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EDITORIAL

É com satisfação que estamos colocando à disposição do público, particularmente do mundo acadêmico, mais um número da Revista Brasileira de Educação (RBE) que, assim, guarda adequada periodicidade e cumpre o importante papel de veículo de divulgação/socialização de reflexões que decorrem de estudos e pesquisas sobre temas e problemas candentes no campo educacional do Brasil e do mundo.

Na atual conjuntura mundial, marcada pela crise econômica que emana dos países centrais, a questão dos vínculos entre o processo de desenvolvimento e os processos educativos tem voltado à cena com todo o vigor. A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) não tem se furtado a este debate. Um exemplo de tal prática foi sua participação na I Conferência de Desenvolvimento (I CODE), promovida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no mês de novembro de 2010. O objetivo da CODE, que este ano terá a sua segunda edição, é criar um espaço nacional de debates sobre o tema, envolvendo a sociedade civil.

A participação da Associação no evento efetivou-se por meio da organização de mesa-redonda sobre o binômio educação e o desenvolvimento econômico, coordenada por Eliza Bartolozzi Ferreira, cuja composição contou com as contribuições dos pesquisadores Lúcia Bruno (USP), Paulo Corbucci (IPEA) e Luiz Antônio Cunha (UFRJ). Os respectivos textos abrem a seção de artigos deste número da Revista, abordando a temática a partir de referenciais teóricos distintos e de diferentes ângulos, pondo em prática o princípio salutar da pluralidade democrática que rege a ANPEd e, por conseguinte, a política editorial da RBE.

No artigo "Educação e desenvolvimento econômico no Brasil", Lúcia Bruno utiliza-se da construção marxiana sobre a Lei do Valor para fazer a análise do tema a partir dos parâmetros em que se inserem a produção e a reprodução da força de trabalho, destacando os vínculos entre as mudanças nas políticas de educação e os requerimentos postos pela reorganização do mundo capitalista a partir dos anos de 1980. Em tal contexto, põe em xeque premissas da Teoria do Capital Humano e focaliza analiticamente aspectos referentes à resistência de professores e alunos em relação às práticas escolares guiadas por essa perspectiva. "Dimensões estratégicas e limites do papel da educação para o desenvolvimento brasileiro" é o recorte que Paulo Corbucci realiza para discutir o tema, abordando-o no contexto atual da sociedade brasileira, tendo por referente os condicionantes advindos de uma economia globalizada e das características histórico-estruturais da nossa realidade. Neste quadro, com base na análise de dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), examina os limites e potencialidades da educação no sentido de transformar o país "em uma nação economicamente dinâmica e socialmente justa", sem adotar, contudo, uma concepção linear que vincula mecanicamente os níveis de escolaridade da população aos níveis de desenvolvimento e, portanto, sem creditar somente à educação a prerrogativa de promover transformações.

O artigo de Luiz Antônio Cunha, "Contribuição para a análise das interferências mercadológicas nos currículos escolares", em certa medida, distancia-se do modo como os textos anteriores trataram das relações entre educação e desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo em que guarda proximidade com o artigo de Michael Young - renomado pesquisador da Universidade de Londres - intitulado "O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: o argumento radical em defesa de um currículo centrado em disciplinas". Cunha procura demonstrar como a fragilidade do campo educacional no Brasil deixa brechas para que os interesses dos mercados de bens materiais e de bens simbólicos interfiram nos ritos e práticas peculiares às nossas instituições escolares. Nesse sentido, com base no exame de dados da realidade, identifica como a venda de mercadorias e a reserva de mercado e valores que pautam os processos de socialização tendem a ter maior influência nos currículos do que confrontos e acordos advindos de distintas perspectivas pedagógicas. A preocupação de Young também se centra no currículo a partir de reflexões sobre o conservadorismo das reformas curriculares ocorridas recentemente na Inglaterra e de medidas que procurem adequar conteúdos aos requerimentos das economias globalizadas e/ou às características da clientela que chega às escolas. No ensaio, ele defende que as escolhas curriculares devem ter por finalidade o desenvolvimento intelectual dos estudantes e, portanto, devem centrar-se nos conteúdos, nas disciplinas e no conhecimento em si, no lugar de voltarem-se à solução de problemas sociais e econômicos que não têm origem na escola e, por isso, não podem ser solucionados no seu interior. Do mesmo modo, entende que não devem atrelar-se a demandas conjunturais do mercado de trabalho que não levam em conta a aquisição do conhecimento enquanto tal, deturpando o sentido primeiro dos processos de escolarização.

