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Uma abordagem histórica da psicologia nos cursos de formação de professores: em foco os programas da disciplina em uma escola catarinense na década de 1930

A historical approach to the psychology of teacher education courses: psychology syllabus in a Santa Catarina school in the 1930s

Un abordaje histórico de la psicología en los cursos de formación del profesorado: enfoque en los programas de la asignatura en una escuela catarinense en la década de 1930

Resumos

Em Santa Catarina, na década de 1930, as escolas normais sofreram uma reorganização em sua estrutura com a preocupação de atribuir um caráter científico à educação. A psicologia, a biologia e a sociologia são as ciências que exercem influência na constituição do pensamento educacional. Este artigo analisa os programas de ensino das disciplinas psicologia educacional (1937/1939) e pedagogia (1937) de um curso de formação de professores. Esses programas evidenciam a preocupação com as fases do desenvolvimento infantil e suas características, cabendo à escola reconhecer as diferenças e adequar o ensino ao desenvolvimento da criança. Aos professores caberia aprender com os conhecimentos científicos e aplicá-los de maneira que tornassem a ação docente o mais pragmática possível.

formação de professores; psicologia; educação científica


In Santa Catarina state, in the 1930s, normal schools underwent reorganization with the intention of giving a scientific character to education. Psychology, biology and sociology are the sciences that influence the educational thought. This article examines the teaching programs of educational psychology (1937/1939) and pedagogy (1937) of a teacher education course. These programs evidence that there was a concern with the stages of child development and their characteristics, and that the school was expected to recognize differences and tailor teaching to each child's development. Teachers were expected to acquire scientific knowledge and apply it to make teaching as pragmatic as possible.

teacher education; psychology; science education


En Santa Catarina, en la década de 1930, las Escuelas de Formación de Profesorado sufrieron una reorganización en su estructura con el afán de asignar un carácter científico a la educación. La psicología, la biología y la sociología son las ciencias que influyen en la formación del pensamiento educativo. Este artículo revisa los planes de estudio de las asignaturas de psicología de la educación (1937/1939) y pedagogía (1937) para un curso de formación de profesores. Dichos planes evidencian la preocupación por las etapas del desarrollo del niño y sus características. Le toca a la reconocer las diferencias y adaptar la enseñanza al desarrollo del niño. A los profesores les tocaría aprender con los conocimientos científicos y emplearlos en su labor, con el fin de hacer la acción docente lo más pragmática posible.

formación del profesorado; psicología; educación científica


ARTIGOS

Uma abordagem histórica da psicologia nos cursos de formação de professores: em foco os programas da disciplina em uma escola catarinense na década de 1930

A historical approach to the psychology of teacher education courses: psychology syllabus in a Santa Catarina school in the 1930s

Un abordaje histórico de la psicología en los cursos de formación del profesorado: enfoque en los programas de la asignatura en una escuela catarinense en la década de 1930

Diana Carvalho De Carvalho; Maria Das Dores Daros; Ana Paola Sganderla

Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Em Santa Catarina, na década de 1930, as escolas normais sofreram uma reorganização em sua estrutura com a preocupação de atribuir um caráter científico à educação. A psicologia, a biologia e a sociologia são as ciências que exercem influência na constituição do pensamento educacional. Este artigo analisa os programas de ensino das disciplinas psicologia educacional (1937/1939) e pedagogia (1937) de um curso de formação de professores. Esses programas evidenciam a preocupação com as fases do desenvolvimento infantil e suas características, cabendo à escola reconhecer as diferenças e adequar o ensino ao desenvolvimento da criança. Aos professores caberia aprender com os conhecimentos científicos e aplicá-los de maneira que tornassem a ação docente o mais pragmática possível.

Palavras-chave: formação de professores; psicologia; educação científica.

ABSTRACT

In Santa Catarina state, in the 1930s, normal schools underwent reorganization with the intention of giving a scientific character to education. Psychology, biology and sociology are the sciences that influence the educational thought. This article examines the teaching programs of educational psychology (1937/1939) and pedagogy (1937) of a teacher education course. These programs evidence that there was a concern with the stages of child development and their characteristics, and that the school was expected to recognize differences and tailor teaching to each child's development. Teachers were expected to acquire scientific knowledge and apply it to make teaching as pragmatic as possible.

Keywords: teacher education; psychology; science education.

RESUMEN

En Santa Catarina, en la década de 1930, las Escuelas de Formación de Profesorado sufrieron una reorganización en su estructura con el afán de asignar un carácter científico a la educación. La psicología, la biología y la sociología son las ciencias que influyen en la formación del pensamiento educativo. Este artículo revisa los planes de estudio de las asignaturas de psicología de la educación (1937/1939) y pedagogía (1937) para un curso de formación de profesores. Dichos planes evidencian la preocupación por las etapas del desarrollo del niño y sus características. Le toca a la reconocer las diferencias y adaptar la enseñanza al desarrollo del niño. A los profesores les tocaría aprender con los conocimientos científicos y emplearlos en su labor, con el fin de hacer la acción docente lo más pragmática posible.

Palabras clave: formación del profesorado; psicología; educación científica.

