Acessibilidade / Reportar erro

A importância de ácido láctico na enxaqueca e na fibromialgia Estudo feito no Serviço de Neurologia, Cardiologia e Reumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.

Resumo

Introdução:

O ácido láctico é um subproduto do metabolismo muscular e do sistema nervoso central. As alterações no metabolismo estão relacionadas com diversas condições fisiológicas e patológicas. O objetivo deste estudo foi determinar a relação entre a enxaqueca e a fibromialgia com os níveis de ácido láctico no sangue.

Métodos:

Foram estudados 93 pacientes, divididos em cinco grupos: 1) fibromialgia (n = 20); 2) enxaqueca episódica (n = 20); 3) enxaqueca crônica (n = 20); 4) fibromialgia e enxaqueca episódica (n = 13); e 5) fibromialgia e enxaqueca crônica (n = 20), além de 20 indivíduos saudáveis (grupo controle). Os níveis sanguíneos de ácido láctico foram medidos em quatro momentos : em repouso, durante o exercício aeróbico, durante a atividade física anaeróbica e durante o descanso depois do exercício anaeróbico.

Resultados:

O ácido láctico aumentou em todos os grupos durante a atividade física anaeróbica, sem predominância em qualquer grupo. Durante a atividade física aeróbica, todos os grupos apresentaram um aumento nos níveis de ácido láctico, mas esse aumento foi mais expressivo nos grupos de enxaqueca crônica e enxaqueca crônica com fibromialgia, sem significância estatística.

Conclusões:

Não foram encontradas anormalidades que envolvessem o metabolismo do ácido láctico na enxaqueca episódica e crônica, na presença ou não de fibromialgia.

Palavras-chave
Enxaqueca crônica; Enxaqueca episódica; Ácido láctico; Fibromialgia

Abstract

Background:

Lactic acid is a byproduct of both muscle metabolism and the central nervous system. Changes in metabolism are related to various physiological and pathological conditions. The aim of this study was to determine the relationship between migraine and fibromyalgia with the levels of lactic acid in the blood.

Methods:

We study 93 patients divided into five groups: (1) patients with fibromyalgia (n = 20); (2) episodic migraine (n = 20); (3) chronic migraine (n = 20); (4) fibromyalgia and episodic migraine (n = 13); and (5) fibromyalgia and chronic migraine (n = 20), and 20 healthy subjects (control group). Blood levels of lactic acid were measured at four different time points: at rest, during aerobic exercise, during anaerobic physical activity and while resting after anaerobic exercise.

Results:

Lactic acid increased in all groups during anaerobic physical activity without predominance for either group. During aerobic physical activity, all groups increased lactic acid levels, but the increase was more expressive in the chronic migraine group and the chronic migraine with fibromyalgia group without statistical significance.

Conclusions:

We did not found abnormalities involving the metabolism of lactic acid in episodic and chronic migraine with or without fibromyalgia.

Keywords
Chronic migraine; Episodic migraine; Lactic acid; Fibromyalgia

Introdução

A enxaqueca é uma doença neurológica crônica com alta prevalência e impacto severo na qualidade de vida do paciente. Esse transtorno tem características genéticas que modulam uma disfunção na atividade elétrica do encéfalo. Essa condição neurológica é caracterizada por episódios recorrentes de cefaleia com propriedades latejantes unilaterais e uma gravidade moderada a forte que piora com a atividade física. Essa deterioração está associada a vômitos, náusea, fotofobia e fonofobia.11 Sanchez-Del-Rio M, Reuter U, Moskowitz MA. New insights into migraine pathophysiology. Curr Opin Neurol. 2006;19:294-8.,22 Headache Classification Subcommittee of the International Headache Society: The International Classification of Headache Disorders. Cephalalgia. 2004;24:9–160.

