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"Política pequena" para as crianças pequenas?: Experiências e desafios no atendimento das crianças de 0 a 3 anos na América Latina

"Small politics" for small children?: Experiences and challenges in children's assistance aged 0-3 in Latin America

¿"Política pequeña" para los niños pequeños?: Experiencias y desafíos en la atención de los niños de 0 a 3 años en América Latina

Resumos

Abordamos neste trabalho as políticas atuais destinadas à educação das crianças pequenas na América Latina. Realçamos a emergência dos discursos sobre a "infantilização da pobreza", associada às estratégias de focalização de ações e de políticas sociais, dentre estas as de educação, nos chamados segmentos vulneráveis da população. Tais discursos atualizam antigas práticas de educação compensatória, criando novos dispositivos de controle sobre as crianças e suas famílias. A análise do contexto brasileiro evidencia os crescentes nexos entre as iniciativas governamentais locais e aquelas predominantes em outros países da região latino-americana, especialmente no que concerne à segmentação da educação infantil (priorização da pré-escola). O estudo desenvolvido demonstra a presença na região, em âmbitos governamentais e não governamentais, de discursos conservadores de caráter economicista e biologizante que pretendem ser orientadores desta etapa educativa.

políticas de educação infantil na América Latina; educação infantil; pobreza


This work approaches the current politics dedicated to education for small children in Latin America. We emphasize the emergency of the discourses about the "poverty infantilization", which is a ssociated to strategies for targeting actions and of social politics, including the educational ones, nominated as vulnerable segments of the population. Such discourses renovate old practices of compensatory education, creating new controlling actions on children and their families. The analysis of the Brazilian context evinces the growing nexus between the local government initiative and the ones which are predominant in other countries from the Latin American region, especially regarding the segmentation of the Early Childhood Education (Nursery School prioritization). The study developed demonstrates the presence in the region, in government and non-government ambit, of conservative discourses on matters of economistic and biologizing which intend to be guiding in this educational stage.

early childhood education in Latin America; early childhood education; poverty


Abordamos en este trabajo las políticas actuales destinadas a la educación de los niños pequeños en América Latina. Realzamos la emergencia de los discursos sobre la "infantilización de la pobreza", asociada a las estrategias de focalización de acciones y de políticas sociales, entre la cuales las de educación, en los llamados segmentos vulnerables de la población. Tales discursos actualizan antiguas prácticas de educación compensatoria, creando nuevos dispositivos de control sobre los niños y sus familias. El análisis del contexto brasileño deja en evidencia los crecientes nexos entre las iniciativas gubernamentales locales y aquellas predominantes en otros países de la región latinoamericana, especialmente en lo que concierne a la segmentación de la educación infantil (priorización de la pre-escuela). El estudio desarrollado demuestra la presencia en la región, en ámbitos gubernamentales y no-gubernamentales, de discursos conservadores de carácter economicista y biologisante que pretenden ser orientadores de esta etapa educativa.

políticas de educación infantil en América Latina; educación infantil; pobreza


ARTIGOS

"Política pequena" para as crianças pequenas? Experiências e desafios no atendimento das crianças de 0 a 3 anos na América Latina1 1 Trabalho encomendado pelo GT07-Educação de Crianças de 0 a 6 anos, apresentado na 34ª Reunião Anual da ANPEd, realizada de 02 a 05 de outubro de 2011, em Natal-RN. O artigo deriva de dois projetos de pesquisa: "Políticas educativas para a Primeira Infância no Cone Sul - entre o público e o privado", desenvolvido no período de 2008-2009; e "Políticas de Educação Infantil na América Latina - da conformação a transformação: um estudo sobre a educação das crianças pequenas na Bolívia, Equador e Venezuela", em desenvolvimento. Ambos os projetos foram financiados pelo CNPq.

"Small politics" for small children? Experiences and challenges in children's assistance aged 0-3 in Latin America

¿"Política pequeña" para los niños pequeños? Experiencias y desafíos en la atención de los niños de 0 a 3 años en América Latina

Roselane Fatima Campos

Universidade Federal de Santa Catarina

RESUMO

Abordamos neste trabalho as políticas atuais destinadas à educação das crianças pequenas na América Latina. Realçamos a emergência dos discursos sobre a "infantilização da pobreza", associada às estratégias de focalização de ações e de políticas sociais, dentre estas as de educação, nos chamados segmentos vulneráveis da população. Tais discursos atualizam antigas práticas de educação compensatória, criando novos dispositivos de controle sobre as crianças e suas famílias. A análise do contexto brasileiro evidencia os crescentes nexos entre as iniciativas governamentais locais e aquelas predominantes em outros países da região latino-americana, especialmente no que concerne à segmentação da educação infantil (priorização da pré-escola). O estudo desenvolvido demonstra a presença na região, em âmbitos governamentais e não governamentais, de discursos conservadores de caráter economicista e biologizante que pretendem ser orientadores desta etapa educativa.

Palavras-chave: políticas de educação infantil na América Latina; educação infantil; pobreza.

ABSTRACT

This work approaches the current politics dedicated to education for small children in Latin America. We emphasize the emergency of the discourses about the "poverty infantilization", which is associated to strategies for targeting actions and of social politics, including the educational ones, nominated as vulnerable segments of the population. Such discourses renovate old practices of compensatory education, creating new controlling actions on children and their families. The analysis of the Brazilian context evinces the growing nexus between the local government initiative and the ones which are predominant in other countries from the Latin American region, especially regarding the segmentation of the Early Childhood Education (Nursery School prioritization). The study developed demonstrates the presence in the region, in government and non-government ambit, of conservative discourses on matters of economistic and biologizing which intend to be guiding in this educational stage.

Keywords: early childhood education in Latin America; early childhood education; poverty.

RESUMEN

Abordamos en este trabajo las políticas actuales destinadas a la educación de los niños pequeños en América Latina. Realzamos la emergencia de los discursos sobre la "infantilización de la pobreza", asociada a las estrategias de focalización de acciones y de políticas sociales, entre la cuales las de educación, en los llamados segmentos vulnerables de la población. Tales discursos actualizan antiguas prácticas de educación compensatoria, creando nuevos dispositivos de control sobre los niños y sus familias. El análisis del contexto brasileño deja en evidencia los crecientes nexos entre las iniciativas gubernamentales locales y aquellas predominantes en otros países de la región latinoamericana, especialmente en lo que concierne a la segmentación de la educación infantil (priorización de la pre-escuela). El estudio desarrollado demuestra la presencia en la región, en ámbitos gubernamentales y no-gubernamentales, de discursos conservadores de carácter economicista y biologisante que pretenden ser orientadores de esta etapa educativa.

Palabras clave: políticas de educación infantil en América Latina; educación infantil; pobreza.

INTRODUÇÃO

As condições históricas atuais marcam a infância de diversos modos, fazendo com que esta, compreendida como "experiência geracional", passe a ser vivida pelas crianças de hoje de modo radicalmente distinto das gerações anteriores. O acelerado progresso tecnológico, a diluição dos limites entre adultez e infância, numa espécie de espelho invertido - em que adultos se infantilizam e crianças se adultizam -, a mercantilização da vida infantil, a convergência de novas e antigas formas de violência, associados à forte inserção midiática no cotidiano, têm levado à emergência de uma nova estetização e espetacularização da infância (Carli, 2006).

Tendemos cada vez mais a nos comover com imagens de crianças que vivem imersas em situações extremas de miséria, dispersas em um mundo crescentemente desigual, ao mesmo tempo em que nos confortamos com a solidariedade individualizada, radicalizada na participação em programas televisivos dedicados à "ação social". Como bem lembra Piero (2005, p. 135), "[ ] esse parece ser o rosto da solidariedade atual, não porque a humanidade tenha se tornado mais desapiedada que em outras épocas, mas porque o laço que unia os destinos de cada um com os dos outros se rompeu".

A centralidade da infância no século XXI constitui-se, assim, por um duplo jogo: por um lado, a visibilidade das crianças e de suas misérias e, por outro, a invisibilidade das condições econômico-sociais que as produzem. Essa operação, que poderia ser compreendida apenas como um mecanismo discursivo das novas liturgias sobre a infância, de fato, expressa um processo perverso de repolitização da concepção de pobreza, na medida em que se introduz uma disjunção entre as condições estruturais que a produz e suas formas de manifestação. É, pois, negando a organicidade entre as relações econômicas e políticas que governantes e organismos multilaterais atuantes na região podem anunciar a emergência de um fenômeno de tipo novo: a "infantilização da pobreza" (CEPAL, 2010). Neste contexto, a infância, a criança e sua educação adquirem um sentido de urgência e um caráter estratégico, posto considerar-se que educar desde cedo é o meio mais eficaz para romper com o chamado "ciclo geracional da pobreza".

