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Ciclos em revista

NOTA DE LEITURA

Ana Claudia Gomes

Mestre em história pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), colaboradora do Grupo de Pesquisa de Políticas Educacionais e Práticas Educativas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, e gestora da formação continuada na Secretaria Municipal de Educação de Betim, em Minas Gerais E-mail: aclaud7@yahoo.com

FETZNER, Andréa Rosana (Org.). Ciclos em revista. Rio de Janeiro: Wak, 2007-2008.

A série de publicações intitulada Ciclos em revista é publicada com a coordenação de Andréa Fetzner, congregando estudiosos da escola em ciclos, especialmente do centro-sul do país. Divulga os referenciais e as práticas que orientam uma perspectiva não-seriada da educação escolar. Com quatro volumes em circulação, vem enfatizando alguns dos fundamentos ou pilares da escolarização organizada em ciclos, a saber:

v. 1: A construção de uma outra escola possível, 2007, 128p.

v. 2: Implicações curriculares de uma escola não-seriada, 2007, 148p.

v. 3: Aaprendizagememdiálogo com as diferenças, 2008, 147p.

v. 4: Avaliação: desejos, vozes, diálogos e processos, 2008, 252p.

O primeiro volume registra o II Encontro Nacional das Escolas em Ciclos, ocorrido em Mesquita, no estado do Rio de Janeiro, em 2006, incorporando algumas contribuições dos conferencistas e convidados. O segundo volume tratou das implicações curriculares das escolas não-seriadas, e o terceiro, metodologias e novas práticas pedagógicas nas escolas em ciclos. Já o quarto volume abordou a avaliação nas escolas não-seriadas e publicou balanços ou impactos da instituição dos ciclos no país.

Um olhar panorâmico sobre os textos publicados nos quatro volumes permite vislumbrar, além dos temas abordados, a natureza dos textos, ora referentes à discussão teórica dos fundamentos das escolas em ciclos, ora à apresentação dos resultados de pesquisas, ora a relatos de experiência em redes e escolas cicladas, bem como quais redes têm feito circular suas propostas por meio dessa publicação.

Dos 39 trabalhos publicados em Ciclos em revista, 16 apresentam debates de natureza teórica a respeito dos fundamentos das escolas em ciclos. Neles podemos destacar as seguintes abordagens: a importância da mediação pedagógica do professor e dos colegas nos processos de aprendizagem, com ênfase na ideia de "aprender com ajuda", derivada do pensamento de Vygotsky (Sampaio, 2007, 2008; Santos, 2008); a integração curricular como alternativa adequada à organização da escola em ciclos, com defesa de que o professor conduza as escolhas curriculares em diálogo com seus alunos e tomando as culturas locais como eixo orientador, o que se concretiza, por exemplo, por meio dos complexos temáticos e dos temas geradores (Krug, 2007); proposição de mudanças paradigmáticas na avaliação, na direção das perspectivas formativa e participativa (Martins & Loch, 2008); crítica às práticas do exame e da repetência, pela via da retomada das trajetórias históricas dessas práticas, mostrando-as, portanto, como construções sociais que podem dar lugar a outras escolhas (Vasconcellos, 2007; Souza, 2008); e ainda discussão das distinções entre ciclos e séries, abordada transversalmente numa ampla maioria dos textos.

Esses textos referendam unanimemente as políticas de ciclos como as mais adequadas aos desafios contemporâneos da inclusão escolar. Entre as justificativas para tal asserção, podemos destacar a proposição de Azevedo (2007), segundo o qual "a instituição escola, produto desta forma de organização [do trabalho fabril fordista-taylorista] é incapaz de absorver a teoria e as práticas que constituem os achados da ciência da educação no campo da aprendizagem escolar" (p. 18). A política de ciclos viria, portanto, alterar a organização da escola, de forma que se aproprie de tais teorias e práticas. Entretanto, as dificuldades na concepção e na implementação dessas políticas talvez tenham levado Fernandes (2007) a defender a tese de que "a escola em ciclos de hoje é uma escola necessária e transitória para uma escola que estamos construindo, que seja mais coerente com nossas questões contemporâneas" (p. 95).