Podem-se observar diversas alterações bioquímicas durante e entre as crises de enxaqueca. Os níveis de ácido láctico, por exemplo, podem estar alterados, apresentar um aumento em comparação com os pacientes com cefaleia do tipo tensional e controles saudáveis.33 Okada H, Araga S, Takeshima T, Nakashima K. Plasma lactic acid and pyruvic acid levels in migraine and tension – Type headache. Headache. 1998;38:39-42. Esses dados sugerem que os pacientes com enxaqueca têm uma anormalidade no metabolismo mitocondrial. Demonstrou-se que os níveis de lactato dentro do córtex occipital visual são elevados em pacientes com enxaqueca durante o período interictal, o que poderia sugerir a presença de glicólise anaeróbica nas regiões corticais.44 Watanabe H, Kuwabara T, Ohkubo M, Tsuji S, Yuasa T. Elevation of cerebral lactate detected by localized 1H-magnetic resonance spectroscopy migraine during the interictal period. Neurology. 1996;47:1093-5. No entanto, outros estudos não confirmaram essas alterações e, assim, não apoiam essa hipótese.55 Reyngoudt H, Paemeleire K, Dierickx A, Descamps B, Vandemaele P, DeDeene Y, et al. Does visual cortex lactate increase following photic stimulation in migraine without aura patients? A functional (1)H-MRS study. J Headache Pain. 2011;12:295-302.

O ácido láctico normalmente aumenta durante a atividade física de alta intensidade e está relacionado com um declínio na força muscular e geração de dor durante o exercício.66 Jeremy MB, Tymoczko JL, Stryer L. Glicose e gliconeogênese. In: Jeremy MB, Tymoczko JL, Stryer L, editors. Bioquímica. Riode Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 437–77.

7 Marieb E, Hoehn K. Músculo e tecido muscular. In: Marieb E,Hoehn K, editors. Anatomia e fisiologia. Porto Alegre: Artmed; 2009. p. 246–83.
-88 Gibson H, Edwards RH. Muscular exercise and fatigue. Sports Med. 1985;2:120-32.Além disso, o aumento no ácido láctico observado durante o exercício demonstrou desencadear crises de enxaqueca com aura.99 Hafen G, Laux-End R, Truttmann AC, Schibler A, McGuigan JA, Peheim E, et al. Plasma ionized magnesium during acute hyperventilation humans. ClinSci (Lond). 1996;91:347-51.,1010 Ramadan NM, Halvorson H, Vande-Linde A, Levine SR, Helpern JA, Welch KM. Low brain magnesium in migraine. Headache. 1989;29:590-3. Apesar dessa relação causal, o ácido láctico não é considerado uma substância algogênica.1111 Teixeira MJ. Fisiologia. In: Teixeira MJ, editor. Dor: Conceitos Gerais. São Paulo: Limay Editora Ltda; 1994. p. 8–20.

A fibromialgia é uma condição de dor crônica de etiologia desconhecida, caracterizada por dor muscular espontânea generalizada e sensibilidade à palpação. Os critérios diagnósticos usados para a fibromialgia vêm do American College of Rheumatology de 2009 e 2010.1212 Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennett RM, Bombardier C, Goldenberg DL, et al. The American College of Rheumatology 1990. Criteria for the Classification of Fibromyalgia Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum. 1990;33:160-72.,1313 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Kazt RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology. Preliminary diagnostic criteria for fibromyalgia and measurement of symptom severity. Arthritis Care Res. 2010;62:600-10. A fibromialgia também pode apresentar comorbidades, como distúrbios psiquiátricos e outras síndromes dolorosas. A correlação entre a fibromialgia e a enxaqueca varia de 22 a 50% dos casos.1414 Ifergane G, Buskila D, Simiseshvely N, Zeev K, Cohen H. Prevalence of fibromyalgia syndrome in migraine patients. Cephalalgia. 2006;26:451-6. Essa associação contribui para uma diminuição na qualidade de vida dos pacientes e aumenta a presença de comorbidades. Na literatura médica ainda não há relação fisiopatológica estabelecida entre esses dois transtornos.

