Acessibilidade / Reportar erro

Artigo revisão: estabilização de suspensões aquosas contendo grafite

Review article: stabilization of graphite-containing aqueous suspensions

Resumos

A aplicação de materiais refratários contendo grafite tem aumentado muito nos últimos 10 anos, especialmente no caso de concretos refratários. Tais refratários são considerados compósitos singulares em que o grafite contribui para a redução da expansão térmica, aumento da resistência ao choque térmico, da energia de fratura e da resistência ao ataque por escória. Entretanto, sua baixa molhabilidade por água e líquidos orgânicos dificulta o seu processamento por meio de suspensões. Em virtude disso, um tratamento da superfície das partículas de grafite deve ser realizado visando melhorar sua molhabilidade e dispersão em suspensão aquosa. As principais características estruturais e superficiais responsáveis pela sua baixa molhabilidade e os métodos de tratamento superficial mais utilizados são abordados nesta revisão. Tais métodos de tratamento superficial envolvem, principalmente, a adsorção de agentes ativos na superfície, como é o caso dos surfactantes e polieletrólitos, e a cobertura da superfície por uma espécie hidrofílica.

concretos refratários


The application of graphite-containing refractories has increased enormously over the latest ten years, especially in the case of refractory castables. Graphite in such refractories contributes to the reduction of the material thermal expansion and improvement on its thermal shock resistance, fracture energy and slag resistance. However, the low wettability of graphite in water and organic liquids represents a barrier to its processing. Therefore, a surface treatment of graphite particles is required to improve its wettability and enable its dispersion in aqueous suspensions. The main structural and surface characteristics responsible for the low wettability of graphite, as well as the most common surface treatment methods applied are discussed in the present review article. Such surface treatment methods include the surface covering of graphite by hydrophilic species and the adsorption of active agents on the surface, such as surfactants and polyelectrolytes.

refractory castables


Artigo revisão: Estabilização de suspensões aquosas contendo grafite

(Review article: Stabilization of graphite-containing aqueous suspensions)

I. R. de Oliveira, A. R. Studart, F. A. e Silva Júnior, V. C. Pandolfelli

Universidade Federal de S. Carlos - DEMa.

Rod. Washington Luiz, km 235, C. P. 676

S. Carlos, SP, 13565-905

tel.: 0XX-16-260-8253, fax: 0XX-16-261-5404

ivone@iris.ufscar.br, vicpando@power.ufscar.br

Resumo

A aplicação de materiais refratários contendo grafite tem aumentado muito nos últimos 10 anos, especialmente no caso de concretos refratários. Tais refratários são considerados compósitos singulares em que o grafite contribui para a redução da expansão térmica, aumento da resistência ao choque térmico, da energia de fratura e da resistência ao ataque por escória. Entretanto, sua baixa molhabilidade por água e líquidos orgânicos dificulta o seu processamento por meio de suspensões. Em virtude disso, um tratamento da superfície das partículas de grafite deve ser realizado visando melhorar sua molhabilidade e dispersão em suspensão aquosa. As principais características estruturais e superficiais responsáveis pela sua baixa molhabilidade e os métodos de tratamento superficial mais utilizados são abordados nesta revisão. Tais métodos de tratamento superficial envolvem, principalmente, a adsorção de agentes ativos na superfície, como é o caso dos surfactantes e polieletrólitos, e a cobertura da superfície por uma espécie hidrofílica.

Palavra-chave: concretos refratários

Abstract

The application of graphite-containing refractories has increased enormously over the latest ten years, especially in the case of refractory castables. Graphite in such refractories contributes to the reduction of the material thermal expansion and improvement on its thermal shock resistance, fracture energy and slag resistance. However, the low wettability of graphite in water and organic liquids represents a barrier to its processing. Therefore, a surface treatment of graphite particles is required to improve its wettability and enable its dispersion in aqueous suspensions. The main structural and surface characteristics responsible for the low wettability of graphite, as well as the most common surface treatment methods applied are discussed in the present review article. Such surface treatment methods include the surface covering of graphite by hydrophilic species and the adsorption of active agents on the surface, such as surfactants and polyelectrolytes.

Keyword: refractory castables

INTRODUÇÃO

O grafite é uma das formas alotrópicas do carbono, tal como o carvão e o diamante. O grafite pode ser classificado como natural ou sintético, apresentando a mesma estrutura cristalina, porém com tamanho de cristalitos variados e diferentes propriedades físicas e químicas devido às impurezas presentes. O grafite é um excelente condutor de calor e eletricidade e exibe resistência ao ataque químico, ao choque térmico e baixa molhabilidade por vidros e metais (exceto aço e ferro fundido) a altas temperaturas. Além disso, é compressível, maleável e altamente refratário em atmosfera inerte, com um ponto de fusão de aproximadamente 3650 °C [1]. Essas características tornam o grafite um material com grande potencial para aplicações refratárias.

