Acessibilidade / Reportar erro

O "velho" e "bom" ensino secundário: momentos decisivos

The "old" and "good" High School: key moments

Resumos

O ensino secundário corresponde ao atual segundo segmento do ensino fundamental (Lei 9.394/96). Este artigo apresenta uma releitura do ensino secundário na educação brasileira, destacando questões relacionadas ao acesso e à qualidade. Mostra como ele se transformou de tipo de ensino oferecido em certas instituições, sobretudo privadas, em nível de ensino de um sistema escolar. Merecem ênfase, nessa trajetória, os seus momentos decisivos, que remetem a conflitos entre projetos de sociedade, concepções formativas e alternativas pedagógicas inovadoras. O principal objetivo é compreender os significados que lhe foram atribuídos por diferentes grupos e/ou classes, no sentido da democratização da educação em nossa sociedade, significados esses transformados em políticas públicas ou na ausência delas.


The former High School corresponds to the now called second segment of Elementary School system (Law 9394/96). This paper proposes a new reading of the questions related to High School teaching in terms of access and quality in the Brazilian education. It shows how this type of education appeared and how it gradually changed from a type of education offered by certain particular institutions into one of the teaching levels of a public and private school network, and finally into a component of the Elementary School system. It gives a special emphasis to those decisive moments in that transformation which mark conflicts among projects for a society, formative concepts and innovative pedagogical alternatives. The principal objective is to understand the meaning assigned to it by different groups and/or classes in the quest for democratizing education in our society, meanings which were translated into public policies or in their absence.


O "velho" e "bom" ensino secundário: momentos decisivos

The "old" and "good" High School: key moments

Clarice Nunes

Programa associado à Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense

Centro Pedagógico Pedro Arrupe

RESUMO

O ensino secundário corresponde ao atual segundo segmento do ensino fundamental (Lei 9.394/96). Este artigo apresenta uma releitura do ensino secundário na educação brasileira, destacando questões relacionadas ao acesso e à qualidade. Mostra como ele se transformou de tipo de ensino oferecido em certas instituições, sobretudo privadas, em nível de ensino de um sistema escolar. Merecem ênfase, nessa trajetória, os seus momentos decisivos, que remetem a conflitos entre projetos de sociedade, concepções formativas e alternativas pedagógicas inovadoras. O principal objetivo é compreender os significados que lhe foram atribuídos por diferentes grupos e/ou classes, no sentido da democratização da educação em nossa sociedade, significados esses transformados em políticas públicas ou na ausência delas.

ABSTRACT

The former High School corresponds to the now called second segment of Elementary School system (Law 9394/96). This paper proposes a new reading of the questions related to High School teaching in terms of access and quality in the Brazilian education. It shows how this type of education appeared and how it gradually changed from a type of education offered by certain particular institutions into one of the teaching levels of a public and private school network, and finally into a component of the Elementary School system. It gives a special emphasis to those decisive moments in that transformation which mark conflicts among projects for a society, formative concepts and innovative pedagogical alternatives. The principal objective is to understand the meaning assigned to it by different groups and/or classes in the quest for democratizing education in our society, meanings which were translated into public policies or in their absence.

O clássico livro de Geraldo Bastos Silva, A educação secundária - perspectiva histórica e teoria (1969), segunda versão de um texto escrito em 1959, foi resultado de 25 anos de leituras, reflexão e estudo dos problemas de educação em geral. Aluno da Faculdade Nacional de Filosofia (1940-1943) e, em seguida, seu assistente (1948-1950), a carreira do autor como professor do ensino secundário e funcionário do Ministério da Educação, desde 1946, justificou seu interesse em compreender que condições teriam propiciado suporte para um tipo de ensino de formação básica da elite que se tornou um desafio para os educadores nos anos 30, 40 e 50, pelas transformações que sofreu na democratização do seu acesso e no seu currículo, transformações essas que traziam implícito um profundo questionamento da sua função formativa. Em vez de preparar para os cursos superiores, os "novos tempos" inaugurados com o desenvolvimento econômico do país, sobretudo pelo avanço da industrialização, exigiam a formação de profissionais. Pelo menos essa era a idéia que os educadores liberais difundiam à época.

Geraldo Bastos Silva fez parte, como técnico, do Grupo de Trabalho da Reforma do Ensino de Primeiro e Segundo Graus, cujas propostas deram origem à Lei 5.692/71. Não estava só no seu investimento de reflexão com relação ao ensino secundário. Outros educadores como Anísio Teixeira, Jayme Abreu e Lauro de Oliveira Lima apresentavam o ensino secundário como um dos problemas cruciais da educação brasileira. Lutaram, cada um ao seu modo, pela sua renovação pedagógica. Os livros do primeiro, as pesquisas e os artigos do segundo, os textos escritos e reescritos pelo terceiro para distribuição nos cursos e seminários patrocinados pela Campanha de Desenvolvimento do Ensino Secundário (CADES), destinados a professores em todo o país, foram lidos e apreciados também como fruto de um esforço real de muitas vontades e inteligências que a eles se congregaram em equipes de trabalho.

Na ciranda da vida e da produção do conhecimento outros autores vieram cujos artigos, dissertações e teses também se reportam ao ensino secundário. Alguns dos trabalhos produzidos na década de 1990 procuraram resgatar a lembrança de quem o freqüentou. Nela, ele ainda aparece referido a um ginásio do qual se tem saudade, uma escola de qualidade, sobretudo pela sua excelência acadêmica. Os relatos apaixonados dos antigos adolescentes dos anos 50 e 60 sobre o "velho" e "bom" ginásio dos "anos dourados" contrastam com as análises dos educadores citados e que, no mesmo período, denunciavam as suas misérias e os seus equívocos (Barroso, 1999 e Graça, 1998).

Todo o empenho das famílias das áreas urbanas para matricularem seus filhos nos ginásios, o nervosismo das crianças realizando os exames de admissão e as discussões que o ensino secundário provocou de maneira tão viva e apaixonada, anos atrás, estão hoje esmaecidos. As novas gerações de alunos universitários dos cursos de pedagogia e licenciatura, cuja formação básica se deu sobre a égide da Lei 5.692/71, têm uma pálida idéia das mudanças de concepção que esse ensino sofreu transitando entre um tipo de ensino oferecido em colégios, destinado à formação das minorias e quase que exclusivamente privado, e nível de ensino. Também apresentam dificuldades de compreender as alterações de nominação e de abrangência definidas pelas sucessivas leis promulgadas desde os anos 30, e mesmo a luta travada em torno dele e do seu significado, já na República, quando a unificação da estrutura educacional tornou-se uma bandeira dos educadores liberais.

Na acelerada e controversa conjuntura em que vivemos, num país endividado e em recessão, surpreendido por sucessivos e gigantescos escândalos financeiros e morais, o debate sobre o ensino secundário parece ter uma importância menor. Emerge como um episódio do passado e os textos produzidos sobre ele como produções datadas, cujo único mérito foi o de registrar concepções e iniciativas localizadas, muitas delas já inexistentes. O que denominamos ensino secundário corresponde atualmente ao segundo segmento do ensino fundamental. No entanto, questões a ele referidas nesse passado, não tão distante, reaparecem com força, projetadas no atual nível de ensino médio. Uma delas, fruto da política do Ministério da Educação, expressa pelo decreto 2.208/97, é a restauração da dualidade, mediante a separação institucional e curricular, entre o ensino médio geral, que alguns insistem em denominar "acadêmico", e o ensino técnico. A restauração da dualidade é perniciosa pelo retrocesso no processo de unificação da estrutura educacional, ensaiado de forma pioneira em 1932 com a criação das Escolas Técnicas Secundárias no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, e desenvolvido pelas Leis de Equivalência dos anos 50, num momento em que a atual Lei 9.394/96 consagrou a formação humanista e científica e, portanto, essencialmente cultural, do Ensino Médio (Cunha, 1999, p. 36-48).

Temos a intenção de realizar uma releitura do ensino secundário que privilegie alguns dos seus momentos decisivos com o objetivo de contribuir, mesmo modestamente, para sonharmos um país com mais igualdade e democracia. Diversos autores cujas obras versam sobre o ensino secundário não aparecerão citados, o que não significa desconsiderarmos a importância dos seus trabalhos para a compreensão do tema. O impedimento de um exame extensivo e detalhado obrigou-nos à escolha de determinadas análises mais afinadas com nosso objetivo.

O ensino secundário foi introduzido pelos jesuítas na sociedade colonial brasileira há praticamente 500 anos, embora outras ordens religiosas, como os franciscanos, carmelitas e beneditinos, também estivessem realizando em nossa terra um apostolado que privilegiava a educação. Ao dirigirmos nossa atenção para o passado, percebemos uma herança que criou, mediante as instituições pedagógicas e os livros didáticos, de um modo silencioso e poderoso, representações centradas na Europa. É de lá que se definiu uma data, 1500, e um ponto de partida para toda uma trajetória que tem como protagonista o colonizador branco europeu na Terra das Palmeiras ou Pindorama e sua luta contra as sociedades ágrafas aqui existentes. Tornamo-nos território de experimentação das políticas colonizadoras. É nesse contexto que surgem os colégios de ensino secundário, como produtos da missão da Companhia de Jesus no Brasil.

A forma escolar colégio e a dualidade no ensino brasileiro

Os colégios de ensino secundário no Brasil tiveram antecedentes. O nascimento dessa forma escolar, colégio, traz como marca o prestígio da universidade. A origem do colégio está nos pensionatos para bolsistas universitários fundados por alguns generosos benfeitores. Os primeiros colégios datam do século XIII. No século XIV muitos deles adquiriram o hábito de receber pensionistas pagantes entre os bolsistas. Os pensionatos tiveram os favores das famílias e das autoridades universitárias e a função de introduzir ordem e disciplina entre os discentes. É só na segunda metade do século XV que o ensino das Faculdades de Artes deslocou-se para os colégios. Em 1530, os colégios parisienses estão divididos em classes, inventadas pelos Irmãos da Vida Comunal, seus superiores são os "principais", seus horários e disciplinas estão definidos e os estudantes aprendem latim e grego para ler e explicar os principais autores. Este conjunto de elementos, denominado modus parisiensis, serve de modelo tanto para os colégios jesuítas, quanto para os colégios protestantes (Viguerie, s/d, p. 277-278). Ambos vão diferir apenas em aspectos secundários.

Na análise de André Petitat, esses colégios inovam em quatro dimensões: o espaço, o tempo, a seleção de aspectos socioculturais e a estrutura de poder. Quanto ao espaço, os locais dispersos mantidos por professores independentes são substituídos por um prédio único com diversas salas de aula e daí, como decorrência, vieram o controle, a racionalização e a planificação dos estudos, a vigilância dos alunos, a gestão centralizada. O ambiente sugere e favorece uma sistematização do tempo que vai além do planejamento das atividades cotidianas como os mosteiros ensinavam e atinge o conjunto do ensino, criando-se uma gradação sistemática e a divisão das matérias. Essa transformação no espaço e no uso do tempo, acarretando a vigilância do uso dos corpos, das faixas etárias e dos espíritos, é acompanhada de uma ruptura dos conteúdos ensinados. Opera-se a passagem de um programa centrado na lógica e na dialética para um programa voltado para o estudo das belas-letras. A pedagogia do colégio é fundada na escrita. No micromundo dos colégios exercitava-se o poder moderno mediante uma organização burocrática similar à que vai se constituindo no século XVI, em que a ascensão do Estado liquida a autonomia dos senhores e das cidades (Petitat, 1992, p. 144-146).

Os colégios multiplicaram-se com êxito, sobretudo pela ação dos jesuítas e pela sua releitura do modus parisiensis através da Ratio Studiorum. Quais as razões do seu sucesso? Basicamente seu sucesso residiu no fato de serem, ao mesmo tempo, instituições organizadas e regulamentadas com um método moderno de ensino. Foram menos complexas que a Universitas medieval e, portanto, mais funcionais e eficazes para a transmissão dos conhecimentos. Podem-se distinguir nos vários países europeus várias gerações de colégios, criados sobretudo pelos conselhos das cidades. Os colégios jesuítas pertenceram, na França, à terceira geração, e asseguraram a perenidade da fórmula de uma escola como instituição de vida ativa, especializada no catecismo e cujos padres e irmãos não eram obrigados a mendigar para subsistir. Nascidos da universidade, os colégios vão se dividir em duas categorias: os dependentes das universidades e os não-dependentes delas (Viguerie, s/d, p. 278-280).

Os colégios são fundados e na maioria das vezes gratuitos. A fundação toma a forma de um contrato celebrado entre a cidade que o colégio e a congregação religiosa que o recebe. A cidade encarrega-se de assegurar a subsistência dos regentes e a congregação de fornecer o pessoal necessário, mas inúmeras vezes, as cidades endividadas não cumpriram o seu papel nos contratos estabelecidos. Fundados no interesse da cidade, os colégios são reputados como escolas congregacionistas e públicas, abertas aos jovens, mas se o colégio é gratuito, a pensão não o é. Muitas famílias não suportam as despesas de manutenção dos estudantes. Para os que conseguem permanecer, sobretudo os filhos de artesãos, torna-se uma via de ascensão social. O compromisso dos colégios com a juventude era elevá-la à piedade, aos bons costumes e às letras humanas (Viguerie, s/d, p. 285-287).

O Brasil teve os seus primeiros colégios após a chegada dos jesuítas. A sua instalação nos núcleos povoados espalhados pelo país significou, sobretudo, a introdução de uma cultura letrada num ambiente em que a oralidade predominava. Estabelece-se a partir daí o confronto de tempos históricos, de tecnologias intelectuais e formas culturais a elas relacionadas, de formas de pensamento e expressão das vivências da realidade. O império da fé foi construído através de um agudo conflito cultural, vivido como oposição entre bárbaros e civilizados. Uma classe particular de ecologias cognitivas foi lida pelos brancos ocidentais e letrados como primitiva, mágica, irracional, selvagem.

