Acessibilidade / Reportar erro

Oceano sem lei A história do Brasil vista do porão do Navio Manaus

Ocean without law Brazilian History as Seen from the Basement of Manaus Ship

Resumo

Este artigo é dividido em duas partes. Na primeira, são comentados três poetas (Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e Murilo Mendes) que, na primeira metade do século XX, tematizaram as experiências históricas das guerras, da ascensão dos fascismos e das heranças coloniais em poemas em que a voz lírica se coloca à beira-mar. Na segunda parte, tomaremos o Navio Manaus como objeto de reflexão, sobretudo o uso de seu porão como prisão, tal como relatado em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Aqui, novamente, temos uma experiência histórica contemporânea tematizada por meio de conexões entre história, poesia e imaginário, no que se refere ao espaço oceânico, o qual adquire assim um estatuto de alegoria histórica. Nessa alegoria temos a figuração do emigrante sem porto de chegada, sem lar, aqueles que, segundo Hannah Arendt, perderam o direito de ter direitos. As duas partes do artigo confluem para uma reflexão sobre os frágeis, mas necessários, poderes da narração frente a experiências extremas e traumáticas, em contraste com o esquecimento inocente num mundo sem inocência.

Palavras-chave:
Oceano Atlântico; alegoria; História Contemporânea

Abstract

This article is divided into two parts. In the first, three poets are commented (Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes and Fernando Pessoa) who, in the first half of the twentieth century, discussed the historical experiences of wars, the rise of fascisms and colonial inheritances in poems in which the lyrical voice stands by the sea. In the second part, we will take the Manaus Ship as an object of reflection, above all the use of its basement as a prison, as reported in Memórias do Cárcere, by Graciliano Ramos. Here, again, we have a contemporary historical experience thematized through connections between history, poetry and the imaginary, with regard to the oceanic space, which thus acquires a status of historical allegory. In this allegory we have the figure of the emigrant without a port of arrival, without a home, those who, according to Hannah Arendt, lost the right to have rights. The two parts of the article converge for a reflection on the fragile, but necessary, powers of narration in the face of extreme and traumatic experiences, in contrast to the innocent forgetfulness in a world without innocence.

Keywords:
Atlantic Ocean; Allegory; Contemporary History

Nossos mortos não pedem vingança só justiça de algum jeito eles sempre retornam. Vocês que perambulam pelos mares e pelo oceano prestem atenção a tudo que de sua entranha aflore: algum sinal, víscera, qualquer indício estranho talvez uma mão crispada, roxa segurando um bouquet de flores encharcadas. Vocês que passeiam por praias desertas por favor, ouçam com atenção qualquer ruído, o barulho de um corpo no mar é assim como o estalar da asa de uma mariposa muito frágil. (POLARI, 1980POLARI, Alex. Camarim de prisioneiro. São Paulo: Global, 1980., p. 90)

Nas primeiras décadas do século XX, alguma coisa inquietante vinha do mar. Isso é o que nos revelam três poetas que escreviam como se estivessem em frente ao oceano, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Fernando Pessoa. Nos poemas que serão comentados, o mar remete a uma espécie de espaço onde a lei é abolida, como num estado de exceção. Esses poetas figuram aqui porque suas obras, especialmente entre os anos 1920 e 1940, perfizeram intersecções exemplares entre lirismo e história (vivida e narrada) e porque, neles, o mar é uma imagem-chave na construção dessas conexões.1 1 O objetivo aqui não é fazer um comentário sobre as obras desses poetas, mas sim apenas notar a figuração do oceano em poemas específicos. Cada um deles equacionou lirismo e história de um modo particular. Assim, Murilo Mendes tem a marca da busca pela totalidade, uma visão cristã e surrealista sobre o futuro e o passado como fontes de sacralidade, frente a um presente, sobretudo com a ascensão dos fascismos e das guerras, marcado pela negatividade (MOURA, 1995). Em Drummond, o poeta gauche dispõe apenas do mundo histórico tal qual é, a transcendência deve ser feita da mesma matéria que a história. Mesmo que nesta o poeta, o modernista, o homem político ligado a Capanema e ao golpe de 1930, surjam como enunciações disjuntivas, paradoxais (SAID, 2005). Em Pessoa, a criação plural de heterônimos e a tematização da poesia lírica como arena em que se encontram experiências-limites da subjetividade moderna, num jogo poético entre despersonalização e criação do sujeito lírico (GIL, 1987). Neles, o mar é o palco traumático de um futuro ameaçador. Futuro, porque como observa Paul K. Saint-Amour, o trauma é antes de tudo um acontecimento violento de um passado que está sempre por vir, repetindo-se (SAINT-AMOUR, 2015SAINT-AMOUR, Paul K. Tense future. Modernism, Total War, Encyclopedic Form. New York: Oxford University Press, 2015.).

O livro citado de Saint-Amour é também uma discussão sobre o estado de emergência, na antevisão, entre os anos 1920 e 1930, de que uma guerra total aconteceria novamente. O tempo do entreguerras, que para o autor seria uma conceituação mais precisa para o século XX do que o figurado pelo conceito de guerra total, seria o da colisão entre o luto por uma morte passada e a antecipação do pânico vindouro, mas também um tempo situado literalmente entre guerras, dispersas de modo desigual pelo sistema-mundo. Para Saint-Amour (2015, p. 65), essa antecipação pânica seria uma marca da cultura sobre o espaço aéreo no entreguerras. O equivalente a esse pânico frente ao espaço aéreo no espaço marítimo seria a proliferação de novas tecnologias militares, como o submarino e o bombardeio indiscriminado a alvos civis.

Nessa situação, é como se o mar readquirisse seu estatuto mítico que a modernidade viria supostamente a suavizar, com a domesticação do mar primeiro por práticas de saúde e depois pelo lazer e pelo turismo. O mar que na Bíblia é o abismo da Criação, morada de monstros como o Leviatã ou mesmo domínio satânico, e, na tradição literária clássica, espaço de exílio, convertido, segundo Corbin, no imaginário ocidental, entre os séculos XVIII e XIX, num espaço voltado para a restauração do corpo, dos devaneios e do descanso (CORBIN, 1989CORBIN, Alain. O Território do vazio. A praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.). Embora, como veremos nos poemas e nas memórias de Graciliano Ramos, ao mesmo tempo em que o mar ganha tonalidades míticas, os turistas façam parte da paisagem marítima; de um modo insólito, uma vez que os turistas são aqueles que passam e se esquecem das histórias que o oceano movimenta.

Os poemas que serão brevemente comentados plasmam, num imaginário oceânico, experiências históricas: a proliferação dos fascismos e o mar como palco de novas formas de guerra e política, a memória do Atlântico do colonialismo e do tráfico negreiro, na primeira metade do século XX. Fascismos, no plural, porque aqui o fascismo se considera como fenômeno transnacional da primeira metade do século XX, demarcado pelos seguintes traços: uma religião secular; uma cultura política violenta, baseada na generalização do estado de exceção e do poder ditatorial; uma ideologia ativista e antiteórica, baseada no culto à virilidade (FINCHELSTEIN, 2010FINCHELSTEIN, Frederico. Fascismo trasatlántico. Ideología, violência y sacralidad en Argentina y em Italia, 1919-1945. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010., p. 24).

Com o mesmo intuito vamos percorrer, na segunda parte do artigo, a história do Navio Manaus, em particular na função de navio-­prisão, ponto de passagem entre outras experiências prisionais da ditadura Vargas, todas convergindo para aquilo que Elizabeth Cancelli chama de “inferno da impotência” - espaços que visavam à despersonalização dos presos (CANCELLI, 1993CANCELLI, Elizabeth. O Mundo da violência. A polícia da Era Vargas. Brasília: EdUnB, 1993., p. 192-198). Naquele mesmo sentido do trauma como repetição, veremos emergir no porão de um navio-­prisão dos anos 1930 os fantasmas do navio negreiro, sobreposição de experiências e narrativas históricas que perfaz relações alegóricas entre o porão do Manaus e a história Atlântica do Brasil. Alegoria no sentido de narrativa que expressa outros sentidos, além do literal e em que se produz conhecimento histórico (BENJAMIN, 2011BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Belo Horizonte: Autêntica, 2011., p. 169-178). E, como o estado de exceção ainda faz parte de nosso horizonte, recompor essas histórias não é apenas falar de um passado acabado em si mesmo, mas sim de um passado que assombra nosso porvir.

Na primeira parte deste artigo, “a história refletida no mar”, a experiência histórica é matéria-prima de expressões poéticas do imaginário, na segunda parte, “o mar refletido na história”, elementos poéticos são mobilizados para darem sentido a uma experiência histórica. O mar, portanto, considerado como espaço de memória, historiografia e poesia. Entendendo-se o trabalho poético como criação de possibilidades para se ampliar o horizonte do que pode ser dito, nas duas partes deste artigo procuramos vislumbrar uma poética atlântica, situada historicamente, num período de proliferação de fascismos e de entreguerras.

