Acessibilidade / Reportar erro

Infecção cutânea rara por Acinetobacter baumannii em imunocompetente: relato de um caso

Rare cutaneous infection by Acinetobacter baumannii in an immunocompetent patient: a case report

Resumos

O Acinetobacter baumanni é patógeno oportunista antigamente considerado de baixa virulência. Atualmente está envolvido em processos infecciosos que acometem pacientes imunocomprometidos,grandes queimados e pacientes em unidades de terapia intensiva que fazem uso de ventilação mecânica. Esse relato de caso chama atenção para infecção cutânea rara por essa bactéria em paciente imunocompetente.

Abscesso; Acinetobacter baumannii; Infecção


Acinetobacter baumannii is an oportunistic pathogen that used to be considered as having low virulence; however, it is currently known to be involved in infectious processes in patients with immunosuppression, large burns and those under mechanical ventilation in intensive care units. This case report emphasizes the possibility of cutaneous infection by A. baumanni in immunocompetent patients.

Abscess; Acinetobacter baumannii; Infection


CASO CLÍNICO

Infecção cutânea rara por Acinetobacter baumannii em imunocompetente: relato de um caso* * Trabalho realizado em clínica particular do autor principal. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Rare cutaneous infection by Acinetobacter baumannii in an immunocompetent patient: a case report* * Trabalho realizado em clínica particular do autor principal. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Pablo Vitoriano CirinoI; Newton Sales GuimarãesII; Ivonise FolladorIII

IAcadêmico de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) – Salvador (BA), Brasil

IIProfessor-assistente de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Bahia – Universidade Federal da Bahia (Famed-Ufba) – Salvador (BA), Brasil

IIIDoutora em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e médica preceptora do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Universitário Prof. Edgard Santos (Hupes-Ufba) – Salvador (BA), Brasil

Endereço para correspondência/ Mailing Address Endereço para correspondência/ Mailing Address: Ivonise Follador Rua do Timbó, Nº3509, Bairro: Caminho das Árvores, Ed. Porto Belo, apt. 704. 41820 660 - Salvador – BA. Tel: (71) 3351-3819 (71) 3237-3631 (71) 8848-8487 E-mail: ifollador@hotmail.com

RESUMO

O Acinetobacter baumanni é patógeno oportunista antigamente considerado de baixa virulência. Atualmente está envolvido em processos infecciosos que acometem pacientes imunocomprometidos,grandes queimados e pacientes em unidades de terapia intensiva que fazem uso de ventilação mecânica. Esse relato de caso chama atenção para infecção cutânea rara por essa bactéria em paciente imunocompetente.

Palavras-chave: Abscesso; Acinetobacter baumannii; Infecção

ABSTRACT

Acinetobacter baumannii is an oportunistic pathogen that used to be considered as having low virulence; however, it is currently known to be involved in infectious processes in patients with immunosuppression, large burns and those under mechanical ventilation in intensive care units. This case report emphasizes the possibility of cutaneous infection by A. baumanni in immunocompetent patients.

Keywords: Abscess; Acinetobacter baumannii; Infection

INTRODUÇÃO

O Acinetobacter baumannii é bactéria gramnegativa que vem ganhando importância clínica pelo fato de ter sido considerada de baixa virulência e atualmente estar envolvida em processos infecciosos nosocomiais como em unidades de pacientes grandes queimados, unidades de terapia intensiva, principalmente em pacientes em uso de ventilação mecânica.1-3 A infecção por esse patógeno também já foi documentada em pacientes que tenham algum tipo de imunocomprometimento, como idosos4 e pacientes com Aids.5 Os sítios de infecção mais comuns são trato respiratório, sangue, urina e, menos comumente, infecções cutâneas e líquido cefalorraquidiano.6-8

Esse patógeno tem alto poder de resistência a múltiplas drogas, o que dificulta seu tratamento, piorando assim o prognóstico do paciente. O Acinetobacter baumannii geralmente desenvolve resistência aos aminoglicosídeos, â-lactâmicos e fluorquinolonas, e costuma ser sensível apenas aos carbapenêmicos.9,10

Este caso chama atenção pelo fato de não haver descrições na literatura mundial de infecção cutânea pelo Acinetobacter baumannii em pacientes imunocompetentes.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, de 55 anos de idade, informava que há um mês começou a notar "caroços avermelhados" no tornozelo do pé direito, que logo passaram a drenar secreção purulenta através de vários pontos fistulosos. No início apresentou importante adenopatia inguinal à direita. Referia dor local, negava perda de peso, queda do estado geral ou febre. Associava a contato direto da pele com grama contaminada com esgoto domiciliar poucos dias antes do aparecimento do quadro, sem haver solução de continuidade prévia ou no dia do referido contato. Paciente referiu uso anterior de diversos antibióticos, como azitromicina, penicilina benzatina, clindamicina, cefalexina sem haver, contudo regressão do quadro.

