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RESENHAS

NERAD, Maresi; HEGGELUND, Mimi (eds.) Toward a Global PhD? Forces & Forms in Doctoral Education Worldwide. Seattle, USA: University of Washington Press, 2008, 344 p.

A coletânea é um dos subprodutos da conferência "Forças e Formas de Mudança Mundial no Doutorado", a primeira de uma série de três planejadas para discutir do tema. O evento, realizado em Seattle pelo Centro de Inovação e Pesquisa em Educação Superior (CIRGE), da Universidade de Washington, com apoio financeiro da Fundação Ford e de uma bolsa da Fundação Nacional da Ciências dos Estados Unidos, contou com a participação de cerca de trinta educadores de diferentes campos científicos representando países dos continentes americano, europeu, asiático e africano e da Austrália, especialmente convidados em função das mudanças e experiências que realizaram em relação ao doutorado.

Duas foram as principais razões que impulsionaram a realização da conferência e definiram temas e objetivos principais. De um lado, a convicção de que o doutorado contribui decisivamente para a produtividade da pesquisa e da inovação num contexto de economia globalizada cada vez mais dependente do conhecimento científico. De outro, a percepção generalizada de que, por essa razão, a educação superior e, em seu âmbito, o doutorado, passam por reformulações, ao mesmo tempo em que tendem a se globalizar, devendo tal processo e as formas que assume ser alvo de estudos.

Aos conferencistas foram solicitados trabalhos que descrevessem os sistemas de doutorado de seus respectivos países, bem como as mudanças em processo, com ênfase na inovação. Treze trabalhos, na forma de artigos agrupados segundo os continentes referidos, além de um capítulo de conclusão e dois apêndices, compõem o livro. No que diz respeito à América do Sul, apenas o Brasil está representado por meio do artigo do ex-diretor de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Renato Janine Ribeiro. Tais artigos evidenciam, como esperado, a existência de diversidade entre os países em função de suas peculiaridades, mas também aspectos comuns a vários deles. Além disso, oferecem indicações favoráveis e críticas a respeito de como os doutorados vêm sendo organizados e desenvolvidos em diversos países ou até em blocos, como é o caso da União Europeia, a partir de Bolonha.

O título da coletânea sugere a existência de tensão no que diz respeito à perspectiva de instituição de um doutorado globalizado, uma vez que a pergunta supõe a possibilidade de respostas afirmativas, negativas ou que envolvam ponderações a respeito dessa polarização. Aparentemente, a conferência foi organizada tendo em vista dirimir tal tensão por meio do exame da situação do doutorado nos países participantes e, a partir disso, descortinar uma perspectiva favorável à concretização da ideia. As manifestações dos articulistas sugerem que tal intento foi alcançado, seja porque alguns autores já estivessem convencidos do proposto, seja porque os argumentos levantados nos conduziram a seu acatamento.

Tal circunstância permitiu aos autores do capítulo conclusivo retomar argumentos esboçados na introdução para afinal explicitar razões de ordem "humanitária" à proposição de um novo modelo de doutorado, quais sejam, a preocupação de, diante da constatação da desigualdade entre universidades e programas de doutorado ao redor do mundo, criar condições para superá-la por meio do intercâmbio de informações, pesquisas, trabalho conjunto etc., além de outras mais centrais relativas às demandas do setor produtivo, expressas na forma de argumentos como a constituição hodierna da economia baseada no conhecimento e em novas tecnologias, que cria novas demandas em termos dos saberes, e habilidades dos egressos, dos quais se passa a exigir não apenas o domínio dos conhecimentos de sua área de atuação e de mais de uma língua e especialmente do inglês, mas também capacidades como a de escrever bem, gerenciar e trabalhar em equipe.

Esse argumento, aliado aos problemas mencionados no decorrer da coletânea referentes às mazelas do doutorado tradicional e a levantamentos em diferentes países em que se têm constatado a pouca ou nula inserção no mercado de trabalho dos egressos, mesmo em atividades ligadas à academia, serviu de mote para que, no capítulo conclusivo, com base nos Acordos de Bolonha - entendido como um protótipo em favor da globalização do doutorado-, fossem dispostas algumas características distintivas do novo modelo para esse tipo de programa de pós-graduação (denominado Modelo 2), assim como as perspectivas de sua globalização.

