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Filosofia da educação e imagens de docência: o professor viajante ou alquimista?

Filosofía de la educación y las imágenes de enseñanza: maestro viajero o alquimista?

Philosophy of the education and teaching images: traveler or alchemist teacher?

Resumos

O artigo visa relacionar o problema da formação com as imagens de professor fomentadas nos últimos trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho Filosofia da Educação (GT-17) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), para entender melhor os modelos de docência propostos. Entre as imagens que emergem dessas produções, duas configurações distintas de docência destacam-se: o "professor alquimista" e o "professor viajante". A primeira está intimamente ligada às narrativas que dão sustento ao projeto de formação da modernidade, quais sejam, da transformação, da emancipação, da consciência, entre outras; a segunda relaciona-se a uma imagem de professor em que os processos formativos vão se ampliando na própria relação pedagógica. Essas duas perspectivas, de alguma forma, ancoram as discussões sobre a formação docente, fomentando, em consequência, a construção de imagens-modelo de professor. Suas características fundamentais delineiam diferentes caminhos para a constituição e o exercício da docência.

imagens; docência; formação; filosofia; educação


El artículo desea relacionar el problema de la formación con las imágenes del maestro fomentadas en las últimas ponencias del Grupo de Trabajo Filosofía de la Educación de la Asociación Nacional de Posgrado y Pesquisa en Educación (ANPEd), para entender mejor los modelos de docencia propuestos. Entre las imágenes que emergen de esas producciones, dos configuraciones distintas de docencia se destacan: el "maestro alquimista" y el "maestro viajero". La primera está profundamente apoyada en las narrativas que dan soporte al proyecto de formación de la modernidad, es decir, de la transformación, de la emancipación, de la conciencia, entre otras; la segunda se relaciona a una imagen del maestro en que los procesos formativos se van ampliando en la propia relación pedagógica. Estas dos configuraciones, de alguna manera, han apoyado las discusiones sobre la formación del profesorado y promueven, con efecto, la construcción de imágenes-modelos del profesor. Sus características fundamentales delinean diferentes caminos para la constitución y el ejercicio de la docencia.

imágenes; docencia; formación; filosofía; educación


This article seeks to relate the problem of training to the images of teacher fostered in recent studies presented at the Philosophy of Education WG of the National Association of Graduate Studies and Research in Education (ANPEd), to understand better the teaching models proposed. Among the images that emerge from theses productions, two different configurations of teaching stand out: the "alchemist teacher" and the "traveler teacher". The first one is closely linked to the narratives that ground the education project of modernity, namely, transformation, empowerment, and awareness, among others. The second configuration relates to a teacher image in which educational processes expand in the pedagogical relationship itself. These two perspectives somehow anchor the discussion on teacher education, and therefore encourage the construction of model images of teachers. Their fundamental characteristics delineate different paths to the constitution and practice of teaching.

images; teaching; training; philosophy; education


ARTIGOS

Filosofia da educação e imagens de docência: o professor viajante ou alquimista?* * No presente estudo, estamos propondo uma iconografia diferente para compreender o imaginário envolto na autocompreensão da formação e da docência. O texto é resultado da nossa participação em diferentes fóruns de discussão, tendo como ponto de partida o desenvolvimento do projeto de pesquisa "Formação no contemporâneo e imagens de docência", apoiado pelo edital universal n. 14, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/2008 – Faixa A, desenvolvido entre 18 de novembro de 2008 e 17 de novembro de 2010. Nessa perspectiva investigativa, já foram também delineadas as imagens de "professor Prometeu" e de "professor Hércules" (Ourique, 2010).

Philosophy of the education and teaching images: traveler or alchemist teacher?

Filosofía de la educación y las imágenes de enseñanza: maestro viajero o alquimista?

Amarildo Luiz TrevisanI; Maiane Liana Hatschbach OuriqueII; André Luiz de Oliveira FagundesIII; Eliana Regina Fritzen PedrosoIV

IUniversidade Federal de Santa Maria

IIUniversidade Federal do Pampa

IIIUniversidade Federal de Santa Maria

IVUniversidade Federal de Santa Maria

RESUMO

O artigo visa relacionar o problema da formação com as imagens de professor fomentadas nos últimos trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho Filosofia da Educação (GT-17) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), para entender melhor os modelos de docência propostos. Entre as imagens que emergem dessas produções, duas configurações distintas de docência destacam-se: o "professor alquimista" e o "professor viajante". A primeira está intimamente ligada às narrativas que dão sustento ao projeto de formação da modernidade, quais sejam, da transformação, da emancipação, da consciência, entre outras; a segunda relaciona-se a uma imagem de professor em que os processos formativos vão se ampliando na própria relação pedagógica. Essas duas perspectivas, de alguma forma, ancoram as discussões sobre a formação docente, fomentando, em consequência, a construção de imagens-modelo de professor. Suas características fundamentais delineiam diferentes caminhos para a constituição e o exercício da docência.

Palavras-chave: imagens; docência; formação; filosofia; educação.

ABSTRACT

This article seeks to relate the problem of training to the images of teacher fostered in recent studies presented at the Philosophy of Education WG of the National Association of Graduate Studies and Research in Education (ANPEd), to understand better the teaching models proposed. Among the images that emerge from theses productions, two different configurations of teaching stand out: the "alchemist teacher" and the "traveler teacher". The first one is closely linked to the narratives that ground the education project of modernity, namely, transformation, empowerment, and awareness, among others. The second configuration relates to a teacher image in which educational processes expand in the pedagogical relationship itself. These two perspectives somehow anchor the discussion on teacher education, and therefore encourage the construction of model images of teachers. Their fundamental characteristics delineate different paths to the constitution and practice of teaching.

Keywords: images; teaching; training; philosophy; education.

RESUMEN

El artículo desea relacionar el problema de la formación con las imágenes del maestro fomentadas en las últimas ponencias del Grupo de Trabajo Filosofía de la Educación de la Asociación Nacional de Posgrado y Pesquisa en Educación (ANPEd), para entender mejor los modelos de docencia propuestos. Entre las imágenes que emergen de esas producciones, dos configuraciones distintas de docencia se destacan: el "maestro alquimista" y el "maestro viajero". La primera está profundamente apoyada en las narrativas que dan soporte al proyecto de formación de la modernidad, es decir, de la transformación, de la emancipación, de la conciencia, entre otras; la segunda se relaciona a una imagen del maestro en que los procesos formativos se van ampliando en la propia relación pedagógica. Estas dos configuraciones, de alguna manera, han apoyado las discusiones sobre la formación del profesorado y promueven, con efecto, la construcción de imágenes-modelos del profesor. Sus características fundamentales delinean diferentes caminos para la constitución y el ejercicio de la docencia.

Palabras clave: imágenes; docencia; formación; filosofía; educación.

A FORMAÇÃO NA IMAGEM DE PROFESSOR

O presente trabalho pretende ampliar as perspectivas compreensivas da formação (Bildung) em seu sentido imagético-expressivo, tomando como apoio importantes iniciativas no campo filosófico-pedagógico interessadas em contribuir para os debates sobre a formação docente, considerada o verdadeiro "calcanhar de Aquiles" da educação. Assim, este estudo investiga algumas imagens de docência, espargidas no contemporâneo, por meio da análise das produções textuais apresentadas no Grupo de Trabalho Filosofia da Educação (GT-17), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008. Podemos justificar esse recorte de pesquisa – para além da importância desse evento para a comunidade acadêmica e pela proporção mundial que suas conexões investigativas assumem – pela expressividade no trato com a temática "formação" nesse período, haja vista que, dos 21 trabalhos selecionados em 2005, 6 tratavam explicitamente dessa questão; em 2006, dos 20 textos aprovados, 5 ressaltavam a temática; em 2007, foram 18 trabalhos selecionados e, em 2008, foram 11, sendo que 6 artigos, em cada edição, abordavam a ideia da formação.