Saúde geral boa, menopausa aos 44 anos. Cirurgia de úlcera em duodeno há 10 anos. Safenectomia bilateral de varizes há cinco anos, sem qualquer intercorrência durante esse período. Negava outras doenças, internamentos ou transfusões de sangue. Negava uso de drogas intravenosas. Foram solicitados exames laboratoriais que mostraram glicemia normal e sorologias negativas para HIV, HTLV, VHB e VHC. Doppler venoso dos MMII foi normal.

Ao exame, bom estado geral e nutricional, IMC de 23,45kg/m2, mucosas coradas, ausência de varizes nos MMII bem como de edemas difusos ou outras anormalidades.

Ao exame dermatológico havia presença de nódulos eritemato-violáceos de consistência endurecida, presença de edema ++/++++ no calcâneo e tornozelo direito, com eritema violáceo e vários pontos fistulosos ativos (Figuras 1 e 2).



Para melhor avaliação dos nódulos, foi solicitada ultra-sonografia de partes moles que revelou "nódulos hipoecóicos na pele e edema no tecido celular subcutâneo em região póstero-medial e lateral do tornozelo direito". A cultura da secreção drenante mostrou a presença da bactéria Acinetobacter baumannii com sensibilidade à ampicilina e sulbactam. Radiografia de pé direito foi normal. A biópsia da lesão foi feita com punch de 4mm. O estudo histopatológico revelou derme com fibrose e ectasia vascular com infiltrado inflamatório na derme profunda (Figura 3). Na derme profunda e hipopoderme havia fibrose envolvendo adipócitos mostrando infiltrado misto, linfo-histiocitário, neutrofílico com alguns microabscessos (Figura 4) e presença de inflamação crônica agudizada dermo- hipodérmica.



A paciente foi tratada empiricamente com Sulfametoxazol e Trimetropin por 10 dias, apresentando melhora parcial, e posteriormente com sultamicilina, 375mg, via oral, 12/12 horas por 14 dias. Apresentou regressão total das lesões, mantendo-se sem recidivas nos cinco anos seguintes.

DISCUSSÃO

O Acinetobacter baumanni é bactéria gramnegativa, aeróbica, não fermentativa, localizada freqüentemente no solo, na água, em superfícies secas e possivelmente em mãos contaminadas dos agentes de saúde que estão em contato com pacientes.1 Essa bactéria vem-se tornando importante patógeno nos últimos anos devido a surtos de infecção em unidades de grandes queimados, imunodeprimidos e pacientes em uso de ventilação mecânica que estão internados em UTI.7,11 Na década de 1990 na Espanha o Acinetobacter baumannii foi o patógeno mais isolado em pacientes em UTI, com prevalência de 3,7%, aumentando dois anos depois para 8,2% e assim ocupando o terceiro lugar dos patógenos mais freqüentes naquela unidade.1 Foi descrita a presença de 12 genótipos diferentes do A.baumanni (A-L).3,7 Entre elas estão as cepas que têm capacidade de desenvolver resistência a múltiplas drogas, o que pode estar relacionado com sua persistência em hospitais, falha terapêutica e presença de surtos de infecção.9 Além da capacidade de multirresistência, foi relatada menor eficácia dos antissépticos como PVP-iodine, clorexidine e propanol. Caso o tempo de exposição ao antisséptico e sua concentração não sejam adequados, o antisséptico pode servir até como meio de cultura para cepas do A. baumanni, propriedade comumente encontrada em bactérias gram-negativas, como Pseudomonas aeruginosa, Proteus ssp. e Providencia ssp.10 Na literatura há vários procedimentos da prática hospitalar que são fatores de risco para infecção pelo A. baumannii, por exemplo, a cateterização por sonda de Foley de demora, uso de ventilação mecânica, história de uso excessivo de antibióticos, troca de traqueostomia e hospitalizações prévias.8,12 Existem doenças que se podem revelar fatores de risco para a contaminação com esse patógeno, como aqueles pacientes com risco de doença cardiovascular, desordens respiratórias, diabetes mellito e realização de cirurgias prévias.8,13 Após instalada a infecção por esse patógeno, o paciente pode cursar com quadros septicêmicos, podendo atingir porcentagens elevadas de óbitos. Em estudo retrospectivo analisando 113 culturas positivas para o A.baumanni encontrou-se taxa de mortalidade que variou de 41,4 a 91,7%; outro, com 122 amostras, encontrou taxa de mortalidade de 10%.8 O tratamento da infecção por esse patógeno deve ser guiado primeiramente pelo antibiograma a fim de analisar o padrão de resistência de cada cepa. Para cepas resistentes pode-se utilizar do imipenen ou meropenen. A ampicilina associada ao sulbactam ou à rifampicina, em pacientes que não correm risco de vida, também é boa alternativa.14 Para cepas multirresistentes pode-se usar a polimixina E endovenosa ou associá-la à rifampicina. 15

Apresenta-se caso de rara infecção cutânea pelo Acinetobacter baumannii em paciente imunocompetente que, de possíveis fatores de risco, apresentou safenectomia bilateral prévia e contato com água contaminada. Deve-se pensar na possibilidade de infecção cutânea por esse patógeno em casos de abscessos cutâneos fistulosos, principalmente, em casos de falha terapêutica inicial. □

Recebido em 02.05.2008.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 26.06.2008.