A relação entre as duas partes deste artigo é, sobretudo, metafórica. Isso, no sentido básico da metáfora, o dar a uma coisa o nome de outra. Em comum, partimos de uma mesma experiência histórica, entre as décadas de 1930 e 1940. Imagens e metáforas foram criadas para dar sentido a essa experiência, as quais estão presentes tanto nos poemas quanto nas memórias aqui brevemente analisados. Daí que um núcleo de imagens e temas seja recorrente entre as duas partes deste artigo. Além disso, as partes são complementares em termos topográficos: na primeira, temos poetas que se situam, liricamente, à beira-mar e constroem, no imaginário oceânico, uma poética marcada pela história vivida. Na segunda, um escritor, no alto mar, no porão de um navio presídio, recorre à criação poética para dar sentido a uma experiência extrema. À beira-mar, a poesia toma a posição de uma espectadora do oceano sem leis, em pleno mar a experiência da suspensão do direito é vivenciada pelo escritor e figurada em sua poética.

A história refletida no mar

Comecemos com Drummond:

Os inocentes do Leblon Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar. Trouxe bailarinas? Trouxe emigrantes? Trouxe um grama de rádio? Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave que eles passam nas costas, e esquecem. (ANDRADE, 1973ANDRADE, Carlos Drummond. Reunião. 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973., p. 50-51)

Marcante nesse poema é o distanciamento irônico do poeta. O seu ponto de vista descreve uma cena da qual o poeta não participa, apenas observa o cenário composto pela relação, tingida de ignorância ou indiferença, entre os inocentes à beira-mar e aquilo que pode advir do oceano. Isso não significa que o poeta tenha maior domínio da rea­lidade do que os inocentes, ele apenas sabe de um acontecimento, a chegada de um navio. Mas o que navio traz, isso lhe é indecifrável. Tanto que ele oscila entre possibilidades encantadoras, ingênuas, como as bailarinas, o desespero dos emigrantes e a matéria ameaçadora, radioativa. Assim, a inocência, mesmo que definitiva, adquire um teor inquietante no poema, por ser a inocência num mundo nada inocente. O próprio poema, com suas repetições insistentes constrói uma voz angustiada. A ironia do poeta não constrói uma posição de superioridade e sim de ansiedade e quase pânico. O contraste entre a banalidade do cotidiano, a praia como polo de lazer, o óleo suave nas costas, e aquilo que o navio pode significar, reforça a atmosfera de um ambiente insólito.

No livro O Sentimento do Mundo, publicado em 1940, esse poema vem logo em seguida ao poema “Privilégio do mar” (ANDRADE, 1973ANDRADE, Carlos Drummond. Reunião. 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973., p. 50). Ambos tratam do mesmo assunto, o contraste entre a vida à beira-mar e a presença sinistra de um navio que se aproxima. Novamente, a poética é irônica. O edifício é apresentado como sólido, embora de uma segurança medíocre. A solidez é contrastada com a presença de mil corpos, em mil compartimentos iguais, nos apartamentos. É possível que seus moradores subam ao terraço, para “respirar a brisa do oceano”, o privilégio de morar num edifício à beira-mar. Uma voz poética um tanto insegura, em meio a esses contrastes entre segurança, solidez, mediocridade, solidão e autoengano conclui: “o mundo é mesmo de cimento armado”. Constatação mais parecida com uma tentativa de auto­convencimento, uma vez que a presença do oceano coloca em xeque toda a tranquilidade aparente da situação: “Certamente, se houvesse um cruzador louco, / fundeado na baía em frente da cidade, / a vida seria incerta... improvável...” (ANDRADE, 1973, p. 50). Apresentada como uma hipótese, no condicional, a possibilidade é suficiente para explicitar que a solidez do edifício é ilusória.

É importante sublinhar o contexto poético desses poemas brevemente comentados. O livro O Sentimento do Mundo faz parte de uma poética drummondiana fortemente marcada pela tensão entre lirismo e história coletiva - um lirismo em que a dor do século é marcante, perpassando a voz do poeta. De acordo com John Gledson, três livros compostos por Drummond ao longo dos anos 1930 e 1940 marcam uma fase em sua obra (além de O Sentimento do mundo, os livros José e A Rosa do povo). A marca central dessa poética seria, ainda de acordo com Gledson, a tensão entre o eu do poeta e o mundo; tensão na medida em que mundo e poeta estão separados, mas um pode se interrogar sobre o outro (GLEDSON, 2018GLEDSON, John. Poesia e poética de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: E-galáxia, 2018., p. 150). Trata-se de uma poética indagadora, sensível e intelectualmente, em que o poeta medita sobre o sentido da história. Daí que um conceito central para o entendimento dessas obras seja o de alienação, não no sentido marxista, mas no sentido mais amplo de estranhamento entre o eu e o mundo; e o eu e os outros (GLEDSON, 2018, p. 156).

A noite, observa Gledson, é a imagem mais importante na estruturação desse conjunto de obras poéticas. A noite que “dissolve os homens”, cria uma unidade entre eles, mas unidade tensionada pela separação criada pelas trevas noturnas, e a noite como emblema alegórico do século XX, como se se tratasse de um século “noturno”. A outra imagem estruturante é justamente o mar, que recebe esses mesmos sentidos observados na imagem da noite (o ilimitado, o desconhecido, unindo a humanidade ao mesmo tempo em que a separando em fragmentos desconexos).

Há, de acordo com Vagner Camilo, no livro O Sentimento do mundo, uma cartografia lírico-social em que os espaços sociais se articulam, separam-se; por exemplo, as relações entre o espaço de dentro ocupado pelo poeta, seu apartamento, em sua condição de funcionário público, e os espaços de fora, as ruas da cidade, espaço da vida social, da ação, que o poeta vê à distância (CAMILO, 2002CAMILO, Vagner. A Cartografia lírico-social de Sentimento do Mundo. Revista USP, n. 53, p. 64-75, mar.-maio 2002.). É importante, ainda, recordar, sobretudo tendo em vista o cárcere experimentado por Graciliano Ramos, que a escrita de Drummond, naqueles anos, era fortemente tensionada pelas angústias da participação política no projeto revolucionário de 1930, frente à afirmação do poeta como sujeito exterior a essa política, considerando-se seu caráter autoritário e ditatorial. A ironia reflexiva do poeta pode ser assim considerada um traço de angústia perante os compromissos políticos, das disjunções vividas por Drummond entre sua condição de escritor, gauche, intelectual modernista ou “soldado iluminado” - expressão usada por Gustavo Capanema para elogiá-lo, em 1932 (SAID, 2005SAID, Roberto. A Angústia da ação. Poesia e política em Drummond. Curitiba; Belo Horizonte: UFPR; UFMG, 2005., p. 45).

Numa poética diferente, a de Murilo Mendes, também se dava, naqueles anos, essa relação tensa entre lirismo e história, nesse caso com uma mistura particular de posicionamentos antifascistas, antimilitaristas e a conversão do poeta ao cristianismo. De acordo com José Guilherme Merquior, uma poesia marcada pelo tom visionário, o qual, porém, desagua “em atitudes resolutamente intramundanas” (MENDES, 1995MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995., p. 13). No caso do cristianismo e das imagens apocalípticas, o que faz a poética de Murilo Mendes tender a visões sublimes, não há porém, também de acordo com Merquior, qualquer justificativa teológica para a violência social e histórica. Sendo assim, ao contrário da tendência à elevação propiciada pelo sublime, que redundaria numa sacralização da violência (LACAPRA, 2009LACAPRA, Dominick. History and its limits. Human, animal, violence. Ithaca: Cornell University Press, 2009., p. 59-89), o poeta nos oferece um grito insubordinado em que o mal é concreto, mundano, absurdo. Há uma ambivalência, mais do que uma mera ambiguidade, entre o sagrado e o profano, no sentido de que o par é visto como uma conjunção paradoxal de forças que se contrapõem; a história, na poesia de Murilo Mendes, é a experiência sublime do confronto entre potências sobre-humanas, a poesia emerge da procura por uma forma para o caos - entendido como signo do tempo histórico (STERZI, 2010STERZI, Eduardo. Murilo Mendes: a aura, o choque, o sublime. Revista Eletrônica Literatura e autoritarismo, n. 5, p. 49-84, nov. 2010.).

Do livro As Metamorfoses, publicado em 1944, o poema intitulado “História” (MENDES, 1995MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995., p. 330) é exemplar nesse sentido; o poema se abre com a imagem apocalíptica dos “mares que se contraem”. Mares, nuvens, vozes dos que “nasceram a mil anos”, compõem um cenário de terror cósmico; um mar que se contrai é imagem concentrada de uma natureza que se contorce de dor, uma “convergência de presságios”. As imagens poéticas têm um teor de destino em nível cósmico, sublime, mítico. O poema funciona como um emblema, uma alegoria do conceito de História.