Entretanto, a alta estabilidade térmica do grafite dificulta a mobilidade dos átomos de sua estrutura cristalina, não sendo possível sua sinterização sob condições normais de processamento. Outro inconveniente do grafite consiste na facilidade com que é oxidado acima de 400 °C, razão pela qual, o grafite é freqüentemente utilizado em combinação com outros materiais refratários que forneçam adequada resistência à oxidação. Os materiais atualmente utilizados com esse objetivo são Al2O3, MgO, ZrO2, SiC e aluminosilicatos, sendo que a proporção de grafite nesses compósitos geralmente varia entre 4 e 50% em peso, dependendo da aplicação do material.

A combinação de grafite com uma segunda fase tem resultado em compósitos singulares, nos quais o grafite contribui para a redução da expansão térmica, aumento da resistência ao choque térmico, da energia de fratura e da resistência ao ataque por escória (em decorrência da sua reduzida molhabilidade por óxidos fundidos) [1, 2]. Por outro lado, em aplicações siderúrgicas, a fase óxida nesses compósitos é insolúvel em metais, resultando numa proteção mútua em que o grafite protege a fase óxida quando em contato com a escória fundida e o óxido protege o grafite da dissolução no aço líquido.

Como conseqüência, a aplicação de materiais refratários contendo grafite tem aumentado muito nos últimos 10 anos, especialmente no caso de concretos refratários.

Os concretos refratários podem ser visualizados como uma suspensão aquosa com alta concentração de sólidos, onde a adequada dispersão das partículas possibilita superior fluidez e maior facilidade de aplicação. Simultaneamente, a dispersão possibilita que a distribuição de partículas projetada possa ser atuante em sua plenitude, aumentando a densidade de empacotamento e reduzindo a quantidade de água adicionada ao concreto. Dessa maneira, a dispersão de grafite em meio aquoso é necessária para que se possa produzir concretos com elevada fluidez e, superiores propriedades finais, bem como, produzir outros compósitos com essa matéria-prima por meio de suspensões. Entretanto, a baixa molhabilidade do grafite dificulta o processamento desses materiais por meio de suspensões, sendo necessário um tratamento superficial para melhorar sua molhabilidade e dispersão em meio aquoso.

As principais características estruturais e superficiais responsáveis pela baixa molhabilidade do grafite e os métodos de tratamento superficial mais utilizados são apresentados nesta revisão.

ESTRUTURA E PROPRIEDADES SUPERFICIAIS DO GRAFITE

Estrutura Cristalina

O grafite normalmente apresenta uma estrutura cristalina na forma hexagonal, mas pequenas proporções da forma romboédrica também podem ser encontradas em grafites naturais (Figs. 1 e 2). Em ambas as formas, o cristalito de grafite é constituído por camadas ou planos paralelos de anéis benzênicos (C6) condensados, com cada átomo de carbono ligado a três átomos de carbonos vizinhos num ângulo de 120°. A distância C-C no anel benzênico é de 1,415 Å e a largura de cada anel benzênico é de 2,456 Å. A pequena distância entre átomos vizinhos na mesma camada é uma conseqüência da forte ligação de caráter covalente entre eles. Por outro lado, a ligação entre átomos de camadas paralelas é fraca em virtude da atuação predominante de forças secundárias de van der Waals [3].



Os planos paralelos da estrutura grafítica são empilhados mantendo uma distância de 3,354 Å entre si, a qual aumenta para estruturas não grafíticas, como mostra a Fig. 3. Na estrutura hexagonal as camadas são arranjadas numa seqüência do tipo ABA (Fig. 1), enquanto que na estrutura romboédrica uma seqüência do tipo ABC é formada (Fig. 2). A moagem aumenta a porcentagem de grafite com estrutura romboédrica, devido provavelmente à aplicação de tensões mecânicas durante esse processo. Aquecimento acima de 2000 °C transforma a estrutura romboédrica em estrutura hexagonal, sugerindo que a última seja mais estável [3].


Uma conseqüência da clivagem no plano basal e da ausência de qualquer ligação direcional entre os planos é a alta flexibilidade do grafite, o que resulta na sua habilidade de ser curvado ou entortado sem fraturar. Assim, refratários contendo grafite podem sofrer considerável deformação antes da fratura e redução do seu módulo elástico, o que provavelmente justifica sua alta resistência ao choque térmico e a elevada energia de fratura. A superior condutividade térmica e o menor coeficiente de expansão térmica de refratários contendo grafite também favorecem o aumento da resistência ao choque térmico desses materiais.