Os pacientes com fibromialgia podem apresentar níveis elevados de ácido láctico em repouso1515 Gerdle B, Soderberg K, Salvador Puigvert L, Rosendal L, Larsson B. Increased interstitial concentrations of pyruvate and lactate in the trapezius muscle of patrients with fibromyalgia: a microdialysis study. J Rehabil Med. 2010;42:679-87.,1616 Norregaard J, Bulow PM, Mehlsen J, Danneskiold-Samsøe B. Biochemical changes in relation to a maximal exercise test in patients with fibromyalgia. ClinPhysiol. 1994;14:159-67. ou durante a atividade física aeróbica.1717 Mciver KL, Evans C, Kraus RM, Ispas L, Sciotti VM, Hickner RC. NO-Mediated alterations in skaletal muscle nutritive blood flow and lactate metabolism in fibromyalgia. Pain. 2005;120:161-9. No entanto, outros estudos mostram que as mudanças na glicólise e no ácido láctico em repouso ou durante a atividade física foram leves entre pacientes com fibromialgia.1818 Mengshoel AM, Saugen E, Forre O, Vøllestad NK. Muscle fatigue in early fibromyalgia. J Rheumatol. 1995;22:143-50.,1919 Eisinger J, Platamura A, Ayayou T. Glycolisis abnormalities in fibromyalgia. J Am Coll Nutri. 1994;13:144-8.

A proporção de produção de ácido láctico em pacientes com enxaqueca e fibromialgia, bem como a influência desse metabólito na fisiopatologia dessas doenças, é controversa ou inexistente. O objetivo deste estudo é determinar se há mudanças no metabolismo do ácido láctico na enxaqueca episódica ou crônica, com ou sem fibromialgia associada.

Pacientes e métodos

Foram selecionados pacientes do ambulatório de cefaleia que apresentavam enxaqueca crônica e episódica que também tinham fibromialgia e pacientes com apenas fibromialgia do ambulatório de reumatologia. Todos os pacientes com enxaqueca crônica e episódica preencheram os critérios propostos pela International Headache Society Classification (IHS-2004).22 Headache Classification Subcommittee of the International Headache Society: The International Classification of Headache Disorders. Cephalalgia. 2004;24:9–160. Os pacientes com fibromialgia atenderam a todos os critérios da American Society of Rheumatology (versão 2009).1313 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Kazt RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology. Preliminary diagnostic criteria for fibromyalgia and measurement of symptom severity. Arthritis Care Res. 2010;62:600-10.Para o grupo controle, foram recrutados funcionários do corpo clínico do Hospital de Clínicas da Universidade do Paraná. Todos os pacientes e controles foram submetidos a uma pesquisa clínica e laboratorial para descartar doenças silenciosas, como diabete, insuficiência renal, doença hepática, doenças pulmonares e doenças cardíacas.

Medicamentos

Parte dos pacientes usava continuamente um ou mais dos seguintes medicamentos: inibidores seletivos da recaptação da serotonina (n = 23), antidepressivos tricíclicos (n = 20), inibidores do receptor seletivo de serotonina, norepinefrina e dopamina (n = 5), antipsicóticos/bloqueadores de dopamina (n = 6), benzodiazepínicos (n = 14), indutores do sono (n = 1), relaxantes musculares (n = 19), fármacos anti-inflamatórios (n = 9), antimaláricos (n = 2), anti-histamínicos para alergias (n = 4), estatinas (n = 3), bloqueadores da bomba de prótons (n = 6), anticonvulsivantes (n = 10), inibidores da enzima de conversão da angiotensina (n = 10), diuréticos (n = 10), anticoagulantes por via oral (n = 1), alendronato (n = 1), levotiroxina (n = 15), metformina, insulina e orlistat (n = 4).