Na oralidade primária o tempo tem uma circularidade cronológica, uma espécie de horizonte de eterno retorno, embora não esteja ausente uma certa consciência de sucessão temporal. A palavra tem como função fundamental gerenciar a memória social, além de constituir-se como expressão pessoal e comunicação da vida cotidiana. Por esse motivo, as tecnologias intelectuais que se desenvolvem têm a função de utilizar ao máximo a memória de longo prazo. Daí a presença da dramatização, da reinvenção (tradução, adaptação e "traição") personalizada dos "casos", o uso de diversos artifícios narrativos e de técnicas mnemônicas que passam pelas danças, pelos rituais, rimas e ritmos de poemas e canções. Suas formas canônicas de saber são as narrativas e os mitos. Os sujeitos pensam através de situações (Lévy, 1999, p. 76-86).

Na cultura letrada, a escrita cria uma prática de comunicação radicalmente nova: os discursos podem ser separados das circunstâncias particulares em que foram produzidos, o que coloca no lugar central da comunicação a interpretação, já que mensagens descontextualizadas e ambíguas começam a circular. Essa forma de comunicar exige um tempo em sucessão, linear. Criam-se novas tecnologias de comunicação, como a impressão que, por sua vez, transforma o modo de transmissão das informações. No século XVI generalizaram-se as apresentações de uma matéria especializada dividida de acordo com um plano que continha sumário, cabeçalhos, índice, tabelas, esquemas, diagramas etc... A impressão permitiu que as diferentes variações de um texto fossem comparadas. É aí que se iniciou a crítica histórica e filosófica, que se estabeleceu a ciência como modo de conhecimento dominante. Suas formas canônicas de saber são a teoria e a interpretação. Os sujeitos pensam através de categorias (Lévy, 1999, p. 87-100).

O enfoque dos colégios sob o ângulo da disseminação da cultura escrita torna mais clara a sua importância, pois se essas instituições não inventaram os livros e mesmo a escrita, sua existência levou a uma mutação decisiva, presente nas sociedades modernas: a escrita deixava de ser apenas um recurso das instituições religiosas, jurídicas e comerciais e se tornava um traço característico de uma classe social em seu conjunto: a burguesia. Para essa classe, a escrita era a possibilidade não só do distanciamento entre a cultura e a vida cotidiana, entre o sujeito e o objeto de conhecimento, mas também de uma distinção dos de "baixo", o que afirmava sua superioridade social (Petitat, 1992, p. 148).

O trabalho dos jesuítas, no seu afã de conversão, na terra recém-descoberta, levou-os a lançarem-se fora de si, mergulhando no universo da oralidade primária, sempre com o intuito de difundir suas convicções religiosas e, junto com elas, as novas tecnologias intelectuais das quais eram portadores. Sofreram resistência dos autóctones. Persistiram. Leram de um modo etnocêntrico suas formas culturais. Impuseram-se! Venceu a cultura letrada, com toda a violência da qual estavam impregnadas as instituições e formas culturais que a difundiram e que incluíram novas definições de tempo, espaço e crenças. Os colégios brasileiros se espraiaram pelo litoral. Seus professores, jesuítas, foram reconhecidos como os primeiros mestres, intelectuais, pesquisadores da nossa terra e da nossa gente. No começo do século XX alguns dos mais famosos colégios organizados por essa congregação, como o Colégio Antonio Vieira, no qual estudou Anísio Teixeira, possuíam laboratórios, e seus professores, investigadores das mais variadas áreas de conhecimento, difundiam as reflexões e seus achados em publicações internacionais.

O momento de implantação dos colégios no Brasil é um momento de verdadeira revolução do espaço mundial, mediante a expansão marítima, comercial e cultural da Europa. "Os colégios em nosso país, no entanto, embora tivessem como referência a universidade européia, não nasceram diretamente dela". Nasceram da política de separação instaurada pela ordem jesuítica entre o ensino de humanidades destinado aos filhos dos colonos mais abastados e o ensino destinado aos indígenas, voltado preponderantemente para a catequese e oferecido nas casas de ensino (Wrege, 1993, p. 11-64; Moura SJ, 1999, p. 15). Decorridos 500 anos sofremos outro momento de expansão em que a economia está internacionalizada e em que novas invenções transformam radicalmente, mais uma vez, a cultura e a comunicação entre os povos. Hoje, tal como ontem, a educação enfrenta o desafio de graves conflitos culturais (Candau, 1998). Ontem, no humanismo renascentista. Hoje, no universo cultural de uma sociedade de informação e comunicação universal, onde a discussão sobre a qualificação abarca um contexto que vai além da indústria e que tem alterado as oportunidades diferenciadas de emprego e de status. Ambos se conectam a situações combinadas de desqualificação, elevação da qualificação e retreinamento em múltiplas e mais amplas competências (Paiva, 1999).

A racionalização contemporânea está ancorada na administração informatizada, que parte de uma visão de conjunto possibilitada pelo computador e não da inovação específica e pontual ou de novos padrões de gerência e organização. Os escritórios, por exemplo, encarnam esse modelo ao concentrar informações, tornar possível planejar o conjunto e racionalizar de cima para baixo. O sentido dessa racionalização indica, dentre outros aspectos, o regresso a padrões pré-meritocráticos de seleção de força de trabalho em situação de ampla disponibilidade de qualificação num mercado cuja crescente exclusão provoca a busca de formas alternativas de inserção no mundo do trabalho. A enorme mudança na vida profissional exige da escola não a especialização, mas que ofereça uma ampla formação geral e desenvolva aspectos psicológicos que permitam não só pensar conceptualmente uma massa crescente de informações de todo o tipo, mas também a expressão clara em múltiplas linguagens (Paiva, 1999, p. 124-125 e 127).

Quer gostemos ou não, quer tenhamos maior ou menor consciência, estamos sofrendo uma revolução tecnológica indescritível. A partir da criação do computador, no final dos anos 40, um grande número de inovações a ele ligadas passou a exigir o concurso de várias áreas do conhecimento científico: matemática, lógica, psicologia cognitiva, neurobiologia e de várias técnicas: eletrônica, telecomunicações, laser. A criação do computador pessoal abriu espaço para a transformação da informática em instrumento de massa para criação, comunicação, simulação. As mudanças na percepção do tempo e do espaço já são perceptíveis. Lidamos, agora, com a segmentação crescente do tempo e, portanto, com a sua contingência. O espaço real é substituído, na rede informático-mediática, pelo espaço virtual. Está diminuindo a pressão para a durabilidade das mensagens. Cada vez mais efêmeras, elas se multiplicam e atordoam a noção do que é essencial. A verdade parece estar sendo substituída pela pertinência e pela eficácia. As formas canônicas do saber estão se transformando em modelos e simulações. Os sujeitos utilizam de forma mais complexa as categorias de pensamento, de forma a ampliar sua característica abstrata e relacional. Quem pode, de fato, prever como as formas de pensar se alterarão ao sabor das velozes transformações da comunicação? (Lévy, 1999, p. 101-129). Por certo ninguém, nos colégios jesuítas aqui instalados há quase 50 anos, anteviu as mudanças que o ensino dessas instituições sofreria e a importância crescente que a informática adquiriu nos processos de aprendizagem dessas instituições na passagem do milênio. Os colégios jesuítas e os instalados no país por outras ordens religiosas, entre os séculos XVII e XVIII, e mesmo por algumas denominações protestantes, já no final do século XIX, continuam ainda hoje sendo sinal de distinção de classe em nossa sociedade.

Com a expulsão dos jesuítas pela política pombalina o ensino secundário passou a ser oferecido em aulas isoladas ou avulsas em todas as províncias, pelo menos até a regência, salvo raras iniciativas, como o Seminário de Olinda, criado em 1798 e fundado em 1800 pelo bispo Azeredo Coutinho, considerado uma ruptura com relação à tradição jesuítica do ensino colonial. Na sociedade imperial, de economia agroexportadora e escravista, onde predomina a vida rural, a política excludente do Estado criou, nas capitais das províncias e do Império, os liceus, destinados aos filhos das classes privilegiadas. Um dos liceus provinciais de maior destaque na sociedade imperial foi o Liceu de Niterói, criado em 1847, dez anos depois do Colégio Pedro II, com o projeto de preparação de quadros para o próprio Estado Imperial, no âmbito da província do Rio de Janeiro. Como analisa Cláudia Maria Costa Alves, a singularidade desse projeto levanta questões sobre a problemática que envolve os liceus do Império e que não é nosso intuito explorar nesta oportunidade. O que nos interessa é enfatizar que, na política imperial, a instrução primária pretendia cumprir um papel civilizador e a instrução secundária se destinaria a formar a elite ilustre e ilustrada, inserida mais plenamente nos atributos de liberdade e propriedade, portadora de privilégios do pequeno círculo que participava do poder de Estado, tanto no nível local, quanto no nível mais amplo do Império (Alves,1992, p. 46 e 67).

O relatório do ministro do Império Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, escrito em 1833, apresenta o que seria o germe do colégio Pedro II (Almeida, 1989, p. 63). Esse Colégio, fruto da transformação do Seminário de São Joaquim, em 1837, e da organização apoiada na experiência lazarista do Colégio Caraça, primeiro em regime de internato e, a partir de 1856, no duplo regime de internato e externato, tornou-se o equivalente público de um ensino secundário considerado de qualidade junto à elite. Aos bacharéis em letras nele formados abriam-se as portas de qualquer faculdade do Império, independente de novas provas (Haidar, 1972, p. 22). Os investimentos materiais e humanos nesse colégio, tanto no Império quanto na República, se é possível sintetizar sem simplificar, foram fruto da concepção de que a força da instrução popular era efeito da cultura das classes superiores da sociedade. Pela sua importância e pela riqueza do trabalho pedagógico aí desenvolvido, que o tornou padrão ideal, já que o padrão real era dado pelos exames preparatórios e parcelados, o Colégio Pedro II vem merecendo pesquisas, que ainda não esgotaram a análise de suas concepções e práticas (Haidar, 1972, p. 95).

Os Liceus Provinciais, alguns dos quais foram criados antes dele, como o Ateneu do Rio Grande do Norte (1835), os Liceus da Bahia e da Paraíba (ambos de 1836), e mesmo colégios particulares como o Caraça (criado em 1820 pelos missionários da ordem de São Francisco de Paula, fechado depois de alguns anos e reaberto em 1856 pelos lazaristas franceses) e o Ginásio Baiano (que funcionou de 1858 a 1871 e contou com a orientação de Abílio César Borges), apenas para citar alguns exemplos, fazem parte dessa história dos colégios no Brasil (Ribeiro, 1979, p. 52 e 61 e Almeida, 1989, p. 172). Nosso intuito, no entanto, ao citar a existência desses colégios, é apenas sinalizar que todas essas iniciativas são representativas de uma forma escolar com um objetivo bem definido: a educação da elite.

Essa concepção permaneceu no país, mesmo com a República, até a promulgação da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961. A reforma Gustavo Capanema, em 1942, que sucedeu a reforma Francisco Campos, de 1931, afirmou a dualidade do ensino ao opor o ensino primário e profissional e o ensino secundário e superior. Dentro dessa dualidade, a função do ensino secundário, como formador dos adolescentes, era oferecer uma sólida cultura geral, apoiada sobre as humanidades antigas e modernas, com o objetivo de preparar as individualidades condutoras, isto é, os homens que assumiriam maiores responsabilidades dentro da sociedade e da nação, portadores de concepções que seriam infundidas no povo.

Os colégios jesuítas e os outros de outras ordens e grupos religiosos que sobreviveram, hoje centenários, adaptaram-se às exigências legais e debatem-se atualmente em crises de identidade e impasses, que colocam em xeque a coerência dos princípios sobre os quais foram erguidos (Nunes, 2000). Mas, entre os colégios de ontem e os colégios de hoje, há todo um percurso que tornou essas instituições, troféu de um ensino privado de elite, ameaçadas pela perda da filantropia e pela demanda crescente de bolsas de uma classe média empobrecida, ao lado de instituições públicas de ensino. Quais os momentos decisivos desse trajeto? O que ele nos revela?

É possível trabalhar esses momentos decisivos em duas dimensões: de um lado, resgatando, mesmo que em grandes linhas e de modo sucinto, a luta pelas concepções do ensino de elite e, de outro, priorizando iniciativas localizadas na direção do rompimento da dualidade, seja no que diz respeito ao acesso, seja no que diz respeito à integração da cultura geral e de uma cultura profissional nos currículos das escolas secundárias.

Uma nova paidéia na formação dos intelectuais?

O debate em torno do tipo de ensino que convinha à elite pode ser deduzido das reformas que o Colégio Pedro II sofreu e que, segundo alguns analistas, revelavam as modificações ocorridas nos liceus franceses (Ribeiro, 1979, p. 60-61). Essas modificações podem ser interpretadas como decorrentes do projeto de formação de uma nova paidéia francesa, imaginada e implementada ao longo dos séculos XVIII e XIX, que colocou a ciência como eixo de uma nova cultura (Braga, 1999). Antes de comentarmos aspectos das reformas pelas quais passou o ensino secundário no império, sobretudo o Colégio Pedro II, procuraremos esclarecer algumas idéias fundamentais dessa nova paidéia.

Ao difundir a ciência, no século XVIII, essa nova paidéia compreendeu-a como a difusão do newtonianismo em sua abordagem da natureza. Um dos precursores desse movimento foi Voltaire, um dos criadores da Enciclopédia. A palavra Encyclopédie vem do grego, significando "círculo da paidéia". Numa alusão ao ideal da paidéia grega, o conjunto de livros da Enciclopédia tinha como objetivo apresentar todo o saber acumulado até o século XVIII a partir da nova racionalidade científica. Ao registrar o saber técnico-científico disponível, muitas vezes restrito a certos grupos, como por exemplo a técnica dos artesãos, a Enciclopédia apontava para a criação de um novo aprendizado da ciência e da própria técnica até então existente. O importante é reter que a Enciclopédia significou um amplo movimento para transformar as técnicas tradicionais em tecnologia e reescreveu, reorganizando, os textos anteriores ao século XVIII, à luz de uma ciência objetiva e com o intuito de transformar o mundo através da técnica entendida como tecnologia (Braga, 1999, p. 26-37).