A leitura crítica e reconstrutiva dessas pesquisas foi realizada tendo em vista os seguintes questionamentos: quais imagens de professor se propagam por meio da instância expressiva da linguagem pedagógica? De que maneira tais imagens se relacionam com as expectativas sociais da profissão docente? Até que ponto é possível estabelecer vínculos comunicativos entre as configurações da docência? Atualmente, com a estetização do mundo da vida e a necessidade de explicitar os laços entre conhecimento e ação, o saber ganha uma nova conformação, auxiliando a questionar por que a racionalidade ocidental promoveu a divisão do mundo em antagonismos e binômios, como: essência e aparência, teoria e prática, racionalidade e mundo da vida.

O avanço das tecnologias também contribuiu para revogar a validade de tais dualismos, criando uma realidade artificial (a virtualidade, o ciberespaço) que produz "objetos sem imagens e imagens sem objetos" (Matos, 1999, p. 73). Por isso, dado que não é mais possível, por exemplo, essencializar conhecimentos, há a necessidade de repensar a performance da formação e da docência, suas imagens e autoimagens, bem como a manutenção de tais dualismos e binômios de maneira irreconciliável. Apesar de ser um panorama que está apenas se delineando, as respostas sobre quais imagens de docente estão sendo difundidas nesse contexto e de que modo elas contribuem para os processos de autoconstituição do ser professor são tecidas num diálogo, que deve ser permanente, entre a filosofia e a educação.

Na tentativa de fomentar o campo dessa interlocução sobre as dimensões filosóficas da formação, foram edificadas duas imagens distintas sobre a docência: uma relacionada às narrativas da transformação e consciência – "professor alquimista" – e outra mais afeita aos processos formativos que vão se ampliando na relação pedagógica – "professor viajante". Longe de um entendimento hermético, essas imagens possibilitam aproximações reconstrutivas entre as expectativas sociais da docência e sua gramática normativa, explicitando, desse modo, o caráter ético e estético da formação de professores.

Mas é importante salientar que o objetivo do trabalho não é tecer uma categorização a priori ou dogmática dos modelos da docência que vigoram em um ou outro texto estudado. Menos ainda se pretende articular de forma comprimida a riqueza e a profundidade de textos com referenciais teóricos tão díspares. No entanto, para que se possa deixar o mais possível visíveis os caminhos percorridos para a construção dessas imagens, demarcamos alguns indícios presentes nos estudos mapeados que, de alguma maneira, colaboram para a constituição de imagens de docência. Na tentativa de dar elementos para fortalecer os contornos da compreen­são do tema, entendemos ser pertinente fazer referências, sempre que possível, à própria historicidade da imagem configurada no texto estudado.

O artigo propõe localizar assim as raízes das concepções que configuram tipologias de docência e abrangê-las em imagens com potencial cultural, de modo que enfoque o caráter expressivo desses discursos e estabeleça uma compreensão mais ampla sobre as ideias angulares da relação entre formação e docência. Acreditamos que, ao empreender uma hermenêutica reconstrutiva sobre tais estudos, é possível estabelecer algumas pontes importantes entre o sentido histórico da formação e os discursos contemporâneos. Desse modo, pensar o discurso da formação docente com base na narrativa da Bildung delineia uma tentativa de aproximar, pela via hermenêutica, a licenciatura de seu sentido pedagógico mais amplo, isto é, como autoconstrução e atribuição de sentido às produções humanas.

Na tentativa de articular os saberes disciplinares, curriculares, profissionais, experienciais para compormos um desenho substancial da trajetória de formação docente ao longo dos cursos de licenciatura, percebemos que a problemática envolve a construção de imagens de professor. Dito de outra forma, o enlace dos diferentes estudos e experiências que se dão no decorrer dos cursos de licenciatura está intimamente ligado à formação cultural (Bildung) desses futuros professores e às questões estéticas que esse processo envolve.

Repensar a respeito do sentido imagético-expressivo da formação refere-se não somente ao desnudamento de suas dimensões estéticas, mas também pode, conforme destaca Nóvoa (2000), servir de critério para avaliar o passado e projetar as perspectivas futuras da educação. Afinal, segundo sua apreciação, "imagens criam um jogo de possibilidades (e impossibilidades), de ver e olhar, que mostram a historicidade do espaço educacional. Por essa razão, as imagens são tão importantes. Elas não podem continuar a ser uma terra incógnita de nosso trabalho intelectual" (idem, p. 39, grifos do autor, tradução nossa). É justamente nesse sentido que se situa a tentativa de contribuição desta investigação, explorando uma compreensão da formação docente com base nas múltiplas experiências de estranhamento e reconhecimento que as imagens circulantes na cultura possibilitam.

A DOCÊNCIA NA PRÁTICA ALQUÍMICA

Os estudos de formação docente existentes no Brasil, ligados à filosofia e educação, cresceram muito nos últimos tempos, em geral, preocupando-se em articular as suas propostas ao discurso mais amplo da formação, enquanto Bildung.1 1 A tradução da expressão alemã Bildung para o português como "formação" não abrange totalmente o sentido original do termo. Para os alemães do século XIX, a cultura era o lugar em que se dava o desenvolvimento espiritual, tendo a família e a escola um papel muito elevado na formação humana. No texto "Nota sobre o conceito de Bildung (formação cultural)", Suarez (2005) apresenta, valendo-se do artigo "Bildung et Bildungsroman", de Berman, cinco possibilidades de significação: enquanto trabalho, viagem, tradução, viagem à Antiguidade ou prática filológica. Essas aproximações acontecem sob o olhar de diferentes correntes filosóficas, demarcando, consequentemente, também múltiplos apontamentos teórico-práticos. Porém, dado que já existe uma vasta literatura sobre esse campo, ligada à antropologia, sociologia e psicologia, entre outras, e para que esse crescimento não seja apenas no sentido quantitativo, é vital que haja um acompanhamento crítico do andamento das pesquisas nos programas de formação de professores. A realização do mapeamento dessas trajetórias compreensivas, no campo da filosofia e educação, possibilitará a elaboração de alguns critérios para melhor avaliar os discursos do fazer pedagógico. Esse sentido autoesclarecedor da educação ocorre, na perspectiva hermenêutica, do seguinte modo:

A possibilidade compreensiva da hermenêutica permite que a educação torne esclarecidas para si mesma suas próprias bases de justificação, por meio do debate a respeito das racionalidades que atuam no fazer pedagógico. Assim a educação pode interpretar seu modo de ser, em suas múltiplas diferenças. (Hermann, 2002, p. 83)

Por isso, a hermenêutica abre espaço para a importância da valorização da metáfora na educação, como possibilidade de alimentar a autocrítica, tão cara à formação de professores. Nesse sentido, torna-se possível ter uma ideia, ainda que difusa, do rumo que as pesquisas na área da filosofia da educação, no Brasil, estão indicando para a questão da formação de professores. Por meio da autocrítica ensejada pela hermenêutica, que reconhece a metáfora como uma ferramenta capaz de ilustrar as diversas concepções que, nesse caso, a docência adquire na atualidade, é possível estabelecer uma ampliação no entendimento da formação de professores, não reduzida a um único modelo explicativo de racionalidade docente.

Daí que a valorização da metáfora na educação se deve às possibilidades interpretativas da hermenêutica [...] abrir o sentido da educação pela metáfora é ampliar as possibilidades compreensivas, deixar espaço para a pluralidade contra o esmagamento do modelo único e seus perigos. (idem, p. 85)

Sendo assim, com a interpretação dos trabalhos apresentados no GT-17 da ANPEd, percebemos que as reflexões sobre a formação docente viabilizam, em certa medida, uma construção imagética da docência centrada no seu instrumental de trabalho e em sua capacidade de tomada de consciência, cujos apontamentos poderiam levar ao melhor equacionamento dos problemas pedagógicos contemporâneos.

Nesse sentido, o texto de Lorieri et al. (2007, p. 11) apoia-se em Morin, Gramsci e Nosella para valorizar a dimensão formativa do ensino e a conquista da liberdade como objetivo último da escola, uma intervenção que poderá "auxiliar as gerações novas a buscarem os caminhos de sua humanização numa liberdade situada historicamente, portanto, nos limites de suas possibilidades objetivas".

