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Pedagogia social no Brasil: antecedentes, inspirações, statu quo e tendências

SOUZA NETO, João Clemente de; SILVA, Roberto da; MOURA, Rogério Adolfo (Orgs.). Pedagogia social. São Paulo: Expressão e Arte, 2009. 324p.

Pedagogia social no Brasil: antecedentes, inspirações, statu quo e tendências

Indistinta, inconclusa e indébita ciência, cujo objeto é o homem em coatuação com seus pares. Assim é a pedagogia social na primeira obra brasileira encarregada de introduzir seu percurso histórico e evolutivo, suas raízes teórico-metodológicas, suas áreas de atuação e de expansão e, em especial, seu potencial perante desafios socioeducacionais que reverberam nos quarteirões à margem das (des)calçadas escolas do mundo. Intitulada pedagogia social, a obra congrega 18 autores, nacionais e estrangeiros, interessados em compartilhar suas vivências, seus estudos e seus encaminhamentos para a Educação em/com/da e para a sociedade.

Interessante notar que estes 18 autores se conhecem, mantêm relações acadêmicas e trabalhos em conjunto, configurando o que Thomas S. Kuhn (2000, p. 221)

Com indícios de nascimento que remontam à Grécia Antiga, a pedagogia social, cujas práticas talvez sejam mais reconhecíveis no Brasil na égide da educação não formal, dos movimentos sociais, das organizações não governamentais e dos programas e projetos sociais públicos e privados alimentam expectativas de possibilitar outra educação que intervenha, satisfatoriamente, nos problemas educacionais resultantes das radicais mudanças da contemporaneidade. Assim, a pedagogia social enquanto práxis direciona atos educativos para o contexto social, o que torna, segundo uma das autoras, Sanna Ryynänem, a investigação das características de cada contexto o prérequisito para implementar uma intervenção sociopedagógica.

Resultante do projeto de pesquisa "Recuperação de fontes seriais para a historiografia da criança institucionalizada", subsidiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), esta obra evidencia as categorias e variáveis centrais na concepção de pedagogia social, cuja origem remonta a da pedagogia institucional como prática das instituições totais. Com base em criteriosa seleção de textos e conferências apresentados nos I e II Congresso Internacional de pedagogia social, somados a artigos escritos com vistas a essa edição, a obra em questão, não obstante a declarada ausência de unidade teórica e conceitual, traz um panorama da terminologia, do campo de trabalho, do perfil do profissional e da profissão em países europeus e latinos. Para tal, a coletânea está organizada em cinco partes.

Na primeira, oito autores estrangeiros: Hans-Uwe Otto, Bernd Fichtner, Geraldo Caliman, Sanna Ryynänen, Manuel Loureiro, Steven Casteleiro, Susana Torío López e Jorge Camors, delineiam a tessitura da pedagogia social em seus países, a saber: Alemanha, Itália, Finlândia, Portugal, Espanha e Uruguai. Suas reflexões e resgates históricos são também oportunos para entender o quanto a própria história do Brasil é marcada, sociopedagogicamente, pelas abordagens interventivas da pedagogia social. Apesar de os organizadores da obra vislumbrarem a legitimação da pedagogia social enquanto profissão no Brasil, Hans-Uwe Otto, teórico renomado da pedagogia social contemporânea e primeiro parceiro do Brasil na Alemanha, entende que sua prosperidade não está diretamente atrelada à existência de uma profissão dedicada a ela e sim a uma maneira de pensar e a um campo de estudo. O fato é que no Brasil talvez essa luta seja realmente necessária, vez que temos milhares de brasileiros laborando em intervenções pedagógicas no social em diversas áreas - dentre elas artes, cultura, saúde, meio ambiente, direitos humanos - sem ter seu trabalho regulamentado, reconhecido e justamente remunerado como profissão e muito menos como área de formação inserida na educação básica ou superior. Não obstante esse e outros dissensos, os autores da coletânea comungam do entendimento de que a pedagogia social pode contribuir para (re)edificação de uma sociedade em situação de vulnerabilidade.

A segunda parte da obra volta o seu olhar para o contexto brasileiro. Certos pontos, quais sejam, referências às experiências e teorias estrangeiras da pedagogia social, fronteiras e frentes da educação escolar e da educação social e arestas reais e almejadas para a pedagogia social no Brasil, são recorrentes em todos os textos. Nessa seção, são problematizadas questões sobre: 1) o trabalho realizado nos vários campos de atuação da educação não formal, da educação comunitária e da educação popular; 2) a imprescindibilidade da educação social em razão da exclusão social de indivíduos das condições mínimas de sobrevivência; 3) as limitações da política educacional e da educação escolar no que tange a lidar com os problemas da educação no país; 4) o esboço de uma proposta de pedagogia social vinculada a uma vertente libertadora; 5) a articulação entre a educação social e as diversas acepções de participação; 6) as implicações da Constituição Federal de 1988 e do Código de Menores, bem como da Doutrina de Proteção Integral, introduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); e 7) a experiência da Alemanha na consolidação da legislação, assistência e formação de mão de obra especializada formada pela pedagogia social.