O presente artigo resulta de pesquisas realizadas no âmbito de duas linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo eles, Sociologia e História da Educação, e Ensino e Formação de Educadores. Tendo como referência as fontes históricas recolhidas em investigações, o presente texto dedica-se a analisar os programas de psicologia da educação em uma escola catarinense de formação de professores, na década de 1930.

A primeira metade do século XX pode ser entendida como um momento privilegiado para discutir as estreitas relações que se estabeleceram entre a psicologia e a educação no Brasil. Para isso, no entanto, se faz necessário considerar o contexto histórico, social e político do país, em que estava em pauta a construção de um projeto de nação que via na educação, com base na ciência, a possibilidade de sua consolidação.

A urbanização e a industrialização eram processos recentes e exigiam a formação de um homem mais adequado ao mundo moderno. A atuação de uma intelectualidade influente nesse período, seja por meio da atuação em associações profissionais, da participação em cargos do Estado, e a produção de conhecimentos teóricos e técnicos na área de educação foram elementos que caracterizaram o que chamamos neste artigo da constituição do campo educacional brasileiro, que se instituía com diferentes projetos educacionais que disputavam a hegemonia na cena pública brasileira (Sganderla; Carvalho, 2010).

As mudanças pretendidas na educação no Brasil para constituição do campo educacional1 1 Para discutirmos a constituição do campo educacional, tomamos como referência o conceito de campo social de Pierre Bourdieu. Esse conceito é central na obra desse autor, pois vê o campo como um microcosmo no macrocosmo que é a sociedade, entendendo que o social é constituído por diferentes campos. O espaço social é composto por uma pluralidade de campos relativamente autônomos; cada um desses campos define suas maneiras específicas de dominação e estabelece suas próprias regras: campo cultural (sistema de classificação que oferece aos agentes a oportunidade de colocar em prática suas estratégias de distinção), campo de poder (espaços de força em que os indivíduos agem em razão de suas respectivas posições, como num jogo de xadrez), campo político (predomina o "ilusionismo democrático": as classes dominantes têm o monopólio da política, enquanto os dominados tendem a se considerar incompetentes, delegando seu poder de decisão e se autoexcluindo) (Valle, 2007, p. 128). como espaço específico exigiram a formação e a profissionalização dos educadores, considerando que, até então, as vagas nessa área eram preenchidas por intelectuais das mais diversas procedências: médicos, engenheiros, bacharéis e políticos (Brandão, 1999; Miceli, 1979).

A formação do profissional para as atividades de ensino passou a ocorrer nos cursos de formação de professores, que a partir dos anos de 1920 tornaram-se regulares e sofreram diversas modificações nas suas versões iniciais. Tais modificações foram empreendidas em diferentes estados do país, que se organizavam independentemente, sendo as propostas formuladas por educadores reformadores, já que não existia uma legislação federal que unificasse tais processos (Tanuri, 2000).

Em Santa Catarina, a Escola Normal é instituída no final do século XIX, conforme indicam Daros e Daniel (2008), mas é a partir da reforma da Instrução Pública Catarinense, em 1911, capitaneada por Orestes de Oliveira Guimarães, professor paulista contratado para "mudar o sistema de ensino de modo a instaurar um novo sistema de pensamento" (Teive, 2008, p. 32), que o estado busca desenvolver as ideias modernas que o colocariam na rota da civilização e do progresso. Ao analisar a cultura escolar e a produção de um novo habitus pedagógico da Escola Normal catarinense no período de 1911 a 1935, Teive (idem) destaca a importância do método intuitivo nesse processo e das disciplinas consideradas pedagógicas, a saber: psicologia e pedagogia. São palavras da autora:

Com efeito, quanto maior fosse a capacidade do/a professor/a para organizar as lições e controlar o tempo a elas dedicado, maior seria o êxito no que diz respeito à captação e manutenção da ordem e da disciplina na sala de aula. Por essa razão, na disciplina de Psicologia privilegiavam-se os conteúdos relacionados ao conhecimento da natureza da criança, a dinâmica dos seus interesses e desejos, as leis do desenvolvimento físico e mental, as suas tendências e realizações pessoais, bem como conteúdos relacionados à educação dos sentidos, da percepção, da inteligência, da memória, da curiosidade, da vontade e da atenção, suportes considerados indispensáveis à implantação, pelos/as futuros professores/as, do novo método. (idem, p. 173)

A partir da década de 1930, as Escolas Normais sofrem significativa reorganização em sua estrutura, sendo que em 1935, em Santa Catarina, elas passam a designar-se Institutos de Educação. Muito além de uma mera mudança de nomenclatura na designação dos cursos de formação de professores, a referida reforma trazia a preocupação de atribuir um caráter mais científico à prática educativa. Cabe destacar que os diferentes campos científicos desenvolviam-se no mundo no início do século XX, sendo comum a valorização das descobertas da ciência como possibilidade de aplicá-las aos mais diferentes campos do fazer humano.

Para a formação desses profissionais da educação, fazia-se necessária a ampla produção de conhecimentos teóricos e técnicos, em consonância com o projeto de renovação que se buscava para a educação a partir dos anos de 1930. Esses novos conhecimentos, por sua vez, originavam-se de ciências como a biologia, a psicologia e a sociologia, e se propunham a fornecer uma base científica para a pedagogia.