Silva (A.G.F., 2005, p. 1, grifos do autor) endossa essa perspectiva ao ponderar, a partir do referencial de Gadotti, sobre as concepções de liberdade subjacentes aos discursos pedagógicos no Brasil com o intuito de destacar o papel da educação como "um instrumento de libertação humana e não de domesticação". Para isso, o autor destaca: o ponto de vista gramsciniano de Jamil Cury, que entende a liberdade como condição para se pensar as brechas nas estruturas dominantes; a perspectiva fenomenológica de Antônio Rezende, que pensa a liberdade enquanto transcendência, "liberdade de projetar os fins humanos através das estruturas vigentes" (idem, p. 5); a concepção freireana de Moacir Gadotti, para quem a liberdade se refere à superação da dominação burguesa e capitalista, função que compete ao educador/educação. Dessa forma, Gadotti incorpora o ideário de Marx, reafirmando a necessidade de uma revolução que suprima a divisão social do trabalho entre ação e pensamento, de modo que garanta aos trabalhadores tempo livre para conduzirem sua formação cultural e insurgirem da alienação em que se encontram.

Portanto, o professor comprometido com o ideal revolucionário tem a tarefa de "retirada do véu da alienação que encobre a percepção do trabalhador sobre sua exploração" (idem, p. 15). Além disso, esse professor opera no intuito de caracterizar o tempo livre como oportunidade de construção do espírito, o que somente é possível "por intermédio de uma educação permanente" (idem, ibidem). Assim, a função da educação refere-se à superação da dominação burguesa, insuflando a ideia de que a solução dos problemas sociais se situa no campo educativo, sendo esse o único espaço capaz de conduzir qualquer transformação na sociedade.

Mas, ao situar a educação no espaço formal de aprendizagem, isto é, na escola, não significa que o professor vai privilegiar aí uma relação interativa com os seus alunos ou de uns com os outros. Pelo contrário, nesse ambiente, o caráter intersubjetivo fica em segundo plano para dar lugar à relação com o conhecimento social. Isso constitui a tese central do trabalho de Duarte (2008, p. 3), quando refere textualmente:

[...] a questão central da pedagogia não reside nas relações entre professor e aluno ou nas relações dos alunos uns com os outros; a questão central da pedagogia está nas relações que professor e alunos estabelecem com o conhecimento objetivado nos produtos intelectuais da prática social humana em sua totalidade.

Para melhor configurarmos essa compreensão sobre o fazer docente, vamos aproximá-la da imagem do alquimista,2 2 Os textos em que o fazer docente pode ser aproximado à imagem de "professor alquimista" são: "Didáticas da liberdade: variações do conceito de liberdade em Jamil Cury, Antônio Rezende e Moacir Gadotti" (Silva, A.G.F., 2005); "Cotidiano e filosofia no ensino médio: mediações" (Silva, V.P., 2005); "Filosofia, formação ética e ensino médio: uma combinação possível?" (Sanchez, 2006); "Por um ensino de filosofia como diagnóstico do presente: uma leitura à luz de Nietzsche" (Danelon, 2006); "Teoria crítica, formação estética e educação: reflexões sobre crítica da economia política, formação estética e o conceito de professor reflexivo-transformativo" (Markert, 2007); "Filosofia e formação humana" (Lorieri et al., 2007); "Hegel: o conceito de Freiheit fundamentando a noção de Bildung" (Ferreira, 2007); "Educação, paranoia e semiformação" (Bueno, 2008); "Arte e formação humana em Lukács e Vigotski" (Duarte, 2008); "Educação, cultura e cidadania" (Nodari, 2008). figura medieval típica. A alquimia (do árabe AL-Khemy, quer dizer "a química") começou a se desenvolver por volta do século III a. C. em Alexandria e se expandiu pela Europa durante a Idade Média em virtude de seus objetivos materiais e espirituais. Entre esses, três se destacam: a transmutação dos metais inferiores em ouro, a busca pelo "elixir da longa vida" – uma panaceia universal, um remédio que curaria todas as doenças e daria vida eterna àqueles que o ingerissem – e a criação da vida humana artificial, os homunculus. Esses objetivos poderiam ser atingidos ao obter a pedra filosofal, uma substância mística que amplificaria os poderes de um alquimista.

Cabe aqui lembrar que alguns estudiosos da alquimia afirmam que os temas alquímicos eram carregados de linguagem metafórica, pois diziam respeito a uma ação agregadora do trabalho espiritual e material: "na alquimia não estamos diante de uma paciência intelectual, mas na própria ação de uma paciência moral que procura as impurezas de uma consciência. O alquimista é um educador da matéria" (Bachelard, 1988, p. 73). A própria transmutação dos metais é um exemplo desse aspecto místico da alquimia. Para o alquimista, o universo todo tendia a um estado de perfeição, e como, tradicionalmente, o ouro era considerado o metal mais nobre, ele representaria e justificaria a busca dessa perfeição. Assim, a transmutação dos metais inferiores em ouro representa o desejo do alquimista de auxiliar a natureza em sua obra, levando-a a um estado de aperfeiçoamento.

No pensamento moderno, essa busca da melhoria constante permanece presente nas ideias de que as ações humanas são sempre no sentido do domínio da natureza, da evolução das produções culturais e, especialmente, da sua consciência. Porém, essa não é uma busca que implica chegar à purificação simplesmente, uma vez que o alquimista, "tão logo termina uma destilação, recomeça-a misturando de novo o elixir e a matéria morta, o puro e o impuro, para que o elixir aprenda, por assim dizer, a libertar-se de sua terra. O cientista continua. O alquimista recomeça" (idem, p. 73).

Como uma profissão que se constituiu em traços mais consistentes na modernidade, a docência ainda se faz notar como profissão-guia dos caminhos que a sociedade escolheu, sustentando fortemente sua prática discursiva nas narrativas da "consciência", da "emancipação humana" e da "transformação social". Assim, a acepção compreensiva do "professor alquimista" incorpora a habilidade da "purificação" alquímica; e, nela, o docente exerce o papel de detentor de um conhecimento puro, capaz de depurar qualquer outro saber que o aluno traga de seu mundo particular. Numa relação quase asséptica, ele prende-se ao plano cognitivo, buscando realizar uma síntese da aprendizagem, pois acredita que somente assim formará alunos mais capazes para viver e dar conta das demandas sociais.

Para estabelecer um contraponto à imagem do "professor alquimista", lembramos aqui o pensamento de Nóvoa (1998, p. 20): "Certamente que não há grandes nações sem boas escolas, mas o mesmo deve dizer-se de sua política, da sua economia, da sua justiça, da sua saúde e de mil coisas mais". Podemos, então, perguntar: quais instrumentos a docência possui para conduzir sozinha ao desvelamento das mazelas do capital? Haveria algum potencial remotamente escondido na consciên­cia, que ainda poderia ser explorado, para garantir a transformação individual e social que tanto almejamos? Enfim, quais os potenciais que a consciência guarda no contemporâneo para fundamentar a imagem do "professor alquimista"?

Como tentativa de resposta, vemos que, em Hegel, a liberdade está intimamente ligada ao entendimento da consciência como consciência-de-si, ou seja, ela é capaz de perceber-se distinta e independente de outra, passo que se dá pelo trabalho e pelo estranhamento.3 3 Suarez (2005, p. 193-194) destaca a presença da Bildung tanto no pensamento de Goethe quanto no de Hegel, ao anotar: "Designativa de um processo, a palavra Bildung aparece, tanto em Hegel quanto em Goethe, ligada à ação prática, ao trabalho. Elemento definidor e resultado do processo cultural, Bildung significa, no pensamento de Hegel, a partir de sua Propedêutica filosófica, ruptura com o imediato e passagem do particular ao universal, mais ainda, elevação ao universal, conotando aprimoramento, engrandecimento". Esse raciocínio, desenvolvido por Ferreira (2007), embora defenda uma concepção bastante complexa sobre liberdade – para a qual precisaríamos arrazoar mais do que o espaço deste estudo –, ajuda-nos a entender a importância que a consciência tem para a proposta moderna de educação e de formação: "a tomada de consciência da liberdade coincide com a inauguração do processo de Bildung: o que nos leva a interpretar que para Hegel só há processo educacional se há liberdade (idem, p. 5).