Tal modelo "caracteriza-se pela constituição de uma equipe de doutorandos que desenvolvem, juntamente com pesquisadores experimentados, projetos de pesquisa considerados importantes pelo governo ou por empresas" (p. 306). Segundo os autores da conclusão, origina-se no campo das ciências naturais e vem sendo estendido para o campo das ciências humanas, ainda que com restrições por parte de universidades alemãs e inglesas, nas quais predomina o modelo tradicional. De acordo com o modelo, as equipes em geral devem ser multidisciplinares e interinstitucionais, envolvendo não somente universidades, mas também empresas. Indica-se que os resultados sejam apresentados não mais na forma de teses, mas de artigos em periódicos acadêmicos. Os alunos devem ser incentivados a trabalhar com vários orientadores. É indicada a inclusão nos cursos, além de disciplinas específicas, de outras referentes à epistemologia, meio ambiente e ética, privilegiando-se a interdisciplinaridade. Os programas devem desenvolver projetos em colaboração com outras universidades, centros de pesquisa ou organizações que realizem pesquisa industrial. Alunos e egressos do doutorado devem receber treinamento profissional envolvendo trabalho em equipe, redação e gerenciamento de projetos, assim como habilidades de apresentação, comunicação e liderança. Em resumo, o novo doutorado pretende preparar os alunos para atuar em diferentes áreas ao lado da acadêmica.

Para além das dimensões propriamente pedagógicas, propõe-se que a gestão se paute por procedimentos semelhantes aos das empresas, tais como enfoque gerencial e fixação de metas e objetivos a atingir tendo em vista a qualidade do doutorado, ainda que seja reconhecido que tais procedimentos podem gerar efeitos contrários, como aversão ao risco ou perda de criatividade, iniciativa e disposição para inovar. O texto ressalta que medidas como as anteriormente referidas, assim como outras que tenham por alvo os critérios de admissão no doutorado, a revisão do tempo consumido para sua finalização, a avaliação dos orientadores e da capacidade dos departamentos de oferecer o programa, têm por objetivo a construção de critérios de qualidade que possam ser percebidos como confiáveis por diferentes países.

Nesse sentido, o pretendido não é apenas a constituição de um novo modelo de doutorado, mas sua universalização ou, em outros termos, sua globalização. Nesse sentido, duas medidas são preconizadas: a "comodização" e a padronização. A primeira refere-se à transformação de bens ou serviços em commodities. No caso do doutorado, significa "a eliminação de qualidades ou características locais do diploma emitido por um programa, de tal forma que seu valor, significância e utilidade possa ser auferido por qualquer pessoa, em qualquer lugar" (p. 303). O diploma adquire, por essa forma, valor econômico. Torna-se uma commodity. Quem o possui pode vendê-lo no mercado global de pesquisa, desenvolvimento, formulação de política e mudança social e institucional por ser reconhecido como tal em termos de conhecimentos, habilidades ou outros atributos a que se refere sem necessidade de transcrevê-lo para as especificidades locais. Segundo o texto, essa é uma realidade que tenderá a se tornar permanente e a qual universidades e programas de doutorado terão de se adaptar. Esse processo afetará os rumos do doutorado, que deixará de representar tão somente a oportunidade de satisfazer a curiosidade intelectual do pesquisador para se tornar uma formação voltada à solução de desafios intelectuais e sociais específicos e contribuição para o desenvolvimento de indústrias em condições de competir internacionalmente.

A padronização do novo modelo de doutorado é levantada como uma possibilidade desejável com base em discussões que vêm sendo promovidas na Austrália, Inglaterra, Alemanha e pelo Instituto da Universidade Europeia e países nórdicos. Tem por alvo a denominação de diplomas, a definição da finalidade e padrão da pesquisa de tese no que se refere à produção de conhecimento novo, à introdução de componentes curriculares comuns e de oficinas de desenvolvimento profissional, à ética e à interdisciplinaridade na pesquisa. Na mesma direção vão as recomendações do Processo de Bolonha, no que diz respeito à duração do bacharelado, do mestrado e do doutorado, assim como no que tange as relações entre bacharelado e doutorado.

