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Em volta da mesa: uma conversa sobre grupos de trabalho, na FAE/UFMG, em abril de 1986

DOCUMENTOS

Em volta da mesa: uma conversa sobre grupos de trabalho, na FAE/UFMG, em abril de 1986

Participantes: Ira Maria Maciel, Glaura Vasquez de Miranda, Miguel Gonzáles Arroyo, Léa Pinheiro Paixão, Magda Becker Soares e Eliane Marta Teixeira Lopes

IRA: A nossa intenção, como ANPEd, é buscar a gênese dos grupos de trabalho, captar os movimentos que lhe deram expressão, recuperar o percurso, enfim a memória. [...] Glaura, você sempre foi uma batalhadora dos grupos de trabalho, nos parece importante a sua contribuição. Vamos começar?

GLAURA: A idéia do GT surgiu antes de assumirmos a Secretaria Geral da ANPEd, quando tivemos uma reunião aqui no Mestrado da UFMG para avaliar as reuniões científicas da Associação. Conversamos muito sobre a necessidade da ANPEd ter um espaço onde as questões teórico-metodológicas e os resultados das pesquisas fossem discutidos. Não podia ser um espaço aberto coletivamente, pois isso exigiria uma reunião longa, o que seria impraticável. Era importante ter esse espaço para discussão de pesquisas semelhantes, o que possibilitaria um avanço nas áreas de conhecimento.

As reuniões da ANPEd tinham, até então, só um tema geral. Algumas pessoas, aquelas que participavam desse tema, tinham participação grande, mas as que vinham para assistir logo se desinteressavam, caso o tema não coincidisse com suas preocupações.

A idéia foi fazer com que os GT aproveitassem a experiência de outras associações, especialmente de ANPOCS, que fazia suas reuniões calcadas em GT, reuniões essas extremamente dinâmicas.

MIGUEL: Em certo momento constatamos que as reuniões da ANPEd eram reuniões de Programas de Pós-Graduação. Não podiam continuar nesse esquema. Estava chegando um momento em que a realidade da educação, das discussões sobre educação nacional não cabiam nos Programas de Pós-Graduação em Educação. Cada Programa se definia pelas áreas que tinha e trabalhava quase exclusivamente em função delas. Mas acontece que havia uma série de questões ou temáticas que não estavam presentes nas áreas de concentração desses Programas.

Fomos percebendo, assim, que as reuniões da ANPEd não poderiam ser apenas a reunião de Programas. Havia uma efervescência e uma inquietação intelectual de pesquisas mais amplas. Aí surgiram os GT – mais específicos e mais ricos.

GLAURA: Efetivamente, os temas das quatro primeiras reuniões da ANPEd estavam muito em função da organização dos mestrados e doutorados. Houve uma reunião para discutir doutorado; outra para discutir a questão da avaliação. Entre elas, a reunião de Belo Horizonte discutiu linhas de pesquisa, quando não se tinha claro o que eram essas linhas [...] o que tornou essa reunião muito difícil.

MIGUEL: Houve um momento em que era necessário que os Programas se afirmassem. Eram importantes as relações dos Programas com a CAPES, o CNPq e outras agências governamentais [...]. Já os GTs definem sua identidade não ante o Estado, mas ante a sociedade.

CURY: Há certos temas que transcendem os Programas, não são desta ou daquela linha de pesquisa, que está virtualmente lotada neste ou naquele Programa.

LÉA: Eu não estava neste momento no Brasil; gostaria de saber: como foram selecionados os temas dos grupos?

GLAURA: A primeira organização foi feita pela própria Diretoria da ANPEd. Ainda temos na UFMG um bom número de coordenadores de GT porque assumimos sua organização. Na reunião de Belo Horizonte, na qual se deu uma virada em termos de organização e se aprovou um novo estatuto, criaram-se os GT e também as Seções Locais. Havia um grupo grande, principalmente do Nordeste, que defendia a ANPEd organizada na base de Seções Locais, enquanto nós defendíamos com mais ênfase a organização dos grupos de trabalho. É fácil entender isto – tínhamos (e temos), em Belo Horizonte, um único Programa, não havia necessidade de uma Seção Local, mas sim de grupos de trabalho.