Esta "sensibilidade contemporânea" para com a infância resulta também da convergência de outros fatores, entre os quais cabe mencionar o crescimento da produção acadêmica sobre a vida das crianças e as particularidades da infância, sobre sua educação e a pertinência da extensão ou não da "forma escolar de socialização" (Vincent, 1994) como norma pedagógica para as escolas infantis. Essa literatura que procura avançar na compreensão da infância como condição sociocultural das crianças, ou como fenômeno geracional, convive, paradoxalmente, com a ascensão de estudos de corte neurobiológico, que reavivam concepções e orientações biologizantes sobre a criança e sua educação. Como veremos posteriormente, esta última é a base epistemológica predominante dos programas destinados às crianças pequenas implementados na região.

Vale ainda sublinhar o reconhecimento e a difusão crescente dos direitos das crianças nos países latino-americanos: a anuência dos governos com a Convenção dos Direitos das Crianças tem impulsionado novos compromissos e responsabilidades e os movimentos reivindicatórios e de defesa destes direitos têm mobilizado atores sociais muito distintos, despertando inclusive novas modalidades de benemerência, dentre as quais cabe destacar a empresarial.

Tomando esses aspectos como ponto de partida, temos como objetivo neste artigo discutir as políticas destinadas à educação das crianças pequenas na América Latina. Pretendemos realçar como a emergência de novos discursos sobre a "infantilização da pobreza", associados às estratégias de focalização da educação nos chamados segmentos vulneráveis da população, reatualizam antigas práticas de educação compensatória, criam novos dispositivos de controle social sobre as crianças e suas famílias, conformando, em sua essência, o sentido atual dado à educação infantil na região. Para bem discutir essas questões, abordaremos primeiramente o que vem sendo denominado "infantilização da pobreza", para, na sequência, apresentar o desenvolvimento das políticas voltadas às crianças pequenas, abordando também as iniciativas voltadas para as crianças de 0 a 3 anos. Interpelamos essas experiências, procurando extrair elementos para pensarmos criticamente os rumos dessa etapa educativa no Brasil, apontando os desafios colocados para o governo brasileiro, caso este pretenda, de fato, promover o efetivo cumprimento do direito à educação a todas as crianças pequenas brasileiras, conforme assegura nosso texto constitucional.

A "INFANTILIZAÇÃO DA POBREZA": A INFÂNCIA TORNA-SE UMA "NOVA QUESTÃO SOCIAL"?

A "infantilização da pobreza", tal como vem sendo apresentada nos documentos dos organismos multilaterais que atuam na América Latina (UNESCO, UNICEF, Banco Mundial, CEPAL), necessita ser compreendida como decorrência do ajuste estrutural adotado pelos países da região nas décadas de 1980 e 1990. De acordo com Bóron (2004, p. 28), esse ajuste, vinculado aos marcos estipulados no Consenso de Washington, produziu uma "[ ] intensificação sem precedentes da exclusão social e da pobreza", culminando num verdadeiro "holocausto social". Premidos pelas condicionantes impostas pelos países centrais, os países situados na periferia do capitalismo mundial - inclui-se aqui a América Latina - adotaram fortes programas de ajustes fiscais considerados essenciais à criação dos superávits necessários ao pagamento da dívida externa, cortando, em consequência, substancialmente os recursos destinados às políticas sociais. Esses programas, associados a aspectos estruturais decorrentes da própria crise do processo acumulativo vigente, produziram massas de desempregados e subempregados, jogando milhares de trabalhadores em situação de miséria ou pobreza absoluta.2 2 Esta situação gerou em toda América Latina intensos movimentos de protestos, levando à ascensão de governos de esquerda e centro-esquerda, eleitos com programas políticos de oposição ao chamado "ajuste neoliberal". Citamos: Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil; Néstor Kirchner, na Argentina; os governos da " Concertación", no Chile; Hugo Chávez, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia; e Rafael Correa, no Equador. Vale relembrar também a insurgência zapatista (México), os movimentos contestatórios que culminaram nos Fóruns Sociais Mundiais e nos protestos de Seattle em 1999, e Cuba em sua luta histórica contra o regime hegemônico. Enfim, cabe destacar a originalidade dos processos latino-americanos - desde os movimentos de calle (os sem-teto, os sem-terra, os piqueteros etc.) até os movimentos protagonizados pelos povos indígenas, camponeses e operários, cujo poder político os leva a serem definidos por Linera (2010) como "potência plebeia".

Os resultados desse "consenso" obrigaram seus próprios defensores a considerá-lo um "fracasso", o que levou, posteriormente, a uma nova agenda denominada "segunda geração de reformas" ou "pós-consenso de Washington". De acordo com Serna (2010), essa nova orientação colocou na agenda internacional problemas relacionados ao desenvolvimento social, em especial a pobreza, evidenciando "[ ] um ponto de inflexão e crítica sobre os déficits sociais do consenso de Washington". No entanto, essa revalorização do social "[ ] é acompanhada de certa ambiguidade nos paradigmas e no papel das estratégias para redução da pobreza" (idem, p. 141).3 3 Vale aqui destacar alguns enfoques que passaram a orientar as políticas dos organismos multilaterais: "transformação produtiva com equidade" na CEPAL, "desenvolvimento humano" no PNUD e o ajuste com "rosto humano" do UNICEF. Embora esses organismos não tenham abandonado os preceitos que balizaram o ajuste econômico, passaram a defender a necessidade de associar medidas econômicas com outras de cunho social como: redução da pobreza, promoção da equidade social, controle do meio ambiente, fortalecimento das democracias e dos direitos humanos, incluindo aqui aqueles específicos das crianças. Começa-se a falar da pobreza como "uma nova questão social" e, mais recentemente, da "infantilização da pobreza" como fenômenos novos, marcados por três traços essenciais: a) são massivos; b) atingem amplos setores da população; c) tendem a se tornar crônicos, especialmente entre os grupos sociais que vivem em pobreza extrema, ganhando nova visibilidade social, especialmente nos espaços urbanos (idem, p. 138).

É nesse contexto que a pobreza infantil ganhou centralidade nos discursos e nas agendas oficiais, e as estratégias ou ações defendidas para mitigá-la passam a expressar novas concepções acerca da sua natureza, ao mesmo tempo em que novas formas para mensurá-la são também desenvolvidas.4 4 Para uma revisão das concepções acerca da pobreza e formas de mensuração, cf. Mattei (2009). Afirma-se que a pobreza é multidimensional, heterogênea e multifacetada, ressaltando-se a necessidade da adoção de instrumentos de mensuração distintos daqueles centrados apenas nos aspectos de renda ou em unidades monetárias.5 5 A crítica aqui se refere à metodologia para a mensuração da pobreza com base em "um dólar por dia", adotada pelo Banco Mundial desde 1990, como padrão internacional de pobreza. Esse parâmetro, apresentado no relatório de Desenvolvimento Humano do Banco do mesmo ano, afirmou também este critério (US$1,00/dia) para definir a linha de pobreza. Para mais detalhes, cf. Mattei (2009). Partilhamos das críticas apresentadas por esse autor e por outros estudiosos como Reddy (2007) e Bóron (2010). Trata-se, segundo a CEPAL, de um novo paradigma que considera, além da privação de renda, o acesso aos direitos sociais básicos.

La articulación de las múltiples dimensiones de la pobreza con las particularidades individuales y colectivas contribuye a captar la heterogeneidad de los pobres,

producto, por ejemplo, de las desigualdades de género, de pertenencia étnica y etarias. En la región, una parte significativa de los niños, niñas y adolescentes enfrenta adversidades que los perjudican en esta etapa de su ciclo vital, los afectarán el resto de su vida y se transmitirán a las generaciones siguientes. (CEPAL/UNICEF, 2010a, p. 4)

Utilizando-se deste "novo paradigma" e de uma nova metodologia de mensuração que combina privação monetária, nutricional e de direitos sociais, a CEPAL/UNICEF (2010a) afirma que, em 2007, 29,2% (ou seja, 59,2 milhões) de crianças latino-americanas se encontravam em situação de extrema pobreza, pois viviam em lares situados "abaixo da linha da pobreza" com violação de seus direitos básicos; já 15,8% (28,3 milhões) pertenciam a famílias com rendas mínimas, porém em situação de privação de direitos; por fim, 17,8% (31 milhões) estavam em situação de pobreza monetária, mas com atendimento de seus direitos básicos. Das crianças que vivem em situação de "pobreza extrema" (29,2%), em torno de 43% pertence a "famílias indigentes", situação que atinge, sobretudo, as crianças indígenas e afrodescendentes. Enfim, se desprezarmos as estratificações considerando que nos subgrupos mencionados todas as crianças são pobres, chegamos à perversa cifra de 105,3 milhões (62,8%), ou seja, teríamos aproximadamente apenas 37% das crianças da região vivendo em condições adequadas.6 6 Considera-se, nessas pesquisas, o limite temporal da infância como a idade de 17 anos. Observa-se que há controvérsias nas metodologias e nos instrumentos usados para a medição da pobreza, conforme já assinalamos em nota anterior.