Como é possível notar, não se trata da produção de mudanças de pequena monta. O disposto demanda a discussão dos dois aspectos centrais dos quais, no fundo, trata o livro, ou seja, a constituição de um novo modelo de doutorado e a perspectiva de sua globalização.

Evidentemente, é louvável o propósito de melhorar a qualidade dos cursos de doutorado e, mais ainda, de que isso possa ser alcançado por diferentes países. Também o é a promoção do intercâmbio, seja de pesquisadores, de programas de doutorado, e o fortalecimento das relações entre vida social, política, econômica e cultural e a produção do conhecimento por parte das universidades. Todavia, o modelo esbarra em problemas como as tentativas de transposição da forma de produzir conhecimento no campo das ciências naturais para aquela que prevalece nas ciências humanas, pois tal implica mais do que simplesmente recomendar a adoção, pelo segundo campo, de práticas cultivadas no primeiro, dado que as ciências que constituem um e outro têm história e métodos de construção do conhecimento não necessariamente convergentes. Isso não invalida a perspectiva de que pesquisadores no campo das ciências humanas trabalhem com grupos de doutorandos em torno de um ou mais projetos de pesquisa que permitam trabalho articulado de natureza interdisciplinar e/ou interinstitucional. Mas tal proposição não pode constituir uma camisa de força, como a concepção do modelo indica.

Outra questão refere-se às finalidades da instituição do modelo, para além da busca da qualidade. Ou, formulando mais claramente: melhor qualidade tendo em vista que fins? A leitura da coletânea deixa suficientemente claro que o debate gira em torno do perfil do doutor que está sendo formado, argumentando-se que os atuais egressos não encontram espaço no mercado de trabalho por não possuir as qualidades ou competências necessárias, incluindo aquelas que não têm a ver diretamente com o domínio dos saberes próprios da área de formação, tais como habilidade de gerenciamento, comunicação e trabalho em equipe. Trata-se de adequação do doutorado às demandas dos setores produtivos, sabidamente necessitados de incentivar ou intensificar a produção de conhecimentos científicos afetos a seus interesses. Felizmente, as distorções a que pode conduzir tal modelo e a proposta de sua globalização não escaparam ao questionamento de pesquisadores que participaram do evento e contribuíram com textos, como indica a questão levantada pela representante da Alemanha:

Tornar-se-ão o conhecimento e, portanto, o doutorado, apenas uma outra

com modity

que é parte de uma agenda global tendo em vista o progresso tecnológico, ou ainda haverá espaço para sistemas educacionais que cultivem pesquisadores que são motivados pela curiosidade [intelectual e científica] profunda a respeito de problemas que não tenham óbvia aplicação? (p. 10)

Tal preocupação é procedente, pois outra característica vista como positiva pelos propositores do modelo - a gestão de molde empresarial - implica provavelmente a exacerbação de algo muito presente no caso brasileiro, que é a intensificação do trabalho docente não apenas em termos de aulas e orientação, busca de financiamento e realização de pesquisas, publicações em nível nacional e internacional, assim como participação em eventos da mesma natureza, sem a correspondente melhoria das condições de trabalho, que certamente não são as mesmas de que gozam as prestigiosas universidades dos países centrais (notadamente Estados Unidos e Inglaterra), com altas verbas para pesquisa e, por isso mesmo, mais bem situadas nos ranqueamentos internacionais. Publicações recentes (FSP de 20, 21 e 22/12/2010), ainda que levem em consideração a história e as características distintas desses países na forma pelas quais instituem e mantêm suas universidades, dão conta de como a aproximação entre empresas e universidades e, no caso, programas de doutorado, são não apenas bem vistas como também entendidas como uma das poucas alternativas para o crescimento e prestígio destas últimas. O conjunto de proposições, seja no referente às finalidades do doutorado, seja no plano de sua estrutura e gestão, apontam assim não apenas para sua pragmática submissão aos interesses empresariais, mas também para o processo de mercantilização das universidades.