LÉA: Mesmo quanto aos grupos, parece-me que temos agora uma situação diferente, não? As primeiras reuniões destes se configuraram como momentos de relatar as pesquisas que estavam sendo desenvolvidas. Atualmente há outros espaços para isso: a CBE, a SBPC, os encontros regionais de pesquisa, os estágios de intercâmbio. Acho que é hora de repensar a finalidade desses grupos, evidentemente sem invalidar a sua existência, mas talvez fixando outros objetivos. É hora de refletir sobre as necessidades e vantagens de se reunir durante três dias com pessoas que trabalham na mesma linha de pesquisa. A meu ver, deveria ser um momento de síntese e da própria caracterização daquela linha de pesquisa.

ELIANA: Embora não tenha participado dessa fase, há um aspecto que me chamou atenção quanto à criação dos GTs. Miguel afirmou que eles seriam importantes, não diante do Estado, mas dos participantes e da sociedade. Penso que é ainda necessário refletir a relação da ANPEd com o Estado, evidentemente uma relação mais ampla do que a questão dos GTs.

MIGUEL: A ANPEd é um pouco símbolo dos Programas. No início, estes eram muito dependentes do Estado e a própria constituição da Associação foi sugerida de cima para baixo. Os Programas se orientavam para a capacitação da mão-de-obra, para um suposto mercado de trabalho. O Programa da UFMG foi o primeiro a colocar a temática "Educação e Sociedade", refletindo sobre a realidade educacional numa perspectiva mais ampla.

A ANPEd definiu então os GTs e isto dependeu fundamentalmente de quem esteve presente àquela reunião. A eleição da Presidência e da Secretaria Geral significou o enfrentamento de dois grupos: daqueles que queriam refletir sobre a educação na sociedade, em termos mais amplos, e daqueles que estavam no antigo esquema, em função dos cursos de pós-graduação. Os GTs terminaram representando a vitória da primeira tendência.

GLAURA: Na redefinição da Associação, que ocorreu aqui em Belo Horizonte, mudou-se sua própria denominação. Ela deixou de ser uma associação só de pós-graduação e passou a ser também de pesquisa, objetivando contar com a presença de pesquisadores que não estavam necessariamente vinculados a Programas de Pós-Graduação. A nosso ver, não era mais possível continuar discutindo apenas a organização de Programas de Pós-Graduação. Era necessário extrapolar para questões mais voltadas à pesquisa, possibilitando um avanço da área.

IRA: Acho importante pensar o GT aqui e agora e buscar sua redefinição.

GLAURA: Há uns dois anos, foi criado o Programa de Intercâmbio e sua coordenação entregue à Fundação Carlos Chagas. Desde o ano passado, vínhamos insistindo que os estágios não deveriam acontecer fora da ANPEd. Eu participava das reuniões de coordenação do Programa Integrado de Educação, ao qual o Programa de Intercâmbio se vincula, como representante da ANPEd, e cobrava dos patrocinadores (INEP, FINEP, CNPq, CAPES) esse acoplamento. Os GTs pretendiam fazer reuniões fora das reuniões anuais e os estágios eram um espaço privilegiado, inclusive porque a Associação é pobre para financiar reuniões diversificadas. Houve concordância dos patrocinadores, no sentido de que, sempre que possível, os membros dos GTs da ANPEd estivessem presentes nos estágios de intercâmbio.

MAGDA: Há outra questão que precisa ser discutida. O estágio de intercâmbio é um programa específico que agrupa pessoas que estão trabalhando em pesquisa. A ligação dele com o grupo da ANPEd é legítima, mas será o grupo da ANPEd um grupo só de discussão de pesquisa ou um grupo em que existem certas temáticas cuja discussão não se restringe apenas à apresentação e discussão de projetos de pesquisa? É importante não limitar os GTs, e sim garantir-lhes um horizonte mais amplo.