Na poética de Murilo Mendes, esse aspecto histórico é constantemente referido às experiências de ascensão dos fascismos e as guerras mundiais. E aqui ela se conecta às experiências de outro intelectual que observou o oceano à beira-mar, mas do outro lado do Atlântico. Percorrendo o litoral do Atlântico Norte francês, Paul Virilio escreveu um livro muito interessante sobre a presença de bunkers construídos na Segunda Guerra Mundial, durante a ocupação nazista. O autor fala sobre a proibição de se ir ao litoral durante a Segunda Guerra (VIRILIO, 2008VIRILIO, Paul. Bunker Archeology. New York: Princeton Architectural Press, 2008., p. 9), depois, com a abertura das praias, a presença de artefatos militares. Nessa paisagem, o significado da imensidão oceânica se misturava com a o do campo de batalha convertido em deserto. O objetivo do autor era arqueológico, percorrer até descobrir parte do mistério daquelas formas cinzas. Por que essas construções extraordinárias passavam despercebidas? Por que a analogia de formas arquitetônicas entre o funeral e o militar? Por que essa posição insana, de frente para o oceano? Até então, as fortalezas sempre eram voltadas para um objetivo definido, específico. Aqui, prossegue Virilio (2008, p. 12), a guerra total se revelava em seus aspectos míticos.

Na obra de Murilo Mendes, o sublime é concatenado ao insólito, como no caso da imagem dos “berços onde dormem crianças com fuzis”. Trata-se de um apocalipse situado historicamente, como ascensão da violência desencadeada pelo entreguerras e pelos fascismos. Aspectos que aparecem no poema O Navio Fantasma:

Passou o grande navio Levando os emigrados Que nenhum país aceita. A estrela da manhã vê-se manchada, Envenenaram as fontes. Tingiram os corpos de sangue, Estrangulam até crianças. Gritei então para o céu: Abre-te, ó Pai, como o orvalho, Manifesta-te violentamente, Faze voltar o amor ao coração dos homens. O grande navio Desapareceu na curva do horizonte Carregando no seu bojo os amaldiçoados Que não podem pousar em ponto algum. E eu estava em pé na areia branca do mar. (MENDES, 1995MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995., p. 362)

Novamente, o tom apocalíptico, bem como, num outro viés, diverso do de Drummond, a alienação entre poeta e mundo. A areia branca em que o poeta está de pé pode significar tanto um lugar de segurança e solidez, em oposição à insegurança do mar, quanto a impotência daquele que pode apenas testemunhar a passagem dos párias, aqueles que nenhum país aceita. O chamado por Deus, longe de pacificar a situação, é respondido por um silêncio aterrador, porque o “grande navio” simplesmente desaparece no horizonte.

Aqui também o apocalipse desenhado pelo poeta mescla o sagrado e o profano, uma vez que as vítimas do terror cósmico são bem localizadas historicamente: são emigrantes sem porto de chegada. Não são, portanto, vítimas apenas da ira divina, são vítimas de uma política específica. Ou seja, figuras poéticas e históricas dos deportados, dos emigrantes forçados. Aqueles que, segundo Hannah Arendt (1989ARENDT, Hannah Origens do totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., p. 300), formaram a massa dos que não têm direito de ter direitos, jogados na condição de apátridas, párias, fora do esteio protetor do pertencimento ao Estado-Nação, problema político candente após a Primeira Guerra Mundial. Ela observa que a desnacionalização foi usada como uma arma poderosa da política totalitária, aqueles escolhidos como refugos da terra - judeus, trotskistas, etc. - eram recebidos como refugos da terra em todas as partes. Mesmo países onde não havia um regime totalitário adotaram leis de desnacionalização de cidadãos nativos ou discutiram-nas com toda a inocência, ainda segundo Hannah Arendt. Por sinal, no caso brasileiro, a Lei de Segurança Nacional de 1935 previa, entre suas penas, a perda da nacionalidade. Quanto ao conceito de “refugos da terra”, observe-se uma nuance importante para a construção deste artigo: a situação do exílio, da emigração forçada, constitui, por outro lado, uma posição epistemológica, aquilo que Enzo Traverso chama de “hermenêutica da distância”. O não pertencimento, a diáspora, como vetores de inconformismo e de observação sensível sobre o mundo contemporâneo (TRAVERSO, 2012TRAVERSO, Enzo. Exilio y violencia. Una hermeneutica de la distancia. In: La historia como campo de batalla. Interpretar las violencias del siglo XX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2012. p. 237-280., p. 237-280).

Retornando aos poemas, do outro lado do Atlântico, na poética de Fernando Pessoa, mais especificamente na de Álvaro de Campos, encontra-se uma tensão semelhante entre o poeta à beira-mar e o oceano inquietante. Mas isso numa perspectiva outra, na qual o lirismo é encenado por meio de um cuidadoso distanciamento entre a poesia e seu leitor. Distanciamento crítico porque Álvaro de Campos, em primeiro lugar, como heterônimo de Pessoa é um tipo de personagem. Os heterônimos de Fernando Pessoa, naquilo que José Gil (1987GIL, José. Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Lisboa: Relógio d’Água, 1987.) chama de “metafísica das sensações”, são personificações de diversos modos de sentir e pensar. O lirismo de Pessoa se aproxima do teatral, do dramático, em que as diferentes poéticas dos heterônimos são distintas formas de intelectualização da experiência.

O mar é um dos temas centrais na poética de Fernando Pessoa. O Atlântico, e conceito de atlantismo, indicava, no poeta, a totalidade ansiada, o anelo imperial enraizado na história e no mito, a suposta missão civilizatória do Ocidente. O único livro por ele publicado em vida, Mensagem, em 1934, era, nas palavras de Irene Ramalho Santos (2007SANTOS, Irene Ramalho. Poetas do Atlântico. Fernando Pessoa e o modernismo anglo-americano. Belo Horizonte: UFMG, 2007., p. 52), um “esotérico poema imperial”, em que o passado colonialista de Portugal era vertido para o tema de uma nova realização espiritual no campo da poesia. Poesia, essa, em que o sujeito poético se revela de modo complexo, numa pluralidade de vozes, “como se o sujeito poético estivesse de posse tanto da claridade da visão como do negrume da cegueira” (SANTOS, 2007SANTOS, Irene Ramalho. Poetas do Atlântico. Fernando Pessoa e o modernismo anglo-americano. Belo Horizonte: UFMG, 2007., p. 69).

Remete-se aqui, mais especificamente, ao extenso poema “Ode Marítima” (PESSOA, 2006PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006., p. 314-335). Poema que perfaz um amplo movimento de sensações, de um eu que devaneia no cais, situado ironicamente como “civilizado” - o que, na obra de Álvaro de Campos, significa uma subjetividade regrada, conformada, incapaz de ações violentas, mas capaz de sonhar com elas - mesmo que o devaneio gire em torno de situações de verdadeiro horror.

A Ode Marítima se inicia com o poeta “sozinho, no cais deserto” olhando para o “Indefinido”. Ali, vê um paquete se aproximando lentamente. Aproximação que o leva a um devaneio sobre um sentido metafísico do cais, o mistério de pessoas chegando e partindo, mas também das variações da humanidade em outros pontos do mundo. “Todo cais”, diz o poeta, “é uma saudade de pedra” (PESSOA, 2006PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006., p. 315). O Oceano, apontando para o infinito é, nessa passagem do poema, um espaço que convida à introspecção. Essa introspecção, no poema, não é apenas de encantamento, há também o devaneio sobre “o medo ancestral de se afastar e partir, o misterioso receio ancestral à Chegada e ao Novo” (PESSOA, 2006, p. 317), as maiúsculas aqui dando um tom alegórico aos substantivos.