Com o firme propósito de ajudar a (re)afirmar os campos de atuação, de formação e de pesquisa da pedagogia social no Brasil, os organizadores da coletânea exemplificam, na terceira parte da obra, a educação; a infância e adolescência; a juventude; o sistema penitenciário; e o terceiro setor, organizações não governamentais, projetos, programas sociais e as áreas prioritárias para a intervenção da pedagogia social no país. Para a área de educação, os organizadores apontam, dentre outras, a necessidade de ampliar o leque de formação do futuro pedagogo nos atuais cursos de pedagogia, com vistas a responder aos seguintes desafios: 1) otimizar o currículo a fim de formar profissionais capazes de trabalhar com a complexidade dos problemas sociais recorrentes no processo de ensino-aprendizagem; 2) implementar oportunidades para a capacitação e o aperfeiçoamento profissional; 3) ajudar na implantação de creches, pré-escola e escola em tempo integral, sendo necessário, para isso, definir o papel da educação tida como não formal em relação à educação formal; 4) fornecer meios e agentes para executar as seguintes legislações: Constituição Cidadã, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Lei de Execução Penal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Além disso, eles apontam as implicações do descaso para com a função social da escola pública brasileira, que não prepara seus profissionais para dar conta de novas atribuições. Quanto à área da infância e adolescência, os autores, ao reconhecer o potencial do ECA no que concerne às suas medidas de proteção e socioeducação, criticam a falta de execução das mesmas. Para a juventude, julgam importante a criação de uma proposta e de uma instância para abarcar os problemas sociais decorrentes dessa faixa etária, a saber, 15 a 24 anos. No que tange ao sistema penitenciário, é questionada a qualidade da formação dos mediadores dos objetivos da educação com os da pena e da prisão, e, para a última área, delegam a urgente necessidade de regularizar a formação e a profissão dos trabalhadores dessa área.

Na penúltima parte da obra, os organizadores propõem soluções para alguns dos questionamentos que emergem das partes anteriores: a impropriedade do termo educação não formal para designar as práticas de educação popular, social e comunitária; a fragmentação epistemológica das áreas do conhecimento e de suas respectivas ações e políticas; e a confusão conceitual na aplicação da terminologia "educador social, popular e comunitário". Essas soluções situam a pedagogia social como teoria geral da educação social, bem como define a pedagogia escolar e a pedagogia social como áreas de concentração de uma área do conhecimento, as ciências da educação, as quais se distinguem, não por uma suposta relevância, e sim pelo espaço e contexto de intervenção. Na mesma linha, os organizadores esboçam tanto uma proposta de curto, médio e longo prazo para as áreas de formação da pedagogia social nos níveis técnico, de graduação e de pós-graduação lato e stricto sensu, quanto linhas de pesquisa que abranjam os domínios sociocultural, sociopedagógico e sociopolítico.

Na última parte, por sua vez, os organizadores disponibilizam cinco marcos normativos da pedagogia social, quais sejam: Declaração de New York, Declaração de Barcelona, Declaração de Montevidéu, Carta da Pedagogia Social e Código Deontológico da Profissão de Educador Social em Portugal. Em linhas gerais, as idéias de tais documentos reiteram o desejo dos autores da coletânea de enraizar a pedagogia social no mundo.

Destemidos diante das correntes e prospectivas dificuldades de adentrar a pedagogia social nos departamentos de ensino e pesquisa das universidades, assim como nas políticas públicas não assistencialistas, as quais constituem as únicas esferas brasileiras que resistem a respirar a imprescindibilidade da pedagogia social enquanto ciência e profissão, os organizadores e colaboradores desta coletânea desafiam todos a investigar, investir e incentivar o calçamento de uma ciência da educação que, afinal, "é de todos e por todos", nas palavras da professora Maria Figuera, citada na obra por seu pioneirismo na pedagogia social espanhola.

Daniella de Souza Bezerra

Professora do Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia

de Goiás, doutoranda em educação na

Universidade de São Paulo.

E-mail: daniellabezerra@usp.br

  • 1 KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.
  • 1
    conceitua como comunidade científica.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010
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