De acordo com seus defensores, essas novas perspectivas de mensuração da pobreza permitem identificar com precisão "as brechas" nas quais se deve atuar, comprometendo os governantes com seu combate. Não obstante a perspectiva cepalina se apresentar como mais elaborada do que aquela economicista adotada pelo Banco Mundial, não avança, contudo, na interpretação da pobreza e de suas causas, nem das medidas necessárias ao seu efetivo combate. Seu objetivo fundamental é tornar mais eficientes as políticas sociais focalizadas, na medida em que o conhecimento das dimensões afetadas pode ser objeto de ações diferenciadas e específicas, gerando uma "nova gramática" da pobreza e uma "nova economia" nas políticas sociais. Como bem alerta Serna (2010, p. 137),

Las políticas de la pobreza entienden la cuestión social y la política pública como un problema "técnico" y "razón práctica" (Ivo, 2009), en tanto necesidad de intervención técnica eficaz, de "contar", de "identificar", de "seleccionar" y de "empoderar" "pobres" para superar las nuevas formas de empobrecimiento y vulnerabilidad social.

Nessa concepção de pobreza e dos meios para combatê-la, a educação ocupa um lugar central, tanto por ser considerada como necessária a formação do "capital humano" demandado pelo desenvolvimento produtivo da região, como também por ser considerada "chave para a equidade", posto que o acesso às "oportunidades" sociais dependeria também do nível educativo das pessoas. De acordo com Paz (2010, p. 31),

Es por ello que los programas puestos en marcha desde el principio de la primera década del siglo XXI apuntan a un doble objetivo: reducir el impacto de la escasez de ingresos en el plazo inmediato (atacar la pobreza actual) y apostar a reducir la pobreza de largo plazo mediante la incorporación en la mejor de las condiciones posibles de los que hoy son niños al mercado laboral. Esta "mejor de las condiciones posibles" supone la potenciación de los activos, muchas veces el único, de que disponen los individuos más pobres de la sociedad: su capital humano, expresado en su triple dimensión: educación, salud (nutrición) y migración.

Passou-se de uma concepção de pobreza que tomava como referência populações ou grupos vulneráveis "em geral" para um novo tipo de abordagem assentada em uma nova gramática que discrimina a vulnerabilidade, os riscos e seus impactos em função de um conjunto combinado de fatores, que incidiriam diferentemente, de acordo com o ciclo de vida das pessoas. No que tange às políticas sociais, essa nova "gramática" contribui para aprofundar a segmentação e focalização já existente, fragilizando ainda mais as precárias políticas de corte universalista presente em alguns países. Paz (idem, p. 13), analisando as programas dirigidos à pobreza (PDP) na região, afirma que:

La casi totalidad de los PDP en ALC reposan en el principio de la focalización y en el análisis costo-impacto. En este sentido, puede observarse claramente que la orientación de la política social hacia grupos focales y la lucha contra la pobreza coexisten, o se solapan, con la privatización, la desregulación y la descentralización. Estos programas fueron pensados, diseñados y puestos en funcionamiento para resolver un problema concreto: el costo de un ajuste

considerado necesario por quienes tomaron y toman decisiones en cada uno de los países y por los organismos multilaterales de crédito (OMC) también.

Este "alargamento" na concepção de pobreza tende a obscurecer as relações fundamentais que estão na base do valor trabalho, o que é providencial num continente em que predomina o subemprego e a informalidade.7 7 De acordo com a CEPAL (2010), 32,1% da população da região é pobre, e 12,9% é indigente; isso em números absolutos representa, respectivamente, 180 milhões e 72 milhões. As médias gerais ocultam, no entanto, as desigualdades entre os países. Na Bolívia, por exemplo, 54% da população é pobre, enquanto 31,2% é indigente; em Honduras, esses indicadores são de 68,9% e 45,6%, respectivamente. Apesar do alardeado crescimento econômico, o número de pobres subiu, no ano de 2009, 0,4%. Na condição de periferia do capitalismo central, a América Latina subordina-se às condicionantes dos organismos multilaterais de crédito, em especial no que se refere à estabilização macroeconômica, mantendo os preceitos das reformas de primeira geração. A presença de indicadores de crescimento econômico, alardeada por muitos como um "novo fluxo desenvolvimentista", convive com elevados índices de desigualdade social. As políticas de combate à pobreza em curso na região representam uma nova forma de intervenção desses organismos na "questão social": aliviar a pobreza e com isso administrar as tensões sociais sem elevar os recursos financeiros dedicados a isso. Compreende-se, desse modo, porque encontramos em nossa pesquisa certa uniformidade em programas e estratégias desenvolvidos no âmbito da educação das crianças pequenas. De acordo com Paz (2010), desde os anos 2000, os empréstimos realizados pelos organismos multilaterais de crédito para os países "endividados" ou com elevadas taxas de pobreza têm sido condicionados à implementação de programas dessa natureza. Na seção seguinte, abordaremos como essas questões têm repercutido nas políticas para a educação das crianças pequenas.

A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES, GESTÃO E OFERTA EDUCATIVA

Desde 1990, quando países de todo o mundo se reuniram em Jomtien para referendar o compromisso global de "Educação para Todos", firmando o preceito de "educação ao longo da vida", a educação das crianças pequenas tem sido foco de atenções. No entanto, passados vinte anos da Conferência Mundial, os avanços registrados estão muito aquém das metas e dos compromissos assumidos pelos países participantes. De acordo com a UNESCO (2010b), na América Latina a taxa bruta de escolarização das crianças entre 3 e 5 anos passou de 56% a 65% no período de 1999 a 2007; entre 2002 e 2008, o crescimento foi da ordem de 2% ao ano. Esses percentuais ocultam, no entanto, profundas disparidades tanto intra como inter países, assim como dos segmentos etários atendidos. Considerando apenas a idade de 5 anos, obrigatória em boa parte dos países da região, a cobertura dessa faixa etária vai desde a universalização - Argentina (95,8%), Uruguai (97,3%) e Chile (92,56%), até países em que o acesso ainda é bastante restrito - Guatemala (35,4%), Honduras (47,1%), Equador (56,6%) (Tabela 1).8 8 Dados extraídos do relatório de pesquisa Políticas educativas para a Primeira Infância no Cone Sul: entre o público e o privado, elaborado por Campos (2010).

As médias nacionais escondem ainda discrepâncias importantes relacionadas à distribuição regional das matrículas no interior de cada país e por classes sociais. Nos quatro países que estudamos - Argentina, Brasil, Chile e Uruguai - a situação é muito similar e sempre mais positiva, em termos de indicadores, para os grupos com rendas mais elevadas e para as regiões mais ricas dos países. Correlacionando indicadores de renda e matrículas, temos a seguinte situação: no Uruguai, na idade de 3 anos, 40% de matrículas situam-se no quintil mais baixo, e 92,7%, no mais elevado; na idade de 4 anos: 81,5% e 97,6%; e 5 anos: 95,9% e 99%, respectivamente. No Brasil, apenas 66,8% das crianças de 4 e 5 anos de idade, cujas famílias têm renda per capita de até um quarto de salário mínimo, estavam matriculadas em alguma instituição educativa; já para aquelas pertencentes a famílias de renda per capita acima de um salário mínimo, esse percentual sobe para 86,9% (IBGE, 2010b); ou seja, as crianças pertencentes aos 20% mais pobre da população são aquelas que menos acesso têm à educação. Na Argentina, esse cenário se repete: na idade de 5 anos, para os meios urbanos, 96,9% dos matriculados pertenciam aos 40% mais ricos da população, já 88,2%, aos 40% mais pobres; na faixa etária de 4 anos, 76,6% e 56,4%; e na de 3 anos: 47,2% e 24,7% para os 40% mais ricos e 40% mais pobres, respectivamente (Argentina, 2007).

Quando confrontamos percentuais de matrícula com as características internas dos países, a situação é também similar: na Argentina, por exemplo, em 2009, considerando-se apenas a idade de 5 anos, onde se concentra o maior percentual de matrículas, em províncias como Chaco e Santiago del Estero, o atendimento ficava em torno de 88%; já nas demais, esse percentual sobe a mais de 90%

(Argentina, 2010). No Brasil, quando consideramos as matrículas entre 4 e 6 anos, faixa etária já obrigatória, as disparidades também são significativas: Goiás (58%), Rio Grande do Sul (50,1%), Amapá e Acre (51,5% e 51%), Piauí e Ceará (90,7%) e Rio Grande do Norte (83,8%) (IBGE, 2010b).

