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Cinema & educação: refletindo sobre cinema e educação

RESENHAS

Viviane Klaus

Professora da Rede Municipal de Ensino de São Leopoldo e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, como bolsista do CNPq. E-mail: viklaus@terra.com.br

DUARTE, Rosália. Cinema & educação: refletindo sobre cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, (p. 126)

Mais um livro da interessante e útil coleção Temas & Educação, da Editora Autêntica acaba de ser lançado. Trata-se de Cinema & Educação, de Rosália Duarte, professora do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da PUC-Rio. Ao invés de seguir a tendência dominante de tratar o cinema como mais um recurso didático para o ensino -, Rosália parte do entendimento de que a educação e o cinema são formas de socialização dos indivíduos e instâncias culturais que produzem saberes, identidades, visões de mundo, subjetividades. Assumindo que muitas das concepções veiculadas em nossa cultura têm como referência significados que emergem das relações construídas tanto entre alunos e professores quanto entre espectadores e filmes, a autora aponta o caráter extremamente educativo do cinema. A medida em que vai estabelecendo conexões entre o currículo nas salas de aula e o currículo no cinema, Rosália levanta questões importantes seja no que diz respeito às dimensões culturais do campo educacional, seja no que diz respeito ao próprio uso do cinema na educação escolarizada.

A prática de ver filmes fez com que a própria autora ampliasse seus conhecimentos, o que lhe instigou a estudar as relações das pessoas com o cinema e o papel desempenhado pelos filmes na formação das pessoas em sociedades audiovisuais como a nossa. Ela diz que o livro foi fruto de sua experiência pessoal como espectadora, pesquisadora e professora. Assim é que, como toda escrita apaixonada, é possível sentirmos a presença da autora no decorrer da leitura. Comenta sobre sua paixão por assistir a filmes desde quando era criança (muitos deles, na televisão), bem como sua paixão pelo cinema, o que envolve certos "sacrifícios" para que se possa entrar no mundo dos cinéfilos.1 1 Segundo a autora, no mundo do cinema, cinéfilos são pessoas que desenvolvem uma relação muito intensa com filmes: vêem de tudo, vão ao cinema regularmente, vêem filmes em vídeo e na tevê, freqüentam festivais e podem passar horas e horas discutindo o assunto com os amigos - pois é preciso conhecer um pouco de história do cinema, ver os filmes consagrados, saber falar de técnica cinematográfica usando vocabulário adequado, identificar os diretores, as tendências, os movimentos. No quarto capítulo, a autora desenvolve esta questão em detalhe.

No primeiro capítulo, a autora discute a pedagogia do cinema. Cita Pierre Bourdieu, diz que a experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se pode chamar de "competência para ver". Porém, o desenvolvimento de tal competência não se restringe ao simples ato de assistir a filmes; tal competência tem ligação com o universo social e cultural dos indivíduos.

Rosália Duarte afirma que, em sociedades audiovisuais como a nossa, o domínio dessa linguagem é requisito fundamental para que possamos transitar em diferentes campos sociais. A imagem em movimento tem relação com aquilo que somos, com nossas identidades, o que nos remete a uma reflexão sobre a importância da linguagem audiovisual na nossa sociedade. Valoriza-se muito, em nossa cultura, a linguagem escrita e a importância de conhecermos uma série de obras literárias, bem como seus autores; mas a leitura de imagens e a prática de ver e analisar filmes é de extrema relevância e importância no nosso cotidiano.

Essa questão da linguagem audiovisual tem especial importância para nós, professores e professoras, se pensarmos a educação com um processo de socialização. Ela discute esse tema a partir de dois autores Émile Durkheim e Georg Simmel , de duas correntes distintas da teoria sociológica.

No segundo capítulo, Rosália apresenta um breve painel da história do cinema. No apanhado que faz, mostra de que forma o cinema foi se constituindo e se modificando ao longo do tempo. Reporta-nos à época em que o cinema era percebido como registro do "real". Assinala que em 1910, nos Estados Unidos, D.W. Griffith dá novo significado à linguagem cinematográfica. Tratava-se, então, não apenas de captar o "real", mas de criar uma ilusão de realidade que é própria do cinema (possibilidade de criar outros mundos, de inventar costumes, ficções e tradições).

Discute o cinema-indústria nos Estados Unidos e as produções milionárias de Hollywood. Apesar de uma certa padronização neste tipo de produção, o cinema, por ser uma arte inquieta, não se submete a uma homogeneização. Cita alguns movimentos ligados ao cinema, bem como as contribuições que tais movimentos trouxeram para a arte cinematográfica. Retrata, também, um pouco da história do cinema brasileiro e de que forma ele veio se constituindo em diferentes momentos de sua trajetória.