Tornando-se um dos primeiros divulgadores das obras de Newton, que estudara durante sua fase de exílio na Inglaterra, entre 1726 e 1729, Voltaire passa a defender um projeto de ciência cujo alcance não é apenas filosófico, mas de penetração na formação de todos os homens letrados. Esse projeto só se concretiza com uma nova proposta de formação básica do povo francês idealizada por Condorcet, que via no conhecimento científico dentro da educação um papel essencial. Condorcet representava uma das três correntes iluministas da época. As outras duas eram encarnadas em Montesquieu e Rousseau. Para o primeiro, o essencial - remetendo-se a Fénelon - era a promoção, pela educação, das virtudes morais consideradas necessárias à estabilidade do regime republicano e, para o segundo, o que valia era um reformismo moral sem condições de ser imposto de fora, mas passível de ser estimulado a partir de dentro do indivíduo. Com a vitória da corrente representada por Condorcet, o sistema de formação foi pensado a partir do pressuposto da igualdade de todos no acesso à instrução, mas com a possibilidade da diferenciação assegurada mediante os talentos de cada um. No seu plano, o ensino secundário seria para aqueles que pudessem arcar com os custos de manter um jovem estudando sem trabalhar, com um currículo que incluía matemática, história natural, química, noções de moral, ciências sociais e comércio (Braga, 1999, p. 28-33).

Se Condorcet ocupou-se da formação básica, Gaspard Monge, plebeu de origem e pertencente ao grupo radical dos jacobinos, preocupou-se com a formação dos novos dirigentes, definindo-os como governantes cientistas, não ao estilo de Galileu ou Newton, mas com um caráter mais técnico e empreendedor. Para implementar esse projeto havia a necessidade da criação de novas instituições, uma vez que a Universidade de Paris estava sob o controle dos jesuítas. Dessa forma, destinada à nova elite francesa, criou-se, em 1794, a École Centrale des Travaux Publics, que só no século XIX seria denominada de École Polytechnique. Essa escola tornou-se o lugar privilegiado do encontro de duas culturas que até sua fundação caminhavam paralelas: a científica e a técnica (Braga, 1999, p. 35).

Para que isso ocorresse foram necessárias três rupturas: a primeira, do século XIII, no qual a ordem franciscana tem grande importância por tornar-se um foco de oposição às concepções teológicas medievais e tornar a natureza objeto de estudo dos frades menores, já que Deus se revelava aos homens por meio dela. Com a leitura de alguns textos árabes em Oxford, alguns frades franciscanos puderam desenvolver seus estudos sobre a natureza e, mesmo dentro de uma racionalidade teológica, mudar a abordagem que dela se fazia. Roger Bacon, um frade franciscano, indicou caminhos inovadores do pensamento ao defender a experimentação, embora sua concepção de experimento nada tivesse a ver com a que seria implementada no século XVII. A segunda, nesse mesmo século, com Galileu, cujos estudos representaram a ruptura definitiva com a física aristotélica medieval. Com ele, a natureza passou a ser matemática. Coube a Descartes dar origem a uma linha de investigação matemático-dedutiva enquanto na Inglaterra diversos físicos desenvolveram uma física menos matemática e mais experimental. É com Newton, herdeiro dessa última corrente, que ocorre a terceira ruptura. Ele constrói um corpus teórico no qual funde a Astronomia e a Física e deixa dois programas pujantes de investigação, um baseado na compreensão matemática do cosmo e outro de forte tendência empirista. Nessa segunda vertente o procedimento experimental foi entendido não apenas como observação da natureza, mas como sua manipulação (Braga, 1999, p. 38-49).

A síntese newtoniana difundiu-se na Europa. Para tornar-se hegemônica não bastaria sua irradiação a partir das sociedades científicas. Seria necessário um programa de formação que abarcasse toda a sociedade e que aproximasse de forma intensa o saber de cunho mais teórico que a Física newtoniana representava a um saber mais técnico que passou pela transformação do artesão medieval em engenheiro renascentista e finalmente em engenheiro moderno. Essa passagem, nada trivial, precisa ser sucintamente apresentada. Ela se inicia com a captura dos desenvolvimentos técnicos orientais a serviço do projeto mercantilista (Braga, 1999, p. 50, 59 e 62).

O sistema técnico da sociedade medieval apoiava-se no uso de uma matéria-prima, uma fonte energética e um motor, entendido como conversor de energia em trabalho. No caso, a matéria-prima usada era a madeira, e a energia mecânica obtida, via tração animal, o elemento conversor. Quando a matriz energética animal foi substituída pela água acarretou a ampliação da quantidade de energia disponível e permitiu o aparecimento do moinho d'água. Esse processo de mudança trouxe como conseqüência o uso de diversas máquinas, a mudança nas formas de trabalho do artesão e dos seus locais de trabalho (dos ateliês para as corporações de ofícios nas cidades), além da ampliação de sua importância nessa sociedade. Os ateliês foram espaço de produção de um saber técnico e também um espaço de formação. Esse processo de transmissão de saberes era oral até que apareceram, no século XV, os primeiros cadernos de anotações sobre as técnicas usadas. Teve início então um registro expressivo na história das técnicas, incentivado e consolidado pela invenção da perspectiva. Essa notação, elaborada pelos engenheiros artistas, hoje denominada desenho técnico, foi crucial na elaboração de uma representação geométrica da natureza, abrindo espaço para o surgimento da ciência de Galileu e aproximando um saber de cunho mais teórico e as atividades técnicas. O artesão medieval tornava-se engenheiro renascentista (Braga, 1999, p. 63-66).

A passagem do engenheiro renascentista para engenheiro moderno ocorreu no século XVIII na Inglaterra. Essa ilha, ao contrário do continente, já havia feito a transição para um novo sistema técnico baseado no trinômio carvão, ferro, vapor e buscava a construção de máquinas cada vez mais eficientes, mas essa construção ainda era baseada na acumulação de conhecimentos empíricos ligados à antiga cultura técnica dos ateliês ligados ao poder das cidades. A ascensão dos estados nacionais provocou o declínio da importância dos ateliês e estimulou a criação de novos espaços de elaboração de um novo saber teórico-prático. O exemplo mais sugestivo dessa tendência ocorreu com James Watt na Grã-Bretanha. Aos 21 anos, após um longo aprendizado como fabricante de instrumentos em Londres, retornou à Escócia, sua terra natal, para criar o seu próprio ateliê. Não obteve a licença de estabelecimento e acabou empregado na Universidade de Glasgow, em 1757. De técnico artesão ele passa a professor universitário com contribuições relevantes para o desenvolvimento de máquinas térmicas e, portanto, da Termodinâmica (Braga, 1999, p. 66-68).

Essa passagem ocorreu ao mesmo tempo em que mudavam os problemas com os quais os engenheiros lidavam. Da representação geométrica do mundo, contemplada pelas construções e pelos mecanismos do renascimento, eles se viram envolvidos com a construção de máquinas que exigiram a compreensão de fluxos, movimentos e regulações, e para tanto além dos desenhos eram necessários cálculos que os descrevessem, a invenção de novas ferramentas, dessa vez abstratas, para representar os novos sistemas. Essa nova técnica exigiu as conquistas da ciência e das matemáticas e tal ligação se tornou indispensável com o uso da eletricidade. O afastamento da arte e o abandono da concepção geométrica do cosmo provocaram o nascimento do engenheiro moderno (Braga, 1999, p. 68).

Na França revolucionária, ao final do século XVIII, começam a ser criadas estruturas necessárias para a fundação de uma nova cultura técnica. O grande laboratório dessa mudança foi a École Polytechnique que serviu de modelo para outras escolas de formação tecnológica e também para toda a formação científica dos outros graus de ensino do nascente sistema francês. O curso que oferecia durava três anos e servia não só para encaminhar o aluno para escolas de formação específica como a École des Ponts et Chaussés e a École des Mines, mas também, do ponto de vista político, para legitimar a formação de quadros para o Estado. Os títulos oferecidos por essas escolas tinham valor semelhante aos títulos existentes na antiga monarquia. Desejava-se que a formação demasiadamente específica de ambas fosse substituída por um novo tipo de formação mais ampla e baseada nas ciências, o que veio a ocorrer pela intervenção da geração de matemáticos ligados à revolução (Lagrange, Laplace, Legendre, Carnot, Condorcet e Monge). A engenharia surgia como profissão valorizada e reconhecida pelo comprovante de curso nas escolas autorizadas pelo governo nacional (Braga, 1999, p. 68-70).

O modelo politécnico, ao ser exportado para outros países e para outros níveis de ensino, como o Liceu, carregou o embate entre as duas concepções epistemológicas presentes na sua criação: a formação apoiada nas concepções teórico-matemáticas e outra de base experimental, que buscava matematizar os fenômenos observados na experiência. No Brasil esse modelo foi seguido pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro e pela Escola de Minas de Ouro Preto (Braga, 1999, p. 84). Se essas escolas de nível superior brasileiras sofreram influência direta dessas discussões quer pela formação dos professores, quer pelos livros (Traités e Cours), hoje obras raras que ainda podem ser localizadas na Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da UFRJ, antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro, e na Biblioteca Nacional, as escolas de curso secundário não acompanharam esse debate, pelo menos dessa forma.

A importância do ensino científico nos estudos secundários, nos últimos 30 anos do Império, aparece pelo conflito em relação ao classicismo humanista. Não vamos discutir aqui o complexo e polêmico conjunto de reformas que atingiram (ou não) o Colégio Pedro II e os demais cursos secundários do Império, mas apenas salientar que a atribuição que lhe é dada, já no século XIX, de cultura geral, não aparece como objetivo educativo, mas como nominação de um currículo que é considerado por si mesmo valioso, seja de estudos clássicos ou de estudos modernos. Praticamente destoantes foram as posições que defendiam para o ensino secundário uma finalidade própria e uma variação de oferta de modo a contemplar as diferentes profissões daqueles a quem se destinava, como o fizeram Rui Barbosa e Leão Velloso (Silva, 1969, p. 211-213). De qualquer forma, a mais importante das questões relativas ao ensino secundário, segundo Liberato Barroso, em 1867, era a da sua bifurcação em ensino clássico e ensino especial (Haidar, 1972, p. 121).

Essa bifurcação, na Europa, conciliara as posturas apaixonadas em prol de uma ou outra formação, já que ao lado dos liceus e ginásios de estudos clássicos, criara-se um novo tipo de ensino secundário cujos exemplos mais representativos foram as realschulen alemãs e os liceus de ensino secundário especial franceses. Não visavam diretamente à formação profissional, mas forneciam cultura geral e as bases da formação profissional. Se as primeiras guardavam o ensino desinteressado, característico dos cursos secundários, as segundas mantiveram um caráter híbrido, ambíguo na perspectiva de Durkheim (Haidar, 1972, p. 121).

A solução francesa não encontrava, em nosso país, resistências entre os defensores dos estudos humanísticos. Nas escolas secundárias das províncias, que recebiam nomes diferentes (liceus, colégios, ateneus, ginásios), o ensino limitava-se, lá por volta de 1870, ao estudo das línguas modernas mais usuais e línguas mortas. As noções de Física, Química e outras praticamente não eram ensinadas. Da complexa descrição de avanços e recuos que os analistas do ensino secundário no Império apresentam no sentido de dotá-lo de organicidade no país pode-se deduzir que a estratégia era preparar a mudança geral a partir de modificações introduzidas no Colégio Pedro II. Essas alterações se davam no sentido de enriquecer os currículos secundários, de forma indireta, ou seja, pela ampliação de matérias científicas exigidas nos preparatórios para as faculdades. A presença das ciências foi mais forte na prática discursiva do que na prática pedagógica do próprio Colégio Pedro II e, por extensão, nos demais colégios de ensino secundário. Para chegar a essa conclusão basta examinar as tabelas de estudo do Colégio Pedro II que Maria de Lourdes Mariotto Haiddar apresenta em seu livro e das quais daremos alguns exemplos. Em 1838, num elenco de 21 matérias, 4 são da área das ciências (Aritmética, Geometria, Álgebra, Ciências Físicas e Matemática). Em 1876, o plano de estudos apresenta 18 matérias, sendo 6 da área de ciências (Geografia, Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria, Física e Química e História Natural). Em 1881, o plano de estudos apresenta 20 matérias, 5 da área das ciências (Geografia - noções, geografia física - cosmografia, Aritmética - com Álgebra, Matemáticas elementares, Física e Química, História natural e Higiene) (Haidar, 1972, p. 139-161).

Efetivou-se, portanto, um currículo enciclopédico onde os estudos clássicos predominaram e os estudos científicos, apesar de incluídos, não só eram em menor número mas também apareciam reunidos e condensados durante o curso. Na falta de obras nacionais adotaram-se para o estudo das ciências físicas e naturais, da história e geografia e da filosofia compêndios franceses. A obediência fiel e cega aos livros adotados fazia com que, em 1856, nos programas de geologia, por exemplo, se estudassem as particularidades do terreno parisiense e das formações subapeninas e não o solo brasileiro (Haidar, 1972, p. 117). O enciclopedismo continuou sendo a tônica no Colégio Pedro II, denominado Ginásio Nacional com o advento da República. Sem abolir os estudos clássicos do ensino secundário acrescentaram-se as ciências fundamentais, na ordem lógica de sua classificação por Augusto Comte, mas a sua impossibilidade de execução logo se evidenciou. Apesar da sua inexeqüibilidade, essa reforma constituiu o primeiro passo para uniformizar o ensino secundário particular de todo o país, pela possibilidade de equiparação dos cursos particulares aos do Ginásio Nacional, o que só veio a ocorrer em 1899.