Os relatos de experiências desenvolvidas em escolas não-seriadas constituem o segundo mais numeroso grupo de textos em Ciclos em revista (dez textos). Entre eles, encontramos contribuições de outros países, como uma perspectiva histórica da Escola da Ponte, portuguesa (Pacheco, 2007), e o relato da tutoria como método para enfrentamento da heterogeneidade das classes no ensino secundário espanhol (Duran, 2008). Entre as experiências desenvolvidas no Brasil, encontram-se quatro relatos de trabalhos desenvolvidos em classes de alfabetização, nos quais se destacam: o trabalho com textos de real circulação social, a importância da ajuda dos colegas e da mediação do professor no desenvolvimento do processo de alfabetização, a integração curricular e a perspectiva da não-reprovação a serviço do aluno alfabetizando. Dois relatos abordam os ciclos da adolescência, sendo um deles a respeito de um trabalho em educação ambiental (Souza, 2007) e outro sobre a adoção de jogos cooperativos na educação física (Correia, 2008). Ainda um relato trata da inserção de alunos das turmas de progressão em turmas regulares, na Escola Cidadã, como forma de combater a segregação dos alunos, e da adoção da docência compartilhada como forma de apoiar tais alunos em suas turmas de referência (Grupo de Pesquisa sobre Educação e Disciplinamento - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008). Seis das experiências desenvolvidas no Brasil deram-se no Rio de Janeiro, uma no Rio Grande do Sul e outra na Bahia.

Os relatos de pesquisas e os comentários e as críticas sobre a implementação de projetos de ciclos no Brasil constituem ainda uma importante categoria de textos em Ciclos em revista, totalizando nove trabalhos. As redes estadual paulista e municipal paulistana, além da Escola Cidadã, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e da Escola Grapiúna, de Itabuna, na Bahia, tiveram suas propostas analisadas em perspectiva. A Escola Cidadã, a Escola Plural (Belo Horizonte, em Minas Gerais) e a rede municipal de São Paulo são ainda objeto de textos de natureza teórica, que se propõem a discutir aspectos particulares das políticas de ciclos nessas redes municipais. Esses trabalhos demonstram algumas das principais influências que atuam sobre as políticas de ciclos - a exemplo de Vygotsky, Piaget e Freire - e como as propostas e práticas são apropriadas em diferentes redes a partir das experiências pioneiras, como podemos exemplificar com a informação de Souza (2007), sobre a Escola Grapiúna: "entre um ciclo e outro, há as Classes de Integração e Recursos para os alunos que não conseguiram desenvolver as habilidades específicas para o seu ciclo ou estão em defasagem idade/ciclo" (p. 139).

Também foram apresentadas pesquisas sobre a opinião de alunos e professores sobre a progressão continuada, mostrando que a cultura da reprovação ainda se mantém forte no contexto pesquisado (Arcas, 2008), e sobre mudanças nas práticas docentes, potencializadas pela implementação de políticas de ciclos (Cunha, 2008).

Ciclos em revista traz ainda os resultados de pesquisas mais panorâmicas sobre a implementação dos ciclos no Brasil, como os balanços de Elba de Sá Barreto (2008) e Sandra Zákia Sousa (2008), ambas da Universidade de São Paulo (USP), e de Jefferson Mainardes (2007, 2008), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Tais pesquisas, em geral, mostram que as políticas de ciclos têm gerado pequenas mudanças na organização escolar brasileira. Segundo Sousa et al. (2007), tais políticas se têm traduzido muitas vezes em "mero arranjo aritmético das séries do ensino fundamental", no qual se nota "a recorrência da ideia de série escolar, além da frágil problematização quanto à necessidade de se pensar a escola em outras bases" (p. 32).

Entretanto, Barreto (2008) avalia positivamente a presença da organização em ciclos no Brasil porque

[...] eles não são meras medidas de correção do fluxo escolar. Ao longo das muitas experiências que os têm gestado desde a segunda metade do século passado, eles incorporaram [...] algumas das propostas mais avançadas do ideário educacional contemporâneo, para tentar resolver o desafio de assegurar que todas as crianças tenham efetivamente direito à educação. (p. 195-196)

A autora faz coro com Sousa (2008), na percepção de que os ciclos contribuem para que os estudantes permaneçam na escola e de que, "certamente, aprimorar a qualidade do ensino não significará voltar a eliminá-los" (Sousa, 2008, p. 230).

Mainardes apresenta, em dois diferentes textos (2007, 2008), avaliações gerais da pesquisa sobre ciclos desenvolvida em programas de pósgraduação brasileiros. Seus trabalhos discutem não apenas as dificuldades na implementação dessa política nas redes de ensino, demonstradas pelas pesquisas, como também uma configuração geral do campo de pesquisa. São recorrentes, por exemplo, a baixa articulação entre os contextos pesquisados por meio de metodologias qualitativas e os contextos mais amplos, bem como uma forte orientação dos trabalhos para a justificação das políticas de ciclos, deixando de considerar as fragilidades e contradições possivelmente presentes na sua própria concepção. Faltam ainda, segundo o autor, pesquisas em larga escala sobre a aprendizagem dos alunos, relacionadas ao tipo de organização escolar adotado.