No que se refere ao atendimento educativo das crianças de 0 a 3 anos, poucas são as informações encontradas. O Brasil configura-se como uma exceção e, embora encontremos algumas imprecisões, já dispomos de indicadores sistemáticos sobre essa faixa etária: em 2009, aproximadamente 18% das crianças de 0 a 3 anos frequentaram algum tipo de creche. No Chile, um documento publicado pelo Ministério do Planejamento, em 2007, intitulado Educación parvularia y equidad: antecedentes diagnósticos para la política pública, informa que, em 2003, apenas 6,2% das crianças com menos de 2 anos de idade frequentavam algum centro educativo. Na Argentina, para a idade de 3 anos, temos a média nacional de 36,6%, na faixa etária de 4 anos, o percentual é 76,5% (Argentina, 2010). Ainda nesse mesmo país, de acordo com o Barómetro de la Deuda Social de la Infancia (2010), em 2009, 55% das crianças de 2 a 4 anos frequentavam algum tipo de centro de educação infantil; destas, 85,4% pertenciam às camadas médias e altas, e 35,4%, aos segmentos mais pobres da população. No Uruguai, um dos países com os melhores indicadores na região, apenas 13,1% das crianças de 0 a 2 anos são atendidas, crescendo esse percentual quando se trata das crianças de 3 anos - 48% (Kaztman; Rodríguez, 2008).

O crescimento nas taxas de matrículas pode ser atribuído à adoção da obrigatoriedade nas idades finais dessa etapa educativa. A América Latina é o continente que mais a tem instituído: de 17 países que estudamos,9 9 América Latina compreende também os países do Caribe; no entanto, para efeito deste estudo, não consideramos essa região. Por dificuldade de acesso a dados fidedignos, excluímos também Haiti e Honduras. Registre-se que em Cuba, apesar de taxas universalizadas de acesso aos 5 anos, não há obrigatoriedade de frequência. 14 a implementaram em algum nível, sendo mais frequente na idade de 5 anos. Porém, é crescente o movimento de estendê-la também para a idade de 4 anos. Entre os países que a adotaram, excetuando o Peru, que o fez em 2003, oito a implementaram na segunda metade de 2000 (57% dos países), o que parece explicar o crescimento das matrículas registradas no período de 2002 a 2008 (2% ao ano), no grupo de 5 anos de idade. O quadro 1 mostra-nos como essa questão foi tratada na legislação educacional pelos países da região.


Outro aspecto importante a ser observado diz respeito à organização e gestão da educação infantil. O exame das legislações - leis gerais e complementares - evidencia que a educação infantil é tratada em sua especificidade, embora referenciada em distintas matrizes epistemológicas, e identificada com termos igualmente bastante diferenciados: "educación parvularia", "educación inicial", "educación de la primera infancia", "educación preescolar", "educación preprimaria", "educação infantil" são termos utilizados. De modo geral, prevê-se que ela se estenda do período do nascimento até os 5 anos; há países como a Venezuela que incluem o período pré-natal. Também com distintas formas de nomeação, é comum a todos os países sua organização em dois segmentos ou ciclos: 0 a 3 (ou 2 anos) e 4 (ou 3 anos) a 5 anos, com variações na composição interna de cada um (de acordo com as faixas etárias).

Os sistemas educativos, majoritariamente, estão organizados em níveis, etapas e modalidades, integrados em duas grandes categorias: "educação formal" e "educação não formal", que podem estar associadas, por sua vez, a educação "escolarizada" e "não escolarizada", respectivamente.10 10 Dos países cujas legislações analisamos, o Brasil é o único que não apresenta diferenciações organizativas e de gestão entre educação formal e não formal. Essa composição dos sistemas propicia grande flexibilidade em sua organização, posto que na categoria "não formal" ou "não escolarizada" se situam programas ou ações cujo desenvolvimento pode ocorrer fora dos espaços educativos formais ou institucionalizados. Essa flexibilização possibilita, por exemplo, que programas de "atenção à infância", dirigidos à educação das famílias, realizado por agentes comunitários não necessariamente qualificados como professores, possam ser enquadrados como uma "modalidade curricular". Diferentemente do observado em décadas passadas, quando a educação não formal ocorria como modalidade externa aos sistemas educativos, na atualidade, esta se constitui como modalidade integrada aos sistemas. Isso não impede, evidentemente, que iniciativas comunitárias - organizações sociais e outras - também ofereçam educação para as crianças pequenas, sem necessariamente receberem autorização para tal, permanecendo, portanto, fora do circuito oficial. Nesta modalidade, encontramos em todos os países pesquisados programas destinados às crianças de 0 a 3 anos. Na categoria "educação formal" ou "escolarizada", situam-se os níveis ou etapas destinados às crianças acima de 3 e até 5 anos, e sua organização assemelha-se, em graus variados, com a organização dos níveis escolares propriamente ditos - primário ou básico.

Essa flexibilização manifesta-se também em uma espécie de "divisão de tarefas" na gestão dos sistemas educativos: o provimento da oferta nos níveis considerados "formais" ou "escolarizados" fica sob a responsabilidade público-estatal, o que se expressa nos elevados indicadores de matrículas das crianças de 4 a 5 anos nas unidades públicas. Já ao contrário, a modalidade "não formal", por ser considerada "não escolar", e dirigida na maioria dos países às crianças de 0 a 3 anos, tem uma formação compósita, dependendo majoritariamente de convênios ou "parcerias" entre a esfera pública e a privada, notadamente com as chamadas organizações sociais. Neste segmento de 0 a 3 anos concentram-se também, na atualidade, boa parte dos programas de alívio da pobreza, como mostraremos mais adiante.

Na organização do "nível", observamos também variações significativas: a flexibilização pode atingir desde as jornadas (integral, parcial, "estendida") até o modo de organização dos espaços institucionalmente dedicados ao atendimento educativo: jardins de infância (espaços regulares e institucionalizados), "guarderías" (com fraco componente educativo), salas itinerantes (para populações afastadas dos centros urbanos), salas mistas, brinquedotecas, professores visitantes (visitas domiciliares para populações indígenas e campesinas) e educação das famílias (atividades com crianças e orientação às famílias, podendo ocorrer em centros comunitários ou por visitas familiares). Além dessas, encontramos também estratégias específicas para atender a populações indígenas e outras populações cujas atividades laborais são marcadas pela sazonalidade.

Essas configurações dos sistemas educativos expressam e, ao mesmo tempo, instituem modos particulares de representação da infância e de sua educação. Nos países que contam com taxas mais elevadas de pobreza e com ajustes recentes na educação, observamos forte similaridade entre suas orientações e aquelas presentes também em documentos de organismos multilaterais como UNESCO, UNICEF e CEPAL. Isso pode ser compreendido se considerarmos que a maioria dos países da região desenvolvem programas de combate à pobreza sob a orientação técnica e, muitas vezes, com recursos financeiros desses organismos (além de outros, como o BID e o BM).

Por sua forte influência regional, destacamos duas perspectivas predominantes nesses documentos:11 11 Para este estudo, analisamos os seguintes documentos: CEPAL/UNICEF (2010a; 2010b; 2010c); CEPAL (2010); UNESCO (2010b; 2011), BID (2011). Não foi possível, dado o escopo deste trabalho, apresentar a análise também dos documentos curriculares da educação infantil dos países que pesquisamos. a) a educação da "primeira infância" é tratada em função do sucesso escolar e, portanto, do desenvolvimento do capital humano futuro;

b) quanto mais cedo se educa a criança, mais "oportunidades" de desenvolvimento psicofísico-social ela terá, evitando-se assim que privações se transformem em futura situação de iniquidade social. Educar torna-se assim a principal estratégia para combater a pobreza. De acordo com a UNESCO (2010b, p. 27):

Los niños que crecen en entornos en los que están presentes riesgos de malnutrición, abuso, maltrato, violencia, stress y falta de estimulación, se encuentran en inferioridad de condiciones para desarrollar la capacidad de aprender y, por lo tanto, de lograr un buen desempeño en la escuela y en niveles más complejos de habilidades sociales, emocionales e intelectuales que favorezcan una plena e integrada inserción en la sociedad. La consideración integral del desarrollo de los niños en la primera infancia abarca tanto las dimensiones de salud, nutrición, higiene, educación, saneamiento ambiental, acceso a agua potable, cuidado, afecto y protección.

Essa matriz de pensamento, sustentada numa concepção biologizante de desenvolvimento infantil e pragmática da educação, tem ancorado também boa parte das argumentações em prol da prioridade que os governos da região têm dado à educação pré-escolar, transformando-a em período obrigatório. A relação linear e estreita que associa sucesso escolar futuro e preparação para a escola encontra-se fortemente referenciada na ideia da educabilidade da criança, considerada condição necessária ao seu futuro sucesso escolar.