Essas disciplinas, constituindo-se em suas especificidades como diferentes campos científicos produtores de ciência, firmaram seu lugar no universo pedagógico brasileiro, no decorrer das décadas de 1930 e 1940. A psicologia como campo científico no país, em plena formação nos anos de 1930, procura adquirir legitimidade e autoridade científica por meio de seus agentes que produziam conhecimentos e instrumentos amplamente utilizáveis na educação. Para compreender esse momento, cabe lembrar a afirmação de Pierre Bourdieu (1983, p. 122) de que o universo supostamente puro da ciência, na verdade, "é um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes revestem formas específicas".

Sendo assim, os conhecimentos psicológicos, como de regra, necessitam de um lócus específico para serem produzidos, tais como escolas, universidades e laboratórios. Dirigindo o olhar para o Brasil dos anos de 1930, veremos que os laboratórios de psicologia experimental aparecem como instâncias encarregadas de assegurar a produção e circulação dos bens científicos. No caso particular dos cursos de formação de professores, há a consagração da ciência psicológica que, ao discutir determinados autores e conceitos, inculca sistematicamente habitus científicos ao conjunto de destinatários legítimos da ação pedagógica (idem).

As discussões deste artigo têm como foco os programas da disciplina de psicologia educacional do Instituto de Educação de Florianópolis, nos anos de 1937 e 1939, e as obras de referência utilizadas. Também destacaremos o momento em que as disciplinas de psicologia e pedagogia passaram a constar na grade de disciplinas dos cursos de formação de professores em Santa Catarina, já que inicialmente eram disciplinas integradas, inclusive na nomenclatura. Além dos programas de ensino – cujas grades aqui serão expostas –, utilizaremos para nossa discussão a circular n. 32, de 1935,2 2 Diz o artigo 49 do decreto de 1935: "a fim de despertar o interesse dos alunos pela boa leitura e servir de complemento às atividades escolares, terão os Institutos de Educação, além da biblioteca dos professores, uma biblioteca para os alunos. Estas bibliotecas serão oportunamente instaladas convenientemente em todas as Escolas Normais Primárias e Grupos Escolares, ampliando-se as já existentes nos referidos estabelecimentos" (Silva, 2003, p. 85). enviada pela Secretaria de Interior e Justiça às escolas, recomendando-lhes a compra de livros da Biblioteca Pedagógica Brasileira, uma coleção de obras organizadas por Fernando de Azevedo.

Em Santa Catarina, a cadeira de pedagogia começou a fazer parte do currículo do curso normal em 1895, associada à metodologia. Ministrada no último ano desse curso, as disciplinas de pedagogia e metodologia traziam como destaque "os estudos da memória e suas vantagens, da higiene escolar, da organização escolar, valorizando os meios disciplinares e recompensas" (Schaffrath, 2002, p. 103). Alguns anos depois, com a lei n. 846, de 11 de outubro de 1910, a disciplina de psicologia foi inserida nos cursos de formação de professores em 1911. Com base em Daros (2005), elaboramos um quadro ilustrativo das diferentes nomenclaturas que as disciplinas de pedagogia e psicologia assumiram desde sua primeira inserção nos cursos de formação de professores até o início da década de 1940.

No Quadro 1 podemos notar que a psicologia esteve associada, num primeiro momento, à disciplina de pedagogia. Somente em 1935, na Escola Normal Superior Vocacional, é que a disciplina de psicologia se emancipa da de pedagogia, portanto, a partir da segunda metade da década de 1930. Até então, psicologia e pedagogia estão muito associadas. E mesmo separadas em disciplinas diferentes, possuem a mesma carga horária na Escola Superior Vocacional, e podemos perceber que no currículo dessas duas disciplinas elas se entrelaçam o tempo todo.


Em 1919 foi acrescentado ao nome da disciplina um terceiro elemento: instrução cívica, modificado em 1928 para educação moral e cívica. Somente nas reformas de 1935 e 1939 houve uma especificidade na nomenclatura, passando a disciplina a denominar-se psicologia geral e infantil, psicologia aplicada à educação ou psicologia educacional, pedagogia. Cabe destacar que essas últimas mudanças não significaram somente uma diferença no nome da disciplina, mas uma organização dos conteúdos com base nas discussões da época em relação à pedagogia experimental e à contribuição da ciência psicológica ao campo educacional brasileiro (Sganderla, 2007).

Uma das instâncias principais da formação de professores em Santa Catarina, e que passou por diversas reestruturações em seu interior, foi o Instituto de Educação de ­Florianópolis.3 3 O atual Instituto Estadual de Educação de Florianópolis foi criado em 1892, com o nome de Escola Normal Catarinense. Com as modificações ocorridas em 1935, no que tange à formação de professores em Santa Catarina, essa escola passou a ser denominada Instituto de Educação de Florianópolis (Nascimento; Daniel, 2002). Foi, desde sua concepção, um modelo para a formação de professores e um lugar privilegiado das discussões educacionais no estado. Para veicular suas ideias, concepções, e como meio de efetivar o intercâmbio dessas entre os intelectuais catarinenses, intelectuais de projeção nacional e mesmo internacional, o curso normal do instituto desenvolveu, em 1940, um veículo impresso: a revista Estudos Educacionais. Fundada pelo seu diretor João Roberto Moreira, na época também professor de psicologia e pedagogia, a revista ressaltava o seu caráter científico contando com vários artigos que discutiam temas relacionados à biologia, psicologia, pedagogia, sociologia, educação física, matemática, história, geografia, artes, entre outros (Nascimento; Daniel, 2002; Silva, 2003).

