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Reformadores da escravidão Brasil e Cuba c. 1790 e 1840

Resumo

O artigo analisa debates sobre a escravidão em Cuba e Brasil, entre as décadas de 1790 e 1840. Em conjunturas distintas, os reformadores se dividiam entre escravistas e abolicionistas e discutiam a inserção de afrodescendentes nas mencionadas sociedades. Os primeiros defendiam não somente a escravidão, mas a inserção dos escravos, negros e mulatos livres como parte da heterogênea população brasileira e cubana. No entanto, os abolicionistas consideravam a mistura de raças como entrave à formação da nação ou origem de possíveis dificuldades de integração social. Diferentemente dos escravistas, eles defendiam a homogeneidade da população, repudiavam o aumento desproporcional de "inimigos internos" e incentivavam a imigração europeia. A "racialização" do projeto de nação era uma tendência mais evidente nos escritos portugueses e brasileiros antes da década de 1830. Em Cuba, o esse debate se tornou mais intenso com a percepção do aumento da população negra e de mulatos a partir da década de 1830.

Palavras-chave:
reformas; escravidão; africanização

Abstract

This article analyzes debates on slavery in Cuba and Brazil, between 1790s and 1840s. In different contexts, the reformers were divided between slaveholders and abolitionists and discussed the insertion of Afro-descendants in the mentioned societies. The former defended not only slavery but the insertion of free slaves, blacks and mulattos as part of the heterogeneous Brazilian and Cuban population. However, abolitionists considered the mixture of races as an obstacle to the formation of the nation or the origin of social integration difficulties. Unlike slaveholders, they defended the homogeneity of the population, repudiated the disproportionate increase in "internal enemies", and encouraged European immigration. The "racialization" of the project for the nation was a trend more evident in Portuguese and Brazilian writings before the 1830s. In Cuba, the debate became more intense when the reformers detected an increase in the black and mulatto population from the decade of 1830.

Keywords:
reforms; slavery; Africanization

A revolução do Haiti (1791-1804) teve enormes desdobramentos na economia e sociedade escravistas das Américas. A destruição e o medo originaram-se da rebelião escrava sem precedentes, responsável por expulsar os franceses de sua possessão mais próspera, por libertar todos os cativos e formar uma república comandada por negros. Assim, a escravidão entrou em crise com os rumores da hecatombe provenientes de Saint Domingue. Entretanto, a "segunda escravidão" formou-se apesar da oposição dos abolicionistas, dos rumores promovidos pela revolução no Haiti e das intervenções inglesas destinadas a combater o comércio de humanos. Os planos escravistas para a economia visavam, ao mesmo tempo, ampliar as plantações e os planteis de escravos, inovar a tecnologia agrícola e combater as possíveis revoltas comandadas por escravos e afrodescendentes livres (FERRER, 2014FERRER, Ada. Freedom’s mirror. New York: Cambridge University Press, 2014. , p. 12; TOMICH, 2003TOMICH, Dale. The Wealth of Empire: Francisco Arango y Parreño, political economy, and Second slavery in Cuba. Comparative Studies in Society and History, Ann Arbor, v. 45, n. 1, p. 4-28, 2003. ).

Por muitas décadas, as notícias sobre a revolta no Haiti aterrorizaram as sociedades escravistas, notadamente em Cuba e Brasil. Nos escritos das elites, a divisão social tornou-se ainda mais nítida com o fortalecimento de suas economias, ampliação do tráfico e lavouras. O medo incentivava o afastamento entre brancos e negros, entre livres e escravos, cidadãos e não-cidadãos, criando entraves à sociedade mestiça composta de afrodescendentes livres. O temor de revoltas escravas era difundido pelas elites metropolitanas e coloniais para deter os abolicionistas e o processo de independência de Cuba. Recorrendo ao ódio racial, essas imagens de negros rebelados buscavam conservar a ordem, desencorajar a liberdade como pauta política e as denúncias contra os horrores da escravidão. Em toda a América, os negros e demais afrodescendentes representavam a barbárie, eram primitivos e satânicos, devido à sua falta de "cultura e civilização" (GONZALES-RIPOLL, 2004GONZÁLES-RIPOLL, María Dolores. Desde Cuba antes y después de Haití. In: GONZÁLES-REPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2004. p. 9-81. , p. 17-19; NARANJO OROVIO, 2004NARANJO OROVIO, Consuelo. La Amenaza haitiana, un miedo interesado. In: GONZÁLES-RIPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía . Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas , 2004. p. 84-178. , p. 92-97). O terror propalado tornou a ideia de nação tema incômodo nas sociedades escravistas, pois cada vez mais a nação se definia por sua unidade étnica e não somente por sua unidade política (CHIARAMONTE, 2004CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y Estado en Iberoamérica. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2004. , p. 27-57; FRADERA, 2018FRADERA, Josep M. Imperial Nation. Princeton: Princeton University Press, 2018. , p. 1-52). A escravidão, assim, acirrava as divisões e consolidava os marcadores raciais nas sociedades brasileira e cubana.