Nesse momento de introspecção, a voz do poeta é interrompida por um chamado vindo do mar, quando o movimento do poema se torna frenético, violento. Seu momento mais intenso remete ao sublime, à sacralização da violência. Violência do espaço imaginário tido como sem lei, mas nem por isso caótico - a violência segue uma lógica entre os seus agentes, os piratas, os aventureiros, os desbravadores e as mulheres estupradas, os escravizados - embora o poeta se projete dionisiacamente em toda a cena, abandonando, em suas palavras, a civilização e as noções da moral, “minha pacífica vida, / a minha vida sentada, estática, regrada e revista” (PESSOA, 2006PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006., p. 322). O poeta, nesse movimento, quer sentir a violência em todas as suas possibilidades, como algoz, vítima e testemunha:

Ah, ser tudo nos crimes! Ser todos os elementos componentes Dos assaltos aos barcos e das chacinas e das violações! Ser quanto foi no lugar dos saques! Ser quanto viveu ou jazeu no local das tragédias de sangue! Ser o pirata-resumo de toda a pirataria no seu auge, E a vítima-síntese, mas de carne e osso, de todos os piratas do mundo! (PESSOA, 2006PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006., p. 325)

O poema remete ao devaneio de um oceano violento situado no passado, um passado imaginado pelo poeta como liberto das amarras da modernidade e da civilização. Há, inclusive, uma referência aos rebelados do Atlântico, na figura dos quilombos (maroons, em inglês): “os marinheiros que se sublevaram,/ enforcaram o capitão numa verga. / Desembarcaram um outro numa ilha deserta. Marooned!” (PESSOA, 2006PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006., p. 323). O Oceano então é um espaço de violência explícita, atroz. Corpos mutilados, sangue, dedos decepados, cabeças de crianças, ossos. Mar ensanguentado, vermelho. O poema segue nesse passo dionisíaco por páginas a fio, em que o poeta mais grita do que diz. Dionisíaco, embora as cenas plasmadas pelo imaginário aqui não sejam a-históricas, pelo contrário, elas remetem ao Atlântico do colonialismo, o Atlântico da diáspora negra, do exílio coletivo (QUEIROZ, 2018QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Exílio e história: uma perspectiva do ofício do historiador a partir do Atlântico Negro. Holos, v. 1, p. 246-258, fev. 2018.), dos navios negreiros. Aliás, segundo Mbembe, o colonialismo, com sua violência transatlântica dilacerante e a reificação dos corpos escravizados, frente à “efusão narcísica” do colonizador, é dionisíaco (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1, 2018., p. 196).

Mas, retornando ao poema, vem o cansaço, e com ele um outro movimento das sensações. O esgotamento das sensações vem então com um distanciamento, quando o devaneio do poeta se volta para recordações da infância e sua condição de “civilizado”. Daí o tom de condenação moral, nessa passagem, à “chacina inútil de mulheres e de crianças”, a “tortura fútil, e só para nos distrairmos, dos passageiros pobres”; “sonho isso tudo com um medo de qualquer coisa a respirar-me pela nuca” (PESSOA, 2006PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006., p. 331). O que seria essa qualquer coisa, esse medo indefinido, apesar de o poeta afirmar no começo e no fim do poema que a violência, sacralizada por seu devaneio dionisíaco, é coisa do passado? O poema não dá uma resposta precisa. De todo modo, o movimento das sensações do poeta se faz por uma exaltação sublime da violência e uma sensação posterior de cansaço e culpa.

Os três poetas aqui comentados revelam a inquietante estranheza do mar nesses tempos de fascismos e entreguerras, com a questão do colonialismo mais evidente em Pessoa. O mar como espaço sem lei, ou melhor, fora do alcance da lei, um mundo sem solo estável - um mundo irreal (GUMBRECHT, 1999GUMBRECHT, Hans Ulrich. Transatlânticos. In: Em 1926. Vivendo no limite do tempo. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999. p. 279-287., p. 280). Sem lei, mas com normas, porque é o espaço do terror e da soberania irrestrita, do estado de exceção, em que a violência não é aleatória e segue as suas racionalizações e lógicas, mesmo que seja figurada de modos os mais alucinatórios. Os três poetas aqui comentados estão à beira-mar, temendo ou sentindo uma presença ameaçadora (e, no caso de Álvaro de Campos, ao mesmo tempo fascinante) no Oceano Atlântico. Os poemas são, antes de tudo, ficcionamentos do imaginário - mas nessas ficções, como vimos, há uma matéria-prima histórica, vivida. Um destino coletivo. Agora vamos fazer um outro movimento: vamos ao Atlântico com Graciliano Ramos. Num escrito de memórias que não são literatura ficcional, mas onde imagens e metáforas do mar são utilizadas como aquilo que Jablonka (2016JABLONKA, Ivan. La Historia es una literatura contemporánea: manifiesto por las ciencias sociales. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2016., p. 195-225) chama de ficções de método, ou seja, estratégias ficcionais usadas como apoio para poder construir uma inteligibilidade para uma experiência de terror.

O mar refletido na história

O navio, diz Foucault (2013FOUCAULT, Michelt. Outros espaços. In: Ditos e escritos III. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. p. 415-424., p. 424), é a heterotopia por excelência. O autor parte de um diagnóstico, o de que o privilégio do tempo, e, portanto, da história, visto no século XIX vinha sendo substituído, no século XX, pela questão do espaço. As conexões espaciais, em suas complexas redes e posicionamentos, conformariam uma cultura fortemente marcada pelo trânsito entre lugares, em escala local e mundial. O espaço social, observa ainda Foucault, não é homogêneo. É povoado de fantasmas, de diferenças qualitativas entre as variadas localizações e de alterações nos ritmos, na temporalidade. E aqui entra a questão da heterotopia: alguns desses lugares têm a propriedade de estar em relação com todos os outros, numa determinada cultura. Lugares onde todos os posicionamentos de uma cultura estão presentes, mas contestados e invertidos. Lugares como as heterotopias de desvio, onde são colocados os indivíduos fora da média, como casas de repouso e clínicas psiquiátricas. O navio, fechado em si mesmo e lançado no infinito do mar, pedaço de espaço flutuante, seria a maior reserva de imaginação, do século XVI aos dias atuais, ainda segundo Foucault.

Como veremos, o navio Manaus tinha essas marcas heterotópicas: com seus passageiros, turistas, presos comuns, presos políticos, tripulação, constituía um espaço em que a história brasileira se apresentava, concentrada, como numa alegoria do país, na primeira metade do século XX. Mas, também, o navio é um dispositivo central na história da modernidade e do capitalismo. É uma máquina saturada de significações históricas, como no caso do navio negreiro que era, ao mesmo tempo, máquina constitutiva de um novo espaço Atlântico, máquina de guerra e conquista, feitoria e navio-prisão, sobretudo em seus porões onde iam os escravizados (REDIKER, 2011REDIKER, Marcus. O Navio negreiro: uma história humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 50-54). Ao considerá-lo uma alegoria da história brasileira, isso não significa considerar o navio Manaus como um artefato literário, ou estético. Havia, ali, uma intensa vida social, política, as quais deixaram marcas indeléveis no Brasil contemporâneo.

Uma pesquisa pelas notícias sobre o navio Manaus revela que o paquete era usado com certa frequência para trânsito de presos políticos, “extremistas”, “deportados”, pelo Atlântico. O Jornal Pequeno, de Recife, noticiava a 10 de setembro de 1938 que o Manaus saíra da cidade com pessoal de administração, material e 50 operários presos que trabalhariam na instalação de um novo presídio em Fernando de Noronha.2 2 PRESÍDIO político de Fernando de Noronha. Jornal Pequeno, Recife, 10 set. 1938, p. 3. Já a 26 de outubro de 1938, em sua capa, o jornal A Noite noticiava o embarque de 208 presos políticos rumo ao arquipélago.3 3 DUZENTOS E OITO presos políticos para Fernando de Noronha. A Noite, Rio de Janeiro, 26 out. 1938. Mas esse trânsito de prisioneiros não começara na década de 1930. Ainda em 23 de janeiro de 1927, o jornal O Dia, de Curitiba, noticiava o retorno, ao Rio de Janeiro, de “67 deportados que se achavam na colônia da Clevelândia”.4 4 DEPORTADOS que regressam da Clevelândia. O Dia, Curitiba, 23 jan. 1927, p. 5. A 03 de fevereiro de 1927, outros 72 “deportados” a Clevelândia retornavam ao Rio de Janeiro no navio Manaus; observe-se que Clevelândia, erigida em campo de concentração durante o governo de Artur Bernardes (cujo período presidencial foi praticamente inteiro sob estado de sítio), também era, ao seu modo, um verdadeiro inferno, onde a taxa de mortalidade era altíssima (SAMIS, 2002SAMIS, Alexandre. Clevelândia. Anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil. São Paulo: Achiamé/Imaginário, 2002., p. 182-183). A prisão de Graciliano, juntamente com outros “116 extremistas”, foi noticiada no Jornal do Brasil, a 17 de março de 1936.5 5 RECOLHIDOS à Casa de Detenção os 116 extremistas que vieram do Norte no Navio Manaus. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 mar. 1936. Os prisioneiros foram ainda nomeados pelo jornal como “grupo de terroristas”.