Em síntese, paradoxalmente, constatamos que a ampliação da educação infantil na região vem ocorrendo como resultado de uma dinâmica particular: universalização crescente no atendimento das idades mais próximas da escola primária ou fundamental, o que significa maior presença do Estado tanto na oferta pública como na regulação da oferta privada. Ao contrário, no grupo etário até 3 anos, observa-se uma crescente omissão do poder estatal, o qual transfere para a chamada "sociedade civil" a responsabilidade pela educação desse segmento educativo. As expectativas mais otimistas com relação a mudanças neste cenário podem ser contrastadas com as Metas Educativas do Bicentenário, principal plano em desenvolvimento na região: "[ ] em 2015 recebem atenção educativa inicial entre 50% e 100% das crianças de 3 a 6 anos e 100% em 2021. Em 2015, entre 10% e 30% das crianças de 0 a 3 anos participam de atividades educativas e entre 20% e 50% o fazem em 2021" (OEI, 2010). Chamamos a atenção para as metas e o tipo de atividade prevista para as crianças de 0 a 3 anos: participar de atividades educativas. Considerando que, na maioria dos sistemas educativos analisados, a educação inicial (3 a 6 anos) está situada na "esfera escolar" ou de "educação formal", concluímos pelo aprofundamento da segmentação em curso.

A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS: PROGRAMAS, AÇÕES E ESTRATÉGIAS GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS

Como mostramos anteriormente, a educação das crianças de 0 a 3 anos, na América Latina, tende, de modo predominante, a ser oferecida por meio de programas de "atenção socioeducativa", de caráter não formal ou não escolar. Esses programas resultam da ação de diferentes atores sociais e em boa parte dos países, especialmente os mais pobres, são desenvolvidos com aportes financeiros oriundos de organismos multilaterais ou de organizações internacionais, de cunho humanitário ou filantrópico, que atuam na região.

Não obstante as críticas e autocríticas, esses programas proliferam de modo exponencial e procuram responder a duas ordens de problema: os poucos avanços na cobertura educativa das crianças de 0 a 3 anos, consequência, entre outros fatores, da crescente obrigatoriedade das etapas finais da educação infantil e ao crescimento da pobreza infantil na região. Nesse sentido, os programas de transferência condicionada de renda tendem a fomentar ou, muitas vezes, exigir a participação das famílias e das crianças em atividades relacionadas à educação, saúde, nutrição, cujo objetivo seria melhorar as condições de vida da chamada "primeira infância". Isso resulta que a educação infantil, compreendida como direito de todas as crianças, passa a se orientar, como já ressaltamos, pela convergência de duas lógicas distintas: políticas universalizadas para um grupo (4 a 5 anos) e políticas focalizadas e compensatórias para 0 a 3 anos.12 12 Uma análise destes programas esbarra, inicialmente, em um problema que atravessa qualquer estudo sobre a educação infantil na região: a falta de informações sistematizadas. Essa dificuldade fica redobrada dado o grau de flexibilidade desses programas, que podem ser desenvolvidos em nível nacional ou apenas regional, tal como ocorre com o Programa Primeira Infância Melhor, financiado com recursos do BID, desenvolvido em alguns estados brasileiros. Nesta seção, trataremos de mostrar com base em fontes documentais e pesquisa de campo, os principais programas desenvolvidos na América Latina, destacando suas características, custos e organismos executores. Considerando as informações e os documentos disponíveis em sítios governamentais e relatórios elaborados por organismos multilaterais já referidos, podemos agrupar os programas não escolarizados dirigidos às crianças pequenas em quatro grandes categorias:

a| programas desenvolvidos em centros de educação infantil que oferecem atendimento diário em período parcial ou integral, que contam com profissionais formados e voluntários; podem ser abrigados em instalações públicas ou cedidas pela comunidade. Boa parte dos programas situados nessa categoria são executados por organizações sociais. Podem ter um caráter menos de "atenção" e mais de preparação para a escola;

b| programas de atendimento direto, de caráter socioeducativo, oferecidos em espaços comunitários, realizados por pessoas da própria comunidade, que recebem orientações (treinamento) de equipes de coordenação para o desenvolvimento de atividades de saúde, nutrição e educação. Podem ter frequência diária, com jornadas estendidas, observando sazonalidade (períodos do ano e espaços) dos grupos atendidos. Dependem de elevado envolvimento da comunidade;

c| programas desenvolvidos em espaços comunitários ou em centros próprios destinados à atenção socioeducativa de crianças pequenas, orientados pela concepção de estimulação do desenvolvimento. Articulam orientação familiar, especialmente às mães, com atendimento direto às crianças, pelo menos uma ou duas vezes na semana. O foco é o fortalecimento da relação entre a família e a criança. Estes programas também podem ser itinerantes (o educador comunitário vai à casa da família);

d| programas de caráter socioeducativo dirigidos às famílias; não implicam atendimento direto às crianças, mas seu alvo são as famílias que recebem orientações sobre como estimular o desenvolvimento de suas crianças. É desenvolvido por meio de visita domiciliar.13 13 Estes programas podem associar outros elementos como: classes itinerantes ou "jardins sob rodas" (Argentina), brinquedotecas (Venezuela), programas televisivos (Chile) e programas voltados para grupos específicos (mães adolescentes; mães em privação de liberdade). Podem também ser modificados em função dos grupos étnicos - casos da Bolívia, do Equador e do Peru -, observando-se, nesses casos, as referências culturais que orientam as relações educativas entre família e crianças, e comunidade e crianças, ou da localização - regiões rurais ou mais afastadas dos grandes centros urbanos.

A relevância que essa modalidade educativa ganha, atualmente, nas políticas para a infância na região, pode ser aferida pela quantidade de programas implementados e de recursos destinados pelos organismos multilaterais a estes. Exemplificaremos tomando como referência as informações constantes no relatório "Investir en los primeros años de vida" (BID, 2010b), considerando também que esse é o principal financiador desses programas na região. De acordo com o relatório,14 14 Embora esses projetos tenham como abrangência as idades de 0 a 6 anos, tendem a focalizar mais de 0 a 3 anos.

Los años recientes demuestran un incremento importante en la frecuencia de proyectos en el área de DIT dentro de la cartera del BID. [ ] Primero, el número de operaciones del BID en DIT ha aumentado dramáticamente en los años recientes pasando de entre cinco y diez proyectos anuales hasta el año 2007 a más de diez a partir de 2008. En particular, el aumento se concentra en dos tipos de intervenciones: programas y servicios para el cuidado infantil y la estimulación temprana y programas vinculados a transferencias monetarias condicionadas. (idem, p. 18, grifo do autor)

No período entre 1994 e 2010, o BID financiou 107 projetos com componentes educativos (destes, 33 se vinculavam a transferências condicionadas de renda, e 74 eram apenas de caráter socioeducativo, sem vinculação), distribuídos por 24 países da América Latina e do Caribe, com destaque para este grupo de países: Colômbia (10), Peru (9), Nicarágua (8), Equador (8), Paraguai (7), Guatemala (7), Honduras (6), Brasil (5), Bolívia (4), Argentina (4), Venezuela (3), Uruguai (3) e Chile (2).

Com relação ao foco desses projetos, o relatório informa que a maioria (33%) são programas destinados a cuidados infantis e estimulação precoce (jardins maternais, pré-escolar, educação dos pais, e projetos de apoio técnico para a elaboração de políticas para a primeira infância); o segundo grupo de projetos (31%) apresenta serviços de atenção educativa vinculados a programas de transferência condicionada de renda; os 30% restantes são projetos que associam atenção inicial a programas de saúde, nutrição etc. Os programas que vinculam atenção socioeducativa com transferência de renda se localizam majoritariamente na Colômbia (7), Peru (5), Paraguai, Guatemala e Honduras (3), Brasil e Bolívia (2) (BID, 2010b).

Os programas financiados pelo BID são variados, o que possibilita também combinações distintas, de acordo com o perfil do grupo demandante e das características do país. Encontramos quatro grandes linhas de programa: a) programas de cuidado infantil e estimulação precoce; b) programas de saúde e nutrição; c) programas de transferência condicionada de renda; d) outros tipos de programa (para públicos específicos, como comunidades indígenas). Assim, por exemplo, na Argentina os programas financiados localizam-se apenas no primeiro grupo, enquanto na Guatemala encontramos programas dos grupos a, b e c, combinados ou não.