Propriedades Superficiais

Pelo fato das ligações primárias entre os átomos de carbono do grafite atuarem apenas no plano basal da sua estrutura cristalina, não há geração de ligações insatisfeitas entre os átomos quando esta estrutura é seccionada em planos paralelos ao plano basal. Como conseqüência, as lamelas de grafite originadas após ruptura das forças secundárias entre os planos basais apresentam energia superficial na região das faces significativamente inferior à de outros materiais, em que ligações insatisfeitas são originadas na superfície (como é o caso dos óxidos). Essa característica é o que diferencia o grafite de diversos outros materiais, tornando-o uma matéria-prima singular e de bastante interesse em variadas aplicações. Como resultado da sua baixa energia superficial, o grafite apresenta reatividade muito baixa e uma difícil molhabilidade por materiais aquosos e orgânicos, ou escórias de processos metalúrgicos. De outro modo, pode-se dizer que a sua reduzida energia superficial atenua significativamente a necessidade das partículas reagirem ou serem molhadas por outros materiais para minimizar a energia livre do sistema.

Embora, a reatividade do grafite seja derivada essencialmente das arestas do cristal, defeitos pontuais na região da face, tais como vacâncias, também podem atuar como sítios ativos da estrutura.

As ligações incompletas nas arestas das camadas de carbono se assemelham às ligações insatisfeitas presentes na superfície da maioria dos óxidos e são saturadas principalmente por oxigênio e hidrogênio, resultando em diferentes grupos funcionais, cujas estruturas são apresentadas na Fig. 4. Tais grupos funcionais têm um pronunciado efeito nas propriedades superficiais de carbonos, pois constituem sítios ativos que tem alta afinidade pela água (sítios hidrofílicos) e que aumentam a reatividade do material.


Em virtude da presença de grupos funcionais nas arestas, as partículas de grafite exibem potenciais zeta negativos numa grande faixa de pH, como apresentado na Fig. 5. A típica forma-S da curva de potencial zeta indica a natureza anfótera das partículas de grafite e os pontos isoelétricos medidos variam entre pH 2,5 e 5,0 [5, 6].


De acordo com Moraru et al [5], em valores de pH abaixo do ponto isoelétrico podem ocorrer dois mecanismos distintos de geração de cargas positivas nas partículas de grafite: dissociação iônica e troca do íon negativo adsorvido (equação A); e adição de um próton (H+) ao anel benzênico no plano basal, resultando numa carga positiva em posição orto com relação ao sítio de adição (equação B) [5]. Por outro lado, a ionização dos grupos funcionais como os carboxílicos (equação C) presentes nas arestas é favorecida em meio básico e as partículas de grafite tornam-se carregadas negativamente nesta condição [5].

(A)

onde, Cn+ ...½... Cl- representa a superfície do grafite carregada positivamente com a presença de contra-íons adsorvidos.

(B)

(C)

Baseado nas equações A e C, os grupos funcionais influenciam diretamente o desenvolvimento de cargas nas partículas de grafite e, assim, o perfil da curva de potencial zeta. Vale ressaltar que a oxidação dos átomos de carbono nas arestas e a moagem das partículas de grafite podem alterar o comportamento do potencial zeta em função do pH, bem como o pH referente ao ponto isoelétrico, através do aumento do número de sítios ativos nas arestas.

Dessa forma, a estabilidade das suspensões de grafite também varia com o pH da suspensão, como sugerido pelas curvas de energia potencial de interação entre duas partículas de grafite, com pH de ponto isoelétrico igual a 2,5, em função da distância de separação entre elas (Fig. 6). Para valores de pH acima de 5,0, a dispersão do sistema é favorecida, devido à barreira de repulsão eletrostática (>10 kT) existente entre as partículas de grafite. Quando o pH é reduzido para valores abaixo de 5,0, a altura da barreira de energia diminui rapidamente, favorecendo a coagulação das partículas.


Suspensões Aquosas de Grafite

Em meio aquoso, o grafite apresenta inferior dispersibilidade do que os óxidos, carbetos e outros materiais. No processo de dispersão, a fase líquida deve inicialmente molhar a superfície externa do material e também substituir o ar contido no interior dos aglomerados de partículas. Tais aglomerados são então quebrados com auxílio de agitação mecânica, expondo a superfície de cada partícula ao líquido. Dessa forma, as superfícies tornam-se disponíveis para a atuação dos aditivos e conseqüente estabilização.

Embora a baixa molhabilidade do grafite seja uma das suas principais vantagens com relação ao desempenho do refratário a altas temperaturas, essa característica dificulta o processamento dos materiais que contém essa matéria-prima.

A reduzida molhabilidade do grafite impede que haja uma adequada dispersão e homogeneização das partículas do material e pode comprometer o comportamento reológico de suspensões contendo essa matéria-prima.