GLAURA: Também não é possível homogeneizar os GTs. Há diferenças de um para o outro, dependendo da natureza do tema e da maturidade do grupo. Pelos relatórios, percebe-se como eles acabaram avançando de formas inteiramente distintas.

IRA: Percebe-se que cada um tem uma história diferente, atendeu a demandas diversas, evoluiu de uma forma própria; até mesmo involuiu.

MIGUEL: Os GTs nasceram quando ainda não havia muitos espaços abertos para colocar nossa produção, nossa inquietação etc., e a ANPEd era a única oportunidade anual que tínhamos. Agora ampliaram-se os espaços. O Programa de Intercâmbio, contudo, está mostrando que esses espaços custam a ser reais. É fácil ver a quantidade de encontros previstos e como foram poucos os que se realizaram. Quando acontecem, alguns são ainda muito limitados. Para mim, os GTs da ANPEd têm outra dimensão, outra característica. No caso de nosso grupo, o de Educação e Trabalho, tentamos dar-lhe uma conotação de debate, de verdadeiro intercâmbio e não só de apresentação. Debatemos principalmente as demandas que estão surgindo e para as quais precisamos ter respostas novas, para o que ainda não há muitos espaços. Contínuo achando que os GTs da ANPEd têm uma dimensão que não existe em outros lugares e que deveria ser reconhecida.

MAGDA: Acho também que não se esgotou, mas que já se ultrapassou a fase de simplesmente discutir pesquisas.

MIGUEL: Nas duas últimas reuniões anuais, notei a necessidade de inter-relacionar grupos com temáticas afins; é difícil trabalhar separadamente.

GLAURA: Num dado momento, recebemos reivindicação de não fazer a reunião de todos os grupos simultaneamente. Deveríamos colocá-los de seis em seis possibilitando a oportunidade de dois ou três GTs trabalharem juntos. Assim, os GTs de Educação de 1º, 2º e 3º graus se reuniriam em um momento; em outros, os de Educação e Trabalho, Educação Popular etc. Isso possibilitaria o cruzamento de linhas de pesquisas.

MIGUEL: Há uma tendência na ANPEd de colocar em suas reuniões uma temática geral e os GTs. A primeira ocupa a maior parte do espaço e perde-se tempo dos GTs. Falta ainda um momento para socializar o que os grupos estão fazendo ou o que está sendo feito pelos cursos de mestrado em geral.

IRA: Quase sempre está acontecendo isto: ou um tema é bem tratado, ou o outro. Para a próxima reunião pensa-se em dois momentos de conclusões: tanto para o tema geral, quanto para os GTs, visando à melhor socialização. Quase sempre está acontecendo uma dificuldade de fechamento do tema geral ou do GT, e às vezes de ambos.

MAGDA: Talvez se pudesse setorizar os temas. O meu, por exemplo, está cada vez mais encaminhando para Alfabetização do que para Educação e Linguagem. Os problemas tratados neste grupo coincidem com aqueles tratados por outros grupos que se preocupam também com a Alfabetização, como o de Educação Rural, Formação de Professores, Ensino de 1º e 2º graus etc. Seria interessante que as pessoas desses grupos se reunissem, dada a temática coincidente em vários aspectos. Talvez seja um momento de reunir grupos por temas setorizados.

IRA: Seria bom discutirmos agora o lugar dos GTs na ANPEd.

CURY: Qual a especificidade de cada uma daquelas reuniões que a Lea estava elencando: SBPC, CBE, encontros regionais, ANPEd, para que as mesmas não fiquem idênticas entre si? Para que a ANPEd não seja uma mini-CBE, nem repita os encontros regionais de pesquisa. Se a ANPEd parte diretamente dos GTs, já vai definindo uma vocação, uma identidade para suas reuniões.