No entanto, se uma das interpretações da Bildung é como trabalho, como assevera Suarez (2005, p. 193-195), e o "trabalho educa", conforme lembra ­Ferreira, então, por que "o professor alquimista" normalizou o esforço para expurgar da relação pedagógica os saberes construídos na cultura? Poderíamos, nesse caso, valer-nos do diagnóstico frankfurtiano sobre as tendências regressivas da razão moderna e pensar que a racionalidade docente também se instrumentalizou? Nesse sentido, Bueno (2008, p. 1) lembra: "Em sua incapacidade de estabelecer frente ao objeto a ser conhecido uma relação de cuidadosa aproximação que possa ser capaz de incorporar as contradições imanentes ao ato cognoscente, a razão recalca suas limitações epistêmicas e simula o pleno domínio da realidade".

Em que pesem as críticas de Adorno e Horkheimer (1985), haja vista a reificação de uma dimensão importante da racionalidade humana pelos ditames da técnica e dos modos de produção mercantis, a aposta na emancipação plena do conhecimento perante a subjetividade paranoica do expert, conforme parece propor Bueno (2008), também nos remete à figura do "professor alquimista", cuja panaceia universal está em desvelar as contradições, integrando-as em uma realidade autoconsciente.

Assim, se para o alquimista o trato com o místico dizia respeito àquilo que era pouco conhecido, inexplorado, na relação pedagógica, o místico pode estar nas possibilidades que só o professor tem para fazer a previsão ou a intervenção em uma realidade, isso graças à sua subjetividade expandida ao extremo e à sua capacidade contínua de autorreflexão. Daí a obstinação que redunda num entendimento quase "mágico" do desprendimento do conceito de liberdade das outras dimensões da vida. Nessa perspectiva, a "hipertrofia" da liberdade seria o fim último da educação e, por conseguinte, a ação educativa do professor se restringiria a um discurso que milita de maneira indiscriminada contra tudo que, de alguma forma, poderia "alienar" o aluno.

A grande meta do docente forjado nesses moldes é a transformação – busca incansável pela transmutação do sujeito, de modo que o conduza de um estado a outro. O que faz sentido aqui não é o estágio de aprendizagem e formação em que o educando se encontra, mas sua possibilidade de ampliar os conhecimentos e progredir intelectualmente. Arrogar à educação a solução de todas as patologias do sistema social constitui a redução de seu papel à militância política e assistencialista, colocando em risco a ideia da formação em seu sentido mais amplo. Então, recairia sobre o professor a pretensiosa e vã ilusão de dar conta do compromisso exclusivo de conduzir a "transmutação" dos sujeitos do estado alienado ao emancipado. A ideia de que as produções humanas são sempre no sentido do progresso – narrativa tipicamente moderna – é uma pedra angular da figura do "professor alquimista". Assim, diante da possibilidade de evolução/transformação, o educando é alguém fraco cognitivamente e carente de consciência crítica, que somente consegue transcender à maioridade esclarecida pela força alquímica do professor, analogamente à transformação química de elementos pobres em elementos ricos.

Em seu texto, Silva (V. P., 2005) defende a ideia da mediação entre conhecimento cotidiano e não cotidiano realizada pelo ensino de filosofia. Nesse sentido, a escola caracteriza-se como a instituição mediadora entre a prática social global e os conhecimentos científicos. Já ao docente cabe a tarefa de "transmitir conhecimentos elaborados, desenvolver e criar habilidades, formar hábitos e convicções de que não é possível apropriar-se no âmbito da vida cotidiana, mas que são necessários para a vida em sociedade" (idem, p. 10). Mesmo compreendendo que o conceito de mediação não se dá de forma unilateral, mas afinada com as questões sociais mais amplas, e que a atividade docente não contém em si mesma os antídotos ao trabalho alienado, Silva contribui para contornar a imagem do "professor alquimista", ao calcar a relação professor-aluno em bases conscientes, de modo que relega os influxos da ordem do sensível, do desejo ou até da vida material.

No texto de Danelon (2006, p. 6), é possível perceber a constante preocupação do autor com a cultura niilista diagnosticada por Nietzsche, em que esse estado de crise da cultura, segundo o autor, vai "paulatinamente, e num silêncio absorto, corroendo os valores que justificam a existência, instaurando a vontade de nada". Nesse cenário é que se justifica a necessidade da disciplina de filosofia no ensino médio. Configurado como um "médico da civilização", o papel do professor "não é curar a civilização, mas diagnosticar a doença, colocando o dedo na ferida" (idem, p. 10) e derrubando, com a ajuda do "martelo" como ferramenta pedagógica, os ídolos que sustentam essa cultura degradada. Mais uma vez, então, o "professor alquimista" apareceria como redentor, aquele que pode fazer seus alunos ouvirem o som oco que produzem as batidas sobre os pilares da civilização, introduzindo a crítica como discurso de denúncia salvante. Essa incitação seria capaz de acordar os educandos da letargia política, carregando a pretensão mística do vanguardismo para a superação da suposta alienação completa dos discentes.

Nesse ponto, não se pode esquecer o insucesso dos alquimistas nas tentativas de transformarem metais básicos, como o chumbo, em metais preciosos, como o ouro e a prata. Estaria aí mais um elemento de aproximação com a impotência sentida pelo professor diante da diversidade social e das demandas que lhe chegam? Na tentativa de equacionar as demandas de que a prática pedagógica é tributária, o fazer docente alicerça-se na transformação permanente da realidade claustrofóbica, que impede os homens da emancipação plena. Em outras palavras, como assinala Nodari (2008, p. 3): "A educação, com efeito, deve ser compreendida muito mais como a arte de conduzir permanentemente o homem à efetivação de seu ser como livre e à explicitação e compreensão do horizonte da totalidade em que se constitui sua existência".

O "elixir da longa vida" significava para os alquimistas o alcance da vida eterna; na educação, pode representar o anseio por atingir a totalidade via consciên­cia emancipada. Nessa perspectiva, seria possível adquirir o poder de síntese e, em consequência, o acesso às verdades mais universais. É assim que:

[...] a possibilidade de extensão infinita dá ao homem, na sua consciência, um valor absoluto que apreende a totalidade do ser, dando-lhe, por conseguinte, a capacidade de contrastar e contrabalançar a totalidade do ser com a contingência do ser corporal no mundo. Assim, se o homem, no plano horizontal do ser corporal, é finito e contingente, mas, enquanto ser espiritual, ou seja, ser cultural, eleva-se sobre o mundo e ultrapassa as barreiras e os limites do mundo biofísico. Em outras palavras, a faculdade racional do homem de conhecer, julgar e falar revela nele uma nova dimensão ontológica, capaz de o soerguer ontologicamente acima do horizonte do mundo e pensar-se na totalidade do ser. (idem, p. 4).

Esse homem – e nesse caso o "professor alquimista" –, ao almejar a totalidade, guarda resquícios místicos, pois o anseio por um télos sempre se justifica mediante a alusão de um homem que tem a pretensão de ser theós: criador e transformador, apreendendo a totalidade numa cosmovisão individual.

Nesse mesmo espírito, Markert (2007, p. 4, grifos do original) vai referir que:

O homem apropria o mundo objetivo com a finalidade de apropriar sua "essência", sua riqueza interior e, por isto, ele luta continuamente e consequentemente contra sua repressão. Finalmente, na superação da propriedade privada, "os sentidos e os espíritos dos outros homens tornaram-se sua própria apropriação".

Colocamos a figura do professor moderno, interessado na conscientização do aluno e do seu progresso pela transformação, associada à figura do alquimista, tipicamente ligada ao mundo religioso e oculto, não por acaso. Afinal, isso lembra de algum modo esse passado, uma vez que é por intermédio do vanguardismo salvífico da mestria que se procura reduzir a diversidade a uma essência pura e unívoca. Esse espírito manifesta-se na cadência, redundância e na frequência que observamos nesses textos o emprego de vocábulos como: "conduzir", "elevar", "transpor", "transformar", "essência", "totalidade", que são imanentes da imagem de docente forjada no desejo da transformação da sociedade e do educando, conduzido de um estado a outro.