Diversos métodos de tratamento da superfície têm sido estudados com o objetivo de melhorar a molhabilidade e a dispersão das partículas de grafite em suspensão aquosa. Uma das técnicas utilizadas é o tratamento das partículas de grafite com gás flúor sob pressão constante, tornando a superfície mais hidrofílica devido a ligação iônica C-F [7]. Outros métodos envolvem a adsorção de agentes ativos na superfície ou a cobertura da superfície por uma espécie hidrofílica.

Agentes Ativos na Superfície

A adsorção de agentes ativos na superfície resulta das interações energeticamente favoráveis entre as espécies superficiais do sólido e as espécies adsorventes. Várias interações tais como atração eletrostática, ligação covalente, ligação de hidrogênio, interações não polares e interações laterais entre as espécies adsorvidas, podem contribuir para os processos de adsorção [8].

Os principais agentes ativos na superfície utilizados para melhorar a molhabilidade e a dispersão das partículas de grafite em suspensão aquosa são os surfactantes. Um surfactante é um composto orgânico que contém na mesma molécula dois grupos estruturais diferentes, um solúvel em água (grupo polar ou hidrofílico) e o outro insolúvel em água (grupo apolar ou hidrofóbico). O balanço entre o número de grupos hidrofílicos e hidrofóbicos determina a solubilidade do surfactante em água e a sua capacidade de alterar a molhabilidade dos materiais. Esse balanço é usualmente estimado através do parâmetro HLB (hydrophilic-hydrophobic balance value), estabelecido segundo a equação (D). Surfactantes que apresentam valor de HLB entre 12 e 15 são normalmente mais adequados para aumentar a molhabilidade das partículas.

HLB = å(grupos hidrofílicos) - å(grupos hidrofóbicos) + 7 (D)

Os surfactantes são classificados em aniônico, catiônico e não-iônico, de acordo com a ionização do seu grupo polar. Os grupos hidrofílicos em surfactantes aniônicos tornam-se carregados negativamente em solução aquosa, como é o caso dos carboxilatos, sulfonatos, sulfatos e fosfatos. Por outro lado, os grupos hidrofílicos em surfactantes catiônicos tornam-se carregados positivamente em solução aquosa, como por exemplo as aminas. Já um surfactante não-iônico não produz carga quando dissolvido ou disperso em meio aquoso. A solubilidade desse tipo de surfactante deve-se a grupos hidroxilas e cadeias de grupos oxietileno [-CH2CH2-O-]. Os grupos apolares dos surfactantes iônicos e não-iônicos são quase sempre hidrocarbonetos [3].

Um surfactante muda as propriedades de uma suspensão na qual é dissolvido devido à adsorção na interface sólido-líquido, orientação das moléculas adsorvidas, formação de agregados de moléculas na solução e orientação das moléculas nos agregados. A adsorção do surfactante em uma superfície sólida está associada com o decréscimo da tensão interfacial sólido/meio de dispersão e a redução do ângulo de molhabilidade [3]. Isso é possível pelo fato dos surfactantes associarem em uma mesma molécula grupos funcionais que apresentam elevada afinidade pelo meio líquido e grupos compatíveis com a superfície do sólido. Essas características possibilitam reduzir a energia interfacial entre sólidos hidrofóbicos (como o grafite) e a água, atenuando a tendência de aglomeração desses materiais em meio aquoso.

Surfactante Não-Iônico

A adsorção de surfactantes não-iônicos em superfícies sólidas ocorre basicamente através de ligações de hidrogênio. Neste caso, as interações laterais entre as moléculas adsorvidas são muito fortes devido a ausência de repulsão eletrostática [8].

A maioria dos estudos referente à atuação de surfactantes sobre a superfície hidrofóbica de carbonos envolve a adsorção superficial da espécie não iônica em solução aquosa. O tipo de surfactante não-iônico mais utilizado tem a estrutura formada por cadeias hidrofílicas de óxido de polietileno (EO) e cadeias hidrofóbicas de grupos alquila, geralmente expressa por: CnH2n+1(CH2CH 2O)xOH. A princípio, ambas as cadeias podem se adsorver na superfície do sólido. No caso dos carbonos, devido às características predominantemente apolares da sua superfície, tem sido verificado que a adsorção ocorre via cadeias alquila enquanto a cadeia de EO se projeta para a solução.

Surfactante Iônico

De um modo geral, a adsorção de um surfactante iônico em uma superfície polar em solução aquosa é caracterizada, em baixas concentrações, por interações eletrostáticas. Em maiores concentrações, ocorre um aumento acentuado na adsorção devido às interações laterais entre as moléculas adsorvidas [8].

