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Avaliação por meio de exame radiológico convencional e ressonância magnética do pé diabético

Diabetic foot evaluation: radiological and magnetic resonance imaging

VINHETA IMAGENOLÓGICA IMAGENOLOGIC VIGNETTER

Avaliação por meio de exame radiológico convencional e ressonância magnética do pé diabético(* * Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP). )

Diabetic foot evaluation: radiological and magnetic resonance imaging

Artur da Rocha Corrêa FernandesI; André Yui AiharaI; Patrícia C. PeçanhaI; Jamil NatourII

IDepartamento de Diagnóstico por Imagem da EPM/UNIFESP

IIDisciplina de Reumatologia da EPM/UNIFESP

INTRODUÇÃO

O diabetes melito (DM) é um distúrbio crônico caracterizado por comprometimento do metabolismo da glicose e de outras substâncias produtoras de energia, bem como pelo desenvolvimento tardio de complicações vasculares e neuropáticas. Seja qual for a sua etiologia, a doença está associada à deficiência de insulina que pode ser total, parcial ou relativa.

Nos Estados Unidos, o DM é a quarta razão mais comum pela qual os pacientes procuram assistência médica, constituindo uma importante causa de incapacidade e morte prematura. Além disso, trata-se da principal causa de cegueira, de doença renal terminal e amputação não-traumática em pessoas em idade reprodutiva(13). A doença aumenta em duas a sete vezes o risco de desenvolvimento de doença vascular periférica.

O pé diabético é responsável por mais dias de internação do que qualquer outra complicação do diabetes(4,10). Apenas 50% dos diabéticos submetidos à amputação do membro inferior sobrevivem mais que três anos(10).

O desenvolvimento da infecção óssea é favorecido pela combinação de insuficiência vascular e neuroartropatia periférica e freqüentemente é o resultado da contaminação direta de uma lesão de tecidos moles, geralmente úlceras cutâneas infectadas(2,13). A infecção estende-se profundamente pelo córtex até a medula óssea em uma direção contrária à observada na disseminação hematogênica. Os locais mais comumente acometidos pela osteomielite são os pontos de pressão dos pés como as cabeças dos metatarsos e o calcâneo, além das falanges e face dorsal do antepé (em virtude do contato do calçado)(13). Portanto, é importante o cuidado destes pacientes antes do desenvolvimento de complicações, incluindo a prevenção de úlceras e a realização de procedimentos de revascularização(13).

A infecção do pé diabético é um problema comum e, uma vez diagnosticado, o princípio do tratamento se baseia na antibioticoterapia, em cuidados locais, drenagem de abcessos, remoção de tecido necrótico e amputações(10,13). O diagnóstico precoce da osteomielite é importante, pois o tratamento imediato com antibióticos diminui a taxa de amputação(12). Além disso, a exploração de um pé que não tem uma infecção profunda pode causar dano irreparável. Logo, a necessidade de desbridamento ou amputação deve ser cuidadosamente balanceada com a possibilidade de preservação tecidual. Uma análise acurada da extensão da infecção claramente ajuda na decisão terapêutica(2,10).

A suspeita de osteomielite é a razão mais freqüente para se realizar exames por imagem do pé em pacientes diabéticos(4). No entanto, o reconhecimento da osteomielite na presença de infecção em partes moles muitas vezes é difícil tanto clinicamente quanto através da radiografia(2).

No que se refere ao pé diabético isoladamente, a radiologia convencional e os métodos mais avançados de diagnóstico por imagem, principalmente a ressonância magnética (RM), constituem importantes armas na detecção precoce das alterações e complicações desta entidade nosológica, evitando, em última análise, alterações seqüelares graves(4).

A radiologia convencional, em razão de seu baixo custo, constitui a primeira modalidade diagnóstica para a avaliação da infecção óssea. Entretanto, os achados ósseos usualmente são observados somente de uma a duas semanas após o início do quadro clínico, pois é necessário que pelo menos 50% do osso seja perdido para que as alterações radiográficas se tornem evidentes(10). Soma-se a isto o fato de se poder encontrar também as alterações da neuroartropatia, que por sua vez podem simular infecção (Figuras 1, 2, 3 e 4)





A cintilografia óssea com estudo trifásico é um exame sensível, porém pouco específico para osteomielite do pé, em particular porque pacientes com diabetes freqüentemente têm osteoartropatia preexistente, o que produz hipercaptação, mesmo na ausência de osteomielite(12). Algum avanço foi obtido com a cintilografia com gálio, porém a distinção de osteomielite de artropatia preexistente ainda é um desafio. Mais recentemente a cintilografia com leucócitos marcados com índio-111 tem sido proposta e parece útil na caracterização da presença ou não de osteomielite em pacientes com neuroartropatia, já que nestes pacientes o diagnóstico diferencial pelo exame radiográfico e pela RM é mais dificil(12). Geralmente é um exame interpretado em conjunto com a cintilografia trifásica, mas estas técnicas são caras, demoradas e não provêem a informação anatômica dada pela RM. A RM se torna cada vez mais o método de imagem preferido, pois se consegue um resultado mais rápido, além de este exame mostrar a anatomia e a extensão do acometimento, influenciando a decisão terapêutica(13).