Retomando as discussões propostas por Bourdieu, cabe destacar que, quanto maior o capital que uma instituição possui, mais ela cria meios de administrá-lo para manter-se em uma posição dominante dentro do campo. Com base no exposto, podemos afirmar que o instituto foi uma organização cujas produções intelectuais contribuíram para mantê-la em posição de destaque no campo educacional catarinense. Exemplo da força do instituto no campo educacional catarinense é o fato de que, conforme decreto-lei n. 713, do governador Aristiliano Ramos, as escolas de formação de professores privadas do estado deveriam ter seus programas de ensino equiparados com os daquela instituição, a partir de 1935 (Nascimento; Daniel, 2002).

As reestruturações pelas quais passou o Instituto de Educação de Florianópolis estão, em alguma medida, relacionadas às reformas que ocorreram nos cursos de formação de professores catarinenses. Discutiremos neste texto as reformas relativas aos anos de 1937 e 1939. Em 1937 foi quando efetivamente entrou em vigor a reforma de 1935, por meio do decreto-lei n. 217, que criou a Escola Normal Superior Vocacional.4 4 Com a reforma de 1935, conforme decreto n. 713, as Escolas Normais catarinenses passaram a denominar-se Institutos de Educação e deveriam organizar-se de forma que contivessem os seguintes cursos: Jardim de infância; Escola Isolada; Grupo Escolar; Escola Normal Primária (com duração de três anos) – preparava os alunos que pretendiam ser professores na zona rural; Escola Normal Secundária (três anos) – fornecia sólido preparo aos que se pretendiam dedicar ao magistério; Escola Normal Superior Vocacional (dois anos) – destinava-se ao preparo exclusivo de professores para as diversas modalidades de ensino. A reforma de 1939 propôs uma nova reorganização dos institutos de educação em Santa Catarina por meio do decreto-lei n. 306, que extinguiu a Escola Normal Superior Vocacional e estabeleceu em seu lugar o curso normal de dois anos.5 5 Em 1939, conforme decreto-lei n. 306, de 2 de março de 1939, os institutos sofreram nova reestruturação, cujos cursos ficaram assim organizados: pré-primário (três anos); primário (quatro anos); secundário fundamental (cinco anos) – preparatório para o curso normal; e normal (dois anos) – destinado prioritariamente à formação de professores normalistas. Em 1939 também houve a revisão dos conteúdos programáticos das disciplinas, sendo um deles o da psicologia educacional, que destacava o estudo dos testes de inteligência, como os testes "ABC" de Lourenço Filho (Silva; Daniel; Daros, 2005).

Não é nossa intenção aqui analisar como chegavam às escolas as determinações e orientações no tocante às reformas educacionais e à revisão dos conteúdos programáticos empreendidas pelo estado. Queremos, sim, dar destaque à influência que os conhecimentos da psicologia e da pedagogia exerceram na construção das ideias presentes nos cursos de formação de professores. É com esse intuito que transcrevemos (ver Quadro 2) a circular n. 32, de 26 de setembro de 1935, enviada pela Secretaria de Interior e Justiça aos institutos de educação. Esse documento, que recomenda a compra de livros da Biblioteca Pedagógica Brasileira, que fora organizada por Fernando de Azevedo, nos dá uma ideia dos autores utilizados na formação de professores em Santa Catarina nas diferentes áreas ou disciplinas de estudo.


Entre os livros citados, merecem destaque duas coleções que visavam à formação de professores, tanto do ponto de vista profissional como cultural: a Atualidades pedagógicas (1931), parte integrante da Biblioteca Pedagógica Brasileira, publicada pela Companhia Editora Nacional e dirigida por Fernando de Azevedo entre os anos de 1931 e 1946, e a coleção pedagógica Bibliotheca de Educação, organizada e implementada por Lourenço Filho (1927).

Como assinala Silva (2003), dos dezesseis livros citados nessa circular, sete são referentes à psicologia ou de autores dessa área, como Dewey e Claparède. A recomendação de tantos livros relacionados a essa disciplina evidencia a forte influência dos conhecimentos psicológicos nos cursos de formação de professores catarinenses.

Convém, no entanto, salientar que a sugestão para aquisição desses livros não significa que as concepções e princípios subjacentes às ideias neles contidas tenham sido realmente discutidos, ou seja, diversas obras são citadas, mas poucas tiveram suas ideias adotadas no programa de psicologia educacional e pedagogia. Entre essas ideias, notamos um predomínio da perspectiva positivista de ciência.

O positivismo aparece, na época, como pensamento hegemônico entre os conhecimentos em jogo no campo científico da psicologia e da pedagogia. Isso pode ser notado nos programas de ensino que discutiremos a seguir. Tal fato encontra explicação em Bourdieu (1983), para quem a definição do que está em jogo na luta científica faz parte da própria luta, ou seja, os grupos dominantes são aqueles que conseguem impor uma definição de ciência segundo a qual a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e fazem. A hegemonia de uma visão de ciência positivista é uma marca da época.