Em uma superfície apolar, a adsorção depende da hidrofobicidade das superfícies sólidas. Geralmente, em carbonos com alta hidrofobicidade (grafite) ocorre uma forte adsorção física entre a superfície e os grupos hidrofóbicos do surfactante. As moléculas do surfactante se orientam mantendo os seus grupos hidrofílicos expostos para a água, melhorando a molhabilidade das partículas.

Um tipo de surfactante iônico (aniônico) utilizado em suspensões aquosas de grafite é o Aerosol-OT, cuja estrutura molecular é apresentada na Fig. 7. Este surfactante adsorve nas partículas de grafite através de interações hidrofóbicas. De acordo com Krishnakumar e Somasundaran [9], este surfactante apresenta elevada afinidade com o grafite, como indicado pelo formato da curva de adsorção (Fig. 8a). Adicionalmente, não é observado um aumento acentuado na densidade de adsorção desse surfactante iônico no grafite para altas concentrações do aditivo. Isso sugere que as cadeias de hidrocarboneto do surfactante estão firmemente ancoradas na superfície de grafite e não estão disponíveis para as interações laterais entre as moléculas adsorvidas.



Complementarmente à melhoria da molhabilidade, os surfactantes iônicos proporcionam repulsão entre as partículas devido às cargas dos seus grupos hidrofílicos. Assim, com a adsorção do surfactante aniônico, as partículas tornam-se carregadas mais negativamente (Fig. 8a), favorecendo a estabilização da suspensão aquosa, como indicado na Fig. 8b pelo decréscimo no volume de sedimento com a adsorção de surfactante [9].

Copolímeros

Um outro tipo de surfactante utilizado são os copolímeros, os quais são espécies poliméricas que apresentam em suas cadeias sítios hidrofóbicos e hidrofílicos. Os copolímeros atuam sobre a superfície dos sólidos de maneira similar aos surfactantes iônicos e não-iônicos, porém apresentam normalmente superior peso molecular.

De acordo com Yamanaka e Esumi [10], quando o polímero não-iônico, hidroxietilcelulose, é modificado através da introdução de 1% em peso de grupos alquila C12-C18 em sua cadeia, a adsorção desse polímero nas partículas de grafite é aumentada sig-nificativamente como mostra a Fig. 9. Isso ocorre devido à superior afinidade dos grupos hidrofóbicos adicionados com as partículas de grafite. Em virtude da ausência de grupos ionizáveis ao longo da molécula, o copolímero formado a partir da modificação estrutural do polímero hidroxietilcelulose apresenta características não-iônicas.


Entre os copolímeros utilizados em suspensões aquosas de grafite destaca-se o anidrido maleico a-olefínico, cuja estrutura molecular é apresentada na Fig. 10. A presença de um grupo carboxílico na estrutura do anidrido maleico a-olefínico confere características iônicas a esse copolímero. Xu et al. [11] observaram que o aumento da concentração desse copolímero torna as suspensões de grafite mais estáveis, conforme ilustrado na Fig. 11. As cadeias de hidrocarbonetos adsorvem nas partículas de grafite através de interação hidrofóbica, levando a cadeia hidroxilada (cadeias de óxido de etileno) a se estender em solução. Quando a adsorção aumenta essas cadeias estendidas causam impedimento estérico, resultando na redução da aglomeração entre as partículas. Adicionalmente, com o aumento do pH da suspensão, os grupos COOH se dissociam e a repulsão eletrostática também contribui para evitar a aglomeração. Dessa forma, verifica-se que a porcentagem de grafite sedimentado diminui com o aumento do pH (Fig. 11), indicando maior estabilidade da suspensão [11].



Mistura Surfactante-Polímero

Polímeros também têm sido utilizados para dispersar suspensões de grafite através do mecanismo estérico de estabilização após molhamento prévio das partículas com o auxílio de surfactantes. Neste caso, a adsorção das moléculas poliméricas às partículas de grafite é favorecida pelas interações entre os grupos hidrofóbicos dos surfactantes e polímeros envolvidos [8].

Um exemplo de tal interação é verificado na adsorção do polímero não-iônico PVP, poly(N-vinil-2-pyrrolidone), sobre a superfície das partículas de grafite. Segundo Otsuka e Esumi [12], a adsorção desse polímero aumenta na presença de baixa concentração do surfactante aniônico sulfato de dodecil lítio (LiDS). Inicialmente, o surfactante adsorve na superfície de grafite adquirindo uma orientação plana com sua cadeia hidrofóbica um tanto estendida para a fase aquosa. Isso permite a interação entre os grupos hidrofóbicos do surfactante e do polímero, resultando na formação de um complexo surfactante-PVP na superfície de grafite. Já em altas concentrações de surfactante, este adquire uma orientação estendida expondo seus grupos hidrofílicos para a solução, o que não favorece a complexação surfactante-polímero.