Articulando-se ao debate contemporâneo sobre a diversidade, o multiculturalismo e as práticas educativas situam-se os trabalhos de Cássia Sofiato, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e de Lucia Reily, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e o de Ana Canen e Giseli Xavier, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro (UniverCidade), respectivamente. O de Sofiato e Reily, indicado pelo Comitê Científico da 34ª Reunião Anual da ANPEd para publicação, traz importante contribuição histórica, ao tratar do modo como se desenvolviam os processos de escolarização no Imperial Instituto dos Surdos-Mudos no século XIX, ao mesmo tempo em que reconstitui a trajetória educacional de Flausino José da Costa Gama, surdo "repetidor", que se destaca como um dos pioneiros na construção da língua brasileira de sinais por intermédio de sua produção: a Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos de 1875. Essa obra é examinada no corpo do texto. O artigo de Canen e Xavier, intitulado "Formação continuada de professores para a diversidade cultural: ênfases, silêncios e perspectivas", tal como tem ocorrido em outros contextos, reafirma a importância da RBE e da ANPEd como espaços privilegiados de aglutinação e de divulgação da produção científica sobre a educação. Resultando de pesquisa documental que teve como base empírica a RBE, os Cadernos de Pesquisa e trabalhos apresentados em quatro dos GTs pertencentes à ANPEd, contém uma sistematização e análise da produção sobre a formação continuada de professores publicada/divulgada por esses veículos. As autoras procuram conhecer o modo como vem sendo tratada a questão da diversidade cultural e do multiculturalismo em tal contexto. Aproximando-se da construção de um "estado da arte", fornece-nos um panorama da produção concernente, ao mesmo tempo em que indica lacunas e potencialidades merecedoras de consideração pelos processos de formação docente em que a diversidade cultural seja levada em conta nas suas distintas dimensões.

A escola pública constitui o tema do artigo de Sergio Stoco e Luana Almeida, da UNICAMP, que a focalizam a partir das suas condições socioespaciais; e do artigo de Vitor Paro, da USP, que analisa os efeitos da adoção de determinadas políticas no seu interior, sendo que ambos têm por fulcro a questão do desempenho escolar dos alunos. Stoco e Almeida, no artigo "Escolas municipais de Campinas e vulnerabilidade sociodemográfica: primeiras aproximações", observam a relação entre as peculiaridades territoriais do bairro em que se localizam as escolas e o desempenho dos alunos a elas pertencentes. Para tanto, utilizam analiticamente os conceitos de vulnerabilidade social, de segregação espacial e de espaço habitado, visando apreender os condicionantes dessas variáveis nos resultados alcançados pelos alunos. Por meio do cruzamento e análise de um conjunto de variáveis, obtidas em pesquisas de interesse, contestam estudos em que é apresentada quase que uma relação linear entre a localização das escolas e os seus resultados, ou seja, indicam não haver uma recorrência clara em relação à disposição espacial das escolas quando relacionadas ao seu desempenho. O trabalho de Vitor Paro, intitulado "Progressão continuada, supervisão escolar e avaliação externa: implicações para a qualidade do ensino", adentra o interior de uma escola, alvo de pesquisa qualitativa, trazendo para a discussão práticas observadas sobre a progressão continuada, a supervisão escolar e a avaliação externa. Nesse contexto, relacionando tais medidas com a qualidade do ensino e com um conceito de educação como prática democrática, a partir de análise sobre os resultados dessas medidas, constrói os argumentos para sugerir, dentre outras coisas, a necessidade de considerar-se a efetividade do ensino em lugar da passagem ou reprovação de série, que se busque o desenvolvimento de assessorias e apoio à prática pedagógica escolar, e que sejam ultrapassados os limites da avaliação externa, vinculando-a com a supervisão escolar para que haja a superação da simples aplicação massiva de provas e testes.