Nos Quadros 3 e 4, serão apresentados os programas das disciplinas de psicologia educacional e pedagogia propostos pelas reformas de 1937 e 1939, e publicados nesses mesmos anos no Diário Oficial do Estado de Santa Catarina.



Como primeiro ponto, cabe destacar a forte vinculação existente entre as duas disciplinas, a ponto de serem consideradas como um "todo homogêneo", conforme observação realizada no programa de pedagogia. Nesse programa é possível perceber vários temas da área da psicologia que aí são indicados para estudo, assinalando o entrelaçamento dialógico existente entre esses dois campos.

De acordo com Campos et al. (2002), a psicologia e a pedagogia são consideradas disciplinas de grande importância no interior da Escola Nova, visto que se acreditava que elas dariam à educação um novo tratamento às suas questões, agora com base em procedimentos cientificamente verificáveis, atrelados à ciência positivista.

Neste contexto, na análise aqui realizada pontua-se a pedagogia como sendo considerada "sequência lógica" do ensino de psicologia, destacando-se que os conteúdos expressos nos programas aqui destacados sinalizam a oferta de subsídios teóricos da psicologia à pedagogia, que se mostra aqui como um campo de atuação prática da primeira. Assim, ao analisarmos o que a disciplina de psicologia propõe como conteúdo importante para o conhecimento deste professor que está em formação, estaremos também, de certo modo, considerando as indicações do campo da pedagogia, observando, contudo, o viés pragmático aferido a este último.

Como é possível perceber, o programa da disciplina de psicologia educacional de 1937 traduz a ideia de construção de uma educação sob parâmetros científicos. Transpondo os métodos das ciências naturais para o estudo do homem, a disciplina de psicologia centrava-se no estudo empírico e experimental do comportamento. As ideias evolucionistas aparecem como marco para o estudo da psicologia educacional, como demonstra o item um do conteúdo do primeiro ano, que identifica períodos anteriores e posteriores ao evolucionismo.

Os conhecimentos sobre a psicologia empirista eram discutidos com base em autores como: Locke, Pestalozzi, Herbart, Hamilton, Wundt. Nota-se preocupação em situar o desenvolvimento das teorias psicológicas no mundo e suas consequências para a psicologia educacional, ou seja, da psicologia como campo científico em que competem diferentes conhecimentos teóricos.

A psicologia como ciência positiva começou a ser desenvolvida em laboratórios universitários criados no final do século XIX na Alemanha, França e Suíça, e visava compreender a mente humana utilizando dados objetivos, obtidos principalmente por meio da metodologia da introspecção controlada. A fundação por Wundt, em Leipzig, do primeiro laboratório de psicologia experimental do mundo, em 1879, assinala os esforços empreendidos pela psicologia na busca por firmar-se como ciência independente da filosofia (Campos, 2005).

Mais tarde, Binet, Stanley Hall, Thorndike e Claparède, que em Santa Catarina tiveram suas ideias estudadas nos programas de ensino de psicologia educacional de 1937 e 1939, aprofundaram o uso do método experimental na psicologia e na educação.

As ideias da teoria evolucionista foram marco decisivo para que a criança fosse incorporada aos estudos científicos, pois os psicólogos esperavam encontrar nas formas simples aquilo que consideravam complexo no homem crescido, ou seja, esperavam, por meio do estudo do animal e da criança, conseguir uma explicação para o comportamento do adulto (Leite, 1972; Warde, 1997). Segundo Carvalho (2002), as ideias evolucionistas do início do século XX apontavam a necessidade imperiosa de estudo e compreensão do desenvolvimento infantil, pois a criança já não era considerada um adulto em miniatura, e o seu ingresso massivo na escola exigia a explicação dos diferentes resultados por elas alcançados no processo de escolarização.

A psicologia funcional, fortemente influenciada pelas ideias do modelo biológico evolucionista, teve como um de seus expoentes Édouard Claparède, citado nos livros recomendados para a biblioteca do Instituto de Educação de Florianópolis. Claparède, baseado em Rousseau, resumiu a concepção funcional de infância em seis leis:

Lei da sucessão genética: a criança se desenvolve naturalmente, passando por certo número de fases que se sucedem em ordem constante. [...]. Lei de exercício funcional: o exercício de uma função é condição de seu desenvolvimento. Lei de exercício genético: o exercício de uma função é condição de aparecimento de certas outras funções ulteriores. Lei de adaptação funcional: a ação se desencadeia quando é de natureza tal que satisfaça a necessidade ou o interesse do momento. [...]. Lei de autonomia funcional: a criança não é considerada, em si, um ser imperfeito, mas adaptado às circunstancias que lhe são próprias. [...]. Lei de individualidade: todo indivíduo difere, mais ou menos, quanto a caracteres físicos ou psíquicos dos outros indivíduos. (Claparéde, 1959 apud Meylan, 1959, p. 98)

Passando agora à análise do programa do 2º ano (1937 – Quadro 3), podemos perceber que este aborda temas vinculados ao desenvolvimento do comportamento e da personalidade. Nele as diferenças individuais são explicadas pela hereditariedade, influência do meio, maturação e aprendizagem. O comportamento é um tema valorizado, tanto que merece três unidades no Programa de Psicologia Educacional. A motivação, o aprendizado e a personalidade são tópicos trabalhados em estreita relação com a temática do comportamento.