Por outro lado, embora o LiDS favoreça a adsorção do polímero não-iônico, a quantidade desse surfactante adsorvido na presença de PVP é ligeiramente menor do que na ausência de PVP (Fig. 12).


Assim como no caso de surfactantes iônicos, onde efeitos eletrostáticos auxiliam a dispersão, a combinação de surfactantes e polímeros origina, além da componente eletrostática, efeitos estéricos que também contribuem para a estabilização das suspensões.

A estabilidade de suspensões aquosas de grafite dispersas com LiDS e PVP foi avaliada por Otsuka e Esumi através de medidas de absorbância [12]. Alta absorbância indica elevada estabilidade da suspensão, enquanto que baixos valores indicam um estado floculado ou sedimentado. Embora as partículas de grafite apresentem maiores valores de potencial zeta na presença apenas de surfactante do que na presença da mistura surfactante-polímero (Fig. 13), as suspensões de grafite mostraram-se mais estáveis quando utilizado a mistura. Isso mostra que a força estérica proporcionada pelas cadeias de polímero adsorvidas contribui significativamente para a estabilização de suspensões de grafite.


Yamanaka e Esumi [10] também verificaram, através de medidas de absorbância, que a estabilização das suspensões de grafite utilizando os sistemas mistos surfactante-polímero é mais eficiente devido ao efeito estérico das camadas de polímero adsorvidas. Como pode ser visto na Fig. 14, as partículas de grafite apresentam potencial zeta mais negativo na presença de surfactante aniônico (sulfato de dodecil sódio) do que na presença da mistura surfactante-polímero (sulfato de dodecil sódio-hidroxietilcelulose), o que confirma a contribuição significativa do efeito estérico para a estabilização.


Polieletrólitos

Embora em partículas de grafite ocorra adsorção preferencial de segmentos apolares nas faces das lamelas, trabalhos têm mostrado que espécies predominantemente hidrofílicas como os polieletrólitos podem se adsorver nas arestas das partículas de grafite [6, 13]. Neste caso, a adsorção do polieletrólito nas arestas ocorre de maneira similar à observada na superfície eletricamente carregada de partículas de óxidos.

Wong e Laskowski [13] mostraram que a adsorção do polieletrólito aniônico ácido húmico em grafite é muito mais pronunciada na presença de eletrólito inorgânico (Fig. 15), provavelmente devido ao decréscimo da repulsão eletrostática entre macromoléculas e os grupos negativos nas arestas. Sua adsorção resulta no aumento do valor absoluto do potencial zeta (Fig. 16) e decréscimo do ângulo de contato, aumentando a molhabilidade das partículas de grafite (Fig. 17).




O aumento da molhabilidade do grafite com a utilização de ácido húmico pode ser um indicativo de que esse polieletrólito também possa se adsorver à face das partículas de grafite, através provavelmente dos segmentos apolares da molécula.

A adsorção de polieletrólitos nas partículas de grafite também é influenciada pelo pH das suspensões. De acordo com Moraru et al. [6], maiores valores de adsorção do ácido polimetacrílico (APM) são verificados na região ácida (2,0-4,5), com um decréscimo acentuado na região básica (Fig. 18). Por outro lado, quando o pH aumenta, a estabilidade da dispersão é favorecida, especialmente em valores de pH próximos a 7, como indicado pelos altos valores de absorbância.


Comparando-se as curvas de absorbância 3A e 3B da Fig. 18, observa-se que a contribuição do polieletrólito para a estabilidade da suspensão de grafite é significativa, favorecendo a dispersão das partículas na faixa de pH entre 6 e 8. De acordo com esses resultados, a estabilidade é mais influenciada pela conformação das macromoléculas adsorvidas e pelo potencial zeta obtido do que pelo número absoluto de polieletrólito adsorvido [6].

Cobertura Inorgânica na Superfície de Grafite

O método de cobertura da superfície de grafite por uma espécie hidrofílica visa melhorar sua molhabilidade em água, resistência química (oxidação, resistência a ataque de alcalis) e possibilitar a aplicação do grafite como reforço em compósitos. Isso ocorre porque se a superfície do grafite se encontra coberta uniformemente, as propriedades superficiais podem se aproximar daquelas do agente hidrofílico. As espécies hidrofílicas utilizadas podem ser óxidos (Al2O3, SiO2, TiO2, B2O3) e não óxidos (SiC, ZrB2). Para que essa cobertura seja eficiente por um longo período, é necessário que tal camada tenha compatibilidade química e pouca diferença de expansão térmica com o carbono.