Temos ainda um outro relato de um passageiro de viagens do Manaus, escritor, como Graciliano Ramos. Mário de Andrade também escreveu, brevemente, sobre o Manaus quando de sua assim chamada “viagem etnográfica” ao nordeste, entre 1928 e 1929. Nesse diário há trechos estetizantes, beletristas sobre as paisagens costeiras, como esta, quando o navio saía de Salvador:

E agora o Manaus vai se embora me levando. Tenho essa lassitude aberta de quem gozou como não era possível mais o dia de férias. Não é injustiça ser feliz e a tarde cai. Os ventos varrem o Recôncavo chispando água de mar. O céu cinzado é uma nuvem só e a lâmina espetaculosa da cidade se aconchega numa palidez indiferente. Eis que um sol antigeográfico tropicaliza a boca da noite, bate na chapa na cidade. São Salvador se torce toda, gozando a luz que é dela, com muita mansidão. Nem palheta de Utrillo! Ninguém jamais não conseguirá esses rosas doirados, esses azuis de Virgem Maria, esses amarelos de areia esturricada e os verdes dos mangueirais. Cor dos anos, cor de séculos montados uns sobre os outros. (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O Turista aprendiz. Brasília: Iphan, 2015., p. 263-264)

Há no diário, ainda, anotações sobre o estado físico do escritor, como o enjoo marítimo, comentários sobre a lentidão do navio e a monotonia da viagem. Observações sobre a convivência com os outros passageiros, embarcados nesse lugar que gerava novas formas de sociabilidade entre estranhos: “Facilitou enormemente a conversa futura o aparecimento duma grande mariposa. Era um exemplar lindíssimo, por sinal, toda em pelúcia parda com aplicações de renda de Veneza” (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O Turista aprendiz. Brasília: Iphan, 2015., p. 258). Evidencia-se o contraste entre a personalidade urbana do escritor e a despersonalização propiciada pela viagem. Nessa situação, diria ainda Mário, “a personalidade se dissolve”, nas “delícias refinadas da tonteira”, uma “despersonalização refinadíssima” (ANDRADE, 2015, p. 261).

Mas chegado é o momento de descermos ao porão do Manaus. Antes, é preciso considerar a natureza das memórias de Graciliano Ramos, frente aos poemas analisados na primeira parte deste artigo. As memórias não são literatura ficcional, mas sendo produtos de um escritor, margeiam de várias formas a questão da literatura. Pode-se dizer que as Memórias do Cárcere se caracterizam por serem um livro não ficcional repleto de recursos ficcionais. Fabiana Carelli destaca, como elementos ficcionais do relato de Graciliano: o uso da primeira pessoa na narrativa; a descrição complexa de personagens, mesmo que reais, por meio de artifícios como o da animalização; o questionamento de uma referencialidade meramente documental (CARELLI, 2017CARELLI, Fabiana. Cabotagem. In: ABDALA JR., Benjamin. Graciliano Ramos: muros sociais e aberturas artísticas. Rio de Janeiro: Record, 2017. p. 248-274., p. 249-253). Além disso, a literatura de Graciliano tem temas, problemas e técnicas trabalhados obsessivamente, ou seja, temas que perpassam seus contos, romances e memórias. Como observa Hermenegildo Bastos (1998BASTOS, Hermenegildo. Memórias do cárcere. Literatura e testemunho. Brasília: EdUnB, 1998., p. 16), para Graciliano a literatura não era um fim em si mesma, antes, obedecia a um método, o da verossimilhança, um método de conhecimento da realidade. Em Memórias do Cárcere, Graciliano Ramos reflete com frequência sobre sua condição de escritor, tanto na sua busca por uma forma de expressão que desse conta da experiência prisional, quanto em referências frequentes a seus livros publicados. Reflexões muitas vezes impiedosas sobre a própria obra e sobre a literatura em geral, como armas fracas na luta por mudanças sociais e políticas, contra o que Graciliano nomeava como “fascismo tupiniquim” (BASTOS, 1998BASTOS, Hermenegildo. Memórias do cárcere. Literatura e testemunho. Brasília: EdUnB, 1998., p. 15).

Graciliano mesmo diz que lhe repugnava fazer de Memórias do Cárcere uma espécie de romance (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 7). A relação de Graciliano com a literatura enquanto instituição é tensa, uma vez que, ao longo de sua obra, ela é tratada como parte de uma sociedade opressiva - tanto nas memórias, quanto nos romances, o bem falar ou bem escrever, ou ao menos a simulação retórica dessas virtudes, são signos da dominação. Hermenegildo Bastos (1998BASTOS, Hermenegildo. Memórias do cárcere. Literatura e testemunho. Brasília: EdUnB, 1998., p. 18) nota como Graciliano é implacável com sua própria condição de literato “pequeno-burguês”; inclusive, a sinceridade com que ele expõe sua condição dúbia de classe, tornaria única sua obra na literatura brasileira. Em sua própria leitura, Graciliano era um revolucionário apenas em teoria, um “revolucionário chinfrim” (RAMOS, 1960, p. 26).

Numa passagem em que faz um diagnóstico mais abrangente sobre aqueles tempos dos anos 1930, comentando sobre o fascismo, o quadro geral da história, da situação vivida, Graciliano passa da questão política, do que via como ladroagem e “uma onda de burrice a inundar tudo” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 25), os integralistas, “microcéfalos vestidos de verde”, os “discursos imbecis”, as delações, a sensação de viver numa colônia alemã ou italiana, em que Mussolini era considerado um grande homem, para uma discussão sobre a literatura. Essa, dizia Graciliano, “fugia da terra”, perdia-se num ambiente de sonho e loucura, recorria a uma linguagem convencional, era recebida com tédio pelos leitores e elogiada por críticos literários “sagazes”.

Um professor era chamado à delegacia: ‘- Esse negócio de africanismo é conversa. O senhor quer inimizar os pretos com a autoridade constituída.’ O congresso apavorava-se, largava bambo as leis de arrocho - e vivíamos numa ditadura sem freio. Esmorecida a resistência, dissolvidos os últimos comícios, mortos ou torturados operários e pequeno-­burgueses comprometidos, escritores e jornalistas a desdizer-se, a gaguejar, todas as poltronices a inclinar-se para a direita, quase nada poderíamos fazer perdidos na multidão de carneiros. (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 25)

Em síntese, “o mundo se tornava fascista”. Mundo em que prisioneiros, como os do porão do Navio Manaus, não tinham futuro. “Éramos fantasmas, rolaríamos de cárcere em cárcere, findaríamos num campo de concentração”. Mesmo soltos, vagariam como “farrapos”; desejariam enlouquecer, “ou ter coragem de amarrar uma corda ao pescoço e dar o mergulho decisivo” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 154-155).

No começo das memórias, Graciliano parece ainda fantasiar com cenas de prisão, como um processo judicial, um interrogatório, coisas que nunca chegam. Ele não saberá em que consistia a acusação que lhe pesava (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 34). Diz ainda que não tinha notado os enxertos de 1935 na Constituição. Referindo-se, provavelmente, à Lei de Segurança Nacional e à decretação do estado de sítio, esse por sua vez equiparado ao estado de guerra em março de 1936, dias depois dele ter sido detido. “Suprimiam-nos assim todos os direitos, os últimos vestígios deles” (RAMOS, 1960, p. 63).

Nesse sentido, a situação de ausência de direitos e mesmo de leis no porão do Manaus era apenas uma intensificação do que acontecia no “cárcere simulado” daqueles que Graciliano frequentemente nomeava nas memórias como estando do lado de fora (seja como passageiros do convés superior, seja como não encarcerados, inclusive os “inocentes do Leblon”). Por isso, o porão do Manaus era de certo modo uma experiência cognitiva. O autor vivenciava e via ali “aspectos inéditos da sociedade” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 126). Ou seja, a prisão, e especialmente o porão do navio Manaus funcionando como alegoria do Brasil, no contraste, mas ao mesmo tempo na aproximação entre o cativeiro manifesto e o “outro, simulado, que nos ofereciam lá fora” (RAMOS, 1960, p. 146). Uma “hermenêutica da distância”, tal como comentamos anteriormente em referência a Enzo Traverso.

Memórias do Cárcere pode ser lido como uma cartografia do Brasil, em que a experiência do encarceramento é o traço comum, mas recebe variações, desde o mundo “lá fora”, aos diversos pontos passados durante a experiência prisional (quartel, caminhões de traslado, trem, porto, porão do navio, pavilhão dos primários, Ilha Grande). O período entre a detenção e a descida ao porão do Manaus é frequentemente aludido com a metáfora do mergulho, que perfaz também a narrativa de uma forma crescente de despersonalização.