Sintomas durante o teste

Em pacientes com fibromialgia, os testes foram feitos apesar dos sintomas musculares dolorosos. Os pacientes com enxaqueca episódica fizeram o teste somente se estivessem fora de crise de cefaleia por pelo menos cinco dias. Os pacientes com enxaqueca crônica foram testados durante os períodos de menor intensidade de cefaleia.

Teste ergométrico

Os pacientes foram submetidos a teste ergométrico com uma esteira, incrementos progressivos de esforço e o software MicromedErgoPC 13. Inicialmente, os pacientes foram submetidos a um eletrocardiograma em repouso (fase inicial de controle), seguido de exercícios com uma duração média de 30 minutos. A esteira estava em uma posição plana, iniciava a velocidades de 2 mph e com um aumento de 1 mph a cada minuto até atingir 9 mph. O teste foi dividido em diferentes fases: exercício aeróbico, exercício anaeróbico e descanso pós-exercício. Para diferenciar entre o exercício aeróbico e o anaeróbico, foi usada a fórmula de Karvonen (220 menos a idade do indivíduo = frequência cardíaca máxima para a idade). Considerou-se atividade metabólica aeróbica quando a frequência cardíaca estava entre 50 a 69% do valor predito encontrado na fórmula de Karvonen para a idade e exercício anaeróbico quando a frequência cardíaca estava entre 70% e 85% do máximo previsto. Todos os indivíduos mantiveram o exercício na frequência cardíaca necessária por pelo menos três minutos1919 Eisinger J, Platamura A, Ayayou T. Glycolisis abnormalities in fibromyalgia. J Am Coll Nutri. 1994;13:144-8..Todos os indivíduos foram considerados sedentários.

Determinação de ácido láctico

Determinou-se a concentração de ácido láctico por amostras de sangue capilar obtidas por uma punção transdérmica da pele do dedo indicador esquerdo em quatro momentos: 1) Inicial em repouso antes do exercício; 2) Após 10 minutos de atividade aeróbica; 3) Após 3 minutos de atividade anaeróbica; e 4) Após 6 minutos de descanso depois do exercício anaeróbico. Colocou-se uma gota de sangue sobre uma tira reagente específica (Roche Diagnostics Brasil), que foi introduzida em um aparelho para a fotometria de reflectância (Accutrend Lactate, Roche Diagnostica, Brasil), que determinava automaticamente os níveis de ácido láctico.

Ética

Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento informado. Os procedimentos descritos neste estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.

Análise estatística

Além da estatística descritiva, usaram-se o teste t para amostras independentes (homogeneização dos casos) e o teste U de Mann-Whitney para comparar os níveis de ácido láctico nas diversas fases do estudo (p < 0,05 para estatística significância). Para confirmar os resultados, foi aplicado o teste de Bonferroni. A análise estatística e os gráficos foram feitos com o software SPSS versão 11.0 (Chicago, IL).

Resultados

Pacientes

Os pacientes do estudo foram agrupados por idade, peso, altura e índice de massa corporal (IMC). Todos os indivíduos e os controles eram do sexo feminino. Os pacientes foram divididos em seis grupos: Grupo I – Indivíduos saudáveis que não usavam medicação (n = 20); Grupo II – Pacientes com apenas fibromialgia (n = 20); Grupo III – Pacientes com enxaqueca episódica única (n = 20); Grupo IV – Pacientes com apenas enxaqueca crônica (n = 20); Grupo V – Pacientes com fibromialgia mais enxaqueca episódica (n = 13); e Grupo VI – Pacientes com fibromialgia mais enxaqueca crônica (n = 20) (Tabela 1). Todos os grupos foram semelhantes e não houve diferença estatisticamente significativa entre eles em relação a idade, peso, altura e índice de massa corporal (IMC) (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos pacientes dos grupos controle, fibromialgia e enxaqueca