Sendo assim, a imagem de "professor alquimista" é tributária de conhecimentos "místicos", uma vez que acredita possuir habilidade especial para despertar a "essência do ser". Essa imagem refere-se àquele que é dotado de conhecimentos também "purificadores", "místicos" e "transformadores". Assim, o "professor alquimista" revive o anacronismo da filosofia da consciência, possuindo uma autocompreensão objetivista da ação pedagógica, comprimida na relação sujeito-objeto: "a singularidade própria do homem que é a de ser o interrogador de si mesmo, interiorizando reflexivamente a relação sujeito-objeto por meio da qual ele se abre ao mundo exterior" (Nodari, 2008, p. 1). A singularidade apontada por Nodari não é uma singularidade do indivíduo que se constitui em uma inter-relação, mas diz respeito à força da conceitualização totalizadora, uma busca pela volta do espírito sobre si mesmo, como forma de combater o não idêntico. Nesse sentido, ela é herdeira de uma pedagogia que, não conseguindo se livrar do cogito cartesiano, acaba colocando a alteridade em segundo plano. Ao converter aquele que não se transformou naquilo que constava na previsibilidade do mestre, faz, assim, um elogio ao primado da identidade em detrimento da diferença.

Porém, os alquimistas tiveram também, indiscutivelmente, o seu valor na história do conhecimento, pois foram eles que contribuíram, com suas experiências, embora nem sempre exitosas, é claro, para formatar a pré-história da química moderna. Ao descobrir muitos compostos e novas substâncias, como o bicarbonato de potássio e o arsênico, eles prepararam o terreno para o surgimento da ciência, que depois veio a receber esse nome, ocasionada justamente devido aos seus experimentos. Buscando o "elixir" da longa vida, a pedra filosofal ou a transformação de metais em ouro, prepararam o terreno para o surgimento também da ideia de mudança de consciência, posto que, nessa metáfora, a pedra poderia ser a mente "ignorante" que é transformada em "ouro" pela ação do alquimista.

O equívoco foi colocar essa expectativa transformadora na figura do professor4 4 A esse respeito, ver outra metáfora que pode induzir a essa compreensão: a do "professor Atlas" (Trevisan, 2004). e não na relação de autorrespeito e de reconhecimento com o aluno em si, ou seja, na mediação oferecida pelo próprio processo de ensino e aprendizado, na própria relação entre filosofia e educação, mestre e discípulo. A filosofia é formadora por excelência de uma visão ética e estética; ela é concebida como "medicina da alma" desde o mundo grego, pois, com seus procedimentos e artifícios lógicos e retóricos, é capaz de mudar o comportamento e a vida do estudante, mas para isso ela precisa da educação, que carrega a transformação em sua imanência.

É sabido que não existe qualquer iniciativa social que resulte em algo positivo, no sentido de uma mudança para melhoria interna da vida das pessoas, se não tiver a presença e a mediação da educação. O problema é apostar na colocação de toda essa alta expectativa, ou melhor, desses potenciais cognitivos, na simples expansão da consciência e, ao fim e ao cabo, alocar todo o peso dessa "mágica" em cima das competências do professor. Certamente, essas energias criativas e transformadoras encontrariam a sua efetividade na (rel)ação, e não somente como resultado de um novo estado de consciência ou de apropriação do saber simplesmente.

Essa metáfora traz a ideia de conversão (ou transformação), que já foi utilizada por Platão na alegoria da caverna, e esse é um ponto fundante na educação ocidental, colocando na ação pedagógica da filosofia a responsabilidade pela mudança. Porém, no processo educativo do indivíduo, essa condução não precisa ser necessariamente em um único sentido, pois sofre interferências do contexto em que acontecem. Muito embora a alquimia e a metafísica componham uma amálgama de difícil separação, esse plano ideal não se perfaz por uma mera ação mágica, mas guarda referências do mundo prático, onde não há, naturalmente, duras separações hierárquicas do fazer humano. De modo geral, é por isso que podemos entender o viés dos autores que, de uma forma ou outra, fundamentam sua discussão sobre formação baseados em Marx, herdeiros, portanto, da pretensão de realizar a filosofia pela prática. Nesse sentido, de alguma forma, eles contribuem para fazer o logos descer do "céu metafísico" e se fazer prático na vida dos homens. Portanto, o diálogo entre teoria e prática deve partir de uma preocupação pedagógica pela práxis, na busca pela emancipação.

Assim o "professor alquimista", não com a certeza de percorrer o caminho seguro e, por isso, sem deixar de cometer alguns equívocos, consegue, de algum modo, anunciar a possibilidade de tornar atingível o ideal platônico de conversão à filosofia no contexto pós-metafísico. Desse modo, esse modelo contribui para pensar a imagem de um professor que se preocupa também com os fins, com as práticas ligadas a um leme teórico, embora esse leme seja orientado pela práxis social e não pela relação ampla e aberta, com horizonte indefinido e a ser descoberto, como ocorre na metáfora do "professor viajante", conforme será descrito a seguir.

A DOCÊNCIA NA IMAGEM DO "PROFESSOR VIAJANTE"

O campo socioantropológico diferencia o turista – que viaja com a finalidade de diversão e consumo – do viajante – cujo objetivo primeiro é se apropriar, conhecer e entender a cultura do lugar por que passa. Ao integrar-se ao local, o viajante constrói novas experiências, significando o conhecimento por intermédio da cultura na qual se envolve. Ao chegar como um desconhecido ao local, passa por diversas experiências – por vezes negativas – de estranhamento com os modos de vida, estabelecendo interações que se aproximam daquelas necessárias à sua sobrevivência. Nesse convívio, percebe o quão heterogêneas podem ser as subjetividades e perspectivas dos homens nos grupos sociais.

Goethe (2006), em seu romance de formação (Bildungsroman), Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, ilustra com mestria o processo de formação de um viajante. Na obra, o personagem principal contraria as expectativas de sua família – desejosa de que ele fizesse carreira no comércio – ao decidir juntar-se a uma trupe de comediantes, ingressando assim no mundo do teatro, uma decisão incomum para uma pessoa daquela classe social. Em meio a uma sequência infindável de encontros, peripécias e diversas ligações amorosas, Meister vê-se às voltas com os mais diferentes extratos sociais, cumprindo uma trajetória que o põe em contato com o outro e o estranho, desenhando um esplêndido painel da sociedade de seu tempo.

Apoiamo-nos na imagem do viajante5 5 Do mesmo modo que explicitamos os textos angulares que contribuíram para conformar a imagem de "professor alquimista", referimo-nos aqui aos textos que subsidiaram a configuração do "professor viajante": "Problematização de alguns pressupostos do ensino de filosofia para jovens" (Aspis, 2005); "A face pedagógica de Eros" (Dozol, 2005); "Pensamento complexo e a formação da autoética" (Castro, 2005); "Paradigmas da filosofia e teorias educacionais: novas perspectivas a partir do conceito de cultura" (Trevisan, 2006); "Filosofia, formação ética e ensino médio: uma combinação possível?" (Sanchez, 2006); "A dialética socrática como paideia irônica" (Zuin, 2007); "Educação, formação cultural e pluralidade de perspectivas entre outros (en)cantos das sereias" (Ourique; Trevisan, 2007); "O operar pedagógico sob o primado da comunicação: a pedagogia em perspectiva autofundante" (Boufleuer, 2007); "Foucault professor" (Ramirez, 2008); "Educação, histórias e sentido em Hannah Arendt" (Almeida, 2008); "Pensar a função-educador: aproximações foucaultianas voltadas para a constituição de experiências de subjetividades ativas" (Carvalho, 2008). para tecer um outro modelo de professor, sugerido com base na leitura hermenêutica dos textos estudados. Na polissemia do conceito de Bildung, lembrado por Ourique e Trevisan (2007), encontramos justamente a formação como uma viagem e, por esse aspecto, o professor desafia os estudantes a embarcar com ele em um tour formativo por saberes já construídos, ao mesmo tempo em que vai religando ou rompendo elos compreensivos. Para além dos saberes de sua formação inicial, sua formação cultural sustentará muitas dessas viagens, afinal, a aprendizagem construída na escola precisa ultrapassar seus muros, explicitando, de forma positiva, a função social da instituição.