  • 1. Higlights ECCMID 2007: 17th European Congress of Clinical Microbiology and Infectious Diseases - Munique. Prat Hosp. 2007;9:17.
  • 2. von Dolinger de Brito D, Oliveira EJ, Abdallah VO, da Costa Darini AL, Filho PP. An outbreak of Acinetobacter baumannii septicemia in a neonatal intensive care Unit of a University Hospital in Brazil. Braz J Infect Dis. 2005;9:301-9.
  • 3. Huang YC, Su LH, Wu TL, Leu HS, Hsieh WS, Chang TM, et al. Outbreak of Acinetobacter baumannii bacteremia in a neonatal intensive care unit: clinical implications and genotyping analysis. Pediatr Infect Dis J. 2002;21:1105-9.
  • 4. Chiang WC, Su CP, Hsu CY, Chen SY, Chen YC, Chang SC. Community-acquired bacteremic cellulitis caused by Acinetobacter baumannii. J Formos Med Assoc. 2003;102:650-2.
  • 5. Bachmeyer C, Landgraf N, Cordier F, Lemaitre P, Blum L. Acinetobacter baumanii folliculitis in a patient with AIDS. Clin Exp Dermatol. 2005;30:256-8.
  • 6. Simor AE, Lee M, Vearncombe M. An Outbreak due to multiresistant Acinetobacter baumanniii a burn unit: risk factors for acquisition and management. Infect Control Hosp Epidemiol. 2002;23:261-7.
  • 7. Akalin H, Ozakin C, Gedikoglu S. Epidemiology of Acinetobacter baumannii in a University Hospital in Turkey. Infect Control Hosp Epidemiol. 2006;27:404-8
  • 8. Mahgoub S, Ahmed J, Glatt AE. Underlying characteristics of patients harboring highly resistant Acinetobacter baumannii. Am J Infect Control. 2002;30:386-90.
  • 9. Poirel L, Nordmann P. Carbapenem resistance in Acinetobacter baumannii: mechanisms and epidemilogy. Clin Microbiol Infect. 2006;12:826-36.
  • 10. Wisplinghoff H, Schmitt R, Wöhrmann A, Stefanik D, Seifert H. Resistance to disinfectants in epidemiologically defined clinical isolates of Acinetobacter baumannii. J Hosp Infect. 2007;66:174-81.
  • 11. Sengupta S, Kumar P, Ciraj AM, Shivananda PG. Acinetobacter baumannii - An emerging nosocomial pathogen in the burns unit Manipal. Burns. 2001;27:140-4.
  • 12. Koljalg S, Naaber P, Mikelsaar M. Antibiotic resistance as an indicator of bacterial chlorhexidine susceptibility. J Hosp Infect. 2002;51:106-13.
  • 13. Smolyakov R, Borer A, Riesenberg K. Nosocomial multidrug resistant Acinetobacter baumannii bloodstreaminfection: risk factors and outcome with ampicillin-sulbactam treatment. J Hosp Infect. 2003;54:32-8.
  • 14. Corbella X, Ariza J, Ardanuy C, Vuelta M, Tubau F, Sora M, et al. Efficacy of sulbactam alone and in combination with ampicillin in nosocomial infections caused by multiresistant Acinetobacter baumannii. J Antimicrob Chemother. 1998;42:793-802.
  • 15. Kuo LC, Lai CC, Liao CH, Hsu CK. Multidrug-resistant Acinetobacter baumannii bacteraemia: clinical features, antimicrobial therapy and outcome. Clin Microbiol Infect. 2007;13:196-8.
  • Endereço para correspondência/ Mailing Address:
    Ivonise Follador
    Rua do Timbó, Nº3509,
    Bairro: Caminho das Árvores,
    Ed. Porto Belo, apt. 704.
    41820 660 - Salvador – BA.
    Tel: (71) 3351-3819 (71) 3237-3631 (71) 8848-8487
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado em clínica particular do autor principal.
    Conflito de interesse: Nenhum
    Suporte financeiro: Nenhum
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      26 Jun 2008
    • Recebido
      02 Maio 2008
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br