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Uma agenda necessária

A necessary agenda

DEBATEDOR

Uma agenda necessária

A necessary agenda

Jorge Mesquita Huet Machado

Doutor em Saúde Pública, tecnologista em Saúde Pública. Assessor da Vice-Presidência de Ambiente e Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Contato: Fundação Oswaldo Cruz, Castelo Mourisco – VPAAPS, Avenida Brasil, 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. CEP: 21040-900, Email: jorgemhm@fiocruz.br

O artigo "Modelo de desenvolvimento, agrotóxicos e saúde: um panorama da realidade agrícola brasileira e propostas para uma agenda de pesquisa inovadora" representa um guia de prioridades para o enfrentamento da questão dos agrotóxicos no Brasil. É um texto necessário e instigante. É necessário dada a relevância do tema dos agrotóxicos para a saúde pública e a premência em situar o seu uso no contexto da realidade agrícola brasileira. É também instigante, pois revela um cenário que deve ser aprofundado e descortinado até seu desvendamento por completo. Daí a necessidade de uma agenda de pesquisa e de sua incorporação nos processos de promoção da saúde.

O contexto da utilização dos agrotóxicos, sua magnitude e tendência são explorados de maneira a transparecer um uso acima do racional e descontrolado. O forte apelo à utilização dos agrotóxicos e a acumulação derivada de seu uso em si são fundamentados no volume de capital envolvido na compra e venda de produtos tóxicos destinados principalmente à lavoura extensiva, monoculturas de uso intensivo de meios de capital. O que os autores estabelecem como central no artigo é como observar esse modelo para desvendar suas contradições de impactos na saúde humana, ambientais e sociais, que em médio e longo prazos implicam em uma insustentabilidade sanitária, ambiental e social deste modelo.

A proposta de uma agenda de pesquisa requer, ao mesmo tempo, um programa de restrição do uso dos agrotóxicos no Brasil: a agenda do uso restrito. A título de provocação ao debate, enuncio aqui algumas propostas instigadas pela leitura do texto.

Governança

- Instituir grupo permanente de acompanhamento dessa política intersetorial, "Agenda de restrição do uso de agrotóxicos no Brasil", sob a coordenação do Ministério da Saúde ou da comissão de saúde do Congresso Nacional.

- Identificar e mapear grupos de pesquisa e experiências que vêm contribuindo para a produção científica e metodológica em trabalho, saúde e ambiente.

- Estabelecer rede de trabalho e discussão em trabalho, saúde e ambiente.

- Reconhecer a questão química (produção, uso, impacto e controle de substâncias químicas) como um dos eixos articuladores.

- Priorizar a questão do agronegócio, da monocultura, dos transgênicos, dos agrotóxicos e do setor sucro-alcooleiro na discussão, na pesquisa e na atenção em saúde/trabalho/ambiente.

- Ampliar a participação nos fóruns estabelecidos, buscando contribuir com sua qualificação como, por exemplo, na Comissão Nacional de Segurança Química, nas Comissões Interinstitucionais de Saúde do Trabalhador e do Meio Ambiente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no próprio CNS e no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

- Fortalecer relações solidárias com os diversos movimentos sociais envolvidos na questão rural, apoiando a difusão de técnicas agrícolas sustentáveis junto à Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), aos Movimentos dos Trabalhadores sem Terra (MST), aos movimentos de povos de floresta, dos povos indígenas, dos quilombolas e dos pequenos produtores rurais.

- Estabelecer equipe técnica de coordenação dos trabalhos da comissão junto aos órgãos de execução.

- Estabelecer equipes de vigilância específica para atender ao programa de redução do uso de agrotóxico inspirada no modelo de controle da febre aftosa, que possui uma cobertura da vigilância de 100% dos bois (PIGNATI;

MACHADO, 2011).

Vigilância em saúde

- Colocar em prática o componente de promoção da saúde do plano de vigilância dos agrotóxicos do Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), hoje em processo de pactuação no Sistema Único de Saúde (SUS).

- Instituir uma meta intersetorial de redução pela metade, em 3 anos, da utilização de agrotóxicos classificados como extremamente e altamente tóxicos.

- Estabelecer processo de vigilância em saúde articulado intra e intersetorialmente.

- Desencadear ações de vigilância em saúde ambiental e de saúde do trabalhador a partir dos dados do Programa de Análise de Resíduos em Agrotóxicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Para/Anvisa)1 1 Disponível em < http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Agrotoxicos+e+Toxicologia/Assuntos+de+Interesse/Programa+de+Analise+de+Residuos+de+Agrotoxicos+em+Alimentos>. Acesso em: 24 abr. 2012. .

- Estabelecer parâmetros decrescentes de inconformidades observadas no Para/Anvisa.

- Adequar o uso dos agrotóxicos às lavouras prescritas.

- Fiscalizar o comércio varejista dos agrotóxicos, identificando a prescrição e associando aos usos reais.

- Estabelecer patamar de contaminação química na água potável para reduzi-lo até chegar ao indicador recomendado na União Europeia em 3 anos.

- Implementar o modelo de atenção integral à saúde das populações expostas a agrotóxicos.

- Estabelecer a vigilância em saúde do trabalhador e em saúde ambiental em todo ciclo de vida dos agrotóxicos (Figura 1).


- Fortalecer as alternativas tecnológicas ao uso de agrotóxicos, em especial as alternativas agroecológicas.

Financiamento

- Reverter os incentivos fiscais que favorecem a utilização dos agrotóxicos.

- Criar um fundo de financiamento de investigação e atividades de vigilância em saúde para redução do uso dos agrotóxicos no Brasil.

Essas, entre outras propostas, devem ser discutidas nas agendas do SUS, especificamente pelas Vigilâncias em Saúde Ambiental e pela Rede Nacional de Atenção Integral em Saúde do Trabalhador, a Renast, dentro do componente de vigilância em saúde da Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (Renases), a ser contratualizada pelos estados e municípios.

O uso dos agrotóxicos deve ser visto como uma questão de segurança química que deve se alinhar à gestão estratégica dos produtos químicos que aponta os agrotóxicos como um foco importante. É uma questão de segurança alimentar e de reprodução social que ameaça a vida no nosso planeta.

Como vemos no artigo de Porto e Soares, o dimensionamento do impacto na saúde, apesar de crescente, ainda é insuficiente e a resposta do Estado, de controle do uso de agrotóxico, é extremamente tímida.

O momento é de reflexão, aprofundamento e ação em relação ao uso dos agrotóxicos no Brasil, no sentido do desvelamento do seu real impacto na saúde pública, do grau de intoxicação dos trabalhadores rurais e de contaminação, via alimentos, de toda a população brasileira e de como pode ser revertido esse processo.

Recebido: 16/08/2011

Aprovado: 27/04/2012

  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental. Plano Integrado de Vigilância em Saúde de populações Expostas aos Agrotóxicos, 2009. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/plano_agrotoxico.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2012.
  • PIGNATI, W. A.; MACHADO, J. M. H. O agronegócio e seus impactos na saúde dos trabalhadores e da população do estado do Mato Grosso. In: MINAYO-GOMEZ, M.; MACHADO, J. M. H.; PENA, P. G. L. Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. p. 245-272.
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    Disponível em <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012
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