O presente artigo analisa os escritos dos reformadores da escravidão em Cuba e Brasil, publicados entre 1790 e 1820 e, depois, entre 1830 e 1840. Em conjunturas distintas, os reformadores se dividiam entre escravistas e abolicionistas e discutiam a inserção de afro descendentes nas mencionadas sociedades. Os primeiros defendiam não somente a escravidão, mas a inserção dos escravos, negros e mulatos livres como parte da heterogênea população brasileira e cubana, ou seja, não estavam preocupados com a formação do cidadão. De forma velada, defendiam um modelo de sociedade com diferentes níveis de cidadania, entre cidadãos e não-cidadãos, entre livres e escravos. Em compensação, os abolicionistas consideravam a mistura de raças como entrave à formação da nação no caso do Brasil e um perigo social para Cuba. Defendiam a homogeneidade da população, repudiavam o aumento desproporcional de "inimigos internos" e incentivavam a imigração europeia. A "racialização" do projeto de nação era tendência mais evidente nos escritos portugueses e brasileiros antes da década de 1830. Em Cuba, o debate em torno do branqueamento da população se tornou mais intenso com a percepção do aumento dos afrodescendentes e dos levantes escravos a partir da década de 1830.

Para todo período analisado, os reformadores escravistas enumeraram os benefícios econômicos e civilizacionais da escravidão, mas também alertaram para os perigos da revolta escrava. Os abolicionistas sempre defenderam a redução gradual do comércio de escravos para evitar as rebeliões e a africanização de Cuba e Brasil. Como hipótese, porém, o artigo estabelece que a predominância do debate racial entre os escritos dos reformadores luso-brasileiros ocorreu antes de 1830. Em Cuba, a mesma querela, particularmente o perigo das revoltas e da africanização, foi mais intensamente debatida pelos abolicionistas após 1830.

ENTRE A UNIDADE IMPERIAL E A DEFESA DA ECONOMIA (C. 1790-1820)

Desde meados do século XVIII, os ilustrados traçaram metas para reformar as economias e sociedades metropolitanas e coloniais. Neste artigo, denomino reformadores homens vinculados geralmente à burocracia que traçaram planos para consolidar a economia e o poder político dos monarcas e das diferentes elites americanas. Em Cuba, os reformadores viviam, ao mesmo tempo, a expansão dos cultivos de açúcar e os temores da revolta escrava influenciada pelo Haiti. Aí buscaram fortalecer os vínculos com a Espanha. No Império português, sobretudo após 1808, consolidava-se a autonomia do Brasil, e os reformadores o pensavam inicialmente como parte de Portugal e, depois de 1822, como nação independente. Cuba recebia quantidades crescentes de escravos desde fins do século XVIII e seus produtos se inseriam nos mercados europeu e norte-americano. No Brasil, antes de 1822, os reformadores luso- brasileiros traçavam metas para integrar o Brasil a Portugal, como reinos unidos, e apontavam a escravidão como entrave a essa integração. Por isso, os posicionamentos a favor do tráfico se tornaram mais explícitos em fins da década de 1820, quando o café ampliou as áreas agrícolas e a demanda por mão-de-obra.