A definitiva preparação do curso secundário como curso regular foi realizada pela reforma Rocha Vaz em 1925. Ela foi antecedida por uma primeira proposta elaborada por comissão presidida por Ramiz Galvão e debatida publicamente por instituições e educadores. Sua promulgação definiu seis anos seriados de estudos para o curso secundário com o intuito de oferecer um preparo geral e fundamental para a vida. "Pela primeira vez se oficializava o ensino secundário como prolongamento do ensino primário".Quem concluía os estudos de seis anos recebia o diploma de bacharel em ciências e letras. Quem realizava cinco anos de estudos tinha direito a realizar exames vestibulares para qualquer curso superior, suprimidos os exames parcelados de preparatórios. Essa lei significou, portanto, a implantação do regime seriado de estudos nos colégios particulares.

Em 1931 a Reforma Francisco Campos reafirmou a função educativa do ensino secundário, elevou a sua duração para sete anos e o dividiu em dois ciclos: o primeiro, de cinco anos, denominado curso secundário fundamental, e o segundo, de dois anos, chamado de curso complementar, subdividido em três especialidades que correspondiam a um dos três grupos de cursos superiores: engenharia e agronomia; medicina, odontologia, farmácia e veterinária; direito. O seu currículo continuou enciclopédico e, no ciclo fundamental, os estudos científicos apresentavam, diferentemente da Reforma Benjamin Constant, na qual houve o predomínio das matemáticas, o domínio das ciências físicas e naturais. O curso complementar de currículo diferenciado quanto à destinação dos alunos também assumia ares de um enciclopedismo especializado. Notamos, na comparação entre essas duas reformas, ecos daquele embate de concepções epistemológicas do programa newtoniano de pesquisas científicas.

A Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, ao lado de outras leis orgânicas que regularam os ensinos industrial, comercial, agrícola e normal, reestruturou o ensino secundário num primeiro ciclo, chamado de ginásio (secundário, industrial, comercial e agrícola) e num segundo ciclo subdividido em clássico e científico. Esse último ciclo, que na Reforma Francisco Campos estivera subdividido em três, passava a constituir-se em dois cursos que não apresentavam do ponto de vista curricular qualquer caráter de especialização. O ensino secundário continuaria, portanto, até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961, um curso de cultura geral e de cultura humanística, com o mesmo sistema de provas e exames previsto na legislação anterior, mantendo a seletividade que seria colocada em xeque pela demanda social, sobretudo nas décadas de 50 e 60 do século XX. Vejamos que motivos levaram à ampliação da demanda pelo ensino secundário e que alternativas pedagógicas surgiram com a abertura que vai proporcionar a LDB de 1961, no sentido de permitir o surgimento de classes experimentais.

O "famoso" exame de admissão e a expansão do ensino secundário

O exame de admissão foi por algumas décadas a linha divisória decisiva entre a escola primária e a escola secundária. Funcionou como um rito de passagem cercado de significados e simbolismos, carregado de conflitos para os adolescentes ainda incapazes de lidar com fracassos (Graça, 1998, p. 45). Não menos importante que o exame de admissão eram o curso preparatório ao exame e o grande livro que, contendo todo o conteúdo a ser averiguado nas provas, era freneticamente manipulado pelos ansiosos estudantes durante um ano, ou alguns meses. Se, em São Paulo, na década de 1950, alguns alunos, como a autora deste artigo, manuseavam o Meu livro de admissão, em Aracaju, como informa Graça, boa parte deles freqüentava a Crestomatia, ambos livros enormes e caros, cuja aquisição resultava em sacrifício para algumas famílias desejosas de matricular seus filhos no ginásio (Graça, 1998, p. 45). O exame de admissão mobilizava os estudantes, seus pais e irmãos. Obter a aprovação nas provas tinha uma importância equivalente à aprovação nos exames vestibulares ao ensino superior. Era uma espécie de senha para a ascensão social.

A seletividade do ensino secundário era agravada por esse exame, pois cada escola secundária organizava seus programas e não os divulgava, de modo que os candidatos e suas famílias não sabiam se o nível de exigência das provas acompanharia o nível do conteúdo da quarta série das escolas primárias. O fracasso nos exames era praticamente inevitável, o que acarretou a disseminação dos cursos de admissão organizados por particulares, mantidos à custa de altas taxas e dificultando condições às populações mais pobres de participar do processo seletivo (Spósito, 1984, p. 64-65).

Se a procura pelo curso secundário ou ginásio acadêmico se intensificou no país desde os anos 30, o mesmo não ocorria com relação ao ensino profissional, particularmente o ensino industrial e o agrícola, cujas matrículas aconteciam em níveis muito baixos, sem esgotar, inclusive, a utilização de toda sua capacidade de matrícula. De modo bastante resumido o quadro seguinte ilustra o argumento apresentado:

Clique aqui para visualizar

Jayme Abreu justificava a preferência da demanda escolar do nível médio pelo ensino secundário através de quatro motivos básicos: era o ramo que desfrutava de maior prestígio como agência de ascensão social, pois, conforme dispunham as Leis Orgânicas, era destinado às individualidades condutoras, enquanto os demais destinavam-se às massas; era a mais acreditada agência de preparo para uma série de atividades em empregos e serviços semiqualificados; era o melhor caminho de acesso ao ensino superior; era, ao lado do ensino comercial, o menos exigente em custos (Abreu, 1961). Para Geraldo Bastos Silva, outros fatores ligados aos anteriores estariam também acarretando a expansão do curso secundário no país: o crescimento demográfico, as exigências de maior escolarização motivadas pelo desenvolvimento brasileiro da industrialização, particularmente sobre a área urbana, e problemas de crescimento e articulação do ensino primário, que acabariam por reverberar no ensino médio (Silva, 1969, p. 301-307).

Num estudo sobre a educação secundária no Brasil, publicado em 1955, Jayme Abreu, utilizando dados do relatório O ensino, o trabalho, a população, a renda - evolução em um decênio, realizado pela CAPES em 1954, verificava que o crescimento de matrículas do curso em questão, no período de 1933 a 1954, atingira 490%. Essa percentagem assumia, ainda, maior significado, quando comparada àquelas que indicavam o crescimento da escola elementar e superior no mesmo período e que seriam respectivamente de 90% e 80% (INEP, 1955a, p.14). No intervalo entre o Estado Novo e o regime militar de 1964 a pressão das populações urbanas, sobretudo das classes médias e operárias, em torno dos líderes políticos populistas obrigava-os a institucionalizar os movimentos reivindicatórios mediante a educação escolarizada, transformando a abertura de ginásios públicos em bandeira de luta nas câmaras estaduais e municipais.

As principais características da expansão do ensino secundário foram, segundo Geraldo Bastos Silva, um acentuado crescimento horizontal, observado pelo simples aumento do número de estabelecimentos, e um significativo crescimento vertical, isto é, a considerável ampliação de matrícula por estabelecimentos, acarretando em algumas situações a superlotação e a criação de novos turnos. Em suma, a expansão desse ensino se fez pelo estabelecimento de ginásios nas localidades onde, anteriormente, o ensino secundário era inexistente; pelo aumento de matrícula nas mesmas unidades escolares e pela criação de novos ginásios em locais onde já havia estabelecimentos de ensino secundário. Tal crescimento provocou a superutilização do professorado e, apesar das medidas destinadas a tornar o magistério secundário um grupo estável e numericamente importante (tais como o registro profissional, a regulamentação das condições de trabalho e a criação das Faculdades de Filosofia), a maior parte dos professores desse nível de ensino utilizava o magistério como ocupação de tempo parcial. O crescimento da rede e das matrículas provocou o crescimento do corpo docente, que passou a ser recrutado por uma série de processos emergenciais.

Na expansão ainda influíram as disparidades regionais e a ação da iniciativa privada. No primeiro caso havia uma correlação altamente positiva entre nível de desenvolvimento econômico-social (expresso em termos de densidade demográfica, taxa de urbanização e percentagem da renda nacional) e maior taxa de benefícios educacionais (expressa em termos de número de matrículas, de estabelecimentos secundários e, conseqüentemente, do índice de alunos médios por 1.000 habitantes, assim como pela percentagem de matrícula média em relação à população de 12 a 19 anos). A região sudeste, em comparação com as demais regiões do país, era a mais beneficiada em termos de educação secundária. Assim é que essa região possuía, em 1960, 60% da matrícula total do ensino secundário, 56,4% do total de estabelecimentos do país, 43,76% da população total, 13,36% de matrícula média em relação à população adolescente. No segundo caso, a ação privada era preponderante nos anos 60, embora não tão marcante quanto nos anos 40, quando perfazia um total de 73,3% em contraposição à atuação pública reduzida a uma percentagem de 26,7%. Ao preencher o vazio da iniciativa pública, os ginásios particulares proliferaram sem que o governo federal tivesse pulso para disciplinar esse crescimento, fixando seu controle em níveis apenas formais.

Estudos históricos mais recentes e localizados sobre os significados da expansão da escolaridade iluminam sob ângulos novos o crescimento do número de cursos secundários nos anos 50. O trabalho de Paula Martini Santos, por exemplo, mostra como no governo de Carlos Lacerda, no então estado da Guanabara, de 1960 a 1965, a expansão escolar pública primária teria sido, também, impulsionadora da expansão das escolas privadas de ensino médio, financiadas e amparadas pelo poder público. A autora comprova essa tese sobretudo pela análise do significado que assume, nesse governo, a obrigatoriedade escolar (Santos, 1994).

Em perspicaz análise, Santos vai mostrando as alterações sutis e decisivas do significado da obrigatoriedade escolar tornando a expansão da escola primária pública uma colaboradora do ensino médio privado. Primeiro a autora realiza uma retrospectiva do sentido da obrigatoriedade escolar nas constituições brasileiras, em algumas versões da LDB produzidas durante sua tramitação e na legislação da Guanabara, assinalando sobretudo o empenho do governo Lacerda em definir parâmetros próprios para a idade escolar. Em seguida, focaliza a disputa sobre a definição do início e do final da idade escolar para o ensino obrigatório envolvendo educadores em polêmicas sobre concepções educacionais e sobre a capacidade ou não do poder público em oferecer vagas a todo o contingente abrangido (Santos, 1994, p. 114-127). Definido esse cenário, mostra o principal, como veremos a seguir.

O decreto 1.083 de 2/7/1962 do governo estadual que normatizava a obrigatoriedade escolar muda o conteúdo que ela tem na legislação federal. Essa obrigatoriedade deixa de referir-se ao nível de ensino, isto é, à escolarização primária, para se referir à faixa etária, isto é, à escolarização em qualquer nível de ensino para aqueles abrangidos pela idade entre 7 e 14 anos. Esse deslocamento do sentido da obrigatoriedade do nível de ensino para a faixa etária passaria a ser festejado como um incentivo à democratização da educação para parcelas maiores da população e em níveis escolares mais altos, mas de fato funcionou como mecanismo que promoveu o repasse das verbas públicas para o setor privado via bolsas de estudo (Santos, 1994, p. 124-126).

O investimento do Banco do Estado da Guanabara financiando bolsas de estudo para as escolas privadas de ensino médio foi significativo durante o governo Lacerda. O total de bolsas financiadas se eleva de 7.761, em 1962, para 45.900 bolsas em 1965. Nesse mesmo período as matrículas da rede pública de ensino médio pouco mais que duplicaram, enquanto as matrículas da rede privada sustentadas por bolsas de estudo multiplicaram-se por quase seis vezes. Em 1962 o percentual de matrículas na rede pública é de 82%, enquanto as bolsas de estudo totalizam 18%. Em 1965, a relação é de 63% na rede pública e de 37% para as bolsas de estudo. O Anuário Brasileiro de Educação 1965-1966 aponta, em 1965, o estado da Guanabara como líder na oferta de bolsas de estudos de ensino médio (49.794 bolsas), seguido de São Paulo (32.338 bolsas) e Rio Grande do Sul (17.300 bolsas) (Santos, 1994, p. 131-133).

Uma das conclusões da autora é que as posturas de Lacerda durante as discussões da LDB e as características da expansão escolar primária e média ocorrida na Guanabara evidenciam uma coerência biográfica que marcou também as relações entre o poder público e o ensino privado locais. A parceria do governo estadual deixou de ser realizada com as escolas particulares de ensino primário, mediante os alunos excedentes, para se consolidar com as escolas que atendiam à clientela do ensino médio (Santos, 1994, p. 138).

A expansão do ensino secundário favorecendo a iniciativa privada convivia com um sério problema: o da eliminação e do retardamento do aluno no sistema regular de ensino. Os índices de retenção e evasão escolar permaneceram elevados nas gerações de brasileiros que se sucederam de três em três anos a partir de 1942. Variavam em torno de 80%. Logo, apenas 20%, ou menos, dos estudantes que ingressavam nos cursos secundários conseguiam completar seus estudos, sem retardamento, e sair dos ginásios realizando exames vestibulares com sucesso. Diante desses dados a conclusão de Geraldo Bastos Silva é a de que as crescentes taxas de ingresso e os altos índices de reprovação e evasão no ensino secundário eram sintomas de um desajuste profundo entre os princípios de escola para elite e a incorporação em seus quadros das classes populares que, se ingressavam na escola, saíam prematuramente, excluídas por motivos de ordem econômica. A função seletiva do ensino secundário estava deteriorada e era fruto de uma escolha irrealista dessas classes.

Em livro publicado em 1980, Escola & Dependência: o ensino secundário e a manutenção da ordem, tivemos a oportunidade de refutar essas explicações. Mostrávamos então que as análises de Silva e de outros estudos sobre o ensino secundário eram concebidas sob a perspectiva das potencialidades da industrialização e seu impacto sobre o subdesenvolvimento, ou seja, a expansão do ensino secundário foi considerada modificação do sistema escolar em decorrência dos impulsos modernizadores e progressistas da industrialização, mas uma outra leitura seria possível se deslocássemos nosso olhar para os seus efeitos excludentes. Usávamos para construir nossos argumentos os próprios dados fornecidos por esse autor (Nunes, 1980a).