A série Ciclos em revista, portanto, contribui para o debate das políticas de ciclos no Brasil, pois oferece aos leitores diferentes perspectivas de análise, abre espaço aos conhecimentos produzidos tanto nas academias quanto nas redes de ensino e permite ver as conquistas e descontinuidades do processo pelo qual estamos, no Brasil, procurando "inventar formas de organizar o trabalho, os tempos e os espaços de ensino-aprendizagem inspirados no reconhecimento democrático das iguais capacidades de aprender e formar-nos" (Arroyo, 2007, p. 31).

  • ARCAS, Paulo. Progressão continuada e avaliação: o que dizem os alunos? Ciclos em revista, v. 4, p. 101-115, 2008.
  • ARROYO, Miguel. Ciclos de Formação. O que pesquisar e refletir? Ciclos em revista, v. 2, p. 17-31, 2007.
  • AZEVEDO, José Clóvis de. Ciclos de Formação: uma nova escola é necessária e possível. Ciclos em revista, v. 1, p. 13-30, 2007.
  • BARRETO, Elba Siqueira de Sá. As escolas em ciclos e seus resultados no processo ensino-aprendizagem. Ciclos em revista, v. 4, p. 195-212, 2008.
  • CORREIA, Marcos Miranda. Possibilidades para o trabalho cooperativo na educação física e na escola. Ciclos em revista, v. 3, p. 89-102, 2008.
  • CUNHA, Isabela Bilecki. Professores e ciclos: o que muda na prática docente? Ciclos em revista, v. 4, p. 131-140, 2008.
  • DURAN, David. Utilizar pedagogicamente as diferenças entre alunos: uma prática de tutoria entre iguais. Ciclos em revista, v. 3, p. 13-32, 2008.
  • FERNANDES, Claudia de Oliveira. Escola em ciclos: uma escola inquieta - o papel da avaliação. Ciclos em revista, v. 1, p. 95-109, 2007.
  • KRUG, Andréa Rosana Fetzner. Desseriar o ensino: Qual currículo? Qual conhecimento? Ciclos em revista, v. 1, p. 81-94, 2007.
  • LOCH, Jussara Margareth de Paula. Avaliação na escola de ciclos de formação: teoria - prática. Ciclos em revista, v. 4, p. 159-171, 2008.
  • MAINARDES, Jefferson. A pesquisa sobre a política de ciclos no Brasil: panorama e desafios. Ciclos em revista, v. 1, p. 113-126, 2007.
  • MAINARDES, Jefferson e GOMES, Ana Claudia. Avaliação da aprendizagem e escola em ciclos: uma revisão de literatura (2000-2006). Ciclos em revista, v. 4, p. 233-250, 2008.
  • MARTINS, Ivam Martins de. Dos saberes, dos conhecimentos - e da avaliação. Ciclos em revista, v. 4, p. 173-191, 2008.
  • PACHECO, José. Fazer a ponte. Ciclos em revista, v. 2, p. 63-89, 2007.
  • SAMPAIO, Carmen Sanches. Mediação pedagógica - o papel do outro no processo ensino-aprendizagem. Ciclos em revista, v. 1, p. 71-80, 2007.
  • SAMPAIO, Carmen Sanches. Diálogo das diferenças no cotidiano da sala de aula: interrogações para o processo de ensinar e aprender? Ciclos em revista, v. 3, p. 66-79, 2008.
  • SANTOS, Delma Marcelo. O avesso do avesso: (re)construindo práticas pedagógicas por meio da heterogeneidade. Ciclos em revista, v. 3, p. 33-45, 2008.
  • SOUSA, Sandra Zákia. Ciclos: inclusão escolar? Ciclos em revista, v. 4, p. 213-232, 2008.
  • SOUZA, Karla Righetto Ramirez de. Compreendendo o exame nas escolas (não) seriadas. Ciclos em revista, v. 4, p. 71-80, 2008.
  • SOUZA, Viviane Kelly Farias de. Percepção ambiental na escola. Ciclos em revista, v. 2, p. 127-135, 2007.
  • VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Ciclos e repetência: breve incursão histórica no Renascimento e no início da Modernidade. Ciclos em revista, v. 2, p. 91-111, 2007.
  • XAVIER, Maria Luisa Merino et al. A prática da docência compartilhada e os conselhos de classe como dispositivos pedagógicos implicados na constituição do aluno. Ciclos em revista, v. 3, p. 103-117, 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009
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