Já discutimos também a possibilidade de se confrontar teses, tanto na ANPEd como na CBE, assim como qual delas fica sob responsabilidade da ANPEd organizar, especialmente no caso da CBE e dos encontros regionais. Valeria a pena repensar isto para que as mesmas coisas não sejam repetidas em encontros diferentes. É preciso definir melhor a identidade de cada uma dessas reuniões.

GLAURA: Eu vejo claro cada uma dessas identidades, talvez pelo fato de já ter participado da organização de várias reuniões. Vejo a CBE como um espaço político, de colocação de propostas de ação, muito mais do que um espaço acadêmico. Não é o momento de apresentação de pesquisas, embora eventualmente isso possa ocorrer. Mesmo assim, não devem ser apresentadas com a mesma linguagem e metodologia utilizadas numa reunião acadêmica. A CBE focaliza principalmente os aspectos políticos da educação e as diretrizes de atuação da educação em diferentes regiões, ou seja, o que se está fazendo de novo no país em matéria de educação.

É também um momento importante de denúncias. Pela própria situação política atual, em que as discussões são mais abertas, tende-se a ter menos necessidade de espaços de denúncia, mas eles ainda são muito necessários. Em relação ao ensino superior, por exemplo, precisamos muito desse espaço porque a nossa universidade é um fracasso. Em contrapartida, o público também é diferente. Vão à CBE professoras primárias, professores de 2º grau, alunos de pedagogia e de mestrado. A CBE deste ano, em Goiás, vai ter um público imenso. Em Niterói tivemos 5.000 participantes, quase o mesmo número da SBPC. É importante esse paralelo, para ver o que está acontecendo com a SBPC que, a meu ver, tende a ser um espaço esvaziado politicamente.

MIGUEL: Se a CBE não mantiver essa linha de denúncia, também ela tenderá a se esvaziar.

GLAURA: Como a sociedade hoje é mais aberta, esse espaço ficou diminuído. Por sua vez, a ANPEd é um espaço essencialmente acadêmico. Quem vai à ANPEd? São professores de pós-graduação e pesquisadores; é raro um professor de graduação se interessar pelas reuniões da ANPEd, a não ser aqueles do local onde a reunião se realiza. Nossos professores de graduação jamais saem daqui para ir à reunião da ANPEd, mas saem para ir à CBE.

Os encontros regionais tendem também a ser um espaço acadêmico, mas localizados nas regiões, o que é importante, principalmente no Nordeste. Já fizemos uma proposta para que os encontros regionais não sejam realizados nos mesmos anos em que se realizam as CBEs.

MIGUEL: Sobre a ANPEd ser um espaço mais acadêmico, teríamos de rever algumas coisas. Sempre discutimos se deveríamos ser como a ANPOCS, ou diferentes. De qualquer forma, estão faltando alguns mecanismos de confronto intelectual dentro da nossa área. As revistas não são um espaço de confronto; os momentos de exame de tese têm sido um pouco, mas ainda insuficientes.

A ANPEd não pode continuar com a única preocupação de trabalhar em cima de relatos de pesquisas. Não houve até agora a coragem de apresentar o produto das pesquisas ao crivo dos pares.

CURY: Seria um espaço de compromisso. Geralmente tem-se um ponto de vista em relação a esta ou aquela temática ou problemática, nem sempre coincidentes com os pontos de vista de outras pessoas. Na hora da decisão, evita-se o confronto, como diz Miguel. Está faltando entre nós uma mentalidade de compromisso. Discutir pontos de vistas diferentes, sobre posturas teórico-metodológicas diferentes.

MIGUEL: É preciso ficar mais atento aos aspectos metodológicos. Considerado um determinado objeto de pesquisa, avaliar se a metodologia deve ser tradicional, qualitativa etc. Quanto ao conteúdo, ao avanço ou ao retrocesso que traz, conhecê-lo, discuti-lo, incorporar as novas contribuições.

