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A pedagogia na "era das revoluções": uma análise do pensamento de Pestalozzi e Froebel

NOTAS DE LEITURA

Marcus Vinicius da Cunha

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

ARCE, Alessandra. A pedagogia na "era das revoluções": uma análise do pensamento de Pestalozzi e Froebel. Campinas: Autores Associados, 2002, 228 p.

A "era das revoluções" a que se refere o título desse livro advém de Eric Hobsbawm e circunscreve o período de 1789 a 1845, quando ocorreu a Revolução Francesa e quando a Revolução Industrial parecia determinar a forma triunfal e definitiva do capitalismo europeu. Foi também a época da intensificação dos movimentos sociais que passaram a reivindicar o cumprimento das promessas feitas pela burguesia – liberdade, igualdade e fraternidade – e que resultaram nos primeiros levantes operários. Foi nesse conturbado contexto que viveram Johann Heinrich Pestalozzi e Friedrich August Froebel, responsáveis por formulações que exerceram sensível influência sobre o pensamento pedagógico e a prática dos educadores nos séculos XIX e XX, com repercussões até a atualidade.

O livro de Alessandra Arce resultou de sua tese de doutorado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da UNESP de Araraquara em 2001. É um dos estudos mais completos já feitos no Brasil sobre os dois autores alemães, cujas obras ainda não foram ainda publicadas em nosso país, à exceção de um livro de Froebel, A educação do homem, lançado recentemente. Alessandra analisa o pensamento de Pestalozzi e Froebel destacando suas concepções de família, mãe e criança, bem como suas visões sobre o homem, Deus e natureza, as quais contribuem para delinear seus postulados educacionais. Como se nota, o vigor do livro consiste em não se limitar à apresentação, pura e simples, das biografias e das idéias estritamente pedagógicas dos autores; ambos são abordados em profundidade, como pensadores de uma época, em confronto com outros autores, em especial Dickens, Goethe e Schiller, e, mais ainda, são interpretados no âmbito de uma ampla e bem definida contextualização política e cultural.

A idéia central do livro – se é que se pode resumi-la em poucas palavras – remete a um questionamento sobre a roupagem ideológica dos dois autores; roupagem que Alessandra Arce retira, peça por peça, desnudando o pensamento de ambos, como convém ser feito com toda ideologia. Percebe-se em Pestalozzi e Froebel a expressão mais bem acabada de uma concepção burguesa de mundo, de família e de educação, toda ela articulada em resposta à profunda crise de valores que se avizinha quando da impossibilidade de efetivação dos ideais iluministas no mundo concreto do capitalismo do século XIX. Tanto um quanto outro expressam idealizações do fazer pedagógico que traduzem o anseio de manter educadores e educandos aprisionados nas teias da alienação – é o que mostra o livro de Alessandra.

A autora apóia-se em referenciais teórico-metodológicos marxistas, mais precisamente no pensamento de Agnes Heller e nos trabalhos produzidos pelo grupo de estudos coordenado por Newton Duarte, docente da UNESP de Araraquara. Seu intento é contribuir para o desenvolvimento de uma pedagogia histórico-crítica, razão pela qual o estudo das idéias de Pestalozzi e Frobel, feito nesse livro, não tem um fim em si mesmo. A pedagogia na "era das revoluções" contém elaborada crítica à "pedagogia antiescolar", expressão que Alessandra Arce utiliza para designar as pedagogias aistóricas, não-críticas e naturalizantes da condição humana – e da criança, em particular. Tal pedagogia se alicerça em princípios que acabam por retirar a escola do centro do processo educativo, em benefício de processos espontaneístas que reduzem a educação escolar ao âmbito da domesticidade; trata-se de uma ideologia que permeia muitas das proposições teóricas contemporâneas, as quais colocam a criança no centro do processo pedagógico – tão no centro que remetem o professor ao exercício do maternalismo, ao mesmo tempo em que concebem os conteúdos das matérias escolares como empecilhos ao desenvolvimento "natural" e "espontâneo" do psiquismo infantil.

Nesse processo, que transforma o ambiente escolar em extensão do ambiente doméstico, educadores e educandos ficam impedidos de compreender as verdadeiras determinações da ordem social que os envolve. Ao invés de viabilizar o ingresso do indivíduo na esfera "não-cotidiana" – que contém os saberes formalizados, patrimônio superior da humanidade, que permitem desenvolver o pensamento crítico –, a escola promove a alienação do indivíduo por meio de sua imersão nas tramas da "vida cotidiana" – os dois conceitos são de Agnes Heller, retomados por Newton Duarte. Desse modo, percebe-se que Alessandra Arce, ao articular seu estudo sobre Pestalozzi e Froebel, visa um alvo que se localiza na atualidade: são as proposições pedagógicas que, absorvidas por determinadas noções de infância e escola, elaboram a educação infantil como um fazer destinado à adequação do homem à irracionalidade reinante na sociedade capitalista – embora percebam a si mesmas como promotoras do desenvolvimento humano.

O livro de Alessandra Arce analisa com clareza e precisão as idéias de Pestalozzi e Froebel. Ao fazê-lo, traz um posicionamento crítico bem definido, não se esquivando das polêmicas que certamente irá gerar. Esse é um mérito da autora: ela sabe que vai de encontro às tendências hegemônicas do pensamento pedagógico contemporâneo – que assumem de modo acrítico um certo papel para a educação escolar – mas não tem receio de expressar suas idéias. Esse é o mérito que se deve reconhecer nos genuínos pesquisadores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2003
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