O método de cobertura mais utilizado para grafite é o método de alta velocidade de impacto, como é o caso da cobertura de grafite com SiC realizada por Sakamoto e Ono [14]. Através dessa técnica, o SiC pode ser retido na superfície do grafite lamelar através de sucessivos esforços mecânicos, tais como impacto, compressão, fricção e cisalhamento. Embora a razão de aspecto do grafite lamelar seja alta, esse valor diminui após recobrimento com SiC, o que favorece a dispersão das suspensões. Além disso, com o recobrimento o comportamento do potencial zeta em função do pH aproxima-se do comportamento do SiC e, assim, o grafite apresenta melhor dispersibilidade em água.

O caminho que tem se mostrado mais promissor nos últimos anos é o recobrimento do grafite com precursores poliméricos, seguido de um processo de tratamento térmico em baixa temperatura. Precursores poliméricos podem ser produzidos através do processo Pechini [15, 16]. Tal processo é baseado na habilidade de certos ácidos fracos em formar um complexo quelato metálico com vários cátions. Este complexo pode sofrer poliesterificação quando aquecido com um álcool polihidroxílico para formar uma resina polimérica sólida, através da qual os cátions são uniformemente distribuídos. Assim, a resina pode ser calcinada em baixa temperatura formando partículas finas de óxidos. A Fig. 19 ilustra o processo completo para a cobertura de grafite com alumina, no qual nitrato metálico é usado como fonte de Al e ácido cítrico e etileno glicol (álcool polihidroxílico) como monômeros para formar a matriz polimérica.


O uso do método de recobrimento com precursores poliméricos além de melhorar a resistência a oxidação do grafite, facilita a dispersão uma vez que o tipo de dispersante adequado para suspensões de alumina pode ser usado para suspensões de grafite-alumina.

A melhoria da resistência a oxidação do pó de grafite após cobertura está relacionada à mudança no estado da superfície dos pós [17]. De acordo com a estrutura apresentada pelas partículas de grafite, seus sítios ativos são localizados nas arestas do cristal. No processo de oxidação do grafite, inicialmente um átomo de oxigênio é quimicamente adsorvido num sítio de carbono ativo (reação E). Em seguida, o oxigênio quimicamente adsorvido no sítio ativo reage com o carbono (Cf) para formar CO (reação F). Finalmente, o CO é desorvido da superfície de grafite (reação G). Após o recobrimento, a espécie hidrofílica (óxido metálico) presente nas arestas inibe a oxidação [18].

2Cf + O2(g) = 2C(O) (E)

C(O) = (CO) (F)

(CO) = CO(g) (G)

Entretanto, segundo Yamaguchi et al. [18], o efeito de diferentes óxidos quanto a inibição da oxidação do grafite é distinto. Se o óxido recebe elétrons do grafite, como é o caso do Al2O3, a distribuição eletrônica resultante facilita a liberação de CO e a oxidação do grafite se acelera. Por outro lado, se o óxido doa elétrons para o grafite (TiO2, ZrO2 e MgO), a distribuição de elétrons resultante estabiliza a estrutura grafítica e a oxidação é inibida.

Adicionalmente, após tratamento, a superfície planar (face) das partículas de grafite se encontra coberta com óxido metálico [17]. Dessa forma, na superfície existem muitos átomos insaturados do metal, os quais facilmente se combinam com a água formando camadas M-OH na superfície, semelhantes às formadas nos óxidos puros. Pelo fato da camada de óxido ser porosa, a água é facilmente adsorvida sobre os grupos hidrofílicos M-OH. Por tais razões o pó de grafite coberto apresenta boa molhabilidade. Esse comportamento foi verificado por Yu et al [17], em partículas de grafite recobertas com TiO2 (Fig. 20).


CONCLUSÕES

A principal consequência do tipo de estrutura cristalina do grafite é sua baixa molhabilidade, o que dificulta o processamento desses materiais por meio de suspensões. Em virtude disso, diversos agentes ativos têm sido utilizados para melhorar a molhabilidade e favorecer a estabilidade de suspensões aquosas contendo grafite. Surfactantes não-iônicos permitem a compatibilização entre a superfície hidrofóbica do grafite e o meio hidrofílico como a água. Os surfactantes iônicos somam a vantagem de proporcionar repulsão eletrostática entre as partículas de grafite decorrente dos seus grupos hidrofílicos ionizáveis. Já a utilização dos copolímeros soma o efeito estérico proporcionado pelas cadeias longas das moléculas poliméricas. Além disso, a mistura surfactante-polímero permite associar a superior afinidade entre os grupos hidrofóbicos dos surfactantes e a superfície do grafite, com o efeito estérico de estabilização proporcionado pelo polímero. No entanto, é preciso ressaltar que em suspensões concentradas aditivos com cadeia molecular longa podem prejudicar a reologia.