Já o texto de Trevisan (2006) articula, por meio de metáforas significativas dos três grandes paradigmas filosóficos – "metafísico", "epistemológico" e "linguístico" –, as teorias educacionais a uma nova percepção da pedagogia, ligada ao paradigma da linguagem. Considerando a centralidade da cultura na atualidade, a pedagogia assume "claramente a função de análise dos discursos nesse contexto, fazendo a terapia da linguagem e do uso dos conceitos, purificando os seus excessos" (idem, p. 13). Esses excessos têm bases metafísicas e, na educação, dizem respeito, justamente, às expectativas sociais colocadas sobre a profissão docente.

O vigor dessa comunicação distorcida na prática pedagógica acaba produzindo falsas expectativas e utopias acerca do alcance do processo educativo e do trabalho docente. Diferentemente da perspectiva contemplativa ou transformadora em si, resultante do trabalho do "professor alquimista", Trevisan aponta a ideia da realização como a mais próxima às demandas sociais. Consequentemente, a tarefa da docência – em vez de produzir divisões entre os iniciantes e iniciados, indivíduos conscientes e inconscientes – inscreve-se no impacto que provoca sobre a opinião da sociedade. Desse modo, a compreensão sobre a produção/organização da cultura e as diferentes estratégias de intervenção são características acentuadas da figura do professor entendida como um "viajante" na cultura.

A linguagem como um saber necessário à profissão docente também é debatida no texto de Dozol (2005, p. 5), explorando para isso o aspecto pedagógico da figura de Eros:

Em sua faceta pedagógica, transfigura-se em gênio tutelar, numa espécie de voz interior que fala ao homem, guia-o ou aconselha-o. Aqui se realiza como mediador, com função de interpretar e transmitir: é como a linguagem que se tece na verticalidade, no relacionamento humano/divino.

A exemplo dos cantos e encantos das musas no Olimpo, o "professor viajante" utiliza-se do poder de sedução das palavras para ser ouvido pelo aluno, suscitando-lhe o desejo em relação ao conhecimento. Para essa tarefa, o professor cerca-se de uma polifonia de vozes que se pretendem educativas, mas sem tomá-las como verdades a priori ou dotando-as da tarefa de promover uma passagem – como a que buscava o "professor alquimista".

Essa perspectiva também é posta em dúvida por Boufleuer (2007), ao lembrar que a comunicação humana não se compõe de um processo que conta com um emissor, uma mensagem e um receptor. O autor configura uma variante da imagem do "professor viajante" como aquele que "testemunha" sua própria aprendizagem, participando ativamente nesse momento do processo de geração e mediação de percepções pelas suas perspectivas. Assim, o entendimento da pedagogia como um "fazer autofundante" acontece nas situações de encontro comunicacional em sala de aula:

Para além de seus reflexos ou instintos naturais, herdados geneticamente, a espécie humana também aprende. E este aprendizado se dá na perspectiva própria de cada um dos sujeitos, já que ninguém pode propriamente aprender "de" outros. Aprendemos, isso sim, "por causa" de outros, pela instigação que outros provocam em nós. Não pelo repasse das percepções de uns para outros, não pela passagem de uns para outros de alguma coisa que poderíamos chamar de conhecimento. A aprendizagem que o outro fez de nada serve para mim, a não ser como instigação para a elaboração da minha própria aprendizagem. O outro pode ser a "causa" de minha aprendizagem, mas não sem o meu "comparecimento", sem o meu engajamento, sem a minha cumplicidade. (idem, p. 8)

O autor situa sua proposta em um paradigma intersubjetivo, cujos processos de formação se fortalecem justamente no contato com o estranhamento provocado pelo outro, constituindo-se numa viagem provocativa de experiências com a alteridade para a construção da própria identidade. Entretanto, a figura do "professor viajante", igualmente à anterior, carece de toda cautela ao ser contornada, de modo que não resvale em utopismos que tantas distorções já causaram à educação. Sua inspiração poética/literária, típica da ideia de Bildungsroman, avigora a dimensão estética do ser/fazer pedagógico enquanto processo, o que não significa o descuido para com seus fins, sob pena de se perderem todas as referências da trajetória formadora. O que está em questão, portanto, é uma mudança na forma de compreender o conhecimento e o sujeito na educação, que destrancendentaliza os fins pedagógicos, para tomá-los como um horizonte normativo e não como forma a priori incontestável.

Percebendo essa mudança paradigmática, Sanchez (2006) procura evidenciar a importância da filosofia na atualidade – especialmente, no currículo do ensino médio – e a tendência educativa enfatizada com a pretensão de formar sujeitos críticos, criativos e conhecedores de seu papel no atual quadro de globalização. A autora, apesar de endossar o diagnóstico contemporâneo da frivolidade em detrimento dos valores humanos mais universais de justiça e felicidade, não abre mão da construção de um projeto educativo calcado em "sentidos mais duráveis, mais estáveis, mais generosos para a existência humana, que passe pela reconstrução dos laços sociais – que, por sua vez, se afirmam na experiência de participação em uma obra comum" (idem, p. 15-16). Em um cenário social em que imperam os valores do consumo, a educação ainda preserva um espaço importante para o questionamento sobre a realidade em que se vive, pois ela diz respeito à formação do homem e da sociedade e, nesse processo, Sanchez (idem, p. 14) deixa claro:

A crítica à estrutura socioeconômica vigente não precisa estar acompanhada de um esvaziamento dos sentidos para a existência humana. Muito pelo contrário, para que ela não implique apenas maior conformismo, ela deve se basear na possibilidade da construção de novos sentidos – o que não será realizado sem que os indivíduos tomem consciência de que são eles que constroem e reconstroem cotidianamente esses sentidos.

Diferente da tarefa designada ao "professor alquimista" de modificar a situação político-ideológica à qual o processo pedagógico está atrelado, a autora enfatiza que o trabalho de modificar a sociedade, empreendendo-lhe outros sentidos, compete a todos. Nessa direção, a consciência não está a serviço de um plano representacional da realidade, mas colaborando – assim como outros mecanismos de que o homem dispõe – para a compreensão e construção de possibilidades para a ação humana. Sendo assim, cabe ao "professor viajante" contribuir com propostas de itinerários que ampliem cada vez mais as possibilidades de interpretação e ação de seus alunos. Esse processo de aprendizagem ultrapassa as barreiras da escola, bem como a finalidade educativa (intencional), abrangendo a compreensão da cultura em sua dimensão (auto)formativa.

Essas formas interativas de produzir conhecimento são discutidas por Aspis (2005) por meio da figura do professor de filosofia. Quando esse leva alguém a conhecer algo, não deve dizer "veja o que eu vejo!" ou, ainda, "veja como eu vejo!", já que essa maneira de instigar o aluno pouco pode contribuir para sua formação: "A atitude educacional na qual acreditamos é aquela que forma o outro para ser outro. Mostramos e dizemos: 'veja o que você vê', 'veja como você inventar de ver'" (Aspis, 2005, p. 8). Aqui, a imagem do "professor viajante" é incrementada pela ideia de que professor e aluno são aprendizes, que conduzem seus processos de (auto) aprendizagem com seus próprios olhares, curiosidades, experiências.

Castro (2005, p. 12) corrobora essa compreensão do processo pedagógico ao arrazoar que o professor deixa de ser aquele especialista que "sabe tudo" e passa a ser partícipe do processo de conhecer.

Nessa concepção, mais do que afirmar ou ter certezas sobre os conhecimentos, o professor precisa ser "contagiado" por aquilo que Morin denominou "princípio da incerteza". Para que isso seja possível, é preciso que o professor esteja aberto às mudanças e transformações vigentes. Acreditamos que hoje não é mais possível conceber uma educação estática, pois a realidade está em processo de mudança acelerada e com isso todas as coisas se transformam. Faz-se necessário contagiar o ambiente escolar com este espírito de abertura e mudança.