Tais avaliações conferem atualidade à questão levantada pela pesquisadora alemã. Todavia, ela ganha ainda mais peso quando a conclusão da coletânea aponta para o interesse e a necessidade de que o modelo se torne globalizado, respondendo positivamente à pergunta que lhe dá o título. Por essa forma chega-se a outra preocupação manifestada por alguns dos pesquisadores que contribuíram para a produção do livro: não seria essa uma nova forma de produzir o colonialismo intelectual, justificado pelo aparente interesse em contribuir para a elevação do nível de qualidade das universidades e do doutorado em nível mundial?

Celso João Ferretti é doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Colaborador do CEDES / UNICAMP.

E-mail: celsojoaoferretti@gmail.com

VICENTINI, Paula Perin; LUGLI, Rosário Genta. História da profissão docente no Brasil: representações em disputa. São Paulo: Cortez, 2009, 234 p.

O livro das autoras Paula Perin Vicentini, da Universidade de São Paulo (USP), e Rosário Genta Lugli, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), foi editado pela Cortez, em outubro de 2009, como parte da coleção Biblioteca Básica de História da Educação Brasileira. Dividindo-o em cinco capítulos além da introdução e da bibliografia, as autoras se propõem, ao longo das 234 páginas, a narrar a história da formação do professorado primário e secundário do ensino público brasileiro, abarcando, de modo geral, desde fins do século XVIII até os anos 1970. Os marcos temporais do presente trabalho são elásticos e diversos porque, explicam as autoras, correspondem aos recuos exigidos pela especificidade dos processos analisados em cada capítulo, mas, de modo geral, a narrativa finda na década de 1970, ainda que em diferentes momentos (p. 25).

Na introdução, são levantadas as dificuldades em edificar a história da profissão docente no Brasil em razão da complexidade, heterogeneidade e diversidade constituintes do processo de formação desse campo profissional. Na tentativa de eleger um eixo de abordagem para a narrativa, as autoras entendem não ser possível construir a história dos professores desatrelada da organização dos sistemas educacionais modernos, levando em conta aspectos como composição, exigências de formação, condições de trabalho, formas de organização profissional e representações dos docentes sobre o próprio trabalho (p. 13). Também procuram expor os referenciais teóricos que fundamentam o trabalho com destaque para o conceito de profissionalização, tal como forjado por Antonio Nóvoa; o de cultura escolar, de Dominique Julia; e o de campo, desenvolvido por Pierre Bourdieu e utilizado por Denice Barbara Catani em seus trabalhos sobre historiografia da educação brasileira, dos quais as autoras também se servem. Reafirmam a ideia de que tratar da história dos professores implica "compreender a organização de um campo específico de atuação" (p. 17), abrangendo articulação entre "o processo de formação, as instituições onde se atua, os conhecimentos, as condições para o exercício da docência e os diálogos da categoria com o Estado" (p. 22).

Recorrendo basicamente às fontes secundárias, o capítulo 1, intitulado "Como se preparavam os professores para o ensino? As instituições em formação", busca demarcar "o estabelecimento de modos padronizados de formação docente", responsáveis pela constituição desse campo de "trabalho como profissão" (p. 27). A implantação das Escolas Normais é apontada como marco inaugural para a caracterização profissional dos docentes no país, considerando que, do Brasil Colônia à metade do Brasil Império, "a formação docente não teve nada de específico" (p. 29). Nesse período imperava o "modelo artesanal", que conformava modos variados de experiência docente - de religiosos a estrangeiros preceptores - convivendo com as aulas oficiais oferecidas por professores selecionados pelos peculiares concursos da época, quando padres e juízes de paz eram os responsáveis pela concessão de licenças para o exercício da profissão. Nesse capítulo, destaca-se o fato de que o surgimento da Escola Normal fez parte de um amplo debate no qual a eficiência do ensino de primeiras letras estaria sendo colocado como diretamente atrelado à formação mais extensa dos docentes. Contribuiu para esse entendimento a persistência de modelos tradicionais de formação docente - como o dos professores adjuntos, por exemplo -, retardando a consolidação das Escolas Normais aliada às questões que envolviam os baixos salários praticados - grande responsável pelo desprestígio da profissão (p. 33). No entanto, na medida em que esse modelo de formação docente se deparava com as questões colocadas pelas mudanças do ensino, no decorrer do século XX, tais como o crescimento acelerado das Escolas Normais - sobretudo na rede privada -, a criação de cursos noturnos e o despreparo dos estudantes, estas escolas entraram em decadência (p. 45-48). A partir daí narram-se as estratégias administrativo-pedagógicas adotadas para conter esse processo, passando pela criação dos CEFAMs (Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), pelo crescimento dos cursos de pedagogia, pela reorganização dos currículos, dos saberes e das práticas necessários à adequada formação docente.