A descida ao porão do paquete Manaus é descrita com intensidade:

Chegamos ao fim da escada, paramos à entrada de um porão, mas durante minutos não compreendi onde me achava. Espaço vago, de limites imprecisos, envolto em sombra leitosa. Lá fora anoitecera; ali duvidaríamos se era dia ou noite. Havia luzes toldadas por espesso nevoeiro: uma escuridão branca. Detive-me, piscando os olhos, tentando habituar a vista. Erguendo a cabeça, via-me no fundo de um poço, enxergava estrelas altas, rostos curiosos, um plano inclinado, próximo, onde se aglomeravam polícias e um negro continuava a dirigir-me a pistola. Era como se fôssemos gado e nos empurrassem para dentro de um banheiro carrapaticida. Resvaláramos até ali, não podíamos recuar, obrigavam-nos ao mergulho. Simples rebanho, apenas, rebanho gafento, na opinião dos nossos proprietários, necessitando creolina. Os vaqueiros, armados e fardados, se impacientavam. Desviando-me deles, tentei sondar a bruma cheia de trevas luminosas. Ideia absurda, que ainda hoje persiste e me parece razoável: trevas luminosas. (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 97)

A intensidade se dá pela correlação entre o realismo da cena narrada e a procura por uma forma de dar expressão ao horror vivido, explicitamente comentada pelo escritor. Aqui, o escritor reflete sobre uma forma de escrita que estivesse à altura da experiência, e nessa procura recorre à necessidade de uma ideia que parece absurda, a qual recebe duas variações no trecho citado: escuridão branca e trevas luminosas. Essas imagens figuram como ficções de método, ou seja, recursos ficcionais, poéticos, com função cognitiva, no caso a de traduzir uma experiência extrema, próxima ao indizível, dado seu caráter traumático (JABLONKA, 2016JABLONKA, Ivan. La Historia es una literatura contemporánea: manifiesto por las ciencias sociales. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2016., p. 195-224).

Dentro da heterotopia do navio Manaus, como experiência concreta mas também alegoria da história do Brasil, Graciliano recorre a várias imagens, seja sob a forma de metáforas, sejam metonímias. A imagem poética, observa Octavio Paz, é uma combinação criativa de diferenças. As diferenças não se anulam na imagem, mas se sobrepõem, criando uma linguagem saturada de sentidos, numa heterogeneidade que desafia nossos hábitos modernos, científicos, jurídicos, acadêmicos de pensar que o ideal é uma linguagem unívoca, transparente. (PAZ, 2012, p. 104).

A imagem da escuridão branca/ trevas luminosas é um caso exemplar: trevas luminosas, em sua junção de luz e trevas, com todos os sentidos que essas outras duas imagens carregam da tradição (a luz como o saber, o Estado, o direito, a razão, as trevas como o clandestino, o subterrâneo, o fora da lei, o irracional). Fora da lei porque a imagem figura num contexto bem específico, de suspensão do direito. Tanto em trevas luminosas quanto escuridão branca, um substantivo trevas, escuridão recebe um adjetivo que o qualifica: luminosas, brancas. Correspondendo a uma procura pela expressão mais precisa e veraz, não são meramente equivalentes: num caso se coloca a questão da cor e no outro luz/ausência de luz. Trevas luminosas e escuridão branca são assim “ideias absurdas” que estão no lugar de outra coisa para a qual Graciliano não tem nome. Novamente, como ficção de método, temos aí o traçado de uma criação poética, do próprio processo criativo de produção de metáforas: quando se vivencia uma situação para a qual não se tem nome e, partindo dessa perplexidade, procura-se uma linguagem que dê sentido ao vivenciado.6 6 Murilo Marcondes Moura (2016, p. 301) observa que em dois poemas de Drummond e Murilo Mendes (Áporo e Labirinto, respectivamente) sobre a criação poética em tempos de horror, no caso a Segunda Guerra Mundial, aquela é figurada em imagens de uma busca aflitiva por uma saída de um espaço labiríntico, subterrâneo, em trevas. A poesia, neste caso, seria o brotar miraculoso de alguma luz em tempos absolutamente sombrios. Percurso em que o poeta se despersonaliza, entra em contato com o fundo obscuro de sua subjetividade, para além de sua identidade individual (JACKSON, 2001JACKSON, John E. Souvent dans l’être obscure. Rêves, capacité negative et romantisme européen. Paris: José Corti, 2001.).

Do porão do navio Manaus, o mar e a beira-mar são outras coisas. As pessoas, “lá fora”, no caso específico, na passagem do navio pela costa de Maceió, pareciam a Graciliano indiferentes e covardes, num julgamento que ele mesmo chama de injusto; injustiça, porém, qualificada estranhamente como racionalização brutal da opressão visível no porão do navio: “Afinal que valíamos nós? Estávamos ali mortos, em decomposição, e era razoável evitarem o contágio” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 111).

Há ainda nessas passagens do porão do Manaus uma oscilação entre a primeira pessoa do singular e o plural. Nisso, Graciliano perfaz uma oscilação entre seu caráter introspectivo, isolado, alienado, literato e o destino comum que os acidentes da história lhe reservaram. Frases como “estávamos diante de uma verdade muito nua e muito suja” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 111), alternam-se com: “ausentava-me do porão olhando o mar”. Num determinado momento, sem quaisquer explicações, os prisioneiros do porão foram conduzidos ao convés superior. O que leva Graciliano a uma divagação sobre o intuito daquele movimento inesperado: foram levados ali para tomar sol, melhorar a saúde? Ou estavam lá para serem expostos aos “passageiros virtuosos”, aos inocentes, como uma espécie de aviso sobre o que poderia acontecer com quem se metesse em subversões:

Formávamos juntos um acervo de trastes, valíamos tanto quanto as bagagens trazidas lá de baixo e as mercadorias a que nos misturávamos. Em redor de nós uma cerca invisível se erguia: não nos aventurávamos a afastar-nos dali, ignorávamos se nos restava o direito de chegar à amurada. O mar tinha-se tornado vermelho, um vermelho carregado tirante a negro. Longe surgia a coloração natural, perturbada por manchas escuras, indecisas: perto, uma dessas nódoas se alargava e definia, viajávamos nela, curiosa esteira de algas cor de ferrugem. (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 151)

Esse percurso narrativo entre “eu” e “nós” se relaciona a uma tensão também presente entre a despersonalização vivida no cárcere e as distinções e diferenças sociais e raciais. Ou seja, ao perder o direito de ter direitos e ser lançado num espaço sem lei, nem por isso o relato de Graciliano está isento de outras normatizações - o porão do Manaus aglomerava pessoas, dando-lhes um destino comum, mas isso não implica sua homogeneização. Uma vítima-síntese, tal como a sonhada por Álvaro de Campos, só existe enquanto fantasmagoria, é o que nos revela o relato de Graciliano sobre o porão do Manaus no Atlântico.

As passagens em torno do tema da despersonalização no porão do Manaus, entendida muitas vezes como morte em vida, têm por vezes os mesmos signos das trevas luminosas: “demais já podemos enxergar luz à distância, emergimos lentamente daquele mundo horrível de treva e morte. Na verdade, estávamos mortos, vamos ressuscitando” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 9). Os primeiros momentos de detenção já seguem esse processo de despersonalização: não há acusação, não há interrogatório, Graciliano e o capitão Matos, preso com ele, são transferidos de um lugar a outro, aparentemente sem qualquer motivo. Vão de Maceió a Recife, por trem. No quartel em Recife são informados que iriam viajar, sem que se dissesse para onde (RAMOS, 1960, p. 91).

A despersonalização também recebe as imagens do mergulho (mergulho na loucura, na morte, nos “subterrâneos sociais”). Mais ainda, além do mergulho, a despersonalização é experimentada como uma diluição da vida anterior (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 43). “Um muro a separar-me dela, a altear-se, a engrossar, e para cá do muro - nuvens, incongruências. Entre esses farrapos de realidade e sonho, era doloroso pensar numa inteira despersonalização”. “Se me dessem tempo suficiente para refletir, ser-me-ia possível juntar ideias, dominar emoções, ter alguma lógica nos atos e nas palavras, exibir a aparência de um sujeito mais ou menos civilizado” (RAMOS, 1960, p. 43). No porão do navio, o processo ganha uma nova intensidade, numa daquelas passagens exemplares do teor quase surrealista da linguagem de Graciliano, a alma lhe fugia, ele iria morrer ali mesmo, e seu cadáver seria atirado ao mar (RAMOS, 1960, p. 99); a despersonalização chega aos limites do dizível, com metáforas do tipo: “liquefazia-me, evaporava-me, reduzia-me a bagaço, limão espremido” (RAMOS, 1960, p. 101).

Por outro lado, para além da despersonalização que o reduziria a uma vida nua, as angústias de Graciliano quanto à sua condição de literato pequeno-burguês, “revolucionário chinfrim”, desdobram-se em passagens também angustiadas, mas menos refletidas, sobre a convivência, no mesmo porão, entre prisioneiros brancos e negros. A começar pelo fato de que a escrita de Graciliano marca racialmente, de modo obsessivo, as pessoas negras, mas deixa apenas implícita a condição dos brancos. E ainda porque está presente nas memórias uma sensação difusa de que aquele porão de navio não era um lugar apropriado para o escritor, mas seria um espaço que pessoas negras dominavam e onde viviam mesmo com certa naturalidade. O que, evidentemente, diz muito sobre Graciliano e pouco sobre aquelas pessoas.