Em plena era das revoluções, o plantador, burocrata e reformador Francisco Arango y Parreño defendeu tanto o tráfico de escravos em Cuba quanto a inovação tecnológica das lavouras. Escreveu memórias e representações para demonstrar as vantagens da liberdade comercial. Somente o aumento da oferta de braços, com bons preços e crédito fácil, tornaria competitiva a produção local (TOMICH, 2003TOMICH, Dale. The Wealth of Empire: Francisco Arango y Parreño, political economy, and Second slavery in Cuba. Comparative Studies in Society and History, Ann Arbor, v. 45, n. 1, p. 4-28, 2003. , p. 4-27). Depois de iniciadas as revoltas em Saint Domingue, Arango se dirigiu aos habaneros para alertar sobre a oportunidade nascida da crise: "Defendam agora seus interesses e vantagens que se originaram da mesma desgraça. Longe do olhar atento e reinando toda a tranquilidade e sossego, esta é a preciosa ocasião para aumentar a sua agricultura"1 1 Trad. livre do autor: "Entren ahora su interés y las fundadas ventajas que pueden sacar de la misma desgracia. Apartada de su celo y reinando en todo él la tranquilidad y sosiego que el exponente espera, ésta es la preciosa ocasión de aumentar su agricultura". (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 50). Assim, ao contrário de lamentar a rebelião e repudiar o aumento de escravos, Arango aconselhava aos cubanos o aumento do plantel para aproveitar a crise da rica colônia francesa. Tal defesa do tráfico se prolongou em seus escritos, pois recorreu ao tema entre 1789 e 1816, sobretudo nas Cortes de Cádiz (PIQUERAS, 2016PIQUERAS, José Antonio. Francisco Arango y José Antonio Saco: el color del trabajo colonial. Dvacate Stoleti, Praga, v. 8, n. 1, p. 112-125, 2016. , p. 116).

Para entender a revolta em Saint Domingue, Arango y Parreño enumerou as péssimas condições em que viviam a sua escravaria (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 49). Em Cuba, os escravos e os livres de cor estavam melhor adaptados, pois existia equilíbrio numérico entre a população branca e a população de cor. Ele também salientou a existência de fortificações e tropas em Havana que garantia a segurança da ilha (NARANJO OROVIO, 2004NARANJO OROVIO, Consuelo. La Amenaza haitiana, un miedo interesado. In: GONZÁLES-RIPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía . Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas , 2004. p. 84-178. , p. 166-7; OPATRNY, 2010OPATRNY, Josef. José Antonio Saco y la búsqueda de la identidad cubana. Praga: Universidad carolina de Praga/Editorial Karolinum, 2010., p. 39-40). O reformador pretendia convencer as elites crioulas e os administradores espanhóis que o sujeito de origem africana em Cuba era dócil devido ao bom tratamento lá recebido. Nesse discurso, ele pretendia justificar a escravidão, defender o tráfico e a não afugentar os colonos brancos da ilha (GOMARIZ, 2004GOMARIZ, José. Francisco de Arango y Perreño: el discurso esclavista de la ilustración cubana. Cuban Studies, Pittsburgh, v. 35, p. 45-61, 2004. , p. 48). Arango y Parreño não estava só quando percebeu que a revolta escrava na maior colônia do Caribe abria oportunidades para seus concorrentes.

Conforme asseverou o bispo brasileiro Azeredo Coutinho, os colonos franceses arruinaram-se com a "desgraçada revolução" e eram incapazes de reagir rapidamente. Nessa conjuntura, as grandes inundações atingiram as colônias espanholas, enquanto os furacões molestaram os colonos ingleses. Em suma, os concorrentes encontravam-se em desvantagem, e os brasileiros teriam de se apressar para dominar novos mercados (COUTINHO, 1991COUTINHO, José Joaquim de Azeredo. Memória sobre o preço do açúcar. In: CARDOSO, José Luís (Org.). Memórias económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa. Lisboa: Banco de Portugal, 1991. p. 273-286., p. 273). Em outra memória, o mesmo bispo ainda buscou provar que a escravidão e o tráfico não violavam o direito natural, pois esse se adaptava às circunstâncias. Partindo desse princípio, defendia a escravidão por sustentar a economia de Portugal e de seu império colonial (COUTINHO, 1794, p. 9). Aliás, conforme o bispo, a escravidão não era invenção europeia. Na África, os homens submetidos a esse regime se adaptavam bem ao duro trabalho sob o sol ardente. Por outro lado, a travessia para a América os livrava da morte. Enfim, a escravidão tanto consolidava a economia colonial quanto lhe concedia as "benesses da civilização". Ao longo da memória, o bispo demonstrou tanto desprezo pelos abolicionistas e filantropos quanto pelos negros, denominados moradores da barbaria (COUTINHO, 1794COUTINHO, José Joaquim da Cunha de Azeredo. Analyse sobre a justiça do commercio do resgate dos escravos. Lisboa: Nova Officina de João Rodrigues Neves, 1794. , p. 68).