Ainda podemos verificar que nesse programa são discutidas as bases sobre as quais se assenta o entendimento da testagem psicológica, pois o estudo irá centrar-se nas diferenças individuais, tanto biológicas (hereditariedade, reflexos, reação) quanto psicológicas (emoções, inteligência, motivação).

Se em 1937, o conteúdo de psicologia educacional apresentava apenas dois eixos de discussão que sintetizavam as diferentes concepções da ciência psicológica, com especial ênfase à visão evolucionista e comportamentalista, em 1939 (ver Quadro 4) destacamos quatro temas centrais bem definidos. No 1º ano eram discutidos aspectos da psicologia como ciência; aspectos da psicologia educacional, como a utilização de testagem em educação; no 2º ano, os conteúdos centravam-se no estudo da criança e na aprendizagem e suas condições.

Quanto aos aspectos da psicologia como ciência, nota-se que os conteúdos ministrados estavam em consonância com as principais discussões desse campo científico até aquele momento histórico (1939). Observe-se, por exemplo, que o conteúdo apresentava os principais métodos de análise psicológica: instrospecção, simples observação, experimentação, método patológico e método comparativo. Desenvolvimento físico e neurológico humano. Funções mentais: afetividade, sensação e percepção, atenção, memória, associação, imaginação, linguagem e suas psicopatologias. Atos voluntários, instintivos, reflexos e hábitos.

Esses métodos refletiam o movimento das diferentes escolas de psicologia, que os conceberam para análise psicológica do ser humano. O estruturalismo de Wund e Titchener tinha como método a introspecção experimental; o funcionalismo de ­Claparède e Dewey utilizava a introspecção seguida da observação do comportamento; a reflexologia de Pavlov utilizava a observação experimental do comportamento.

Figueiredo (1991) assinala que praticamente toda a psicologia que pretendia constituir-se como uma ciência natural adotava um modelo instrumentalista dos fenômenos mentais e comportamentais, concebendo as funções mentais como percepção e memória como processos orientados à adaptação. Tanto o estruturalismo quanto o funcionalismo e a reflexologia trabalhavam com elementos da fisiologia humana, em laboratórios de psicologia. Em Santa Catarina, especificamente, as diferentes escolas psicológicas aqui citadas tiveram seus métodos ensinados na escola normal desse estado.

Os modelos que proliferaram no século XX consolidaram-se e atingiram seu auge na segunda e terceira décadas desse século, período que, como assinala Cabral (1972), pode ser considerado como a era das escolas da psicologia.

Exceção às discussões correntes na época, a obra de Lev Semionovich Vygotski, em 1927, problematiza o que denomina a crise vivida pela psicologia. Segundo o autor, nenhuma das concepções psicológicas produzidas até então conseguia dar respostas efetivas ao estudo das funções especificamente humanas, porque estas eram estudadas a partir dos processos naturais que as integram, reduzindo os processos superiores e complexos aos processos elementares (como os reflexos) e desprezando as peculiaridades e leis específicas do desenvolvimento cultural da conduta.

Na verdade, as concepções tradicionais em psicologia não conseguiam explicar as diferenças entre os processos orgânicos e os processos culturais do desenvolvimento, por isso tendiam a considerá-los como fenômenos da mesma ordem, de idêntica natureza psicológica e com leis que se regeriam pelo mesmo princípio. Tal compreensão levava a uma formulação errônea das questões porque não julgava os fatos do desenvolvimento psíquico da criança como fatos do desenvolvimento histórico, mas sim como processos e formulações naturais, confundindo o natural e o cultural, o natural e o histórico, o biológico e o social (Vygotski, 1995, p. 12-13).

Ao analisar os conteúdos da disciplina de psicologia educacional nos anos de 1937 e 1939, podemos verificar que, no primeiro, o estudo da criança tinha por base as discussões sobre o evolucionismo. Já em 1939, o estudo da criança aparece como a primeira parte do programa de psicologia educacional do 2º ano, havendo um detalhamento em relação a temas, por exemplo: "fases típicas do desenvolvimento infantil e suas fases dominantes; o psiquismo infantil em diferentes períodos; o juízo, o raciocínio e a linguagem na criança; a socialização da criança; classificação dos anormais" (Santa Catarina, 1939b, p. 4). Predomina, assim, uma visão experimental do desenvolvimento, tendo como foco o desenvolvimento biológico, aquela criticada por Vygotski.

A importância dos conhecimentos psicológicos para a compreensão do desenvolvimento da criança está evidenciada no conteúdo ensinado aos professores catarinenses. Nesse conteúdo transparece a preocupação com as fases do desenvolvimento infantil e suas características dominantes, o que demonstra o reconhecimento da criança como alguém que difere do adulto, que tem seu próprio ritmo. Cabia à escola reconhecer essas diferenças e adequar o ensino ao desenvolvimento da criança, de modo que pudesse agir com maior eficiência (Silva, 2003).