Se a realidade é mudada de forma acelerada, não é mais possível perceber a educação como um processo estático, e o ambiente escolar precisa ser sensível a esse espírito de abertura e mudança, assim como o professor deve estar disponível para pensar e agir sobre essas transformações.

Essa abertura à mudança, ao estranho, característica da figura do "professor viajante", é dilatada por Carvalho (2008, p. 1), ao mencionar o conceito função-autor, de Foucault, como "intercessora da função-educador". Tal conceito, diz Carvalho, é uma espécie de gerador criativo, voltado para as ações, reposicionamentos, criações e transformações atinentes à formação/(re)constituição de subjetividades ativas, ou seja, subjetividades que estão sempre recriando-se. A função-educador pode proporcionar experiências diferentes das que os alunos estão acostumados a viver, adaptando-se à sua singularidade e variabilidade, criando possibilidades de outras conexões, podendo assim ocasionar a experiência da descontinuidade para formar novas subjetividades. Daí a metáfora de "professor narrador", uma variante da imagem do "professor viajante", conforme expõe Almeida (2008, p. 15):

A ausência de uma narrativa maior na qual nos possamos inserir e os acontecimentos inarráveis não devem tornar-se obstáculos intransponíveis para o professor ser um narrador do mundo, pois só assim as crianças e os jovens poderão dar continuidade às histórias que se passaram e se tornar protagonistas das que acontecerão ainda.

Desse modo, o "conhecimento da realidade" – entendido aqui como o entendimento das necessidades, angústias e experiências dos estudantes – é percebido pelo "professor viajante" de forma diferente daquela que levou o "professor alquimista" à busca da transformação dos contextos sociais que encontrava. O "professor viajante" constrói seus itinerários de formação lançando-se ao desconhecido na ânsia de perfazer novas trajetórias formativas. Nessa direção, Ramirez (2008, p. 4-5) fornece um exemplo sobre a construção das aulas ministradas por Foucault nos cursos do Collège de France, bem como explica por que esse entendimento de sua obra, nesse viés compreensivo, nem sempre foi privilegiado:

A aula de 1º de fevereiro de 1978 é um bom exemplo: nela o professor Foucault introduz, pela primeira vez, o conceito de "governamentabilidade" e afirma que o título mais exato do curso seria "história da governamentabilidade" e não "Securidade, Território, População". Essa afirmação mostra como o professor Foucault não tem pronto o "curso", nem concluída a pesquisa: ela está em andamento através do curso. A publicação dessa aula como texto isolado, descontextualizado em coletâneas de outros textos de diversa natureza (conferências, entrevistas etc.), ou seja, sua publicação (e leitura) como texto escrito impede observar sua procedência, suas condições de aparição, seu uso no marco da pesquisa desenvolvida por Foucault nesse momento; congela, enfim, o conceito, fazendo invisível seu caráter provisório e sua importância metodológica no movimento da pesquisa e do pensamento.

Ao fazer das próprias aulas momentos de pesquisa e reflexão, Foucault dava seu testemunho sobre a produção do conhecimento aos alunos, aspecto importante já salientado por Boufleuer. Além disso, não é a metodologia ou a didática exclusivamente que sustenta a ação pedagógica do "professor viajante"; elas são apenas ferramentas entre as quais ele lança mão para mobilizar o processo formativo.

A ideia sobre o inacabamento humano, tangente nos textos de Ourique e Trevisan, Boufleuer e Ramirez, por exemplo, é explicitada por Zuin (2007) quando afirma que o educador que consegue rir e elevar-se ao mesmo tempo é aquele que é capaz de rir, irônica e pedagogicamente, de si, ao reconhecer suas próprias limitações. Desse modo, o "professor viajante" tem indícios sobre o percurso da viagem formativa, mas seu movimento efetivo depende da relação que se estabelece entre professor e alunos, ou seja, o horizonte de expectativas não é, de modo algum, cegamente perseguido, o que os impediria de perceber e aprender com as experiências – às vezes, surpreendentes – do processo.

Porém, é preciso ressalvar que o "viajante" facilmente pode tornar-se um turista no mundo da vida, cujas experiências não tocam mais sua instância subjetiva/crítica. O turista é mais facilmente cooptado pelo universo do consumo, transitando por trilhas pré-programadas e roteiros previstos de antemão, o que limita as possibilidades de sentir e perceber novas experiências. A imagem de professor como "viajante", portanto, não é um ideal que está acima de qualquer suspeita ou inatingível, dado que ela é construída em cima do ambiente pós-metafísico, isto é, de um pensamento que já rompeu com as estruturas imutáveis de ser e estar no mundo e com a visão da teleologia. Não tendo mais a bússola do conhecimento seguro, o risco de o viajante virar um simples turista é permanente, transformando-se em alguém que simplesmente transita ou surfa sobre as ondas do saber sem fazer as necessárias paradas – especialmente, para compreender de maneira mais profunda seu ambiente cultural –, por isso, menos propenso a se confrontar efetivamente com o outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho procurou remeter à compreensão da docência por sua via estética. Na tentativa de acompanhar essas exigências, as pesquisas no campo da formação docente acabam tracejando imagens-modelo de professor. Nesse sentido, o objetivo não é a criação de índices para uma análise (avaliação) qualitativa e quantitativa da docência, em relação à realidade do mundo docente e suas "nuances" acadêmicas, que possibilitariam a "afinação" do seu desempenho acadêmico. Antes, o estudo busca ampliar o campo da discussão teórica a respeito dos processos formativos de performatização das atribuições docentes no contexto contemporâneo. Por conseguinte, analisar o papel da docência e compreender como ele se configura em uma sociedade cada vez mais complexa implicam aceitar que há diferentes formas de conceber a ação educativa dos professores nas narrativas da Bildung.

A discussão sobre o significado de pensar a formação docente, por exemplo, na imagem de "professor alquimista" ou na de "professor viajante" contém em seu âmago pressupostos bastante diferentes que, não raro, passam despercebidos pelos docentes em formação. Elas diferem sobre a relação que estabelecem com o conhecimento, localizando-o em um plano "transcendente" que deve ser perseguido, inexoravelmente, ou como um processo de criação e recriação de sentidos permanente. A asserção pedagógica sobre a necessidade de "partir da realidade do aluno" pode conduzir a caminhos bastante diversos, conforme o modelo de docência construído. No entanto, por mais que uma imagem ou outra possa nos parecer estranha, elas estão intimamente ligadas à mesma raiz clássica que necessita do reconhecimento, caso contrário, o giro da formação cultural ficaria incompleto, posto que aprisionado à dimensão do conflito.

Para superar a tríade racionalista ação-reflexão-ação, criticada pelo amplo espaço e valor dado à ação e pouco à pesquisa, Bildung e formação docente são conceitos que precisam ser recuperados em seu sentido mais caro, isto é, enquanto formação humana, elaborando, assim, novas metáforas compreensivas sobre o exercício da docência. Nesse sentido, na identificação das imagens de "professor alquimista" e de "professor viajante", ou melhor, Bildung enquanto trabalho e Bildung como viagem, estão presentes dois elementos que fazem parte dos pilares de nossa cultura.

Podemos lembrar aqui a fábula A formiga e a cigarra, ou mesmo a "parábola do filho pródigo", da Bíblia, como um sintoma de que a sua interpretação, talvez um pouco aligeirada, acabou criando uma cisão entre os que preferem viajar (pela teoria) e os que não abrem mão da prática (do trabalho). Certamente que em ambas as histórias há uma tentativa de reprovação da performance do viajante, e por isso talvez essa metáfora surja hoje com tanta força. Mas isso só comprova que esses dois elementos, teoria e prática, interação e conhecimento, experiência vivida e saber escolar, embora sejam fundamentais para a existência humana, até hoje encontram dificuldade de ser articulados na sua devida proporção.

