assinala o crescimento, nos últimos vinte anos, da importância atribuída aos diretores de escola, sobretudo no que se refere à eficácia escolar, cuja atuação deixa de ser focada no trabalho administrativo e deve agora voltar-se para o trabalho pedagógico da escola e o desempenho dos alunos. O artigo analisa estratégias de gestão adotadas por 40 diretores de escolas secundárias no norte da França, com base nos resultados de uma pesquisa qualitativa, realizada em 2005, e suscita reflexões a respeito dessa função considerada chave na organização dos sistemas de ensino.

Preservando o compromisso editorial de contribuir para a consolidação da reflexão teórica, a RBE 53 traz três artigos que revisitam o pensamento de autores considerados referência no campo educacional: Michel Foucault e John Dewey. No artigo "A difusão do pensamento de Michel Foucault na educação brasileira: um itinerário bibliográfico", Julio Groppa Aquino apresenta uma revisão da obra foucaultiana, demarcando sua amplitude e diversidade e indicando caminhos para melhor compreensão da reverberação da mesma na literatura educacional brasileira. O trabalho configura um possível horizonte da difusão do pensamento foucaultiano na produção acadêmica da área, por meio da análise de livros e artigos publicados entre 1990 e 2012.

De forma complementar ao texto de Aquino, Alexandre Simão de Freitas explora, no artigo "A parresía pedagógica de Foucault e o êthos da educação como psicagogia", dimensões distintas dos usos recentes, no campo educacional brasileiro, do pensamento foucaultiano. Para o autor, a publicação recente dos cursos inéditos proferidos por Foucault no Collège de France, entre 1982 e 1984, trouxe a possibilidade de observar a face menos conhecida do pensador, a de professor, o que impulsionou reflexões sobre a formação humana articuladas a múltiplos usos do pensamento tardio de Foucault.

No artigo "O discurso psicológico de John Dewey", Erika Natacha Fernandes de Andrade e Marcus Vinicius da Cunha apresentam um estudo sobre a importância que temáticas do campo psicológico - como natureza humana, formação da personalidade, juízo valorativo e questões ligadas à formação moral - adquiriram na configuração dos temas centrais da filosofia deweyana: democracia e educação. O estudo empreendido pelos autores analisa uma obra considerada fundamental no conjunto da produção de John Dewey, o livro Human nature and conduct: an introduction to social psychology, onde são discutidas questões pertinentes à psicologia.

Este número traz, ainda, dois artigos produzidos no âmbito dos estudos de história da educação no Brasil. "Nação, região, sertão e a invenção dos brasis: chaves de leitura para a história da educação", de Rubia-Mar Nunes Pinto, apresenta elementos relevantes para a reflexão acerca da importância do conhecimento da história da educação ultrapassar os limites do eixo Sul-Sudeste, contribuindo assim para a desnaturalização e problematização dessas regiões como centro ou nação. A autora defende a ideia de que o estudo da história da educação nas regiões exige uma postura que se contraponha à "narrativa uníssona e inequívoca da nação". Desse modo, discute a invenção discursiva de nação, tomando como elementos-chave as preocupações relacionadas à unidade e indivisibilidade, à dualidade sertão-litoral, e apresenta, fundamentada em resultados de pesquisa, aspectos da história da educação no estado de Goiás no período 1938-1942.

O artigo "Escola compulsória inglesa: história e historiografia", de Maria Cristina Soares de Gouvêa, aborda a trajetória inglesa de constituição da escola compulsória e discute a relação Estado-sociedade civil, nessa conjuntura, no que se refere à oferta da instrução primária. No estudo aqui apresentado, a autora destaca vários atores sociais que, no caso inglês, tornaram possível a compulsoriedade escolar e demarca, com base nas fontes investigadas, a presença de uma tradição de investimento no letramento, para além dos espaços escolares, buscando, ao longo do texto, aproximações com o contexto brasileiro.

No artigo "Produção cultural e redes de sociabilidade no currículo e no cotidiano escolar", Janete Magalhães Carvalho retoma a definição de cultura(s) em obras de autores como Raymond Williams, Néstor Canclini e Michel de Certeau, problematiza os conceitos de indústria cultural, cultura de massa e "multidão" e apresenta usos e consumos da produção cultural no cotidiano escolar. Ao abordar o currículo, assinala o papel a ser desempenhado na produção deste pelas redes de sociabilidade singulares e de cooperação que se configuram no interior do espaço escolar e possibilitam aos seus integrantes atuar como corpo político.

Em sintonia com as preocupações expressas pelos pesquisadores e pelos avaliadores da pós-graduação em educação no país, este número publica dois artigos voltados para essa temática: "Formação de pesquisadores em programas de excelência de pós-graduação em educação", de Regina Célia Linhares Hostins, e "Trabalho do professor pesquisador diante da expansão da pós-graduação no Brasil pós-LDB", de João dos Reis Silva Júnior, Luciana Rodrigues Ferreira e Fabíola Bouth Grello Kato. No primeiro, a autora apresenta resultados de um estudo qualitativo sobre conceitos, autores e obras tomados como referência nos cursos oferecidos pelos programas de pós-graduação stricto sensu considerados de excelência no país, na avaliação trienal 2007 (período 2004-2006). Tendo como fonte principal a bibliografia das disciplinas oferecidas nestes cursos, ao longo de três anos, a autora analisa tendências teóricas e metodológicas que nortearam a formação de pesquisadores, nesses programas, no período em questão.

No segundo texto, elaborado com base na análise de documentos e de revisão de pesquisas sobre a expansão das universidades públicas e da pós-graduação no Brasil, os autores retomam a discussão sobre as relações entre mundialização do capital, acumulação financeira e ensino e pesquisa e analisam as consequências para o trabalho docente da expansão da pós-graduação e das exigências contemporâneas relacionadas à produção científica.

Este número traz ainda entrevista realizada por Sanny Silva da Rosa com Stephen Ball - "Privatizações da educação e novas subjetividades: contornos e desdobramentos das políticas (pós) neoliberais" - , cujo foco foi a inter-relação entre os temas tratados nos principais trabalhos do autor, ou seja, os efeitos da intensificação das privatizações do setor público sobre as subjetividades dos sujeitos-atores das políticas públicas. A entrevistadora acrescenta à transcrição uma sinopse das obras mencionadas por Ball ao longo da entrevista.

A seção Espaço Aberto traz um texto que revisita uma polêmica sempre presente nas discussões sobre avaliação da produção científica: o desconforto dos pesquisadores frente ao chamado "produtivismo", resultante da adoção de critérios quantitativos de avaliação. No artigo "Diálogo sobre cientometria, mal-estar na academia e a polêmica do produtivismo", Murilo Mariano Vilaça e Alexandre Palma dialogam com o artigo de Trein e Rodrigues, publicado em 2011 na RBE, sobre o que estes denominam de mal-estar na academia, oferecendo uma nova contribuição à reflexão sobre o tema.

Por fim, a Resenha publicada neste número, de autoria de Vanesa M. ­Gregorini, apresenta o livro Saberes y prácticas escolares, de Silvia Finocchio e Nancy Romero, que reúne trabalhos produzidos no curso de pós-graduação Currículo e Práticas Escolares, da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), Argentina.

Esperamos que os artigos publicados, em sua diversidade, contribuam para debates e propostas do campo da educação.

A Comissão Editorial

Rio de Janeiro, abril de 2013

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    Disponível em: <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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