A técnica de cobertura da superfície mostra-se ideal para o caso de suspensões concentradas pois não introduz moléculas de cadeias longas. Adicionalmente, após a cobertura, as propriedades superficiais do grafite se assemelham as propriedades de materiais iônicos como os óxidos, facilitando a preparação de suspensões multifásicas. Porém, esta técnica apresenta problemas de custo e apenas pequenas quantidades podem ser produzidas inviabilizando o seu uso industrial.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP e CNPq pelo apoio recebido.

(Rec. 15/06/00, Rev. 09/11/00, Ac. 10/11/00)

  • [1] W. Kenan, Why graphite, Ceram. Eng. Sci. Proc. 16, 1 (1995) 178-180.
  • [2] C. F. Cooper, "Graphite, nature's unique raw material", J. Can. Ceram. Soc. 63, 3 (1994) 197-208.
  • [3] D. F. Othmer, J. J. McKetta, Encyclopedia of chemical technology. 2 ed. New York: John Wiley & Sons, 4 (1964) 304- 327.
  • [4] H. P. Boehm, "Some aspects of the surface chemistry of carbon blacks and other carbons" Carbon 32, 5 (1994) 759-769.
  • [5] V. N. Moraru, et al., "Effects of pH and ionic strength of electrolyte solutions on the z-potential, stability, and rheological properties of aqueous graphite dispersions", Colloid J. USSR 42, 5 (1980) 738-743.
  • [6] V. N. Moraru, F. D. Ovcharenko, D. V. Moraru, "Adsorption of Poly(methacrylic acid) and its effect on the stability and electrosurface properties of graphite dispersions: 3. The effect of pH of a medium", Colloid J. 60, 4 (1998) 484-489.
  • [7] Y. Chong, "The surface modification of graphite particles by direct fluorination", Chem. Lett. (1993) 361-364.
  • [8] P. Somasundaran, S. Krishnakumar, "Adsorption of surfactants and polymers at the solid-liquid interface", Colloids and Surfaces A: Physicochemical and Engineering Aspects, 123-124 (1997) 491-513.
  • [9] S. Krishnakumar, P. Somasundaran, "Adsorption of Aerosol-OT on graphite from aqueous and non-aqueous media", Colloids and Surfaces A: Physicochemical and Engineering Aspects, 117, 3 (1996) 227-233.
  • [10] Y. Yamanaka, K. Esumi, "Adsorption of hydroxyethylcellulose or hydrophobically modified cellulose and anionic surfactant from their binary mixtures on particles", Colloids and Surfaces. A: Physicochemical and Engineering Aspects, 122 (1997) 121-133.
  • [11] Q. Xu, C. Maltesh, P. Somasundaran, "Stability of graphite suspensions in the presence of an amphiphilic comb-like polymer", J. Disper. Sci. Technol. 13, 2 (1992) 195-200.
  • [12] H. Otsuka, K. Esumi, "Interaction between Poly(N-vinyl-2-pyrrolidone) and anionic hydrocarbon/fluorocarbon surfactant on hydrophobic graphite", J. Colloid and Interface Sci. 170 (1995) 113-119.
  • [13] K. Wong, J. S. Laskowski, "Effect of humic acids on the properties of graphite aqueous suspensions", Colloids and Surfaces 12 (1984) 319-332.
  • [14] S. Sakamoto, Y. Ono, "Graphite containing unshaped refractories", Taikabutsu Overseas 14, 1 (1994) 47-51.
  • [15] P. A. Lessing, "Mixed-cation oxide powders via polymeric precursors", Ceram. Bull. 68, 5 (1989) 1002-1007.
  • [16] W. Liu, et al. "Synthesis and electrochemical studies of spinel phase LiMn2O4 cathode materials prepared by the Pechini process", J. Electrochem. Soc. 143, 3 (1996) 879-884.
  • [17] J. Yu, S. Ueno, K. Hiragushi, "Modification of raw refractory materials by TiO2 coating", In: UNITECR'97 (Unified International Conference on Refractories) New Orleans, USA, (1997) 1019-1027.
  • [18] A.Yamaguchi, S. Zhang, J. Yu, "Effect of refractory oxides on the oxidation of graphite and amorphous carbon", J. Am. Ceram. Soc. 79, 9 (1996) 2509-2511.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2001
  • Data do Fascículo
    Dez 2000

Histórico

  • Aceito
    10 Nov 2000
  • Revisado
    09 Nov 2000
  • Recebido
    15 Jun 2000
Associação Brasileira de Cerâmica Av. Prof. Almeida Prado, 532 - IPT - Prédio 36 - 2º Andar - Sala 03 , Cidade Universitária - 05508-901 - São Paulo/SP -Brazil, Tel./Fax: +55 (11) 3768-7101 / +55 (11) 3768-4284 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ceram.abc@gmail.com