Níveis sanguíneos de ácido láctico

O ácido láctico foi medido em 113 casos em quatro ocasiões (452 análises): fase inicial, fase aeróbica, fase anaeróbica e fase de descanso pós-atividade física. A média do ácido láctico de todos os grupos apresentou uma elevação durante a atividade anaeróbica e manteve-se elevada durante o período de descanso. A comparação do nível de ácido láctico de todos os indivíduos na fase inicial (2,70 + 1,32 mmol/L) com a fase anaeróbica (3,81 + 1,81 mmol/L) apresentou um aumento significativo (p = 0,0001). O nível de ácido láctico na fase inicial em comparação com o descanso pós-exercício (3,28 + 1,34 mmol/L) também foi significativo (p = 0,001). O ácido láctico da fase aeróbica também aumentou (3,01 + 2,20 mmol/L), mas não foi significativamente diferente do valor inicial (p = 0,125) (Fig. 1).

Figura 1
Níveis de ácido láctico e resposta ao tipo de exercício em 113 casos do sexo feminino (20 controles; 20 fibromialgia; 20 enxaqueca episódica; 20 enxaqueca crônica; 13 enxaqueca episódica mais fibromialgia; e 20 enxaqueca crônica mais fibromialgia).

Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa nos valores após os exercícios aeróbicos quando comparados com a fase inicial em todos os grupos. O exercício anaeróbico aumentou o ácido láctico em comparação com os valores iniciais no grupo controle (p = 0,0001), grupo fibromialgia (p = 0,0001) e grupo enxaqueca crônica (p = 0,008). Na fase de descanso pós-exercício, o ácido láctico permaneceu elevado no grupo controle (p = 0,008) e no grupo fibromialgia (p = 0,003). Nos grupos de enxaqueca episódica, enxaqueca crônica, fibromialgia mais enxaqueca episódica e fibromialgia mais enxaqueca crônica, os níveis de ácido láctico permaneceram ligeiramente elevados ou próximos do controle inicial, sem significância estatística (Tabela 2).

Tabela 2
Níveis de ácido láctico em repouso e o tipo de fases de exercícios

Quando os níveis de ácido láctico foram comparados entre os grupos, a variação não foi estatisticamente significativa entre as fases de exercício anaeróbico e fase de descanso pós-exercício. Na fase de exercício aeróbico, detectou-se que os níveis de ácido láctico aumentaram no grupo enxaqueca crônica (p = 0,048) e no grupo enxaqueca crônica mais fibromialgia (p = 0,042), quando comparado com os outros grupos. No entanto, se aplicada a correção de Bonferroni, essa significância estatística desaparece (Tabela 2).

Nenhum dos pacientes com fibromialgia relatou aumento da dor muscular em qualquer fase do exercício. Todos os pacientes com enxaqueca e os controles não apresentaram novas queixas relacionadas com os testes durante o estudo.

Discussão

O nível de ácido láctico no sangue aumenta durante o exercício. O músculo esquelético é o local de maior produção.2020 Karvonen J, Vuorimaa T. Heart and exercice intensity during sports activities: Practical application. Sports Medicine. 1988;5:303-12. O aumento na produção de ácido láctico ocorre depois de um aumento na glicogenólise e na glicólise. Essas mudanças promovem uma reversão da gênese sistêmica de energia, aumentam os níveis circulantes de catecolaminas e alteram o metabolismo da glicose sistêmica.2121 Yamada H, Iwaki Y, Kitaoka R, Fujitani M, Shibakusa T, Fujikawa T, et al. Blood lactate functions as a signal for enhancing fatty acid metabolism during exercise via TGF-B in the brain. J Nutr Sci Vitaminol (Tokyo). 2012;58:88-95.,2222 Fattor JA, Miller BF, Jacobs KA, Brooks GA. Catecholamine response is attenuated during moderate-intensity exercise in response to the lactate clamp. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2005;288:E143-E147. A fonte de energia no sistema nervoso central (SNC) é a glicose e o ácido láctico. Esse último serve como fonte de energia depois que ultrapassa a barreira hematencefálica ou quando é produzido diretamente nas células gliais.2323 Lombardi AM, Fabris R, Bassetto F, Serra R, Leturque A, Federspil G, et al. Hyperlactatemia reduces muscle glucose uptake and GLUT-4 mRNA while increasing (E1alpha) PDH gene expression in rat. Am J Physiol. 1999;276:E922-9.No SNC, o ácido láctico é essencial para manter as interações metabólicas entre astrócitos e neurônios; os aumentos no ácido láctico influenciam a atividade neuronal no hipotálamo e no trato solitário.2424 van Hall G, Strømstad M, Rasmussen P, Jans O, Zaar M, Gam C, et al. Bloodlactate is an important energy source for the human brain. J Cereb Blood Flow Metab. 2009;29:1121-9.,2525 Pellerin L, Magisgtretti PJ. Glutamate uptake into astrocytes stimutes aerobic glucolysis utilization. Proc Natl Acad Sci USA. 1994;22:10625-9.