GLAURA: Essas dificuldades são normais; durante muito tempo predominou um tipo de concepção da educação e de pesquisa em educação. Uma nova hegemonia foi conquistada ao longo dos anos. Podemos dizer hoje, tranqüilamente, que temos hegemonia. Não sei, porém, se abrirmos o confronto para valer, se conservamos essa hegemonia...

MIGUEL: Está acontecendo uma coisa curiosa. Nota-se que aqueles que consomem os produtos socializados percebem que somos diferentes. Nós mesmos não sabemos por que. Falta mostrar porque somos diferentes, sem com isso sermos antagônicos. Há, entre nós, certo medo de aceitar a diferença.

GLAURA: Penso que se deveria ter um maior respeito pela diversidade; o que não vem acontecendo.

CURY: Antes mesmo desse respeito, precisaríamos identificar quais são essas posições e organizar um debate na ANPEd, instância apropriada para isto, se aceitamos que ela é o espaço de reflexão acadêmica.

GLAURA: Há pessoas que não aceitam o confronto, temendo que seu ponto de vista não seja respeitado, como aliás aconteceu em muitos momentos passados.

CURY: Se quisermos avançar teórica e politicamente, temos de ser muito honestos em relação a isso.

MIGUEL: Penso que estamos avançando mais politicamente do que em termos de reflexão teórica. No quadro da educação brasileira, já há posturas bastante definidas em termos políticos. Há uma defesa da escola, por exemplo, mas não se defende a mesma escola. Está na hora de explicitar posições e ver mais profundamente as diferentes. Isto é o que chamo: construir o confronto de posturas teóricas.

IRA: Acredito ser importante desvelar também as posturas políticas subjacentes às posturas teóricas.

GLAURA: Embora necessário, não saberia como fazer isso.

MIGUEL: Eu me sentiria num aperto muito grande se tivesse essa função hoje, mas isso me atrai muito mais do que as questões das quais me ocupo atualmente. Até diria que muitas questões importantes, teórica e politicamente, fazem parte do cotidiano dos educadores.

GLAURA: A coisa é complexa e, se não for colocada claramente, perde-se mais uma oportunidade.

MIGUEL: Veja a questão da Constituinte. É muito mais uma questão política do que acadêmica.

ELIANA: Mas ela passa por uma questão acadêmica também.

GLAURA: As instituições privadas estão organizadíssimas. Se não nos organizamos como lobby, perdemos essa oportunidade histórica.

CURY: É preciso pensar que, dentro do que chamamos de "grupo hegemônico", há gente que defende outro significado do privado.

MIGUEL: Há questões acadêmicas que precisam ser discutidas na ANPEd antes de chegarmos à CBE: a oposição escola pública versus escola privada, por exemplo. Se não discutirmos os conceitos e os pressupostos, não chegaremos a um acordo no momento político.

GLAURA: Então você acha que deve haver um momento na reunião da ANPEd para isto.

MIGUEL: Deveria ter ocorrido à ANPEd perguntar quais as questões que poderão ir à Constituinte e à CBE; depois preparar um documento para a CBE; posteriormente deverá sair um documento da CBE para a Constituinte.

GLAURA: A partir dessa reflexão poderemos encaminhar a discussão sobre a educação na Constituinte.

CURY: E isso tem ligação com o significado que você der à escola.

MIGUEL: Pergunto: a escola é um espaço da educação do povo? Essa questão está transpassando todas as discussões nos últimos anos e provavelmente chegará à Constituinte. E tenho certeza que nem todos na ANPEd estão de acordo política e teoricamente sobre pontos fundamentais.

GLAURA: Essa é uma questão política; deve ser colocada claramente e não se pode deixar de fazê-lo na 9ª Reunião. Creio mesmo que somos a instituição da sociedade mais capaz para tal, embora haja outras.

IRA: Nesse sentido, Miguel, quais seriam as questões que você sugeriria para a Assembléia Constituinte e como vê a abordagem delas na 9ª Reunião da ANPEd?