A visão de desenvolvimento discutida nos programas de 1937 e 1939 era a de um desenvolvimento ligado a fases da vida entendidas como uma sucessão de fatos que se ligam uns aos outros, como momentos sucessivos de um mesmo processo biológico. Lourenço Filho, difusor dos conhecimentos escolanovistas, atribui como contribuição da psicologia a renovação escolar, o estudo da descrição das variações psicológicas de acordo com as idades. Segundo esse autor, as variações poderiam, por meio da utilização de medidas objetivas, comprovar o que cada idade seria capaz ou não de realizar. Isso possibilitaria ao professor o conhecimento das fases evolutivas do educando, o que lhe facultaria adequar seu ensino a essas fases, respeitando as capacidades individuais (Lourenço Filho, 2002).

Lourenço Filho deixou clara sua posição em relação à importância do conhecimento da criança, quando convidado para ser paraninfo da turma de diplomandos do ano de 1943, do Instituto de Educação de Florianópolis. Mesmo não comparecendo à solenidade, seu discurso foi lido e publicado na revista Estudos Educacionais, publicada por essa instituição.

Nesse discurso, Lourenço Filho atribui aos professores a responsabilidade pela construção de um país que, pela via da educação, se afirmaria como uma nação forte. Para tanto, esses professores teriam de ter conhecimentos sobre a criança nos domínios biológico, psicológico, social.

O conhecimento da criança é, assim, a exigência primeira para a missão do professor. Conhecimento de sua biologia das circunstâncias que presidem seu crescimento orgânico, a defesa de sua saúde, a manutenção e aumento de seu vigor físico. Conhecimento, depois, de sua psicologia tão diversa da do adulto, não na essência dos fatos pelos quais se manifeste, mas na sua graduação e relacionamento necessários. [...] Não bastará, pois, do professor conhecer a criança, em si mesma, mas deverá ainda conhecê-la em relação aos fatores de vida coletiva que, sobre ela, de contínuo, estejam atuando: o lar, a comunidade, a vida religiosa, as dependências da vida econômica. [...] O estudo biológico da criança e o seu estudo psicológico social apresentam-se, portanto, como cabedal necessário ao trabalho do mestre, como tereis verificado em vosso bem orientado curso. (Lourenço Filho, 1943, p. 5 apud Silva, 2003, p. 160)

Dando continuidade à análise dos programas, voltemos ao 1º ano do Programa de 1939. A segunda parte do conteúdo a ser ministrado estava centrada na utilização de testagem psicológica na educação, já concretizada em testes psicométricos. Denominados como métodos especiais da psicologia educacional, dividiam-se em etapas: em um primeiro momento o método dos inquéritos e o método dos testes para depois então discutir os testes individuais, como: a escala Binet-Simon, as escalas simplificadas e os testes "ABC", de Lourenço Filho, além da discussão dos testes coletivos e seus diferentes tipos.

Entre os diferentes instrumentos psicológicos de avaliação, destacamos o ensino da escala Binet-Simon, que, assim como os testes "ABC", foi criado para atender a uma demanda do Ministério da Educação francês, que pretendia construir instrumentos aptos a apontar formas de cuidado mais eficientes de diagnóstico de crianças com dificuldades escolares, tendo em vista o grande número de atrasos de desenvolvimento observados nos alunos das escolas primárias francesas da época. Desse trabalho resultam as famosas escalas de medida do desenvolvimento da inteligência e o conceito de "idade mental" (Campos, 2005).

A ideia dos autores foi a de caracterizar o processo de desenvolvimento da inteligência tendo como parâmetro a capacidade de resolução de problemas lógicos, numa determinada idade. Para tanto, estabeleceram uma sequência de tarefas numa escala de dificuldades, desde as muito fáceis, que mesmo crianças muito jovens poderiam realizar, até as muito difíceis, que apenas adultos poderiam completar.

O conceito de aptidão de Claparède está na base do entendimento da testagem psicológica, pois centra sua explicação nas diferenças individuais, o que os testes se propõem a medir. Conceituando aptidão como "... uma disposição natural para comportar-se de certa maneira, a compreender ou sentir de preferência certas coisas ou a executar certas espécies de trabalho" (Claparède, 1959, p. 140), esse autor considera fundamental que a escola leve em conta as diferenças de aptidão e inteligência, propiciando ao aluno o desenvolvimento de suas habilidades particulares, porque "ir contra o tipo individual é ir contra a natureza" (idem, p. 149).

Nesse contexto evidencia-se a preocupação de Claparède com os processos de diagnóstico psicológico, realizado por meio de testes. As leituras das obras de Lourenço Filho permitem fazer uma aproximação entre suas ideias e as ideias de Claparède. Os testes "ABC" visavam medir as diferenças individuais quanto à maturidade para o aprendizado da leitura e escrita. Assim, seria possível obter diagnósticos individuais que permitiriam a organização das classes baseada na maturidade das crianças (Carvalho, 2002).

O estudo desses instrumentos pelos futuros professores possibilitava-lhes utilizar, em seu exercício docente, os métodos da psicologia científica para melhor conhecer seus alunos. Segundo Silva (2003, p. 112), "os testes de inteligência eram uma tentativa de substituir as noções subjetivas aferidas pelos professores aos seus alunos, por resultados quantitativos baseados em dados objetivos, e por assim ser, mais precisos".