A difusão de ácido láctico é conhecida por ser mediada por transportadores, como os transportadores de monocarboxilatos 1 (MCT1) e 2 (MCT2) e possibilita uma maior síntese de ATP, o fechamento dos canais de K e a despolarização neuronal.2626 Borg MA, Tamborlane WV, Shulman GI, Sherwin RS. Local Lactate perfusion of the ventromedial hypothalamus suppresses hypoglycemic counterregulation. Diabetes. 2003;52:663-6.Os subtipos de MCT1 e MCT2 são expressos nos locais de produção de ácido láctico (músculo e células da glia) e local de uso (astrócitos, vasos sanguíneos, hipocampo, cerebelo, córtex cerebral e hipotálamo).2727 Halestrap AP, Price NT. The proton-linked monocarboxylate transporter (MCT) family: structure, function and regulation. Biochem J. 1999;343:281-99. Em humanos, a quantidade de lactato intracelular é determinada pelo equilíbrio entre a quantidade produzida na célula pela glicólise aumentada (atividade física) e a quantidade transportada para fora da célula ou para a mitocôndria (influenciada pelo MCT1). A atividade física aguda altera a expressão de MCT1 nos primeiros minutos e essa alteração é mantida dentro de 24 horas após o exercício.2828 Cortés-Campos C, Elizondo R, Llanos P, Uranga RM, Nualart F, García MA. MCT expression and lactate influx/efflux in tanycytes involved in glia-neuron metabolic interaction. PLoS. 2011;6:E16411.

Um mecanismo central que pode alterar a remoção de lactato é o volume plasmático (VP). O exercício é um potente indutor do aumento no VP, que ocorre imediatamente após o início da atividade física. O aumento do VP também influencia a função cardiovascular, o fluxo sanguíneo periférico e a elevação nos níveis de catecolaminas (noradrenalina e adrenalina).2929 Thomas C, Bishop DJ, Lambert K, Mercier J, Brooks GA. Effects of acute and chronic exercise on sarcolemmal MCT1 and MCT4 contents in human skeletal muscles: current status. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2012;302:R1-14.No entanto, a principal capacidade de remoção de lactato durante o exercício é determinada pela ação do MCT1 celular, que é expresso em grandes quantidades nos primeiros minutos após o início da atividade física. Essa relação ocorre de tal modo que o aumento na quantidade de MCT1 circulante está diretamente relacionado com a redução nos níveis de ácido láctico no músculo.3030 Grant SM, Green HJ, Phillips SM, Sutton JR. Fluid and electrolyte responses to exercise and acute plasma volume expansion. J Appl Physiol. 1996;81:2386-92.,3131 Green H, Halestrap A, Mockett C, O'Toole D, Grant S, Ouyang J. Increases in muscle MCT are associated with reductions in muscle lactate after a single exercise session in humans. Am J Physiol Endocrinol Metabol. 2002;282:E154-60.