Os estudos tradicionais deslocavam para o segundo plano a realidade da escassez do ensino secundário. Se realmente houve o aumento da população em idade escolar no ensino secundário e se este cresceu muito comparado com os demais ramos e níveis de ensino, uma grande parte dos adolescentes ainda permanecia fora da escola secundária, tanto na zona rural quanto nas zonas urbanas. Esse problema no campo era acentuado pela pobreza das populações rurais e pela falta de acesso à escola. Nas zonas urbanas, grandes contingentes da sua população não suportavam as pressões da inflação e do congelamento salarial, constituindo os setores marginais que se ampliavam ao mesmo tempo em que a industrialização se consolidava. Em 1957, de 100 alunos que freqüentavam o nível primário apenas 14 chegavam ao nível subseqüente e, dentre esses, apenas 1% dos indivíduos era proveniente das classes populares, que correspondiam a mais de 50% da população brasileira. As regiões nordeste e sul apresentavam taxas baixas de ingresso no ensino secundário e as regiões norte e centro-oeste, taxas baixíssimas (Nunes, 1980a, p. 51-52).

A explicação para os problemas acarretados pela expansão do ensino secundário nas zonas urbanas mais ricas ficava, a nosso ver, prejudicada por partir do suposto de que a industrialização era sinônimo de progresso econômico-social, de maiores oportunidades de emprego nos setores secundário e terciário da economia, de melhores rendas e, conseqüentemente, de maior liberação do trabalho para a população infanto-juvenil. Em nossa perspectiva, a expansão do ensino secundário era fruto das contradições da política populista e o atraso e a evasão dos alunos revelavam a grave situação econômica de suas famílias. Daqueles que conseguiam nele ingressar, 80% eram forçados a não prosseguir seus estudos e a exercer qualquer tipo de trabalho, a fim de aumentar os insuficientes orçamentos domésticos. Se indiretamente os altos índices de reprovação e evasão mostravam que a procura havia crescido eram também evidência da frustração da crença familiar de que a privação econômica seria cota de sacrifício temporária e necessária para a obtenção da ascensão social (Nunes, 1980a, p. 52).

A escola que representava a oportunidade de ascensão social era o ginásio secundário, procurado não como uma escolha "irrealista" das classes populares como os estudos clássicos insistiam, mas como alternativa lógica, diante de suas expectativas na estimativa que faziam das vantagens relativas aos diferentes tipos de educação. Elas também queriam "o melhor" para os seus filhos, mas não havia escolas suficientes e o ensino secundário foi forçado a expandir-se com o objetivo de conter as tensões sociais geradas por sua incipiente oferta ao lado de outros problemas como a falta de energia, o alto custo dos transportes e dos gêneros alimentícios. A expansão do ensino secundário agravou os seus problemas e, ao invés de conter as tensões, estimulou-as por nem sempre cumprir a exigência postulada de obtenção de um emprego prestigiado e uma boa remuneração profissional (Nunes, 1980a, p. 53).

Em 1984 seria publicado um livro que mostrou com toda a clareza, ao estudar a expansão da escola secundária pública em São Paulo, que esta não era simples resultado da concessão dos poderes públicos, mas fruto da luta das classes populares - quer de modo difuso, quer de modo organizado nos movimentos sociais, indicando que nos anos 50 e 60 elas já constituíam forças novas a serem levadas em conta. O povo vai à escola - a luta popular pela expansão do ensino público em São Paulo, de Marília Pontes Spósito, mostra que, estimuladas pela política populista, as Sociedades de Amigos de Bairros (SABs) conseguiram obter a instalação de vários ginásios estaduais rompendo com as resistências oferecidas por setores do governo, da Assembléia Legislativa, dos educadores e da própria imprensa paulista. Essas Sociedades congregavam a incipiente classe média dos bairros, constituída pelos pequenos comerciantes, funcionários públicos, militares de baixo escalão, professores primários, um ou outro profissional liberal (Spósito, 1984, p. 222).

Uma das características importantes da expansão do ensino secundário público em São Paulo, sobretudo entre 1957 e 1958, é que ele não ocorreu apenas pela construção de novas unidades escolares, mas principalmente pelo aproveitamento mais intenso dos estabelecimentos existentes, através dos cursos noturnos e da abertura de secções. As secções eram desdobramentos, no espaço, dos cursos de certas escolas, que eram instalados em outros estabelecimentos. Essa prática subordinou-se a objetivos diferentes, pois além de permitir a disseminação de novos ginásios contornando dificuldades de ordem legal, facultou ao poder Executivo maior poder de expansão de unidades de ensino secundário, até então prerrogativa da Assembléia Legislativa paulista.

Apesar das sucessivas avaliações negativas das inspeções no que diz respeito às condições materiais e aos recursos didáticos utilizados, à presença de professores lotados a título precário, dos cargos preenchidos sem concurso, da situação irregular das unidades que não alcançavam as mesmas vantagens de um estabelecimento criado para esse fim, esses cursos continuavam funcionando, tendendo a se expandir internamente por meio do constante aumento do número de vagas nas diversas séries do curso ginasial e mediante a instalação de outros cursos como o Colegial e o Normal. Após vários anos de funcionamento algumas escolas conquistaram prédios novos, mas a maior parte manteve suas atividades em prédios de grupos escolares primários da capital (Spósito, 1984, p. 27, 47 e 54-63).

A precariedade das condições de trabalho e da formação de docentes presente na expansão pública do ensino secundário em São Paulo aparecia de fato como o mais grave problema do crescimento desse tipo de ensino no país, atingindo tanto a iniciativa pública quanto a iniciativa privada. A resposta do governo federal a essa situação, comum aos vários estados brasileiros, em meados dos anos 50, foi a criação da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES), pelo Decreto 34.638 de 17/11/1953. Criaram-se também, através de dispositivos administrativos como a Reforma do Regimento da Diretoria do Ensino Secundário, e diversas portarias descentralizadoras de serviço, as Inspetorias Seccionais, com base no artigo 94 da Lei Orgânica, que previa um serviço de inspeção concebida como orientação pedagógica.1 1 O Decreto-Lei 8.535 de 2/1/1946 transformou as antigas divisões do Ensino Secundário, Industrial, Comercial e Superior do Ministério da Educação em Diretorias. A ação da Diretoria do Ensino Secundário está presente em Clarice Nunes (1980a, p. 56-58).

A finalidade da CADES era habilitar professores do ensino secundário em expansão, fornecer instalações adequadas para atender a esse crescimento forçando uma ampliação pelo poder público dos recursos financeiros para tal empreendimento. A atuação das Inspetorias, que se espalharam pelo país, descentralizou gradativamente o serviço da Diretoria de Ensino Secundário a ponto de, no início dos anos 60, o serviço de pessoal e o de orçamento serem a elas confiados, numa frontal oposição à centralização da Reforma Capanema ainda em vigor no país (Nunes, 1980a, p. 56-58).

Para realizar seus objetivos a CADES firmou convênios com entidades públicas e privadas, patrocinando jornadas pedagógicas e cursos de aperfeiçoamento para professores principalmente no interior dos estados brasileiros promovidos pelas Inspetorias Seccionais. Nesse trabalho destacou-se a Inspetoria Seccional de Fortaleza, dirigida por Lauro de Oliveira Lima, que criou textos transformados em instrumentos de trabalho nos vários seminários que dirigiu no interior do Ceará, mas também em Manaus, Belém, Paraíba, Recife, Pernambuco, Juiz de Fora, Londrina, Vitória e até Brasília. Esses textos transformaram-se em livro, considerado pelo próprio autor um guia prático para os educadores empenhados na renovação pedagógica da escola secundária brasileira. Nele explicitava que toda aprendizagem era auto-atividade, apoiando-se na literatura pedagógica difundida no país por Anísio Teixeira e Lourenço Filho, mas ao mesmo tempo definindo como ponto de partida decisivo para a empreitada que se divulgava o livro de Hans Aebli, Didactique Psychologique, por meio do qual tivera contato com a riqueza da obra de Piaget, que veio a difundir no Brasil. O livro de Lauro de Oliveira Lima, A escola secundária moderna - organização, métodos e processos, cuja primeira edição saiu em 1962, foi um grande sucesso de aceitação (Lima, 1962). No mesmo ano do seu lançamento, aliás no mês seguinte, já era publicada a segunda edição, e no início dos anos 70 ainda era lido pelos alunos dos Cursos de Pedagogia em São Paulo.

No final dos anos 50 a expansão do ensino secundário no país havia criado uma situação irreversível que exigia uma intervenção mais decisiva dos poderes públicos. Na cidade de São Paulo, uma das mais importantes do país, a primeira Jornada de Diretores do Ensino Secundário, realizada em 1957 sob os auspícios da Inspetoria Seccional local, solicitava o funcionamento de classes experimentais, o que viria a ser concretizado dois anos mais tarde. Ao final de 1958 o perfil da instrução secundária nessa cidade estava significativamente alterado. O conjunto das iniciativas de Jânio Quadros, uma das suas lideranças populistas mais expressivas, havia criado, como analisa Spósito, condições mesmo que precárias para que parcelas mais amplas das classes populares tivessem acesso ao ginásio. Nessa abertura já estavam contidos elementos importantes para a transformação desse nível de escolarização em mais um degrau da formação comum, obrigatória, mantida pelo Estado e destinada à maioria da população escolar (Spósito, 1984, p. 240).

A abertura para a transformação do ginásio em continuidade do primário estava também sendo, de uma outra forma, incentivada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Mediante convênios com as secretarias e os departamentos de educação dos estados brasileiros, o INEP, sob a direção de Anísio Teixeira, oferecia-lhes auxílio financeiro. Sob pretexto de orientação pedagógica, o INEP propunha-se a equipar escolas de governos estaduais que pudessem oferecer seis anos de escolaridade primária. Anísio Teixeira apontava a possibilidade de o aluno concluinte do curso complementar ao ensino primário (como ficaram conhecidos esses dois anos de estudos adicionais) ingressar na terceira série do primeiro ciclo do ensino médio. Nesse sentido, valia-se da Lei n. 59 de 11/8/1947, sancionada pelo Congresso Nacional, e que autorizava a União a entrar em acordo com os estados para a melhoria do sistema escolar primário, secundário e normal (Nunes, 1999).

Essa proposta de extensão da escolaridade primária, no entanto, apesar de se efetivar em Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, não conseguiu generalizar-se por uma dupla razão. Do ponto de vista psicológico, o ensino primário não alcançava o mesmo prestígio que o ensino médio. Do ponto de vista legal, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases em 1961 viria reforçar esse desprestígio, na medida em que estabelecia como obrigatórias apenas quatro séries de escolaridade primária, apresentando o complementar facultativamente (cap. II, art. 26). Além disso, a conclusão da educação complementar não permitiria o ingresso na terceira série ginasial - como era esperado - mas apenas na segunda, mediante exame das disciplinas obrigatórias da primeira série (art. 36).

Iniciativa mais bem-sucedida na extensão da escolaridade seria realizada pela administração pública paulista, ao final dos anos 60, oferecendo uma nova orientação ao processo de expansão do ensino. O Decreto 50.537, de 1968, regulamentou a existência de 56 unidades de ensino ginasial na capital que já funcionavam como secções de escolas existentes, transformando-as em estabelecimentos autônomos, com direitos legais previamente estabelecidos. O exame de admissão foi unificado no estado a partir de 1/6/1967 e regulamentado por portaria de 28/6 do mesmo ano e a eliminação da disputa de vagas nos ginásios estaduais ocorria mediante a garantia de matrícula a todos os candidatos habilitados pelas provas de seleção.

O importante nessas iniciativas do governo paulista é que ele se antecipava na experiência da implantação de um modelo único de escolarização, estabelecendo praticamente a escola de oito anos e propiciando condições para que essa educação fosse realmente continuidade da formação comum (Spósito, 1984, p. 78 e 240).

Alternativas pedagógicas inovadoras de ensino secundário

Algumas iniciativas, no âmbito do ensino secundário brasileiro, ficaram conhecidas como inovadoras. Essas inovações foram estudadas em dissertações, teses e coletâneas, algumas das quais saíram publicadas nos anos 80. Tomamos inovação no sentido de uma alteração significativa no sistema educacional, que afeta um razoável número de pessoas e que, no nosso país, tem encontrado resistências muito grandes pela intolerância e insensibilidade não só de setores das administrações públicas, mas da própria sociedade que, em certas situações, como veremos, se sente ameaçada diante das possibilidades de mudança (Garcia, 1980). Essas inovações estão presentes na educação brasileira desde os anos 30.

Durante o período republicano, as Escolas Técnicas Secundárias, criadas na cidade do Rio de Janeiro em 1932, ao lado de outras experiências renovadoras da educação brasileira, destacaram-se como alternativas pedagógicas de superação do projeto repartido de educação. Elas surgiam no âmbito de um projeto de modernização que atingiu o Distrito Federal e cuja principal característica foi a ambigüidade emergente de tensão entre inflexões que empurravam a escola para uma real abertura das chances educativas e, ao mesmo tempo, para a formulação de concepções autoritárias das classes populares. A inovação introduzida pelas Escolas Técnicas Secundárias se situa no primeiro pólo (Nunes, 1992). Resgataremos alguns dos seus principais aspectos.