Os novos modos de "medir" a pobreza, com a criação de gradações em seu interior, como mostramos anteriormente, tornam possível também uma nova "economia" na distribuição dos recursos, refinando os mecanismos de focalização em concordância cada vez mais com os critérios de eficiência e eficácia na sua gestão. Isso ganha visibilidade quando observamos o período em que os programas mencionados foram implementados: 2006 - 5; 2007 - 4; 2008 - 12; 2009 - 15; 2010 - 20 (idem). Vale lembrar que esse período foi também aquele em que, a despeito do tão propalado desenvolvimento econômico, observou-se crescimento nas taxas de pobreza na América Latina. Associando educação e contenção da pobreza, é provável que o BID intensifique sua ação na região, pois, conforme consta no relatório "Investir en los primeros años de vida",

Dentro de su agenda de mediano plazo, el BID ha identificado un conjunto de prioridades de política estratégicas en el área de DIT, en las cuales, en colaboración con los países enfocará sus instrumentos de inversión. Para los niños más jóvenes, de entre cero y tres años, el desafío principal para la región es el diseño de políticas e intervenciones a escala que apoyen a los padres y personas encargadas del cuidado de los niños a mejorar la calidad de la atención, el cuidado, y las prácticas de crianza que reciben los menores, incluyendo aspectos de salud, nutrición y estimulación. Para los niños mayores, de entre cuatro y seis años, el mayor desafío de política es la expansión del acceso equitativo a servicios de educación pre-escolar de calidad. (idem, p. 23, grifo do autor)

Essas estratégias, que combinam intervenções e disciplinamento dos "modos de vida" das famílias, visam a disseminar "conhecimentos científicos" sobre o desenvolvimento das crianças e estratégias pedagógicas de cuidado: livretos, materiais para uso com as crianças, difusão em mídias, são alguns recursos utilizados para isso. Conforme Vicent (1994, p. 44, tradução nossa), ações dessa natureza tendem a "[ ] fazer de cada instante um instante de educação, de cada atividade das crianças uma atividade educativa, quer dizer, uma atividade cuja finalidade é formar, formar seus corpos, formar seus conhecimentos, formar sua moral, tudo isso de modo indissociável".

Como visto anteriormente, as indicações são para a educação das famílias no sentido de habilitá-las, qualificá-las para a educação das crianças pequenas, e já naquelas em idade pré-escolar se estimula o desenvolvimento de competências preparatórias para o desempenho escolar futuro. Recomenda-se, nessa direção:

Fortalecer iniciativas que articulen los servicios pre-escolares con el sistema educativo y faciliten la transición a la primaria, favoreciendo un mayor énfasis en competencias de lenguaje y matemáticas durante el pre-escolar, en coordinación con el resto del currículum de los primeros grados de primaria. (BID, 2010b, p. 23)

Mesmo induzindo à implementação de programas como os descritos, o BID reconhece que não dispõe de estudos que possam verificar o impacto destes sobre as crianças a que se destinam. No entanto, reportando-se a estudos realizados em "países desenvolvidos", afirmam haver uma relação positiva entre estimulação e cuidados e o potencial educativo futuro, ao mesmo tempo em que asseveram que isso se deve fortemente à qualidade do atendimento fornecido. Sublinham, no entanto, que isso não ocorre nos programas desenvolvidos na região, pois a maioria das pessoas envolvidas diretamente na execução destes não tem formação adequada, além de trabalharem sem remuneração ou com salários muito baixos.

Não há como discordar dessas afirmações, especialmente no que diz respeito à relação entre qualidade e pessoal qualificado e bem remunerado no exercício de sua função. Todavia, esses preceitos não são observados pelo BID nos programas que financia, prevalecendo nestes a tese de "atendimento em escala" a custos baixos. Tomando como referência materiais produzidos pelo próprio Banco (BID, 2010), constatamos não apenas que os valores repassados são insuficientes para um atendimento educativo que respeite os direitos das crianças, mas também que os recursos tendem a ser inversamente proporcionais às taxas de pobreza dos países. Citamos como exemplo os valores destinados a programas similares no Chile e no Equador - ambos destinados ao atendimento direto de crianças em guarderías ou jardins (Chile), ou em centros de desenvolvimento infantil (Equador): no primeiro, tem-se o valor-referência de US$2,500 ano/criança; já no segundo, este valor é de US$99 ano/criança.15 15 Os Centros de Desenvolvimento Infantil (CID) oferecem atendimento direto a crianças de 6 meses até 4 anos, em período integral, em espaço institucional, com participação das famílias e comunidade. Em documento apresentado pelo governo equatoriano "Experiencia de desarrollo infantil en el Ecuador" , por ocasião do seminário Modelos de atención a la primera infancia. Lecciones de política para la Región Andina, o custo por criança/ano é apresentado como US$755,54 ou US$2,97/dia, bem superior ao que foi apresentado pelo BID, o que nos leva a supor que o valor de US$99/ano seja a parte financiada pelo BID. Esse documento e outros do seminário estão disponíveis em: < http://www.iadb.org/publications/index.cfm?lang=es>. Também nos programas dirigidos à atenção das famílias encontramos valores bastante distintos: no Chile, o Programa Conozca su Hijo (CASH) tem um custo de US$1,488, enquanto um programa similar em Honduras tem um custo de US$70 (programa Madres Guías), e o Creciendo con nuestros Hijos (CNH), no Equador, tem um custo anual de US$176,19 criança/ano. O programa com maior cobertura dos países pesquisados é o Hogares Comunitarios de Bienestar, na Colômbia, que atendia em 2010 cerca de 1.211.138 crianças, de 6 meses a 5 anos, por meio das "mães comunitárias". Este programa tem um custo estimado de US$262 ano/criança, de acordo com o Banco (BID, 2010).

Nesses programas, o componente "atenção" tende a sobressair-se sobre aquele de educação, quase sempre tratado de modo complementar ao primeiro ("atenção e educação"). Para Espinosa e Gomez (1998, p. 18), por "atención integral se entiende, el conjunto de acciones coordinadas que pretenden satisfacer tanto las necesidades esenciales para preservar la vida, como aquellas que dicen relación con el desarrollo y aprendizaje humano, acorde a sus características, necesidades e intereses tanto permanentes como variables". As autoras esclarecem ainda que essa atenção é fundamentalmente tarefa das famílias, todavia, dada a condição de pobreza da região, em alguns casos, é necessário que as crianças recebam atenção extrafamiliar. Com poucas ressalvas, acentuando, no entanto, o papel da cultura no desenvolvimento das crianças, a UNESCO (2008) tem tomado também essa concepção na orientação de seus programas, o que pode ajudar a compreender a crescente hegemonia da tríade conceitual: "atenção integral", "equidade" e "vulnerabilidade social".

As agendas políticas regionais e locais tendem, assim, a instituir mecanismos regulatórios que, para além da administração das políticas, se tornam também dispositivos de "administração da infância". A pluralidade das experiências revela-nos, a um só tempo, tanto as distintas lógicas e os dispositivos que orientam políticas e programas, como induzem a ressignificações discursivas acerca das crianças, suas infâncias e a educação que lhes seja mais adequada. A concepção de "atenção integral", por exemplo, repõe a centralidade do desenvolvimento neurobiológico e cognitivista na educação das crianças, disseminando-se a ideia de "momento único e determinante do desenvolvimento humano". Faz-se difundir a crença de que os cinco primeiros anos são essenciais, pois é nesse período que "[ ] milhões de células nascem, crescem e se conectam. A inteligência das pessoas depende dessas conexões e a estrutura e organização dessas conexões são determinadas pelas interações com o meio, em particular, e pela relação com os demais" (Young; Gómez, 2004). Discursos desse tipo são apresentados lado a lado com discursos culturais acentuando o papel das comunidades e das famílias, dos processos interativos e dos direitos das crianças. Essa bricolagem conceitual revela-nos, como bem lembra Sarmento (2005, p. 30), que "[ ] a incorporação do discurso desenvolvimentista na administração simbólica da infância e da educação não é mais domínio dos movimentos pedagógicos minoritários", tendendo a se constituir o essencial do discurso legitimador da ação educativa.

Enfim, cabe ainda ressaltar que todos esses programas tendem a apelar para o protagonismo das comunidades, consideradas corresponsáveis pela educação das crianças pequenas. Essa corresponsabilidade abrange desde iniciativas de mobilização de "voluntariado" até a constituição de redes sociais incluindo um amplo espectro de organizações sociais, que tanto podem ser solicitadas a partilhar responsabilidades de financiamento direto ou indireto como também serem mobilizadas para a execução dos programas e políticas para a primeira infância, prestando atendimento direto às crianças.

Os resultados de nossos estudos permitem-nos afirmar que o chamado Terceiro Setor se torna, de fato, na maioria dos países o principal executor das políticas e dos programas dirigidos às crianças pequenas e, em especial, para aquelas mais pobres. E, diante dessa situação, como não relembrar o desalento da conclusiva frase de Franco (1989), quando, em fins da década de 1980, já anunciava que tratávamos "pobremente a pobreza".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez seja pertinente iniciarmos esta seção destacando o sentido que pretendemos dar à expressão "política pequena" no título deste artigo. Inspiramo-nos na expressão gramsciana "pequena política", com o intuito de evidenciar a necessidade de resgatarmos a radicalidade crítica na análise da situação da educação infantil no Brasil e na América Latina. Os resultados até agora obtidos com nossa pesquisa não nos autorizam a celebrações otimistas. Ao contrário, a persistência em tratar a educação das crianças pequenas como estratégia para mitigar a miséria tem inaugurado novas formas de segmentação e de focalização de políticas, que, longe de distribuir com "equidade" as "oportunidades educacionais", criam novas formas de discriminação e de subalternização.