Afinal, como seria possível conceber uma atitude de afinidade com o conhecimento – provocativa, esclarecedora ou emancipada – pelo professor, sem antes a construção de uma relação sedutora, de confiança e de mútuo respeito com o aluno? Ou, inversamente, como é possível que a relação pedagógica não se esgote no exercício da interação, da atividade ou do diálogo, mas avance em direção à compreensão do saber presente nos bens da cultura? A autoconsciência desse distanciamento nos discursos circulantes sobre a docência faz-nos pensar sobre o porquê de ainda estarmos contribuindo, no atual momento, para perpetuar concepções unilaterais sobre a formação e a cultura. Esse é, pois, o tempo de colaborar para a construção de uma crítica forte sobre as diferentes formas de conceber os centros de formação de professores e os saberes que lhes servem de sustento. Consideramos esse também um trabalho de filosofia e educação, capaz de ampliar a maneira de perceber o discurso pedagógico, fornecendo balizadores para essa avaliação.

Por essa abordagem, tornou-se possível enfatizar alguns vínculos comunicativos entre as diferentes imagens de docência e os modos particulares de conceber os fins da educação e seus aspectos metodológicos. Assim, a pesquisa indica também que há uma preocupação crescente por parte dos grupos de pesquisa ligados à filosofia da educação com as questões da formação como um dos pilares mais agudos da problemática educacional no cenário contemporâneo.

Enfim, com as imagens que demarcamos neste estudo, percebemos o quanto são múltiplas as exigências que atuam nas licenciaturas – desde a imediata vinculação com o exercício da docência até a apreensão das teorias educacionais –, o que torna exígua a distância entre o passado e o contemporâneo. É nesse fio que o jogo entre inovação-preservação se delineia na educação e, em ambas as imagens, o cenário em que essas relações se constituem é a cultura, campo em que as tradições são significadas e a docência exercida.

SOBRE OS AUTORES

Amarildo Luiz Trevisan é doutor em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: amarildoluiz@terra.com.br

Maiane Liana Hatschbach Ourique é doutora em educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail: maianeho@yahoo.com.br

André Luiz de Oliveira Fagundes é mestrando em educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail:andrelive@bol.com.br

Eliana Regina Fritzen Pedroso é graduanda em pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: eliana.fritzen@yahoo.com.br

Recebido em maio de 2011

Aprovado em fevereiro de 2012

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  • OURIQUE, Maiane Liana Hatschbach. Performances da docência: compreensão das dimensões filosóficas da formação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro,ANPEd; Campinas, Autores Associados, v. 15, n. 45, p. 544-554, set./dez. 2010.
  • __________.;TREVISAN, Amarildo Luiz. Educação, formação cultural e pluralidade de perspectivas entre outros encantos das sereias. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd , 30., 2007, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2007. 1 CD-ROM.
  • RAMIREZ, Carlos Ernesto Noguera. Foucault professor. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 31., 2008, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2008. 1 CD-ROM.
  • SANCHEZ, Liliane B. Filosofia, formação ética e ensino médio: uma combinação possível? In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 29., 2006, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2006. 1 CD-ROM.
  • SILVA, André Gustavo Ferreira da. Didáticas da liberdade: variações do conceito de liberdade em Jamil Cury, Antônio Rezende e Moacir Gadotti. In:REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 28., 2005, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2005. 1 CD-ROM.
  • SILVA, Vandeí Pinto da. Cotidiano e filosofia no ensino médio: mediações. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 28., 2005, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2005. 1 CD-ROM.
  • SUAREZ, Rosana. Nota sobre o conceito de Bildung (formação cultural). Kriterion, Belo Horizonte, FAFICH/UFMG, v. 46, n. 112, p. 191-195, dez. 2005.
  • TREVISAN, Amarildo Luiz. Terapia de Atlas: pedagogia e formação docente na pós-modernidade. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.
  • __________. Paradigmas da filosofia e teorias educacionais: novas perspectivas a partir do conceito de cultura. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 29., 2006, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2006. 1 CD-ROM.
  • ZUIN, Antonio Alvaro Soares. A dialética socrática como paideia irônica. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 30., 2007, Caxambu. Anais... Caxambu: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2007. 1 CD-ROM.
  • *
    No presente estudo, estamos propondo uma iconografia diferente para compreender o imaginário envolto na autocompreensão da formação e da docência. O texto é resultado da nossa participação em diferentes fóruns de discussão, tendo como ponto de partida o desenvolvimento do projeto de pesquisa "Formação no contemporâneo e imagens de docência", apoiado pelo edital universal n. 14, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/2008 – Faixa A, desenvolvido entre 18 de novembro de 2008 e 17 de novembro de 2010. Nessa perspectiva investigativa, já foram também delineadas as imagens de "professor Prometeu" e de "professor Hércules" (Ourique, 2010).
  • 1
    A tradução da expressão alemã
    Bildung para o português como "formação" não abrange totalmente o sentido original do termo. Para os alemães do século XIX, a cultura era o lugar em que se dava o desenvolvimento espiritual, tendo a família e a escola um papel muito elevado na formação humana. No texto "Nota sobre o conceito de
    Bildung (formação cultural)", Suarez (2005) apresenta, valendo-se do artigo "Bildung et Bildungsroman", de Berman, cinco possibilidades de significação: enquanto trabalho, viagem, tradução, viagem à Antiguidade ou prática filológica.
  • 2
    Os textos em que o fazer docente pode ser aproximado à imagem de "professor alquimista" são: "Didáticas da liberdade: variações do conceito de liberdade em Jamil
    Cury, Antônio Rezende e Moacir Gadotti" (Silva, A.G.F., 2005); "Cotidiano e filosofia no ensino médio: mediações" (Silva, V.P., 2005);
    "Filosofia, formação ética e ensino médio: uma combinação possível?" (Sanchez, 2006); "Por um ensino de filosofia como diagnóstico do presente: uma leitura à luz de Nietzsche" (Danelon, 2006); "Teoria crítica, formação estética e educação: reflexões sobre crítica da economia política, formação estética e o conceito de professor reflexivo-transformativo" (Markert, 2007); "Filosofia e formação humana" (Lorieri
    et al., 2007); "Hegel: o conceito de
    Freiheit fundamentando a noção de
    Bildung" (Ferreira, 2007); "Educação, paranoia e semiformação" (Bueno, 2008); "Arte e formação humana em Lukács e Vigotski" (Duarte, 2008); "Educação, cultura e cidadania" (Nodari, 2008).
  • 3
    Suarez (2005, p. 193-194) destaca a presença da
    Bildung tanto no pensamento de Goethe quanto no de Hegel, ao anotar: "Designativa de um processo, a palavra
    Bildung aparece, tanto em Hegel quanto em Goethe, ligada à ação prática, ao
    trabalho. Elemento definidor e resultado do processo cultural,
    Bildung significa, no pensamento de Hegel, a partir de sua
    Propedêutica filosófica, ruptura com o imediato e passagem do particular ao universal, mais ainda, elevação ao universal, conotando aprimoramento, engrandecimento".
  • 4
    A esse respeito, ver outra metáfora que pode induzir a essa compreensão: a do "professor Atlas" (Trevisan, 2004).
  • 5
    Do mesmo modo que explicitamos os textos angulares que contribuíram para conformar a imagem de "professor alquimista", referimo-nos aqui aos textos que subsidiaram a configuração do "professor viajante": "Problematização de alguns pressupostos do ensino de filosofia para jovens" (Aspis, 2005); "A face pedagógica de Eros" (Dozol, 2005);
    "Pensamento complexo e a formação da autoética" (Castro, 2005); "Paradigmas da filosofia e teorias educacionais: novas perspectivas a partir do conceito de cultura" (Trevisan, 2006); "Filosofia, formação ética e ensino médio: uma combinação possível?" (Sanchez, 2006); "A dialética socrática como paideia irônica" (Zuin, 2007);
    "Educação, formação cultural e pluralidade de perspectivas entre outros (en)cantos das sereias" (Ourique; Trevisan, 2007); "O operar pedagógico sob o primado da comunicação: a pedagogia em perspectiva autofundante" (Boufleuer, 2007); "Foucault professor" (Ramirez, 2008); "Educação, histórias e sentido em Hannah Arendt" (Almeida, 2008); "Pensar a função-educador: aproximações foucaultianas voltadas para a constituição de experiências de subjetividades ativas" (Carvalho, 2008).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      Maio 2011
    • Aceito
      Fev 2012
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