A iniciativa de Anísio Teixeira, então diretor de Instrução Pública da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, de criar as Escolas Técnicas Secundárias se fazia mediante uma justificação doutrinária, presente na crítica que elaborou à Reforma Francisco Campos e na qual afirmava, a partir da premissa da importância do indivíduo sobre o Estado, os seguintes corolários: a defesa da educação comum a todas as crianças pelo maior tempo possível; a ampliação de facilidades educativas para os alunos mais inteligentes; a variedade do sistema educativo para atender às diferenças de capacidades e interesses; a maior aproximação entre escola e pais; uma preocupação mais incisiva com a saúde e a eficiência física de cada indivíduo. Para ele não existiria apenas uma única elite, mas elites parciais em todas as atividades e classes, o que incluiria os trabalhadores intelectuais. A solução de Campos, de formação de uma única elite, parecia-lhe incompleta e perigosa por manter uma concepção dualista de educação: ensino profissional para o povo e ensino secundário para a elite (Nunes, 1991, p. 289-312).

Ele propôs ampliar o ensino secundário, não só articulando-o com o ensino primário e, sempre que possível, com o ensino superior, mas também permitindo entre os seus ramos transferências razoáveis de alunos, o que viria a oferecer às diferentes classes (e ocupações) uma perspectiva de equivalência e identidade de prestígio social. O curso organizado nos moldes da Reforma Campos era, em sua ótica, elitista e forçava o aluno a prosseguir seus estudos em nível superior. Apresentava sugestões: desdobrar os programas de ensino secundário em mais de um ramo, isto é, criar programas laterais e flexíveis com a presença de algumas disciplinas comuns que oferecessem unidade e coesão ao conjunto, tornar a fiscalização mais estimuladora do que punitiva; formar o professor sem dispensar o aspecto científico mas desenvolvendo-lhe a sensibilidade do artista. Um bom docente saberia com profundidade a matéria a lecionar, teria uma apreensão aguda da relação dessa matéria com a vida, o desejo de transmitir conhecimento e uma compreensão simpática e inteligente das dificuldades do aluno e um conhecimento adequado de técnicas e processos que o ajudassem a superá-las.

Com essa concepção incluiu o chamado ensino profissional técnico, mantido pelo sistema primário do governo municipal, no nível secundário, acrescentando aos cursos práticos já existentes cursos de cultura geral exigidos pela legislação federal, o que significava para os alunos abrir a possibilidade da equivalência dos diplomas dessas escolas aos diplomas do Colégio Pedro II e do futuro ingresso em cursos superiores e, para os professores, a equiparação do valor do trabalho docente desenvolvido nas disciplinas de cultura geral ao realizado nas práticas de ofício. A criação das Escolas Técnicas Secundárias exigiu um exaustivo trabalho de reconstrução de programas, métodos, processos de avaliação, conjugado a uma nova política de ingresso na carreira docente e de mecanismos de promoção salarial.

Os Decretos 3.763 de fevereiro de 1932 e 3.804 de abril do mesmo ano permitiram a reorganização das escolas existentes. A primeira a sofrer as modificações previstas foi a Escola Amaro Cavalcanti (mista), que manteve a especialização que possuía ajustada à legislação federal sobre o ensino comercial (Decreto Federal 20.158 de 30/6/1931), mantendo cursos propedêuticos de perito-contador e de auxiliar de comércio. Ensaiou-se nela também a prática do self-government, aprovada pelo Decreto 3.936 de 30/7/1932. Nessa prática parte da gestão escolar era realizada pelos próprios alunos, organizados em conselhos, que decidiam sobre sanções disciplinares, estímulos aos colegas retardatários e atrasados, apoio aos alunos menos ajustados, programas e estudos supletivos, atividades curriculares e extracurriculares.

Os documentos do arquivo Anísio Teixeira no CPDOC dão conta de que essa escola foi palco de conflitos e manifestações que alcançaram a imprensa. Os preconceitos e resistências acabaram esmagando a experiência de autonomia escolar lida por funcionários, professores e familiares dos alunos como indisciplina e afronta à autoridade. No confronto com a atividade dos demais colégios secundários, onde imperavam o ensino formal e a disciplina externa, a experiência do self-government parecia fora de propósito. À medida que as disputas políticas e ideológicas cresceram no Distrito Federal, em meados da década de 1930, essa organização estudantil foi interpretada como um risco às instituições existentes, como instrumento subversivo das gerações mais jovens, o que ganhou uma tonalidade mais viva quando passou a ser associada à apreensão de material de propaganda política nas escolas. Criou-se um clima de perseguição política e pessoal que constituiu a reação mais agressiva a essa obra.

A iniciação de cursos secundários, moldados pela legislação federal, ainda foi possível nos estabelecimentos femininos, como a Escola Paulo de Frontin e a Escola Rivadávia Correia e ainda na Escola Secundária do Instituto de Educação. As demais instituições de ensino profissional tiveram incorporados ao seu currículo antigos cursos complementares anexos, o que permitiu organizá-los em cinco anos de curso secundário geral enriquecidos por matérias como Higiene e Puericultura, além de trabalhos manuais em oficina.

Esse processo de secundarização dos cursos profissionais mostra que seu idealizador não se preocupava em organizar um curso secundário com uma finalidade mais utilitária. Pelo contrário, procurava dar-lhe um conteúdo mais extenso e rico. A intenção foi mesmo a de alargar o conteúdo de cultura geral, recolocando a prática de trabalho como complemento à prática da classe e do laboratório. Em todas as Escolas Técnicas Secundárias eram realizados exames de admissão e alunos reprovados eram autorizados a matricular-se por um ano inteiro nas turmas especialmente criadas em certas escolas da prefeitura, previamente indicadas para essa finalidade, pela Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística. De 1931 a 1934 o número de alunos dessas escolas dobrou de 2.310 para 5.026. Algumas escolas, como a Escola Visconde de Mauá e a Orsina Fonseca, funcionavam como internatos.

Na memória dos ex-alunos que freqüentaram as Escolas Técnicas Secundárias, mesmo em locais urbanos menos valorizados, como o bairro de Santa Cruz, onde estava instalado o matadouro público da cidade e por esse motivo era conhecido como a "área do fedor", elas eram motivo de orgulho, alegria e satisfação. Essa satisfação tinha vários motivos: a beleza e o conforto do local, os excelentes professores, alguns recrutados entre grandes nomes de nossa cultura (Heitor Villa-Lobos e Cândido Portinari, dentre outros, foram professores das Escolas Técnicas Secundárias), as competições esportivas e as festas.

Em 1937, já no Estado Novo, as Escolas Técnicas Secundárias foram reorganizadas por Joaquim Faria Goes Filho, que as tornou cursos intensivos de treinamento profissional para as camadas populares. Seriam portanto descaracterizadas com relação à iniciativa pioneira, implantada em 1932. As Escolas Técnicas Secundárias seriam relembradas nos anos 50 e 60 como inspiradoras de outras propostas instigantes de resgate da imaginação pedagógica e enfrentamento de problemas da rede de ensino (Nunes, 1980b).

Nessas décadas, a insatisfação com o ensino secundário existente e a camisa-de-força representada pela Lei Orgânica em vigor propiciaram movimentos no sentido de quebrar a rigidez curricular da escola secundária, dotando-a com a flexibilidade necessária à introdução de disciplinas práticas e vocacionais. Algumas iniciativas isoladas foram tentadas e ainda são totalmente desconhecidas pela ausência de pesquisas, como a do Colégio Nova Friburgo da Fundação Getúlio Vargas, internato instalado em 1950, com dependências excelentes e cujo objetivo era ministrar uma educação integral orientada no sentido da autodeterminação discente e da iniciação do trabalho social de grupos e equipes (INEP, 1955b, p. 301-303). O primeiro passo registrado na direção de quebra da rigidez curricular pela história da educação brasileira é o da criação das classes experimentais, que surgiram na gestão de Gildásio Amado na Diretoria do Ensino Secundário, em 1959. Baseadas no modelo francês das classes nouvelles, elas apresentavam como objetivo o ensaio de novos currículos, métodos e processos de ensino. Foram instaladas em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, no Ceará, no Espírito Santo, em Pernambuco e na Guanabara entre a data de sua criação e o ano de 1962 (Nunes, 1980a, p. 61-62).

Para não criar incompatibilidade com a linha centralizadora que ainda impregnava o Ministério da Educação foram tomados cuidados transformados em exigências de funcionamento, como: condições favoráveis para o seu estabelecimento (as prioridades eram para os colégios de aplicação das Faculdades de Filosofia e para o Colégio Pedro II), organização inicial para o primeiro ciclo (ficando a ampliação da experiência dependente dos resultados obtidos), autorização da Diretoria do Ensino Secundário ouvido o Conselho Nacional de Educação e regulamentação por ato ministerial. O balanço de sua existência, realizado por Nádia Cunha e Jayme Abreu, levantou algumas objeções: constituíram-se mais em unidades de demonstração do que propriamente de experimentação, logo a denominação dessas classes era equivocada; foram "experiências" localizadas e pouco expressivas do ponto de vista numérico diante do universo das escolas secundárias brasileiras; teria havido ênfase nos problemas metodológicos e destinaram-se, sobretudo, à clientela dos colégios privados e, portanto, a crianças da alta-burguesia e das classes médias (Nunes, 1980a, p. 62). Mediante o projeto de classes experimentais, alguns colégios católicos brasileiros realizaram experiências pedagógicas próximas do escolanovismo, denominadas de educação personalizada, criação de Pierre Faure, que esteve no Brasil diversas vezes entre os anos 50 e 70 (Klein, 1998).

Além das classes experimentais, outras estratégias foram forjadas dentro do Ministério da Educação, transformado numa espécie de "campo de futebol" no qual os jogadores eram as diferentes diretorias existentes e suas equipes técnicas. A metáfora do campo sinaliza um jogo, no qual se dribla o adversário e se chuta a bola em direção ao gol: a modernização do ensino secundário. Estudamos com detalhes esse processo em nossa dissertação de mestrado transformada em livro (Nunes, 1980a, p. 55-82). Apenas nos interessa destacar que, nesse jogo, a Diretoria do Ensino Industrial procurava estender sua influência à Diretoria do Ensino Secundário, solapando gradativamente o poder dos setores conservadores do Ministério da Educação. Outros órgãos internos ao Ministério e certas campanhas também tiveram papel importante nessa jogada, em aliança com a Diretoria do Ensino Industrial, como o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e sua iniciativa de criar os Centros de Educação Complementar e a Campanha Nacional de Educação Rural, que criou os Centros Cooperativos de Treinamento Agrícola. Os momentos decisivos desse jogo, porém, ocorreriam entre 1961 e 1964, quando foram concebidos e criados os ginásios industriais e os ginásios modernos na versão de Gildásio Amado e ainda idealizados os ginásios populares de base profissional por Lauro de Oliveira Lima (Nunes, 1980a, p. 83-123).

Os ginásios modernos nasciam da proposta de secundarização do ginásio industrial, inspirados nas Escolas Técnicas Secundárias criadas por Anísio Teixeira nos anos 30, e pretendiam avançar, além dela, pela oferta de maiores opções de ensino vocacional aos adolescentes. A Lei de Diretrizes e Bases (1961) estava nos seus primeiros dias de aplicação, e apesar de ser a nossa maior lei de equivalência, não era nela que se apoiava o projeto dos ginásios modernos e sim na legislação do ensino industrial.2 2 As Leis de Equivalência, nos anos 50, acabaram tornando-se uma proposta formal, paliativa, de reorganização do Ensino Médio, pois apenas articulavam legalmente o ensino secundário com os demais ramos, abrindo a possibilidade de transferência do aluno de um tipo de ensino a outro, mediante prestação de exame de adaptação, ou de um ciclo de estudo a outro mediante exame de complementação. A primeira Lei de Equivalência, n. 1.076, surgiu em 1950. Dava direito à matrícula no segundo ciclo secundário (clássico ou científico) de alunos concluintes do primeiro ciclo comercial, industrial e agrícola, tendo como exigência a prestação de exames das disciplinas de cultura geral não estudadas nos ciclos técnicos. A Segunda Lei de Equivalência, n. 1.821, data de 1953. Estendeu aos concluintes do primeiro ciclo do ensino normal, dos cursos de formação militar e sacerdotal o ingresso no segundo ciclo secundário conforme o currículo apresentado, tendo como exigência a prestação de “exames de complementação”, por meio dos quais se estabelecia a igualdade de condições entre os alunos isentos, neste caso específico, e os concluintes do clássico ou científico para fins de inscrição em exames vestibulares. Em 1957 surgia a Lei 3.104, que realiza acréscimos na lei anterior e é modificada parcialmente pelo Decreto n. 50.362 de 1961. Até que a Lei de Diretrizes e Bases, em seu artigo 79, estabeleceu a equivalência de todos os cursos de nível médio ao determinar a possibilidade de todos os concluintes do segundo ciclo prestarem vestibular para qualquer curso superior, sem necessidade de complementação. Sua concretização encontrava resistências sobretudo por parte de setores vinculados ao ensino técnico privado. O Plano Trienal chegou a apresentar, dentre seus diversos objetivos, a implantação da rede nacional de Ginásios Modernos que ministrariam cursos da segunda, da terceira e da quarta séries do primeiro ciclo de nível médio, orientados para a educação e o trabalho na proporção de uma unidade para cada 10 concluintes da sexta série complementar (alínea d). Esta ligação do ginásio moderno com a educação complementar já entravava a sua realização, que ficava dependente da ampliação da escolaridade de quatro para seis anos nas zonas urbanas, isto é, do êxito da educação complementar de nível primário (Nunes, 1980a, p. 108).

Quando, em 1963, Lauro de Oliveira Lima assumiu a Diretoria do Ensino Secundário, retomou a proposta que encontrou irrealizada, manteve o nome mas alterou substantivamente sua concepção. Procurou divulgar a idéia de um Ginásio Menor, apoiado no artigo 35 da Lei 4.132 de 1954, Projeto Nestor Jost. Mediante essa proposta, o currículo das duas primeiras séries do primeiro ciclo seria comum a todos os cursos de ensino médio. As vantagens dessa iniciativa seriam: maior prestígio do que o ensino complementar e, portanto, facilitação de sua aceitação, maior possibilidade de entrosamento entre o magistério primário e o secundário, possibilidade de aproveitamento da capacidade ociosa de espaço nos grupos escolares, dentre outros aspectos, mas a idéia não foi concretizada pela resistência do Conselho Federal de Educação que não expediu parecer de aprovação.

Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases o poder de decisão fora transferido do Ministério da Educação para o Conselho Federal de Educação e para as Secretarias Estaduais de Educação, mas Lauro de Oliveira Lima não percebera com clareza essa nova situação. A Lei de Diretrizes e Bases havia permitido a criação de novos cursos e instituiu a flexibilidade curricular, mas um levantamento em âmbito nacional dos cursos secundários existentes no país, realizado pela Diretoria do Ensino Secundário, mostrava que o currículo adotado pela maioria das escolas era estruturado à base de matérias, com predominância para línguas, sendo frágil a presença das ciências (Cunha, 1965, p. 303).

Se no âmbito federal as dificuldades para a implantação de um novo tipo de ginásio cresciam é no âmbito estadual que vai surgir a inovação mais significativa na direção de uma educação secundária integral que conciliasse os estudos humanistas e científicos ao lado de práticas de ofício. Voltamos a São Paulo. A referida inovação ocorreria incentivada pela Reforma do Ensino Industrial paulista, Lei 6.052 de 3/2/1961, regulamentada pelo Decreto 38.643, de 27/6/1961, que criou os Ginásios Vocacionais. Sua instalação principiou em 1962, já com o aval da Lei de Diretrizes e Bases que, aprovada em dezembro de 1961, permitia a criação de escolas experimentais (Nunes, 1980a, p. 118-123).

Os Ginásios Vocacionais ficaram subordinados à Secretaria dos Negócios de Educação do Estado de São Paulo, sob a coordenação da professora Maria Nilde Mascellani. Foram criadas seis unidades. A unidade da capital foi instalada em 1962, ao mesmo tempo que as unidades da cidade de Americana (zona industrializada) e Batatais (zona agrícola). Em 1963 instalaram-se as unidades de Rio Claro (centro ferroviário), Barretos (zona agropecuária) e, em 1968, a unidade de São Caetano do Sul.

A equipe que as implantou fora recrutada entre educadores provenientes de movimentos universitários, católicos militantes ou pedagogos defensores das classes experimentais. Essas diferenças, a princípio, não prejudicaram a proposta a ser implantada. Segundo os Planos administrativos e Pedagógicos dos Ginásios Vocacionais (1968) sua meta era realizar uma forma original de ensino secundário que situasse o adolescente brasileiro no processo histórico de desenvolvimento. Para tanto, duas atitudes deveriam ser desenvolvidas no estudante: a consciência da realidade e a participação em todos os setores da vida social.

Os Ginásios Vocacionais foram definidos como escolas comunitárias, instaladas a partir de sondagens das características culturais e socioeconômicas da localidade, que procuravam executar programas de interesses comuns com outras instituições, particularmente outras escolas primárias e secundárias. Suas linhas diretrizes na condução da prática pedagógica eram a apreensão integrada do conhecimento, o valor do trabalho em grupo, o desenvolvimento de condições de maturidade intelectual e social, o exercício consciente do trabalho, a definição de opções de estudo e ocupações, a disposição para atuação no próprio meio e a descoberta da responsabilidade social.

Essas diretrizes transpareciam no currículo, por exemplo, concebido como um sistema de problemas ou de experiências de interesse comum e social para todos os adolescentes, como um conteúdo cultural que exigia, do educador, a seleção de fatos e situações como resposta a exigências da comunidade e da realidade social mais ampla. Era construído a partir do princípio da apreensão dinâmica e articulada da cultura e de interpretação do processo histórico. A área de maior peso era, portanto, a de Estudos Sociais, que incluía noções de História, Geografia, Economia, Sociologia e Antropologia. Uma ou outra dessas disciplinas poderia ser explorada mais profundamente, dependendo da unidade em estudo. A partir dos Estudos Sociais desenvolvia-se um sistema de relações com as demais áreas: Português, Matemática, Ciências, Física, Biologia, Economia Doméstica, Artes Industriais, Práticas Comerciais e Agrícolas e, conforme o tipo de situação-problema, seriam obtidos diferentes esquemas integratórios.

Esse currículo integrado exigia, para sua execução, a ação articulada de professores, funcionários e demais técnicos. Iniciava-se com pesquisas na comunidade para a instalação dos ginásios. Prolongava-se nas reformulações constantes dos exames de admissão, encarados como ponto de partida para a compreensão global do aluno por parte da equipe educacional, nos planejamentos e avaliações curriculares, realizados bienalmente, no processo de avaliação do trabalho docente e discente e na compreensão de que o planejamento administrativo e o pedagógico não poderiam ser concebidos separadamente.

Esses ginásios foram tão aplaudidos quanto criticados. Alguns os consideravam um equívoco, pois, pensados como possível instrumento de democratização do ensino, haviam-se convertido numa escola elitista. Ao final dos anos 60, sua orientação estava em franca oposição à iniciativa da Secretaria de Educação do Estado no que diz respeito à extensão da educação ginasial à população paulista e passaram até a ser encarados como foco de resistência à implantação de uma filosofia democrática de educação.

Os educadores ligados aos Ginásios Vocacionais foram acusados de não acatar as determinações da Secretaria de Educação no sentido de ampliação do número de alunos e de divulgação, sob a forma de publicações, das atividades que vinham sendo desenvolvidas nessas unidades. As exigências da Secretaria eram vistas como inadequadas, uma vez que a abertura apressada a um número ilimitado de indivíduos não levava em conta os problemas de avaliação e planejamento que desencadeariam a expansão almejada. A divulgação corria o risco de converter-se em modelo a ser reproduzido, o que precisava ser evitado, já que a concepção era a de que cada unidade seria responsável por encontrar soluções próprias diante dos problemas específicos da realidade em que se inseria. Aceitava-se a abertura da inovação num ritmo gradativo, controlado, com o intuito de não descaracterizá-la (Ribeiro, 1980, p. 138-139).

Embora o discurso oficial rotulasse de elitista a orientação filosófico-pedagógica dos Ginásios Vocacionais, o problema do seu caráter seletivo pode ser recolocado se examinarmos essa inovação ao lado de outras realizadas em São Paulo à mesma época, como por exemplo, a da Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo. Em comparação com esta última os Ginásios Vocacionais seriam mais abertos às camadas populares e, portanto, menos seletivos. Em contraposição ao refinamento seletivo da Escola de Aplicação, os Ginásios Vocacionais reelaboravam constantemente os dispositivos de seleção para obter uma representatividade proporcional de todas as classes das comunidades em que estavam instalados. O próprio Serviço de Ensino Vocacional previa em seu orçamento para o ano de 1968 a ampliação do atendimento educativo pela instalação de cursos noturnos de primeiro ciclo e de cursos técnicos de curta duração.

No entanto, não era menos verdade que o fechamento a maiores possibilidades de ingresso ocorreu quando a Secretaria de Educação procurou estender o ensino ginasial a maior parcela da população paulista. Essa contradição aflorou ao mesmo tempo em que as repercussões das mudanças políticas de 1964 tornavam-se mais agudas, contrapondo-se dessa forma a orientação centralizadora da política educacional no país após essa data e a orientação da prática pedagógica dos Ginásios Vocacionais. As pressões de natureza política e administrativa cresceram sobre os educadores que conduziam a experiência e estavam amadurecendo suas reflexões e formando as primeiras turmas. Em resposta, lutaram contra o que entendiam ser a descaracterização da experiência no momento dos seus primeiros frutos, e isolaram-se à mesma época em que sua prática pedagógica ganhava uma amplitude maior como instrumento de reflexão dos problemas das comunidades em que estavam inseridos e na busca de suas soluções.

Esse impasse culminou com a extinção dos Ginásios Vocacionais cuja experiência foi considerada subversiva a partir da grave alteração do quadro político. Outras propostas de renovação do ensino secundário foram retomadas, como os Ginásios Modernos, na versão de Gildásio Amado, que passaram a denominar-se Ginásios Orientados para o Trabalho e, mais tarde, Ginásios Polivalentes.

A primarização do ensino secundário: culminância de um processo

A partir de 1961, numa acepção ampla, ensino secundário, educação secundária, educação de nível médio ou ensino médio referiam-se a todo o tipo de estudos pós-primários no nível de primeiro ciclo (secundário, comercial, industrial, agrícola e normal) e no nível de segundo ciclo (secundário, comercial, industrial, agrícola e normal). Numa acepção restrita, o ensino secundário referia-se ao ramo secundário do primeiro ciclo definido pela Lei 4.024 de 1961, a famosa Lei de Diretrizes e Bases. Essa lei constituiu-se na maior de todas as leis de equivalência surgidas desde meados dos anos cinqüenta, pois permitiu a articulação, pelo menos téorica, entre todos os cursos de grau médio nos dois ciclos, o que valia para a transferência entre os cursos e para o ingresso no ensino superior. Segundo Gildásio Amado, o governo brasileiro, no início da década de 1960, definia uma política articuladora para o ensino médio, incentivando a criação de ginásios integrados. Por admitir grande variedade de cursos, flexibilidade de currículos e facilidades de articulação, essa lei propiciava fundamentos amplos para inovações no ensino secundário (Amado, 1964, p. 28).

Logo depois da abertura à inovação que a Lei de Diretrizes e Bases alimentou, as mudanças políticas de 1964 criaram uma nova situação que pode sucintamente ser caracterizada em alguns aspectos: a tomada do poder pelos militares; o fortalecimento do poder executivo em contraposição do poder legislativo; centralização e modernização da administração pública; reorientação das relações entre as classes sociais através de uma política salarial e trabalhista com o objetivo de acelerar a acumulação do capital e conter o protesto social; a redefinição da política educacional em todos os níveis de ensino.

A modernização dos governos militares separava desenvolvimento econômico de desenvolvimento social, com predominância para o primeiro e estímulo não só à importação de uma tecnologia altamente sofisticada dos centros capitalistas hegemônicos, mas também a uma ajuda externa que viria viabilizar, no país, novas propostas de ensino secundário. O Ministério do Planejamento passou a ter grande poder de decisão sobre os rumos da educação e sobre a condução do processo de reformas pedagógicas, previstas na reorientação do modelo econômico e político. Os educadores que antes de 1964 lutavam pela posse de prestígio político e controle do sistema educacional foram afastados de seus postos (imediata e/ou gradativamente) ou cooptados para colaborar na implementação de um ginásio moderno na linha dos acordos norte-americanos que se propunham a financiar e fornecer assistência técnica ao empreendimento de expansão e melhoria do ensino secundário no país.

A política autoritária adotou com relação ao ensino secundário de primeiro ciclo, entre outras, as metas de expansão das oportunidades educativas e de reformulação curricular. O alvo dessa política educacional de liberação, como denominou Luiz Antonio Cunha (1975), em estudo bastante conhecido, era o controle social. Os novos ginásios criados sob o apoio do regime militar, denominados Ginásios Polivalentes, propuseram-se a superar a dicotomia entre trabalho intelectual e manual, introduzindo práticas de trabalho ao lado de disciplinas de cultura geral. Tentava-se criar a imagem de uma escola não-discriminatória, na qual a preparação técnica e ideológica se fizesse de acordo com o interesse das camadas que nela ingressavam. No entanto, tal inovação sofisticava o processo de seleção interna e dissimulava não só a arbitrariedade da divisão da mão-de-obra, antes mesmo de seu ingresso no mercado de trabalho, como também a transmissão de ideologias legitimadoras da ordem e da paz social.

O processo de gestação dos Ginásios Polivalentes se inicia com a criação de um grupo misto brasileiro-americano que se denominou Equipe de Planejamento do Ensino Médio (EPEM). Inicialmente esse grupo foi composto por quatro especialistas da Universidade da Califórnia (Manfre Schrupp, Rudolf Sando, Hansen e Freidy Mullinix) e quatro técnicos do lado brasileiro (Geraldo Bastos Silva, Peri Porto, Teodolindo Cerdeira e Vicente de Paula Umbelino de Souza). A EPEM iniciou suas atividades em 1966 e em 1969 apresentava a Fundamentação teórica do ginásio polivalente, cujos princípios, como, por exemplo, a introdução dos alunos ao estudo das disciplinas técnicas e de cultura geral, o planejamento conjunto do currículo e a diversidade curricular entre as escolas, seriam encontrados na Lei 5.692/71 que estipulou as bases de reformulação do ensino de primeiro e segundo graus.

Enquanto a EPEM definia as linhas mestras do Ginásio Polivalente, o estado de São Paulo, por volta de 1967, constituía comissão para formular as bases teóricas e práticas de um novo tipo de ginásio: O Ginásio Pluricurricular, criado em caráter experimental pelo Ato 41 de 31/1 do citado ano. Em 1968, 60 unidades estavam instaladas e em 1969 esse número já havia sofrido o acréscimo de 30 unidades, perfazendo o total de 90 estabelecimentos que funcionavam como centros piloto aos quais deveriam se reunir todos os outros estabelecimentos da rede estadual. Esses ginásios apresentavam as mesmas finalidades que os Ginásios Polivalentes e eram semelhantes em aspectos relacionados a estrutura e funcionamento.

De fato, os Ginásios Polivalentes foram herdeiros dos Ginásios Orientados para o Trabalho criados pelo diretor do Ensino Secundário, Gildásio Amado, no Plano de Aplicação de Verbas da Diretoria do Ensino Secundário para 1965 e que previa o montante de Cr$ 2.517.706.000,00 para sua implantação. Essa verba destinava-se à construção de 214 oficinas e salas-ambiente para Artes Industriais, Técnicas Comerciais e Agrícolas, Educação Doméstica e Gabinetes para Ciências Experimentais; aquisição no estrangeiro de oficinas, laboratórios de ciências, física, química, biologia e cursos de treinamento e capacitação docente (Nunes, 1980a, p. 140).