O segundo capítulo - "Professores e escolas: as condições de trabalho" -, se atém às condições concretas do exercício docente, compreendendo os seguintes aspectos: espaço físico, estratégias de seleção ou sua ausência, condições institucionais de pagamento e o controle do trabalho. A princípio, discutem-se as modificações pertinentes aos processos de seleção docente, adotados nos séculos XVIII e XIX, em seguida, são feitas considerações a respeito dos processos seletivos instituídos ao longo do século XX. Ou seja, vamos da relevância do costume do compadrio como mecanismo de escolha docente, à adoção de critérios universalizantes de seleção, cujos procedimentos minimizam a intervenção das forças políticas locais e, ao mesmo tempo, fortalecem a identidade profissional dos professores. No que diz respeito às condições para o exercício da profissão, são enumerados os mecanismos instituídos na constituição dos modos de administração do ensino e do controle do trabalho dos professores, tratando de aspectos tais como o surgimento dos grupos escolares e da figura do inspetor encarregado de fiscalizar a assiduidade dos professores e a qualidade de seu trabalho. Por fim, o capítulo aborda a "história da remuneração" docente e aponta "não ser possível saber se os docentes ganhavam muito ou pouco pelo seu trabalho de modo objetivo e confiável" (p. 90), porque os padrões de consumo considerados "adequados" também sofreram mudanças ao longo do tempo. O critério adotado é o da satisfação/insatisfação manifestada pelos professores com o trabalho, embora o capítulo 1 afirme categoricamente que a demora na consolidação das Escolas Normais tivesse entre suas razões "os baixos salários praticados". Também neste capítulo, as fontes utilizadas são secundárias.

A partir do terceiro capítulo, "Movimento docente: pluralidades e disputas", percebe-se uma mudança importante nos procedimentos de investigação utilizados: à leitura das fontes secundárias agrega-se a leitura de revistas pedagógicas, jornais, relatórios de entidades representativas da categoria e atas de congressos, revelando a existência de um trabalho de investigação em fontes primárias feito pelas próprias autoras, no lugar da exclusiva consulta bibliográfica evidenciada na sucessão de citações e referências a outros trabalhos como nos capítulos anteriores. Esse terceiro capítulo propõe entender o processo de profissionalização docente a partir dos movimentos de formação das associações que, conforme o texto, teve início na segunda metade do século XIX. A abordagem concentra-se na formação das entidades representativas dos segmentos da categoria pertencentes ao primário e ao secundário, com excepcionais alusões ao professorado dos demais segmentos. A relação entre a heterogeneidade dos diferentes segmentos docentes, as dificuldades e peculiaridades da organização sindical e a entrada da greve na pauta das estratégias de reivindicação da categoria são destaques entre os aspectos abordados no capítulo. No fim, as autoras elaboram uma listagem com diversas associações da categoria surgidas no país desde o último quartel dos novecentos, que contemplam, de modo diverso ao que ocorre no corpo do texto, diferentes segmentos docentes como o primário, o secundário, o particular, o católico e o professorado de educação física, privilegiando vários estados brasileiros, mas com grande ênfase nos estados da Região Sudeste. Trata-se de um investimento interessante que pode ajudar outros pesquisadores.