Conclusão

Os grupos de enxaqueca crônica e fibromialgia mais enxaqueca crônica apresentam um aumento significativo nos níveis de ácido láctico durante a atividade física aeróbica em relação aos controles. No entanto, esse aumento não alcançou o nível de significância estatística após a correção de Bonferroni. Esse efeito parece ser mais dependente da presença de enxaqueca crônica do que de fibromialgia, e pode ser decorrente do aumento na produção, pela redução no metabolismo de ácido láctico ou dos diversos medicamentos usados pelos pacientes. Esses achados não apoiam a sugestão de metabolismo anormal de ácido láctico em pacientes com enxaqueca episódica e crônica associada a fibromialgia. Não foi encontrada relação causal entre enxaqueca, fibromialgia e produção de ácido láctico.

  • Financiamento
    Fundação Araucária, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • Estudo feito no Serviço de Neurologia, Cardiologia e Reumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.

Referências

  • 1
    Sanchez-Del-Rio M, Reuter U, Moskowitz MA. New insights into migraine pathophysiology. Curr Opin Neurol. 2006;19:294-8.
  • 2
    Headache Classification Subcommittee of the International Headache Society: The International Classification of Headache Disorders. Cephalalgia. 2004;24:9–160.
  • 3
    Okada H, Araga S, Takeshima T, Nakashima K. Plasma lactic acid and pyruvic acid levels in migraine and tension – Type headache. Headache. 1998;38:39-42.
  • 4
    Watanabe H, Kuwabara T, Ohkubo M, Tsuji S, Yuasa T. Elevation of cerebral lactate detected by localized 1H-magnetic resonance spectroscopy migraine during the interictal period. Neurology. 1996;47:1093-5.
  • 5
    Reyngoudt H, Paemeleire K, Dierickx A, Descamps B, Vandemaele P, DeDeene Y, et al. Does visual cortex lactate increase following photic stimulation in migraine without aura patients? A functional (1)H-MRS study. J Headache Pain. 2011;12:295-302.
  • 6
    Jeremy MB, Tymoczko JL, Stryer L. Glicose e gliconeogênese. In: Jeremy MB, Tymoczko JL, Stryer L, editors. Bioquímica. Riode Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 437–77.
  • 7
    Marieb E, Hoehn K. Músculo e tecido muscular. In: Marieb E,Hoehn K, editors. Anatomia e fisiologia. Porto Alegre: Artmed; 2009. p. 246–83.
  • 8
    Gibson H, Edwards RH. Muscular exercise and fatigue. Sports Med. 1985;2:120-32.
  • 9
    Hafen G, Laux-End R, Truttmann AC, Schibler A, McGuigan JA, Peheim E, et al. Plasma ionized magnesium during acute hyperventilation humans. ClinSci (Lond). 1996;91:347-51.
  • 10
    Ramadan NM, Halvorson H, Vande-Linde A, Levine SR, Helpern JA, Welch KM. Low brain magnesium in migraine. Headache. 1989;29:590-3.
  • 11
    Teixeira MJ. Fisiologia. In: Teixeira MJ, editor. Dor: Conceitos Gerais. São Paulo: Limay Editora Ltda; 1994. p. 8–20.
  • 12
    Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennett RM, Bombardier C, Goldenberg DL, et al. The American College of Rheumatology 1990. Criteria for the Classification of Fibromyalgia Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum. 1990;33:160-72.
  • 13
    Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Kazt RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology. Preliminary diagnostic criteria for fibromyalgia and measurement of symptom severity. Arthritis Care Res. 2010;62:600-10.
  • 14
    Ifergane G, Buskila D, Simiseshvely N, Zeev K, Cohen H. Prevalence of fibromyalgia syndrome in migraine patients. Cephalalgia. 2006;26:451-6.