Dessas novas formas de segmentação, destacamos aquela produzida pela introdução da obrigatoriedade na educação infantil, que tende a romper com a unidade pedagógica e de gestão arduamente conquistada nessa etapa educativa. Adotada pela maioria dos países na região, tem produzido efeitos paradoxais e instaurado uma nova dinâmica na composição e gestão dos sistemas educativos. No que se refere ao primeiro aspecto, a focalização no ciclo etário final - 4 a 5 anos de idade - tem induzido ao crescimento das matrículas, verificando-se em alguns países a universalização de acesso. No entanto, essa universalização tem sido feita em detrimento da educação das crianças de 0 a 3 anos, destinatárias cada vez mais de programas de caráter assistencial e de qualidade precária. Isso se reflete também nas orientações curriculares: para as primeiras, o preparo para a escola, visto que os principais argumentos para a obrigatoriedade são os impactos positivos da pré-escola nas trajetórias escolares futuras. Para as segundas, a oferta de programas dirigidos à educação das famílias "que vivem em situação de pobreza ou de extrema pobreza" - para que estas, devidamente instruídas, se encarreguem de desenvolver boas "práticas de criação", além de atividades lúdicas e estimulantes. Ignora-se, nesses programas, que boa parte das mulheres a que se destinam são trabalhadoras, quase sempre exercendo atividades laborais fora do lar e, muito frequentemente, com baixos níveis de escolaridade, além de reafirmarem a "privatização do cuidado" sob a responsabilidade das mulheres (Rodríguez Enríquez, 2007).

Os paradoxos dessa orientação política também estão presentes nas legislações e na organização dos sistemas educativos. Embora todos tenham incorporado em alguma medida o direito das crianças pequenas à educação, as variações não são desprezíveis. Em muitos países, encontramos a inclusão das crianças de 0 a 3 anos na modalidade "não escolarizada", e seu provimento tem ficado a cargo de organizações sociais, de natureza privada, que atuam sob a chancela do poder público, "prestando esse serviço" para as comunidades. Encontramos diversos tipos de arranjo institucional e de dispositivo de regulação envolvendo a esfera pública e a privada, porém poucas vezes identificamos ações eficazes de efetivo controle estatal sobre esta. Os documentos que analisamos, produzidos por organismos multilaterais promotores e árduos defensores de políticas compensatórias para as crianças pobres, se veem constrangidos a reconhecer a precarização e a ineficácia dessas ações. Premidos pela necessidade de legitimidade social para suas políticas, tendem cada vez mais a incorporar em seus discursos e ações, ainda que de modo subordinado, demandas decorrentes de pressões sociais. Isso ocorre principalmente em países cujos governos vêm desencadeando reformas estruturais de base.

O que podemos aprender com as experiências latino-americanas? Tendemos também no Brasil a implementar políticas que aprofundam processos de segmentação já existentes? Os indicadores dos quais dispomos nos permitem afirmar positivamente: as "brechas" que separam a creche da pré-escola são significativas e podem se acentuar ainda mais com a implementação da obrigatoriedade. As médias nacionais ocultam severas desigualdades regionais e de origem social das crianças: em 2009, apenas 18,4% desse grupo frequentava algum tipo de instituição educativa. O acesso à creche continua sendo muito restrito, especialmente se considerarmos o PNE, que estabelecia a meta de 30% para 2006 e de 50% até 2010. Se compararmos o período de 1995-2009, tanto para creche como pré-escola, podemos observar que o crescimento de matrículas na primeira foi de apenas 10,8%, ao passo que na pré-escola esse percentual foi mais do que o dobro: 27,8%. Também na creche encontramos as taxas mais elevadas de atendimento em instituições privadas.

A iniquidade dessa situação se traduz com mais força se confrontarmos o acesso com a renda familiar: em 2008, apenas 10,2% das crianças pertencentes ao quinto mais pobre da população frequentavam alguma creche, elevando-se significativamente esse percentual entre as crianças do quinto mais rico - 36,2%. Em 2009, essa situação pouco se alterou: apenas 11% de crianças do quinto mais pobre da população frequentavam a creche, elevando-se substancialmente este indicador quando ao tratar de crianças pertencentes ao quinto mais rico da população: 34,9%. Esses dados são significativos, especialmente se considerarmos que quase 70% das crianças de 0 a 6 anos pertencem a famílias com renda per capita de até um salário mínimo, portanto, aquelas mais atingidas pela pobreza (IBGE, 2010a).

Merecem atenção, também, os riscos de ruptura da unidade pedagógica prevista na LDB 9.394/96 entre creches e pré-escolas. A adoção da obrigatoriedade da pré-escola tende a modelá-la e aproximá-la da norma pedagógica da escola, ao mesmo tempo em que o predomínio da oferta pública da educação para esse segmento etário, devido à priorização dos governos em atender ao preceito constitucional, pode levar a uma ampliação na transferência da "prestação do serviço" educativo das crianças de 0 a 3 anos para instituições privadas conveniadas. Essa estratégia é crescentemente adotada pelos municípios que, premidos pelo Ministério Público e pressões sociais, priorizam atender ao nível obrigatório.

Por fim, cabe-nos interpelar as reais intenções governamentais com a proposição feita na Meta 1 do PNE 2011-2020, em discussão neste momento no Congresso Nacional: "Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de Educação Infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos" (grifo nosso). Qual o sentido de qualificar como "escolar" o atendimento da população de 4 e 5 anos? E se associarmos isso com a estratégia 1.4, "Estimular a oferta de matrículas gratuitas em creches por meio da concessão de certificado de entidade beneficente de assistência social na educação", não estaríamos também aqui ressignificando a educação infantil qualificando como "escolar" a pré-escola? Nesse caso, como seria qualificada a creche? Conforme consta na estratégia 1.4, ficaria preferencialmente sob a "sociedade civil" a responsabilidade por esse atendimento?

Confrontando a situação brasileira com aquela predominante no cenário latino-americano, distinguimo-nos dos demais países, entre outros aspectos, pela institucionalização da unidade pedagógica da educação infantil: creche e pré-escola são consideradas a primeira etapa da educação básica, a que antecede o período escolar. A instituição da obrigatoriedade da pré-escola apresenta novos elementos tanto no campo da política como no da prática pedagógica: a articulação com o ensino fundamental é uma "agenda" que não pode mais ser adiada. Em contrapartida, no que se refere à creche, carecemos de estudos que revelem a real situação sobre as relações entre a esfera pública e a privada. Sabemos que a pressão por suprir a demanda de vagas na pré-escola tem levado muitos municípios a diminuir o número de vagas para as crianças de 0 a 3 anos nas instituições públicas, reorientando sua ação para a ampliação dos convênios.

Vale lembrar que o FUNDEB induz fortemente a essa direção ao não prever medidas de transição nem "travas" institucionais ou temporais para os convênios em creches. Resulta desse processo a ascensão das ONGs atuando na educação infantil, que no contexto atual deixam de ser "alternativas" ao "poder estatal", tal como ocorria nas décadas de 1970 e 1980. Ao contrário, hoje se tornam prestadoras de serviço ao Estado, conformando, de acordo com o previsto na reforma do aparelho de Estado por Bresser Pereira (1998), o setor "público não estatal", afinando-se o entendimento da educação como "serviço", e não como direito social básico.

Se progressos foram registrados na educação brasileira, e esses não são aqui negados, foram, no entanto, insuficientes. O retrato disso se evidencia no descompasso entre o "peso" do PIB brasileiro (entre os maiores do mundo) e o seu IDH - 75º posição -, como também nos indicadores educacionais da população brasileira: em 2009, a média de anos de estudo da população brasileira, de 15 anos ou mais de idade, correspondia a 7,5 anos de escolarização. O país levou 17 anos para aumentar em 2,3 anos a média de estudo de sua população. Essa taxa, no entanto, diferencia-se, quer se considerem regiões do país, quer se considerem classe social, raça, campo e cidade; assim, enquanto na Região Sudeste a média é de 8,2 anos de estudo, no Nordeste esse numero cai para 6,3. Essas clivagens também são acentuadas quando cruzamos com o indicador "classe social": o quinto mais pobre da população tem em média 5,5 anos de estudo, já o quinto mais rico tem o dobro, ou seja, 10,7 anos (IBGE, 2010b). Esses dados mostram-nos que a persistência do "atraso" educacional revela a incapacidade de o Estado garantir a todos os brasileiros e brasileiras aquilo que lhes é garantido em lei, na época, ainda os oito anos de ensino fundamental.