Recentemente a RM tem-se demonstrado efetiva, não só no diagnóstico da osteomielite em regiões localizadas do esqueleto, mas também no diagnóstico de pequenas alterações de partes moles (edema e celulite) freqüentemente não detectadas por outros métodos de imagem. A detecção de algumas destas anormalidades pode resultar em mudança significativa de conduta(4). Esta modalidade diagnóstica pode ajudar a distinguir uma infecção óssea de outra restrita às partes moles, pela demonstração da presença ou não de alteração de sinal ósseo. Na osteomielite a medula óssea apresenta hipossinal nas seqüências ponderadas em T1, hipersinal nas seqüências ponderadas em T2 e STIR e realce pós-contraste(1-8,10,11,13) (Figuras 5, 6, 7 e 8).





Outros processos que podem causar alterações similares de sinal ósseo e serem confundidos com osteomielite são neuroartropatia e alterações biomecânicas relacionadas a estresse, além de efeito de volume parcial e problemas técnicos como supressão não uniforme da gordura(11,13) (Figura 9). Alguns sinais secundários que favorecem o diagnóstico de osteomielite são a presença de ulcera cutânea, celulite, abscesso de partes moles, trajetos fistulosos e interrupção da cortical óssea(11,13). Estes achados devem ser valorizados quando a alteração de sinal ósseo não é clássica, ou quando se suspeita de doença neuropática rapidamente progressiva(11,13). Porém, o achado de um osso com sinal normal é um indicador bastante confiável de ausência de osteomielite(2).


A RM pode ajudar também na detecção e delimitação da extensão de tecido necrótico associado, através da caracterização de áreas com sinal alterado em T1 e T2 (mas não sinal de líquido) e que não se realçam pós contraste(9,13).

A neuroartropatia pode-se apresentar de duas formas: aguda e crônica. Na forma aguda, ela se apresenta clinicamente com um pé quente, eritematoso e inchado, que mimetiza infecção. Na RM da fase aguda muitas vezes encontramos edema de partes moles ou edema justaarticular. Nas imagens pós-contraste a cápsula articular e os tecidos moles periarticulares podem realçar (o que pode estar relacionado com lesão aguda ou instabilidade), mas os tecidos subcutâneos tipicamente mostram pouco realce. Derrame articular é comum. O edema e o realce da medula óssea são tipicamente centrados no osso subcondral, refletindo o padrão articular da doença, embora em casos mais avançados se mostrem mais difusos(13).

Na fase crônica o edema e realce são menos evidentes ou até ausentes. Há formação proeminente de cistos subcondrais e proliferação óssea, com debris e corpos livres intra-articulares. Nos estágios avançados os ossos adjacentes se tornam necróticos e colapsam ou são reabsorvidos. Neste estágio é comum a deformidade articular, com subluxações ou luxações(13). Na fase crônica os ossos tendem a se apresentar com hipossinal em T1 e T2, refletindo padrão de esclerose óssea. Na fase crônica a diferenciação com osteomielite tende a ser mais fácil.

Concluindo, a RM é um método efetivo em ajudar a diagnosticar a osteomielite em pacientes portadores de DM. Também é capaz de distinguir entre infecção óssea e restrita as partes moles, além de detectar também áreas desvitalizadas. A distinção entre o envolvimento agudo de neuroartropatia e as alterações supurativas associadas pode ser difícil de ser feita. Nestes casos, a análise da intensidade de sinal nos tecidos moles, bem como a localização da alteração cortical e periosteal e a detecção de coleções podem ajudar a confirmar o diagnóstico de osteomielite (Tabela 1).

Responsáveis: Artur da Rocha Corrêa Fernandes e Jamil Natour

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  • Endereço para correspondência:
    Artur da Rocha Corrêa Fernandes
    Departamento de Diagnóstico por Imagem da EPM/UNIFESP
    Rua Botucatu, 740
    CEP 04023-900, São Paulo, SP
  • *
    Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2003
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