Os Ginásios Polivalentes haviam sido perfilhados pelo Programa Estratégico de Desenvolvimento e a construção de suas unidades coincidia com a fase de retomada de expansão econômica do país nos anos 67 e 68, centralizada no desenvolvimento do setor industrial. Foram financiados pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Social, a União e os Estados Participantes. Em 1968 já haviam sido instaladas aproximadamente 432 oficinas, abrangendo diversas áreas de habilitação em ginásios das redes oficial e particular, situados em Roraima, Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Brasília, Goiás e Mato Grosso (Nunes, 1980a, p. 147).

Eles não constituíram, de um ponto de vista estrito, cópias das escolas polivalentes norte-americanas. Foram um produto híbrido entre a organização e a estruturação de alguns cursos vocacionais em escolas secundárias norte-americanas e o nosso tradicional ginásio secundário, herdando os problemas do primeiro e as deficiências do segundo. Se as deficiências do ginásio tradicional são bem conhecidas, vale explicitar de que problemas se trata quando nos reportamos às escolas polivalentes norte-americanas. Trata-se de: desprestígio, evasão e transferência de alunos em índices expressivos, recrutamento complicado do corpo docente técnico pela competição salarial desigual com as empresas industriais, a defasagem entre os cursos vocacionais e o trabalho produzido na indústria e o decréscimo de verbas a eles destinadas nas despesas nacionais de educação (Venn, 1970).

Alguns estudos de pesquisadores e mesmo de órgãos oficiais avaliaram a experiência dos Ginásios Polivalentes. Os primeiros concluíram pela sua inadequação com relação às aspirações da sua clientela, pelo seu autoritarismo e tecnicismo e os segundos pelo não-cumprimento dos compromissos assumidos em convênio com as Secretarias Estaduais de Educação na maioria dos estados. Os professores se evadiam pelos baixos salários e pela falta de um serviço de supervisão de apoio. O entrosamento entre a educação geral e a formação especial era insatisfatório. Em conseqüência, esses ginásios tiveram sua proposta descaracterizada e voltaram ao ensino tradicional (Carayon, 1987, Leite, 1972).

A Lei 5.892 de 1971 reformularia o ensino de primeiro e segundo graus no país. O aumento no nível de escolaridade do trabalhador definiu o objetivo desse ensino que, além da cultura geral básica, incluía uma educação para o trabalho. "O primeiro ciclo do ensino secundário seria definitivamente incorporado ao ensino de primeiro grau" que, dessa forma, ampliava a obrigatoriedade escolar para 8 anos na faixa etária dos 7 aos 14 anos. "Estavam abolidos os exames de admissão". Do ponto de vista do currículo essa escola se encarregaria de uma educação geral fundamental, de uma sondagem vocacional e iniciação para o trabalho. "Havia sido eliminada a divisão entre ensino secundário e ensino profissional".

Foram necessários praticamente cinco séculos para que o curso secundário se incorporasse definitivamente ao ensino fundamental, e se, hoje, 90% desse ensino está nas mãos do Estado, ainda não podemos afirmar que está irrestritamente generalizado. De 1993 a 1995 as escolas fundamentais brasileiras receberam um aumento de 450 mil alunos, mas ainda temos aproximadamente 2,7 milhões de crianças fora da escola, sobretudo no nordeste. Quem tem acesso à escola fundamental ainda enfrenta o problema da evasão e da repetência (Leal, 1998). Quanto tempo mais será necessário para garantir a qualidade da escola fundamental no país? Diante de tal questão os estudos históricos não apresentam uma resposta. Nessas situações temos uma aguda percepção do alcance limitado das nossas investigações, que por si sós não mudam as práticas educativas e pouco influenciam as políticas públicas, mas que podem contribuir para mudá-las justamente ao procurar fornecer uma compreensão pertinente dos problemas da educação brasileira. No momento em que as comemorações dos 500 anos são incentivadas pela mídia somos levados a relembrar uma advertência pronunciada por Antonio Carneiro Leão em 1923:

Quem assegurará que, de agora a cinqüenta anos, ou mesmo no segundo centenário da nossa independência (2022), a situação da educação popular brasileira não seja ainda parecida com a de hoje?

Mas se tal acontecer, esperemos, para lisonjear a nossa vaidade e recompensar o nosso esforço, que as nossas memórias e as nossas campanhas sejam lembradas... por outros sonhadores... (que) irão, como nós, agora, revolver a poeira dos arquivos, os livros, os folhetos e os jornais...

CLARICE NUNESé doutora em Ciências Humanas/Educação pela PUC-Rio. Professora Titular de História da Educação (aposentada) pela Faculdade de Educação da UFF. Autora de livros, artigos e publicações técnicas em História da Educação. Dentre as mais recentes contribuições, destacam-se: o verbete Anísio Teixeira no Dicionário de Educadores no Brasil (Ed. UFRJ, RJ, 1999); e Anísio Teixeira: a poesia da ação (Ed. EDUSF, SP, 2000). Colaboradora em coletâneas: (Des)encantos da modernidade pedagógica em 500 anos de educação brasileira (Ed. Autêntica, BH, 2000). Consultora, integrante de comitês editoriais e comitês científicos nacionais e internacionais em História da Educação. Atualmente pesquisa temas relativos à Escola Nova, no âmbito da história da educação e formação de professores, no âmbito das políticas públicas. Desenvolve o projeto: Políticas Públicas de formação docente no Rio de Janeiro: o caso de São Gonçalo, com financiamento do CNPq e da FAPERJ. E-mail: claricenunes@openlink.com.br

  • ABREU, Jayme (1961). Escola média do século XX. Um novo fator em busca de caminhos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Rio de Janeiro, v. 36, n. 83, p. 5-26, jun./set.
  • ALMEIDA, José Ricardo Pires, (1989). História da Instrução Pública no Brasil (1500-1889) Tradução de Antonio Chizzotti. São Paulo: EDUC; Brasília: DF/INEP/MEC.
  • ALVES, Claúdia Maria Costa, (1992). Estado conservador e educação no Brasil: o caso do Liceu Provincial de Niterói (1847-1851).In: NUNES, Clarice. O passado sempre presente. São Paulo: Cortez.
  • AMADO, Gildásio, (1964). Ginásio Moderno. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Rio de Janeiro, v. 41, n. 93, p. 17-30, jan./mar.
  • BARROSO, Geraldo, (1999). Memórias da escola pública: o ginásio pernambucano nos anos 50. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo.
  • BRAGA, Marcos Antonio Barbosa, (1999). A nova paidéia: a ciência como princípio educativo na formação do homo-industrialis Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Escola Politécnica e de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • BRASIL. MEC/INEP, (1955a). Campanha de inquéritos e levantamentos do ensino médio e elementar (CILEME) Rio de Janeiro, n. 9.
  • BRASIL. MEC/INEP/CILEME, (1955b). O sistema educacional fluminense Rio de Janeiro, publicação 6.
  • CANDAU, Vera Maria, (1998). Mudanças culturais e redefinição escolar: tensões e buscas. Contemporaneidade e Educação. ano 3, n. 3, p. 14-27, mar.
  • CARAYON, Elza Marie Petruceli, (1987). A educação para o trabalho no ensino de primeiro grau: em busca de sua gênese. Dissertação de Mestrado. Fundação Getúlio Vargas/Instituto de Estudos Avançados em Educação.
  • CUNHA, Luiz Antonio, (1975). Educação e desenvolvimento social no Brasil Rio de Janeiro, Francisco Alves.
  • _____, (1999). 1997 repete 1937? Unificação e segmentação no ensino brasileiro. Anais - Um olhar para o mundo. Contemporaneidade de Anísio Teixeira Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • CUNHA, Nádia, (1965). Currículo ginasial secundário no Brasil depois da LDB. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Rio de Janeiro, v. 44, n. 100, p. 294-308, out./dez.
  • GARCIA, Walter E., (1980). Inovação educacional no Brasil: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez Editora e Autores Associados.
  • GRAÇA, Tereza Cristina Cerqueira da., (1998). Pés-de-anjo e letreiros de neon: ginasianos na Aracaju dos anos dourados. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Sergipe.
  • HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto, (1972). O ensino secundário no império brasileiro. São Paulo: Grijalbo, EDUSP.
  • KLEIN SJ, Luís Fernando, (1998). Educação personalizada: desafios e perspectivas. São Paulo: Loyola.
  • LEAL, Maria Cristina Leal, (1998). Educação brasileira nos anos 90. A busca da adequação à ordem social globalizada. Ensaio Rio de Janeiro, n. 20, p. 385-404, jul./set.
  • LEÃO, Antonio Carneiro, (1923). Os deveres das novas gerações brasileiras Sociedade Editora de Propaganda dos Países Americanos (Editora de "O Economista").
  • LEITE, Denise Meyer das Chagas, (1972). Os GOTs: um conflito entre sua filosofia e sua clientela. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
  • LÉVY, Pierre, (1999). As tecnologias da inteligênciaSão Paulo: Editora 34.
  • LIMA, Lauro de Oliveira, (1962). A escola secundária moderna: organização, métodos e processos. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura.
  • MOURA SJ, Laercio Dias de., (1999). As escolas católicas no Brasil: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro, mimeo.
  • NUNES, Clarice, (1980a). Escola & dependência: o ensino secundário e a manutenção da ordem. Rio de Janeiro: Achiamé
  • _____, (1980b). A iniciação profissional do adolescente nas Escolas Técnicas Secundárias na década de trinta. Forum Educacional Rio de Janeiro v. 4, n. 3, p. 21-44, jul./set.
  • _____, (1992). História da educação brasileira: novas abordagens de velhos objetos. Teoria & Educação Porto Alegre, n. 6, p. 151-182.
  • _____, (1999). Anísio Teixeira na análise crítica e proposição de formulação das políticas públicas do seu tempo. Niterói, mimeo.
  • _____, (2000a). Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista, EDUSF, n. 2.
  • _____, (2000b). Quinhentos anos de educação brasileira: o passado como provocação Rio de Janeiro, mimeo.
  • PAIVA, Vanilda, (1999). Nova relação entre educação, economia e sociedade. Contemporaneidade e Educação, ano 4, n. 6, segundo semestre, p. 120-149.
  • PETITAT, André, (1992). Entre história e sociologia. Uma perspectiva construtivista aplicada à emergência dos colégios e da burguesia. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 6, p. 138-150.
  • PINHEIRO, João Eudes, (s/d). Educação, autoritarismo e tecnicismo: O Premen no Espírito Santo. Pesquisa histórica: retratos da educação no Brasil, Rio de Janeiro: UERJ/Publicação do GT de História da Educação da ANPEd, Rio de Janeiro.
  • RIBEIRO, Maria Luiza Santos, (1979). História da educação brasileira. São Paulo: Cortez e Moraes.
  • _____., (1980). O colégio vocacional Oswaldo Aranha em São Paulo. In: GARCIA, Walter. Inovação educacional no Brasil: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez Editora e Autores Associados.
  • ROMANELLI, Otaíza, (1978). História da educação no Brasil: 1930/1973 Petrópolis: Vozes.
  • SANTOS, Paula Martini, (1994). A expansão escolar pública primária e seus significados no estado da Guanabara durante o governo Carlos Lacerda (1960-1965). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense.
  • SILVA, Geraldo Bastos, (1969). A educação secundária: perspectiva histórica e teoria. São Paulo: Editora Nacional.
  • SPÓSITO, Marília Pontes, (1984). O povo vai à escola: A luta popular pela expansão do ensino público em São Paulo. São Paulo: Loyola.
  • VENN, Grant, (1970). O homem, a educação e o trabalho Rio de Janeiro: MEC/DEI.
  • VIGUERIE, Jean, (s/d). Os colégios em França.In: VIDAL, Jean e MIALARET, Gaston. História mundial da educação Lisboa: Rés Editora Ltda.
  • WEREBE, Maria José, (1968). Grandezas e misérias do ensino no Brasil São Paulo, Difel.
  • WREGE, Rachel Silveira, (1993). A educação escolar jesuítica no Brasil-Colônia: uma leitura da obra de Serafim Leite - História da Companhia de Jesus no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas.
  • 1
    O Decreto-Lei 8.535 de 2/1/1946 transformou as antigas divisões do Ensino Secundário, Industrial, Comercial e Superior do Ministério da Educação em Diretorias. A ação da Diretoria do Ensino Secundário está presente em Clarice Nunes (1980a, p. 56-58).
  • 2
    As Leis de Equivalência, nos anos 50, acabaram tornando-se uma proposta formal, paliativa, de reorganização do Ensino Médio, pois apenas articulavam legalmente o ensino secundário com os demais ramos, abrindo a possibilidade de transferência do aluno de um tipo de ensino a outro, mediante prestação de exame de adaptação, ou de um ciclo de estudo a outro mediante exame de complementação. A primeira Lei de Equivalência, n. 1.076, surgiu em 1950. Dava direito à matrícula no segundo ciclo secundário (clássico ou científico) de alunos concluintes do primeiro ciclo comercial, industrial e agrícola, tendo como exigência a prestação de exames das disciplinas de cultura geral não estudadas nos ciclos técnicos. A Segunda Lei de Equivalência, n. 1.821, data de 1953. Estendeu aos concluintes do primeiro ciclo do ensino normal, dos cursos de formação militar e sacerdotal o ingresso no segundo ciclo secundário conforme o currículo apresentado, tendo como exigência a prestação de “exames de complementação”, por meio dos quais se estabelecia a igualdade de condições entre os alunos isentos, neste caso específico, e os concluintes do clássico ou científico para fins de inscrição em exames vestibulares. Em 1957 surgia a Lei 3.104, que realiza acréscimos na lei anterior e é modificada parcialmente pelo Decreto n. 50.362 de 1961. Até que a Lei de Diretrizes e Bases, em seu artigo 79, estabeleceu a equivalência de todos os cursos de nível médio ao determinar a possibilidade de todos os concluintes do segundo ciclo prestarem vestibular para qualquer curso superior, sem necessidade de complementação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2000
    ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: rbe@anped.org.br