Alcançamos a última parte do conteúdo em psicologia educacional do 2º ano do curso de formação de professores, de 1939, cuja temática gira em torno da aprendizagem e suas condições, com ênfase nos aspectos psicológicos e físicos e nas técnicas de mensuração dessa aprendizagem, objetivando minimizar as possibilidades de que esta não ocorresse.

A aprendizagem aparece como uma possibilidade individual, cujo desenvolvimento irá depender da maturação de cada criança, estando em relação direta com a motivação e o interesse. Ao futuro professor caberia reconhecer como seu aluno aprende para que se pudesse utilizar dos processos de ajustamento social com maior qualidade. Esse conhecimento poderia dar-se, por exemplo, pela utilização de medidas objetivas que propiciariam a criação de classes com níveis homogêneos de aprendizagem dos alunos (idem).

Como se nota ao longo da discussão dos programas de psicologia educacional (1937 e 1939) e dos livros sugeridos para a biblioteca no Instituto de Educação (1935), a psicologia ensinada nos cursos de formação de professores em Santa Catarina tinha como escopo os conhecimentos do evolucionismo que justificavam as diferenças individuais pelo aparato biológico da criança e pelos diferentes processos de desenvolvimento físico e psíquico. O papel dos testes era apenas reafirmar as diferenças individuais e adaptar a criança ao meio em que ela estava inserida.

A criança, por esse entendimento, era vista como um ser em desenvolvimento, que ia da imaturidade à maturidade, sendo a interferência da educação importante para adequar este ser a sociedade. Aos professores caberia aprender com os conhecimentos científicos produzidos pela psicologia e aplicá-los de maneira que tornassem a ação docente o mais pragmática possível. É interessante perceber que muitas dessas ideias permanecem presentes no discurso pedagógico dos professores na atualidade. Estudar a história permite compreender a origem das ideias sobre a criança e seu desenvolvimento, e como essas foram cristalizando-se ao longo do século XX. Sem essa compreensão, fica mais difícil conseguir a superação dessas ideias na formação de professores, ainda nos dias de hoje.

Recebido em março de 2011

Aprovado em maio de 2011

SOBRE AS AUTORAS

Diana Carvalho de Carvalho é doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora associada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: dianacc@terra.com.br

Maria das Dores Daros é doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: mdores@ced.ufsc.br

Ana Paola Sganderla é doutoranda em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: anapaolas@gmail.com

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  • 1
    Para discutirmos a constituição do campo educacional, tomamos como referência o conceito de campo social de Pierre Bourdieu. Esse conceito é central na obra desse autor, pois vê o campo como um microcosmo no macrocosmo que é a sociedade, entendendo que o social é constituído por diferentes campos. O espaço social é composto por uma pluralidade de campos relativamente autônomos; cada um desses campos define suas maneiras específicas de dominação e estabelece suas próprias regras: campo cultural (sistema de classificação que oferece aos agentes a oportunidade de colocar em prática suas estratégias de distinção), campo de poder (espaços de força em que os indivíduos agem em razão de suas respectivas posições, como num jogo de xadrez), campo político (predomina o "ilusionismo democrático": as classes dominantes têm o monopólio da política, enquanto os dominados tendem a se considerar incompetentes, delegando seu poder de decisão e se autoexcluindo) (Valle, 2007, p. 128).
  • 2
    Diz o artigo 49 do decreto de 1935: "a fim de despertar o interesse dos alunos pela boa leitura e servir de complemento às atividades escolares, terão os Institutos de Educação, além da biblioteca dos professores, uma biblioteca para os alunos. Estas bibliotecas serão oportunamente instaladas convenientemente em todas as Escolas Normais Primárias e Grupos Escolares, ampliando-se as já existentes nos referidos estabelecimentos" (Silva, 2003, p. 85).
  • 3
    O atual Instituto Estadual de Educação de Florianópolis foi criado em 1892, com o nome de Escola Normal Catarinense. Com as modificações ocorridas em 1935, no que tange à formação de professores em Santa Catarina, essa escola passou a ser denominada Instituto de Educação de Florianópolis (Nascimento; Daniel, 2002).
  • 4
    Com a reforma de 1935, conforme decreto n. 713, as Escolas Normais catarinenses passaram a denominar-se Institutos de Educação e deveriam organizar-se de forma que contivessem os seguintes cursos: Jardim de infância; Escola Isolada; Grupo Escolar; Escola Normal Primária (com duração de três anos) – preparava os alunos que pretendiam ser professores na zona rural; Escola Normal Secundária (três anos) – fornecia sólido preparo aos que se pretendiam dedicar ao magistério; Escola Normal Superior Vocacional (dois anos) – destinava-se ao preparo exclusivo de professores para as diversas modalidades de ensino.
  • 5
    Em 1939, conforme decreto-lei n. 306, de 2 de março de 1939, os institutos sofreram nova reestruturação, cujos cursos ficaram assim organizados: pré-primário (três anos); primário (quatro anos); secundário fundamental (cinco anos) – preparatório para o curso normal; e normal (dois anos) – destinado prioritariamente à formação de professores normalistas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2011
    • Aceito
      Maio 2011
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