As crianças pequenas - referimo-nos especificamente àquelas entre 0 e 5 anos - são as mais afetadas pela desigualdade social. Em 2009, de cada 1.000 crianças nascidas, 23,59% morriam já no primeiro ano de vida; essa taxa chega a 48,2% em Alagoas e a 37,9% no Maranhão, taxas próximas àquelas encontradas nos países mais pobres da América Latina, como a Bolívia e o Haiti.16 16 Em Alagoas, 68,8% das crianças de 0 a 6 anos pertencem a famílias cuja renda per capita é de até ½ salário mínimo; no Maranhão, o percentual é semelhante: 65,4%. Como vimos nos dados apresentados anteriormente, as crianças que menos acesso têm a creches e pré-escolas são aquelas pertencentes aos estratos mais pobres da classe trabalhadora. De cada 1.000 crianças entre 0 e 3 anos, em média, pertencentes aos 20% mais pobres da população brasileira, apenas 110 frequentam creche; já nos 20% mais ricos, esse percentual sobe a 350, ou seja, três vezes mais.

Enfim, diante do cenário latino-americano e brasileiro aqui apresentado, das profundas desigualdades e opressões que marcam ou cortam a infância de tantas crianças e dos cinismos que acompanham as políticas de mitigação da pobreza numa época em que as crises do sistema decorrem de sua superacumulação, não caberia perguntar com Schiller (1995, p. 50): "onde reside a razão de sermos ainda tão bárbaros?".

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Recebido em agosto de 2011

Aprovado em dezembro de 2011

SOBRE A AUTORA

Roselane Fatima Campos é doutora em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora adjunta II da mesma instituição, E-mail: roselane@ced.ufsc.br

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  • Vincent, Guy (Org.). L'education prisionnière de la forme scolaire? Scolarisation et socialisation dans les sociétés industrielles Paris: Presses Universitaires de Lyon, 1994.
  • Young, Mary E.; Gómez, Gaby F. Desarrollo infantil temprano: leccionnes de los programas no formales. Revista Acción Pedagógica, v. 13, n. 2, 2004.
  • 1
    Trabalho encomendado pelo GT07-Educação de Crianças de 0 a 6 anos, apresentado na 34ª Reunião Anual da ANPEd, realizada de 02 a 05 de outubro de 2011, em Natal-RN. O artigo deriva de dois projetos de pesquisa: "Políticas educativas para a Primeira Infância no Cone Sul - entre o público e o privado", desenvolvido no período de 2008-2009; e "Políticas de Educação Infantil na América Latina - da conformação a transformação: um estudo sobre a educação das crianças pequenas na Bolívia, Equador e Venezuela", em desenvolvimento. Ambos os projetos foram financiados pelo CNPq.
  • 2
    Esta situação gerou em toda América Latina intensos movimentos de protestos, levando à ascensão de governos de esquerda e centro-esquerda, eleitos com programas políticos de oposição ao chamado "ajuste neoliberal". Citamos: Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil; Néstor Kirchner, na Argentina; os governos da "
    Concertación", no Chile; Hugo Chávez, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia; e Rafael Correa, no Equador. Vale relembrar também a insurgência zapatista (México), os movimentos contestatórios que culminaram nos Fóruns Sociais Mundiais e nos protestos de Seattle em 1999, e Cuba em sua luta histórica contra o regime hegemônico. Enfim, cabe destacar a originalidade dos processos latino-americanos - desde os movimentos de
    calle (os sem-teto, os sem-terra, os
    piqueteros etc.) até os movimentos protagonizados pelos povos indígenas, camponeses e operários, cujo poder político os leva a serem definidos por Linera (2010) como "potência plebeia".
  • 3
    Vale aqui destacar alguns enfoques que passaram a orientar as políticas dos organismos multilaterais: "transformação produtiva com equidade" na CEPAL, "desenvolvimento humano" no PNUD e o ajuste com "rosto humano" do UNICEF.
  • 4
    Para uma revisão das concepções acerca da pobreza e formas de mensuração, cf. Mattei (2009).
  • 5
    A crítica aqui se refere à metodologia para a mensuração da pobreza com base em "um dólar por dia", adotada pelo Banco Mundial desde 1990, como padrão internacional de pobreza. Esse parâmetro, apresentado no relatório de Desenvolvimento Humano do Banco do mesmo ano, afirmou também este critério (US$1,00/dia) para definir a linha de pobreza. Para mais detalhes, cf. Mattei (2009). Partilhamos das críticas apresentadas por esse autor e por outros estudiosos como Reddy (2007) e Bóron (2010).
  • 6
    Considera-se, nessas pesquisas, o limite temporal da infância como a idade de 17 anos. Observa-se que há controvérsias nas metodologias e nos instrumentos usados para a medição da pobreza, conforme já assinalamos em nota anterior.
  • 7
    De acordo com a CEPAL (2010), 32,1% da população da região é pobre, e 12,9% é indigente; isso em números absolutos representa, respectivamente, 180 milhões e 72 milhões. As médias gerais ocultam, no entanto, as desigualdades entre os países. Na Bolívia, por exemplo, 54% da população é pobre, enquanto 31,2% é indigente; em Honduras, esses indicadores são de 68,9% e 45,6%, respectivamente. Apesar do alardeado crescimento econômico, o número de pobres subiu, no ano de 2009, 0,4%.
  • 8
    Dados extraídos do relatório de pesquisa
    Políticas educativas para a Primeira Infância no Cone Sul: entre o público e o privado, elaborado por Campos (2010).
  • 9
    América Latina compreende também os países do Caribe; no entanto, para efeito deste estudo, não consideramos essa região. Por dificuldade de acesso a dados fidedignos, excluímos também Haiti e Honduras. Registre-se que em Cuba, apesar de taxas universalizadas de acesso aos 5 anos, não há obrigatoriedade de frequência.
  • 10
    Dos países cujas legislações analisamos, o Brasil é o único que não apresenta diferenciações organizativas e de gestão entre educação formal e não formal.
  • 11
    Para este estudo, analisamos os seguintes documentos: CEPAL/UNICEF (2010a; 2010b; 2010c); CEPAL (2010); UNESCO (2010b; 2011), BID (2011). Não foi possível, dado o escopo deste trabalho, apresentar a análise também dos documentos curriculares da educação infantil dos países que pesquisamos.
  • 12
    Uma análise destes programas esbarra, inicialmente, em um problema que atravessa qualquer estudo sobre a educação infantil na região: a falta de informações sistematizadas. Essa dificuldade fica redobrada dado o grau de flexibilidade desses programas, que podem ser desenvolvidos em nível nacional ou apenas regional, tal como ocorre com o Programa Primeira Infância Melhor, financiado com recursos do BID, desenvolvido em alguns estados brasileiros. Nesta seção, trataremos de mostrar com base em fontes documentais e pesquisa de campo, os principais programas desenvolvidos na América Latina, destacando suas características, custos e organismos executores.
  • 13
    Estes programas podem associar outros elementos como: classes itinerantes ou "jardins sob rodas" (Argentina), brinquedotecas (Venezuela), programas televisivos (Chile) e programas voltados para grupos específicos (mães adolescentes; mães em privação de liberdade). Podem também ser modificados em função dos grupos étnicos - casos da Bolívia, do Equador e do Peru -, observando-se, nesses casos, as referências culturais que orientam as relações educativas entre família e crianças, e comunidade e crianças, ou da localização - regiões rurais ou mais afastadas dos grandes centros urbanos.
  • 14
    Embora esses projetos tenham como abrangência as idades de 0 a 6 anos, tendem a focalizar mais de 0 a 3 anos.
  • 15
    Os Centros de Desenvolvimento Infantil (CID) oferecem atendimento direto a crianças de 6 meses até 4 anos, em período integral, em espaço institucional, com participação das famílias e comunidade. Em documento apresentado pelo governo equatoriano "Experiencia de desarrollo infantil en el Ecuador"
    , por ocasião do seminário
    Modelos de atención a la primera infancia. Lecciones de política para la Región Andina, o custo por criança/ano é apresentado como US$755,54 ou US$2,97/dia, bem superior ao que foi apresentado pelo BID, o que nos leva a supor que o valor de US$99/ano seja a parte financiada pelo BID. Esse documento e outros do seminário estão disponíveis em: <
  • 16
    Em Alagoas, 68,8% das crianças de 0 a 6 anos pertencem a famílias cuja renda per capita é de até ½ salário mínimo; no Maranhão, o percentual é semelhante: 65,4%.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2011
    • Aceito
      Dez 2011
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    E-mail: rbe@anped.org.br