  • 15
    Gerdle B, Soderberg K, Salvador Puigvert L, Rosendal L, Larsson B. Increased interstitial concentrations of pyruvate and lactate in the trapezius muscle of patrients with fibromyalgia: a microdialysis study. J Rehabil Med. 2010;42:679-87.
  • 16
    Norregaard J, Bulow PM, Mehlsen J, Danneskiold-Samsøe B. Biochemical changes in relation to a maximal exercise test in patients with fibromyalgia. ClinPhysiol. 1994;14:159-67.
  • 17
    Mciver KL, Evans C, Kraus RM, Ispas L, Sciotti VM, Hickner RC. NO-Mediated alterations in skaletal muscle nutritive blood flow and lactate metabolism in fibromyalgia. Pain. 2005;120:161-9.
  • 18
    Mengshoel AM, Saugen E, Forre O, Vøllestad NK. Muscle fatigue in early fibromyalgia. J Rheumatol. 1995;22:143-50.
  • 19
    Eisinger J, Platamura A, Ayayou T. Glycolisis abnormalities in fibromyalgia. J Am Coll Nutri. 1994;13:144-8.
  • 20
    Karvonen J, Vuorimaa T. Heart and exercice intensity during sports activities: Practical application. Sports Medicine. 1988;5:303-12.
  • 21
    Yamada H, Iwaki Y, Kitaoka R, Fujitani M, Shibakusa T, Fujikawa T, et al. Blood lactate functions as a signal for enhancing fatty acid metabolism during exercise via TGF-B in the brain. J Nutr Sci Vitaminol (Tokyo). 2012;58:88-95.
  • 22
    Fattor JA, Miller BF, Jacobs KA, Brooks GA. Catecholamine response is attenuated during moderate-intensity exercise in response to the lactate clamp. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2005;288:E143-E147.
  • 23
    Lombardi AM, Fabris R, Bassetto F, Serra R, Leturque A, Federspil G, et al. Hyperlactatemia reduces muscle glucose uptake and GLUT-4 mRNA while increasing (E1alpha) PDH gene expression in rat. Am J Physiol. 1999;276:E922-9.
  • 24
    van Hall G, Strømstad M, Rasmussen P, Jans O, Zaar M, Gam C, et al. Bloodlactate is an important energy source for the human brain. J Cereb Blood Flow Metab. 2009;29:1121-9.
  • 25
    Pellerin L, Magisgtretti PJ. Glutamate uptake into astrocytes stimutes aerobic glucolysis utilization. Proc Natl Acad Sci USA. 1994;22:10625-9.
  • 26
    Borg MA, Tamborlane WV, Shulman GI, Sherwin RS. Local Lactate perfusion of the ventromedial hypothalamus suppresses hypoglycemic counterregulation. Diabetes. 2003;52:663-6.
  • 27
    Halestrap AP, Price NT. The proton-linked monocarboxylate transporter (MCT) family: structure, function and regulation. Biochem J. 1999;343:281-99.
  • 28
    Cortés-Campos C, Elizondo R, Llanos P, Uranga RM, Nualart F, García MA. MCT expression and lactate influx/efflux in tanycytes involved in glia-neuron metabolic interaction. PLoS. 2011;6:E16411.
  • 29
    Thomas C, Bishop DJ, Lambert K, Mercier J, Brooks GA. Effects of acute and chronic exercise on sarcolemmal MCT1 and MCT4 contents in human skeletal muscles: current status. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2012;302:R1-14.
  • 30
    Grant SM, Green HJ, Phillips SM, Sutton JR. Fluid and electrolyte responses to exercise and acute plasma volume expansion. J Appl Physiol. 1996;81:2386-92.
  • 31
    Green H, Halestrap A, Mockett C, O'Toole D, Grant S, Ouyang J. Increases in muscle MCT are associated with reductions in muscle lactate after a single exercise session in humans. Am J Physiol Endocrinol Metabol. 2002;282:E154-60.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2014
  • Aceito
    17 Fev 2015
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br