MIGUEL: A Constituinte não vai poder tratar de tudo; é preciso escolher prioridades em nível nacional: duas ou três questões centrais, em especial a escola pública. É importante também estarmos atentos ao nível de regulamentação dos direitos: quais os pontos básicos desses direitos que vão ser regulamentados no nível da Carta Magna? Vamos poder estabelecer uma base sólida, desde que trabalharemos todas as manhãs da 9ª Reunião em torno disso. É muito mais do que preparar um documento...

GLAURA: Além dessas questões colocadas, está também a questão da faixa de idade que todos teriam acesso à educação.

CURY: Vejo outras questões ainda: a escola é ou não é espaço melhor da educação do povo? Vamos ter de discutir, por exemplo, se são válidas e verdadeiras as leis do determinismo histórico.

GLAURA: As questões que vão entrar concretamente na Constituição não vão ser muitas, mas certamente são as questões mais fundamentais e mais polêmicas.

ELIANA: Pode-se tomar o caminho inverso. Pegar duas ou três questões que deverão entrar na Constituinte e vê-las do nosso ponto de vista: o que une e o que desune a comunidade acadêmica. Em relação à escola pública, há uma distinção que passa pela questão do conteúdo, da administração etc.

MIGUEL: A questão da educação do trabalhador afirma mais uma vez a duplicidade do sistema de ensino. Uma coisa é a educação como direito de todos e a educação para o trabalho como algo paralelo, inclusive não diretamente vinculado ao sistema regular de ensino. Essa é uma questão complicada e que precisa ser bem colocada. Tem-se dado muita ênfase à educação para a cidadania – a escola é para ensinar, deve garantir a educação básica. Esse é apenas um lado do problema que vai aparecer na Constituição... e então poderemos continuar sempre como uma educação para o trabalho paralela à educação geral.

CURY: Concordo que seja uma questão difícil. E exatamente o miolo dessa contradição está no 2º grau; aí ocorre o impasse.

MIGUEL: Temos de ver o problema das escolas técnicas. Muitas já em nível de 1º grau têm terminalidade.

ELIANA: Penso que cabe à ANPEd preparar um documento com essas questões políticas, vistas de uma postura teórica.

IRA: Gostaria de colocar outro ponto. Quando vocês falaram em redefinição do espaço, estavam considerando algo mais amplo em termos de nosso grupo. Creio que vale conversar um pouco a respeito do grupo de pesquisadores e educadores. Quem somos enquanto grupo? Na verdade, somos um grupo?

CURY: Tenho uma resposta que não é minha: acho que somos uma geração de críticos, mas não conseguimos ainda ser uma geração crítica. Tínhamos uma geração de adversários à frente, fáceis de criticar, porque o plano era muito aberto. A postulação da geração crítica passa exatamente pelo reconhecimento da diferença. Mas não chegamos ainda a identificar as diferenças, nem a saber exatamente onde elas se encontram. Até respeitamos posições diferentes, mas, para sermos uma geração crítica, teríamos de levá-las seriamente em consideração, sem querer ter a vocação nem o desejo da homogeneidade.

MIGUEL: Vivemos ainda a crítica das ciências sociais aplicadas à educação. Em Educação não temos uma teoria pedagógica elaborada e sempre terminamos trazendo argumentos de fora para nossa crítica. Isso nos deixa um pouco indefesos. Em outras áreas, as pessoas se defrontam a partir de pontos muito concretos: qual a sua postura, qual a minha? A ANPEd de certa forma teria de segurar isso, estimulando sobretudo que os Programas de Pós-Graduação em Educação caminhassem nessa direção. Sinto que o Programa que mais caminhou foi o da PUC/SP, sob a coordenação do Saviani. A contribuição dos outros Programas, sobretudo os de doutorado, deixa muito a desejar; por sua vez, os de mestrado não têm essa função, propriamente. Falta aos Programas a função de organizar o conhecimento em educação, e a ANPEd se ressente disso.

Transcrito do Boletim ANPEd, v. 8 nº 1, p.4-8, jan./mar. 1986

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Abr 2002
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