O capítulo seguinte, "Imagens sociais da docência: a multiplicidade dos pontos de vista", mantém a tendência anterior de utilização de fontes primárias. No intuito de compor o quadro de abertura do capítulo, a respeito das representações dos professores na atualidade, as autoras recorrem, em suas próprias palavras, às

[...] notícias da grande imprensa, matérias de jornais televisivos, dados de estudos acadêmicos e de pesquisas realizadas por sindicatos junto a seus associados, pronunciamentos oficiais, entrevistas de autoridades ligadas ao setor educacional, relatos de professores e alunos, impressões provenientes da observação desses agentes em situações cotidianas etc. (p. 157)

A partir de uma composição bastante negativa do quadro em questão, tem início um exercício especulativo sobre as matrizes socioeconômicas, culturais e político-ideológicas em cujo registro se encontravam as justificativas para tal composição. Destaca-se, então, um esforço para apreender as imagens sociais da profissão docente em circulação na sociedade brasileira atual como resultado das injunções impostas à categoria em seu percurso ao longo da história. O dilema entre a recompensa financeira e a simbólica (correspondendo às representações prestigiosas dos profissionais do ensino) esteve matizado pela recusa à sublimação do ofício, pela luta contra a pauperização das condições de existências desse profissional, pelo recurso às greves como instrumento de ação e pela consciente prática política desse professorado para construir sua identidade profissional. As autoras destacam a importância da participação do segmento feminino docente nas lutas da categoria em momentos delicados da política nacional.

O capítulo 5, "História da profissão docente no Brasil: uma síntese fragmentada", cumpre a função de conclusão, em que os temas tratados nos capítulos anteriores são retomados de modo sucinto e objetivo, mas convém destacar a contradição subjacente ao próprio título do capítulo e à proposta do trabalho. O livro distancia-se da meta de apresentar a história docente no Brasil, entre outras razões porque parte considerável do material pesquisado se refere ao estado de São Paulo, de maneira que as autoras sucumbem à tentação de generalizar uma realidade particular. As referências aos demais estados e regiões são acidentais, esparsas e não se atêm às peculiaridades dos processos relativos à educação ali em curso. Isso vale para os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, a despeito da maior presença deles no texto, porque não lhes assegura tratamento sistemático. Há também uma excessiva liberdade na interpretação das fontes imagéticas que conduzem a inferências puramente subjetivas.

O livro percorre praticamente dois séculos da história do Brasil focado nas transformações ocorridas no campo educacional, no que diz respeito à organização do sistema público escolar e à organização dos docentes, sem, contudo, estabelecer correlações diretas entre esses eventos e os demais processos em curso na história do país. Tudo ocorre como se a autonomia pretendida com a utilização do conceitual bourdieusiano sugerisse a existência de uma natureza intrínseca e independente para o campo educacional e seus eventos com relação aos demais campos - para ficar na seara bourdieusiana -, recusando o contexto histórico no qual outros processos estão em curso, não levando em conta que isso só pode ocorrer de modo interseccional. Destituídos de contextos ampliados, os fatos, no campo educacional, sucedem-se de modo inexplicável. Conflitos, batalhas, lutas e tensões parecem gerados no interior do próprio campo e ali administrados sem que se aluda ou se credite qualquer das mudanças a ocorrências exteriores ao campo circunscrito. Ou isso decorre de um apriorismo que informa consensualidade entre as autoras e seus leitores, acerca do "panorama de fundo" a que se resume o contexto histórico, sem possibilidades de estabelecer destaques ou aproximações entre eventos específicos, ou as próprias autoras acreditam na inexistência de estreitos elos entre campos diversos com força suficiente para disparar interferências e modificações uns nos outros, a ponto de negar-lhes referência sob pena de trair a autonomia deste. Em suma, quem não souber um pouco de história do Brasil terá sérias dificuldades para articular o narrado no texto com as diversas conjunturas experimentadas pela sociedade brasileira. E quem souber terá de deduzir os modos como se articulam ou, se preferir, pode efetivar as inúmeras pesquisas que a leitura atenta desse livro aponta como necessárias.

Trata-se basicamente de um livro de introdução, conciso, e como tal incorre em faltas e silêncios. Pode ser indicado como parte de uma bibliografia sobre a história da profissão docente, mas não necessariamente.

Maria De Lourdes Da Silva é bolsista PAPD/CAPES/FAPERJ, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

E-mail: mlourdes.educ@yahoo.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011
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