Aparentemente, Graciliano não se via como um racista. Comentando o espaço comum do porão do Manaus, Graciliano diz que ali abandonou os modos cerimoniosos que ainda guardava, mesmo quando preso em Maceió e Recife; no porão, “criaturas anônimas falavam-me como se tivéssemos estado sempre juntos” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 133). Nesse contexto, ele se compara com Manuel Leal, outro prisioneiro que se afligia por ver Graciliano de camaradagens com “raça impura e classe inferior” (RAMOS, 1960, p. 135). De todo modo, nota-se uma profunda angústia racial no relato de Graciliano, além da presença, na própria linguagem, do racismo estrutural da sociedade brasileira - como podemos ver em situações específicas e no corpo geral do relato, em que as pessoas negras são marcadas racialmente, as brancas não. Um exemplo: na descida ao porão do Manaus, Graciliano diz ter se perguntado “que homens eram aqueles”, “imaginei-os criminosos e vagabundos” (RAMOS, 1960, p. 98). Haveria ali uma aglomeração incalculável. Em meio a experiências de dispersão, algumas cenas se destacavam aos seus olhos. Como a imagem para ele repulsiva do “negro moço” que arranhava os escrotos (RAMOS, 1960, p. 109). “O animal nem tinha consciência de que nos ofendia” (RAMOS, 1960, p. 110). Chama atenção que um escritor tão atento às relações entre linguagem e violência, recorra a marcações derivadas do racismo colonial: no caso, a animalização (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1, 2018., p. 30) - por sinal recurso extensa e criticamente adotado nos textos ficcionais de Graciliano, em significações muito diversas da supracitada.

Alienação frente ao “outro” que se combina, na narrativa, com as alusões aos ladrões e vagabundos que iam junto aos presos políticos, como emigrantes forçados. Por exemplo, quando fica sabendo, no porão, que um dos chefes da sedição de 1935 estava em Natal porque não conseguia se mover (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 115). Seviciado em demasia, mijava sangue. Sentia-se então ali entre criaturas seviciadas, e, portanto, envilecidas. Fazendo uma digressão sobre essa questão da surra como castigo que retira a dignidade do castigado, “Lembrava o eito, a senzala, o tronco, o feitor, o capitão-do-mato”.

Não se concebia que negociantes e funcionários recebessem os tratos dispensados antigamente aos escravos e agora aos patifes miúdos. E estávamos ali, encurralados naquela imundície, tipos da pequena burguesia, operários, de mistura com vagabundos e escroques. (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 117)

Não se depreenda disso que Graciliano se posicionasse como perfeitamente integrado ao grupo de presos políticos, face ao estranhamento (e por vezes fascínio) por presos comuns. Pelo contrário, no mesmo sentido em que a relação de Graciliano com sua condição de escritor e pequeno-burguês é tensa, crítica, Memórias do Cárcere também apresenta um viés de estranhamento perante os presos políticos, retratados de modo nada monumental. Nas palavras de Alfredo Bosi (1995BOSI, Alfredo. A Escrita do testemunho em Memórias do Cárcere. Estudos Avançados, v. 9, n. 23, p. 309-322, 1995., p. 310), a “testemunha é, neste caso, antes um observador arredio e perplexo” do que um intérprete pronto a explicar os valores e o sentido dos acontecimentos sociais e políticos do cárcere.

Por diversas vezes, Graciliano usa a imagem dos fantasmas, de aparições que lhe vinham naquele ambiente de horror. Um dos fantasmas presentes no porão do Manaus seria a memória silenciada do navio negreiro? (REDIKER, 2011REDIKER, Marcus. O Navio negreiro: uma história humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 21). A remissão aos castigos físicos, ao tema da escravização sugere que sim. E a perda do direito de ter direitos, a situação da emigração forçada num porão de navio: podemos ler na história do Manaus a perda da inocência à beira-mar, o paquete e seus “emigrados que nenhum país aceita”? (MENDES, 1995MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995., p. 362).

Considerações finais

No documentário Orí, Beatriz Nascimento diz: “Ó paz infinita, poder fazer elos de ligação numa história fragmentada. África e América e novamente Europa e África. Angola. Jagas. E os povos do Benin de onde veio minha mãe. Eu sou atlântica” (RATTS, 2006RATTS, Alex. Eu sou atlântica. Sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006., p. 73). Beatriz Nascimento combina, de modo inspirador, uma dimensão existencial, lírica, a um sentido histórico e coletivo, o que recebe formulação lapidar na expressão “sou Atlântica”. Trata-se aqui de se recompor uma história pessoal e um destino comum, por meio de poemas e narrativas historiográficas compostas por fragmentos, restos (mas também acontecimentos marcantes como a formação dos quilombos e suas repercussões na contemporaneidade).

De modo aproximado, mas numa outra tradição, Jeanne Marie Gagnebin retoma a Odisseia para propor um conceito de cultura. A Odisseia “não como viagem real pela geografia e sim itinerário do sem-rumo que deseja retornar ao lar” (GAGNEBIN, 2006GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, esquecer, escrever. São Paulo: 34, 2006., p. 13), partindo da radicalidade grega da noção de que à humanidade cabe, antes de tudo, a condição de mortais. Nem divinos, nem animais. Mas também frente à diferença, à alteridade, de onde derivaria uma ética da hospitalidade.

Diz ainda Gagnebin que o esquecimento é a grande tentação contra a qual Odisseu luta. Por exemplo, o esquecimento dos lotó­fagos, aprisionados num presente que se eterniza. A arma da condição humana nesse confronto com forças poderosas (a morte, os deuses, a natureza, o mar), seria justamente a memória e o dom da narração. Odisseu entra nas trocas com outros personagens como contador de histórias. O retorno a Ítaca é, diz Gagnebin, uma luta para manter a memória, as histórias que ajudam a humanidade “a se lembrar do passado e, também, a não se esquecer do futuro” (GAGNEBIN, 2006GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, esquecer, escrever. São Paulo: 34, 2006., p. 15). Um aspecto interessante da reflexão de Gagnebin é o fato de que os poderes da narração, e, também, portanto, da história como tipo específico de narrativa, derivam da fragilidade da condição humana e não de sua força. Não se trata, portanto, que a narração seja, por si mesma, capaz de redimir o passado.

Retornemos a Graciliano. Uma cena marcante do porão do Manaus, em Memórias do Cárcere, é o samba cantado por Paulo Pinto (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 155-156). O canto, segundo a descrição de Graciliano, começara timidamente e foi sendo acompanhado, paulatinamente, por outras vozes. A música fazia esquecer os perigos, a polícia, a vigilância. Graciliano considerava que deviam ser versos insignificantes e errados, mas isso não o interessava, e sim o “clamor que subia da escuridão”.

Nada se combinara. Um murmúrio plangente, em seguida o rumor de cólera surda, e logo as adesões imprevistas, corpos a levantar-se das redes, figuras aniquiladas a surgir da noite, espectros ganhando carne e sangue, pisando o solo com firmeza. Tinham estado em perfeita indiferença, numa resignação covarde e apática; a disciplina dos encarcerados, implícita e fria, ordenara as conversas zumbidas, o gesto vago, o passo discreto, respeito a autoridades invisíveis, general atrabiliário ou soldado preto boçal. Em minutos isso desaparecera. As espinhas curvas aprumavam-se; as expectorações e a tosse haviam cessado: os pulmões opressos lançavam gritos roucos, a animar a toada monótona do coro. Já não eram contribuições esparsas: dezenas de trastes humanos, se erguiam, marchavam, os braços para cima, floresta de membros nus, magros e sujos, e o canto ressoava como profunda ameaça. (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 156)

Passageiros da primeira classe olhavam curiosos sobre o parapeito que limitava a abertura do porão e aplaudiram dali a cantoria. “A arte de Paulo Pinto nos dava força às almas tristes, aos corpos fatigados. E comovia espíritos indiferentes, arrancava deles a aclamação que estrugia por cima de nossas cabeças” (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 157). Em outra passagem das memórias, falando sobre um aviso que se esquecera de dar, Graciliano reflete:

De fato, não havia importância, mas ali, ausentando-me do mundo, começava a dar às coisas valores novos. Sucedia um desmoronamento. Indispensável retirar dele migalhas de vida, cultivá-las e ampliá-las. De outro modo, seria o desastre completo, o mergulho definitivo. (RAMOS, 1960RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960., p. 33).