Os dois artigos restantes, bem como o texto do Espaço Aberto, têm como temática práticas atinentes às universidades. Nesse grupo encontra-se o trabalho de autoria de Dayse Araujo Gomes da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Ivan Rocha Neto da Universidade de Brasília (UCB). Por meio dele os autores fazem uma avaliação do progresso do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica - Novas Fronteiras - da CAPES, baseados em uma metodologia qualitativa. Na apresentação dos resultados, são identificadas as instituições consideradas portadoras de potencialidades para formar redes de pesquisa em áreas estratégicas e tecnologias portadoras de futuro, bem como cursos capazes de liderar redes cooperativas de longo alcance. O último artigo, intitulado "Abordagem do plágio nas três melhores universidades de cada um dos cinco continentes e do Brasil", é de autoria de Marcelo Krokoscz, da Fundação Álvares Penteado. Trata-se da apresentação de resultados de uma pesquisa amostral, cujo universo foi o Webometrics Ranking of World Universities, que buscou identificar distintos modos de tratamento do plágio, procurando comparar abordagens do problema utilizadas pelas melhores universidades mundiais com as presentes nas universidades brasileiras. Nesse sentido, com base no estudo, o autor observa que o plágio é tratado de formas distintas em instituições da Oceania, da Europa e da América, implicando medidas preventivas, diagnósticas e corretivas, e que quase nenhum tratamento tem recebido por parte das universidades brasileiras. O autor sugere, então, um conjunto de iniciativas que merecem ser adotadas entre nós, tanto de caráter preventivo como punitivo. Preocupações com esse tipo de prática têm se tornado recorrentes, motivo pelo qual Alexandre Vaz e Michelle Gonçalves (ambos da UFSC), na seção concernente, apresentam a resenha do livro de Michel Schneider Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento, publicado originalmente na França no ano de 1985, e em 1990 no Brasil, pela Editora da UNICAMP, obra que não perdeu sua atualidade.

No Espaço Aberto encontra-se o texto "O mal-estar na academia: produtivismo científico, o fetichismo do conhecimento-mercadoria" de autoria de Eunice Trein e José Rodrigues, professores vinculados à Universidade Federal Fluminense (UFF). O texto resultou de encomenda do Grupo de Trabalho Trabalho e Educação e foi discutido na Reunião Anual da ANPEd de 2010. Como expresso no título, os autores debatem problemas que vêm atingindo o processo de produção e veiculação do conhecimento nas universidades e, portanto, afetando as condições de trabalho dos que atuam na pós-graduação, questão que certamente desperta amplo interesse entre os leitores. E por último, além da resenha já mencionada, duas outras versando sobre obras que tratam da prática pedagógica fecham este nosso número da Revista Brasileira de Educação. Vale registrar que, para produzi-lo, a ANPEd contou com o auxílio do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), entre outros parceiros.

Esperamos, caro leitor, mais uma vez, ter cumprido com o nosso compromisso editorial na perspectiva da análise e socialização da produção qualificada sobre temas e questões significativas do campo educacional, estimulando o seu debate na busca de soluções para os graves problemas da área que continuam a afligir-nos como pessoas, bem como ao país.

A Comissão Editorial

Rio de Janeiro, dezembro de 2011

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Fev 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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