Acessibilidade / Reportar erro

Cultura infantil: a construção corporativa da infância

NOTAS DE LEITURA

STEINBERG, Shirley R., KINCHELOE, Joel L. (org.). Cultura infantil; a construção corporativa da infância. Tradução de George Eduardo Japiassú Bricio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, 415p.

Publicado originalmente em inglês (Kinderculture – The corporate construcction of Childhood, 1997), este livro engloba uma série de artigos que discutem o tema dos "novos tempos que prenunciam uma nova era na infância" (Steinberg).

Na introdução, os organizadores destacam a visão da infância como criação da sociedade vinculada às transformações e mudanças sociais e culturais, observando que a infância tradicional teve a sua duração entre 1850 e 1950, com o desenvolvimento infantil ancorado no conceito de forças biológicas, segundo o qual a perspectiva cultural não era valorizada. Essa concepção de infância começa a se transformar nos anos de 1950, pelas mudanças nas configurações familiares da modernidade e chega-se ao final dos anos de 1990 com uma família "pós-moderna" sem apoio, constituída de mães solteiras ou que trabalham fora, com múltiplos problemas vindos da feminilização da pobreza e da posição vulnerável das mulheres em diferentes espaços (Polakow, V. The erosion of childhood. Chicago: University of Chicago Press, 1992).

O livro descreve e debate a crise contemporânea da infância, analisando textos recentes que narram essa "perda da infância" e suas imagens assustadoras sobre a crise da infância. Nelas, a cultura popular nos fornece cenas de isolamento, lares e comunidades fragmentadas, ressaltando dessa maneira a produção de uma pedagogia cultural que abrange uma variedade de áreas pedagógicas e sociais – lugares ou artefatos culturais – como bibliotecas, revistas, brinquedos, TV, cinema, livros, propagandas, videogames, esportes e outros. Os autores citam Giroux (Disturbing pleasures: learning popular culture. New York: Routledge, 1994), que destaca uma análise da pedagogia escolar e cultural para dar sentido ao processo educacional no final do século XX.

Steinberg e Kincheloe listam temáticas variadas que são discutidas ao longo do livro. Englobando tópicos como as novas áreas de aprendizado e a criação de um currículo cultural, situam a cultura infantil no campo dos estudos culturais, destacam o conhecimento da mídia como conhecimento necessário na hiper-realidade e analisam o poder corporativo da cultura infantil com alguns dilemas que constituem a infância pós-moderna.

A obra está organizada em 14 capítulos e reúne colaboradores das áreas da sociologia, educação e cultura popular, explorando alguns ícones que moldam a consciência e os valores das crianças.

O capítulo 1, de Joel Kincheloe, refere-se ao tema das crianças "esquecidas" em casa, a partir da análise dos filmes Esqueceram de mim e Esqueceram de mim 2: perdido em Nova York, na qual o autor utiliza a dinâmica familiar dos filmes americanos para destacar os temas da dor e do medo que acompanham crianças e suas famílias na América pós-moderna.

Nos três capítulos seguintes, temos primeiramente um artigo de Henry Giroux questionando "Os filmes da Disney são bons para nossos filhos?", com uma reflexão em torno de seus efeitos. O capítulo 3 é um texto de Eleanor Hilty, comentando o papel da televisão como professora, através da análise de programas que incluem de Vila Sésamo a Barney e seus amigos. Um artigo de Douglas Kellner, discutindo a série de desenhos animados da MTV Beavis e Butt-Head e articulando-o com aspectos da cultura da mídia e as controvérsias sobre os possíveis efeitos na juventude pós-moderna, constitui o capítulo 4.

Os capítulos 5, 6 e 7 compreendem respectivamente textos sobre a emergência da mídia interativa na vida das crianças através dos videogames, de Eugene Provenzo Jr; a análise do programa Power Rangers e a estética da justiça falo-militarista, através da violência estilizada e transformada em coreografia, de Peter Mclaren e Janet Morris, e o artigo de autoria de Linda Christian-Smith e Jean Erdman sobre a construção da infância através da leitura da ficção de terror.

O próximo bloco, que inclui os capítulos 8, 9, 10 e 11, inicia com um artigo de autoria de Alan Block que focaliza a leitura de revistas infantis como representação do que nós, adultos, escolhemos para nossos filhos e propõe a discussão de cultura infantil e cultura popular. Segue-se um texto sobre luta livre profissional e a cultura juvenil, no qual o autor, Aaron Gresson III, aborda questões e aspectos que constituem as identidades juvenis como a contenção da civilidade, a provocação e o sarcasmo. O capítulo 10 analisa o comércio dos cards, que os autores Murry Nelson e Shirley Steiberg denominam tirando a carta da manga, desencadeando uma discussão sobre a coleção dos cards e as suas representações na cultura juvenil no passado e no presente. Esse bloco termina com o trabalho de Steinberg sobre o tema da Barbie, narrando o processo de 'invenção' dessa boneca loura pela indústria Mattel, denominada, pela autora, a mimada que tem tudo e que durante estes 37 anos de existência assumiu múltiplas identidades étnicas e históricas.

A última parte do livro compõe-se dos capítulos 12, 13 e 14. O primeiro, de Jeanne Brady, discute a temática do multiculturalismo e o sonho americano como tendência na indústria de brinquedos na década de 1990. O segundo artigo, de Jan Jipson e Ursi Reynolds, analisa as representações de mulheres e crianças na cultura infantil através de filmes como Thelma e Louise ou de revistas como Seventeen. O capítulo 14, de Joel Kincheloe, ressalta alguns aspectos que moldaram e moldam a cultura e a consciência infantil, analisando as articulações entre representações da rede do McDonald's, poder e crianças. Nele, o autor discute a ação da mídia invadindo as esferas da vida privada e campanhas publicitárias, como, por exemplo, "Ronald McDonal faz tudo por você" ou "o McDonald's como lugar de crianças".

A leitura deste livro é instigante por abordar e discutir a temática da constituição da infância na pós-modernidade como uma construção corporativa no panorama da vida contemporânea. Os diversos autores, ao longo dos capítulos, utilizam uma narrativa que engloba e entrelaça diferentes análises de textos midiáticos, possibilitando assim articulações com aspectos que constituem a cultura infantil.

Maria Cecilia Torres

Doutoranda em Educação

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

E-mail: ctorres@vant.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2002
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@anped.org.br