O terceiro capítulo é voltado para a gramática cinematográfica e sua linguagem. Rosália discorre sobre cada um dos elementos das narrativas fílmicas - câmera, iluminação, som, fala, música e montagem ou edição - e o quanto tais elementos adquirem significado à medida que se unem formando um todo. A linguagem do cinema está ao alcance de todos nós que vivemos em sociedades audiovisuais e, à medida que conhecemos tal linguagem, aprimoramos nossa competência de ver.

O cinema é compreendido enquanto prática social, pois o significado cultural de um filme depende do contexto em que é visto ou produzido. Neste sentido, os filmes trazem uma série de convenções, de representações - de masculinidade, de feminilidade, de infância, de etnia, de misticismo etc. - e de padrões sociais, de forma que façam sentido para o público. A autora ressalta que no cinema dominante sobressai o olhar masculino, branco, ocidental, heterossexual, ao invés de outras representações mais democráticas e mais plurais.

Rosália discute, também, uma questão recorrente e complexa no meio cinematográfico: a questão da autoria e o quanto a autoria interferiu no fazer cinematográfico, originando vários movimentos estéticos mundo afora.

No quarto capítulo, a autora trabalha com a idéia do espectador enquanto sujeito. Aborda a questão da recepção que tem sido tateada por diversos profissionais no intuito de entenderem o modo como as relações entre mídia audiovisual e sociedade interferem na composição das identidades, do imaginário social etc. Segundo Rosália, no olhar do receptor está impressa uma forma de ver o mundo a partir de sua cultura. Sendo assim, os significados que as narrativas desejam imprimir dependem de como elas serão vistas e interpretadas.

A autora ainda apresenta as narrativas em imagem-som, a partir das seguintes questões: a ficção e a realidade; a importância da identificação do espectador com os filmes; a interpretação (articulação entre informações e saberes de nossas experiências de vida e aqueles adquiridos em nossas experiências com artefatos audiovisuais); o processo de significação das narrativas fílmicas.

No quinto capítulo, a autora discute especificamente o cinema na escola. Cita uma série de "filmes de escola" que veiculam representações de currículo, de professores/as, de preferências sexuais, entre outras questões. Rosália reafirma a necessidade de explorarmos filmes na escola, mas não somente como recurso de apoio didático, de segunda ordem. Podemos contribuir no processo de "ensinar a ver". Porém, devemos nos preocupar também com a escolha dos filmes, a partir do que sabemos sobre cinema. O cinema é uma rica fonte de conhecimentos, apesar de termos uma certa dificuldade em percebê-lo desta maneira; e é, também, uma forma de arte. A autora traz idéias e propostas de trabalhos com filmes, principalmente os de ficção científica, cujo caráter pedagógico, segundo ela, tem um sentido bem mais abrangente. Por isso, reitera a importância da análise das imagens e das narrativas fílmicas.

O sexto capítulo discute os filmes enquanto objeto e campo de pesquisa em educação. Os filmes podem ser lidos e analisados enquanto textos, o que implica uma análise descritiva de filmes. Relata a experiência de alguns autores nessa análise, tais como Mary Dalton, Henry Giroux, Guacira Lopes Louro, Áurea Guimarães.

Encerra o livro dizendo que: "Ver e interpretar filmes implica, acima de tudo, perceber o significado que eles têm no contexto social do qual participam" (p. 107).

No final do livro, e seguindo a organização geral da coleção, a autora sugere leituras adicionais e vários sites da Internet comentados sobre história e teoria do cinema e filmografia em geral.

Não há dúvida de que este livro, além de informativo, discute importantes questões pertinentes ao campo educacional e traz sugestões úteis para o ensino em geral, uma vez que assume o entendimento de que existem uma ampla série de pedagogias culturais que não podem ser ignoradas por nós, educadores e educadoras. O cinema é uma delas.

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    Segundo a autora, no mundo do cinema,
    cinéfilos são pessoas que desenvolvem uma relação muito intensa com filmes: vêem de tudo, vão ao cinema regularmente, vêem filmes em vídeo e na tevê, freqüentam festivais e podem passar horas e horas discutindo o assunto com os amigos - pois é preciso conhecer um pouco de história do cinema, ver os filmes consagrados, saber falar de técnica cinematográfica usando vocabulário adequado, identificar os diretores, as tendências, os movimentos. No quarto capítulo, a autora desenvolve esta questão em detalhe.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2003
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