A interpretação da música como gesto coletivo de desafio obviamente é de Graciliano. Ele que, por sinal, pelo modo como narra o episódio, testemunhou a cena mas não participou da cantoria (o que é apenas uma constatação indicativa de seu posicionamento no porão do Manaus, e não uma reprimenda moral do tipo dizer se ele deveria ou não deveria cantar). Mas reduzindo a situação ao seu mínimo, prisioneiros, emigrantes forçados, num porão de navio que cantam em uníssono uma música, temos aí um vislumbre de um trabalho poético, mais que de resistência, de sobrevivência mesmo. Pensamos, com Mbembe, que a criação artística e a religião são as últimas linhas de defesa contra a desumanização e a morte (MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1, 2018., p. 299). Não se trata de uma utopia, o navio-prisão continuou sendo um navio-prisão. Com essa situação insólita de que, no convés superior, tratava-se de um navio de passageiros fazendo suas viagens entre norte e sul do Brasil, turistas, inocentes de um mundo sem inocência.

O canto de Paulo Pinto não perfaz, portanto, um idílio ou uma suposta moral da história com um final feliz. Nem Graciliano Ramos descreveu a cena dessa forma. É preciso pensar o cenário como um todo, separado naquilo que Kluge e Negt (2014KLUGE, Alexander; NEGT Oskar. History and Obstnacy. New York: Zone Books, 2014., p. 128) chamam de “fragmentos conceituais” de uma determinada situação histórica, compondo uma cena vivida de forte teor alegórico: o fragmento dos prisioneiros no porão do Manaus, com suas divisões e incompreensões mútuas, o fragmento dos passageiros do convés superior, que aplaudem a cena mas nem por isso criam um vínculo de solidariedade com os prisioneiros, e o fragmento do próprio escritor isolado e reflexivo, “pequeno-burguês”, “revolucionário chinfrim”, em suas próprias palavras - ou o poeta que se sabe alienado. Essa situação é como um código legível que, no dia a dia ou em tempos de assim chamada paz, revela uma relação oculta entre uma sociedade e a humanidade; aqui alegorizadas como relações, também mediadas pela indiferença, entre o cárcere simulado do edifício à beira-mar e o navio que conduz emigrantes que país nenhum aceita.

Referências bibliográficas

  • ANDRADE, Carlos Drummond. Reunião. 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.
  • ANDRADE, Mário de. O Turista aprendiz. Brasília: Iphan, 2015.
  • ARENDT, Hannah Origens do totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • BASTOS, Hermenegildo. Memórias do cárcere. Literatura e testemunho. Brasília: EdUnB, 1998.
  • BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
  • BOSI, Alfredo. A Escrita do testemunho em Memórias do Cárcere. Estudos Avançados, v. 9, n. 23, p. 309-322, 1995.
  • CAMILO, Vagner. A Cartografia lírico-social de Sentimento do Mundo. Revista USP, n. 53, p. 64-75, mar.-maio 2002.
  • CANCELLI, Elizabeth. O Mundo da violência. A polícia da Era Vargas. Brasília: EdUnB, 1993.
  • CARELLI, Fabiana. Cabotagem. In: ABDALA JR., Benjamin. Graciliano Ramos: muros sociais e aberturas artísticas. Rio de Janeiro: Record, 2017. p. 248-274.
  • CORBIN, Alain. O Território do vazio. A praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • FINCHELSTEIN, Frederico. Fascismo trasatlántico. Ideología, violência y sacralidad en Argentina y em Italia, 1919-1945. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010.
  • FOUCAULT, Michelt. Outros espaços. In: Ditos e escritos III. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. p. 415-424.
  • GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, esquecer, escrever. São Paulo: 34, 2006.
  • GIL, José. Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Lisboa: Relógio d’Água, 1987.
  • GLEDSON, John. Poesia e poética de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: E-galáxia, 2018.
  • GUMBRECHT, Hans Ulrich. Transatlânticos. In: Em 1926. Vivendo no limite do tempo. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999. p. 279-287.
  • JABLONKA, Ivan. La Historia es una literatura contemporánea: manifiesto por las ciencias sociales. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2016.
  • JACKSON, John E. Souvent dans l’être obscure. Rêves, capacité negative et romantisme européen. Paris: José Corti, 2001.
  • KLUGE, Alexander; NEGT Oskar. History and Obstnacy. New York: Zone Books, 2014.
  • LACAPRA, Dominick. History and its limits. Human, animal, violence. Ithaca: Cornell University Press, 2009.
  • MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: N-1, 2018.
  • MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.
  • MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes. A poesia como totalidade. São Paulo: Edusp, 1995.
  • MOURA, Murilo Marcondes de. O Mundo sitiado. A poesia brasileira e a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: 34, 2016.
  • PAZ, Octavio O Arco e a lira. O poema. A revelação poética. Poesia e história. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
  • PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.
  • POLARI, Alex. Camarim de prisioneiro. São Paulo: Global, 1980.
  • QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Exílio e história: uma perspectiva do ofício do historiador a partir do Atlântico Negro. Holos, v. 1, p. 246-258, fev. 2018.
  • RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Livraria Martins, 1960.
  • RATTS, Alex. Eu sou atlântica. Sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
  • REDIKER, Marcus. O Navio negreiro: uma história humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • SAID, Roberto. A Angústia da ação. Poesia e política em Drummond. Curitiba; Belo Horizonte: UFPR; UFMG, 2005.
  • SAINT-AMOUR, Paul K. Tense future. Modernism, Total War, Encyclopedic Form. New York: Oxford University Press, 2015.
  • SAMIS, Alexandre. Clevelândia. Anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil. São Paulo: Achiamé/Imaginário, 2002.
  • SANTOS, Irene Ramalho. Poetas do Atlântico. Fernando Pessoa e o modernismo anglo-americano. Belo Horizonte: UFMG, 2007.
  • STERZI, Eduardo. Murilo Mendes: a aura, o choque, o sublime. Revista Eletrônica Literatura e autoritarismo, n. 5, p. 49-84, nov. 2010.
  • TRAVERSO, Enzo. Exilio y violencia. Una hermeneutica de la distancia. In: La historia como campo de batalla. Interpretar las violencias del siglo XX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2012. p. 237-280.
  • VIRILIO, Paul. Bunker Archeology. New York: Princeton Architectural Press, 2008.
  • 1
    O objetivo aqui não é fazer um comentário sobre as obras desses poetas, mas sim apenas notar a figuração do oceano em poemas específicos. Cada um deles equacionou lirismo e história de um modo particular. Assim, Murilo Mendes tem a marca da busca pela totalidade, uma visão cristã e surrealista sobre o futuro e o passado como fontes de sacralidade, frente a um presente, sobretudo com a ascensão dos fascismos e das guerras, marcado pela negatividade (MOURA, 1995MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes. A poesia como totalidade. São Paulo: Edusp, 1995.). Em Drummond, o poeta gauche dispõe apenas do mundo histórico tal qual é, a transcendência deve ser feita da mesma matéria que a história. Mesmo que nesta o poeta, o modernista, o homem político ligado a Capanema e ao golpe de 1930, surjam como enunciações disjuntivas, paradoxais (SAID, 2005SAID, Roberto. A Angústia da ação. Poesia e política em Drummond. Curitiba; Belo Horizonte: UFPR; UFMG, 2005.). Em Pessoa, a criação plural de heterônimos e a tematização da poesia lírica como arena em que se encontram experiências-limites da subjetividade moderna, num jogo poético entre despersonalização e criação do sujeito lírico (GIL, 1987GIL, José. Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Lisboa: Relógio d’Água, 1987.).
  • 2
    PRESÍDIO político de Fernando de Noronha. Jornal Pequeno, Recife, 10 set. 1938, p. 3.
  • 3
    DUZENTOS E OITO presos políticos para Fernando de Noronha. A Noite, Rio de Janeiro, 26 out. 1938.
  • 4
    DEPORTADOS que regressam da Clevelândia. O Dia, Curitiba, 23 jan. 1927, p. 5.
  • 5
    RECOLHIDOS à Casa de Detenção os 116 extremistas que vieram do Norte no Navio Manaus. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 mar. 1936.
  • 6
    Murilo Marcondes Moura (2016MOURA, Murilo Marcondes de. O Mundo sitiado. A poesia brasileira e a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: 34, 2016., p. 301) observa que em dois poemas de Drummond e Murilo Mendes (Áporo e Labirinto, respectivamente) sobre a criação poética em tempos de horror, no caso a Segunda Guerra Mundial, aquela é figurada em imagens de uma busca aflitiva por uma saída de um espaço labiríntico, subterrâneo, em trevas. A poesia, neste caso, seria o brotar miraculoso de alguma luz em tempos absolutamente sombrios.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2021
  • Revisado
    21 Jun 2021
  • Aceito
    01 Jul 2021
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: variahis@gmail.com