Temendo a revolução, o secretário de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, não partilhava a postura competitiva e incentivadora da escravidão como Arango e Azeredo Coutinho. Em 1797, Dom Rodrigo defendeu a harmonia entre Lisboa e as partes do ultramar português. Destacava a estratégia capaz de neutralizar as forças revolucionárias que rondavam as metrópoles e suas colônias. Reunidas sob um único sistema administrativo, as províncias centralizadas em Lisboa deveriam obedecer aos mesmos usos e costumes, receber as mesmas honras e privilégios. A inviolável e sacrossanta unidade permitiria que os súditos da monarquia, radicados nas mais distantes paragens, se julgassem somente portugueses (COUTINHO, 1993COUTINHO, D. Rodrigo de Sousa. Memória sobre o melhoramento dos domínios de Sua Majestade na América (1797 ou 1798). In: SILVA, Andrée Mansuy-Diniz (Org.). Textos Políticos, Económicos e Financeiros (1783-1811). Lisboa: Banco de Portugal , 1993. p. 47-67., p. 49).

Arango y Parreño também considerava Cuba como parte da nação espanhola: "Somos espanhóis não das perversas classes de que as demais nações formam muitas de suas feitorias comerciais (....) senão da parte sã da honradíssima Espanha"2 2 Trad. livre do autor: "Somos españoles no de las perversas clases de que las demás naciones forman muchas de sus factorías mercantiles (....), sino de la parte sana de la honradísima España". (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 136). Sua ilha estava inserida na nação maior, embora asseverasse que os interesses cubanos e peninsulares nem sempre coincidissem. Em diversos momentos se posicionou contra as leis estabelecidas pelos peninsulares, contestou a administração colonial e metropolitana (OPATRNY, 2010OPATRNY, Josef. José Antonio Saco y la búsqueda de la identidad cubana. Praga: Universidad carolina de Praga/Editorial Karolinum, 2010., p. 42-43). Enfim, Dom Rodrigo e Arango consideravam Espanha e Portugal como nações capazes de agregar territórios nas quatro partes do mundo. Nessa época, a escravidão e o tráfico ainda não atuavam para fragilizar esses laços de identidade, pois a nação era pensada como corpo político, ordenado pelo monarca (CHIARAMONTE, 2004CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y Estado en Iberoamérica. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2004. , p. 50).

Nessa conjuntura favorável à expansão do tráfico e das lavouras, Arango não considerou o aumento da população escrava como entrave ao desenvolvimento de Cuba como parte da nação espanhola. Somente mais tarde passou a defender o equilíbrio entre brancos e negros, livres e escravos, motivado pelo grande aumento da população afrodescendente, pelos perigos de um levante escravo e pela necessidade de modernização da agricultura (NARANJO OROVIO, 2004NARANJO OROVIO, Consuelo. La Amenaza haitiana, un miedo interesado. In: GONZÁLES-RIPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía . Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas , 2004. p. 84-178. , p. 166-7).

Nas cortes de Cádiz, o sacerdote cubano Juan Bernardo O’Gavan deu continuidade às propostas de Arango em defesa do tráfico e da escravidão. Ao proteger os interesses açucareiros e escravistas, ele destacou os riscos de legislar sobre o tema, pois a abolição dos escravos levaria a falência à economia cubana. Ao mesmo tempo reconhecia os perigos do aumento crescente da população escrava. Recorreu, assim, à conspiração de Aponte (1812), tentativa malograda de levante escravo em Cuba, para demonstrar a gravidade da situação e a conveniência de excluir a cidadania da população de origem negra (GONZALES-RIPOLL, 2004GONZÁLES-RIPOLL, María Dolores. Desde Cuba antes y después de Haití. In: GONZÁLES-REPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2004. p. 9-81. , p. 97-108; CHILDS, 2006CHILDS, Matt D. The 1812 Aponte rebellion in Cuba. Chapel Hill: The University of North Caroline Press, 2006. ). Em seus escritos de 1821, o sacerdote considerava os negros africanos como os homens mais indolentes e preguiçosos. No entanto, quando levados às lavouras das Antilhas se tornavam trabalhadores morigerados. Os negros nascidos na América eram verdadeiramente robustos, pois o clima mais agradável promovia graus maiores de perfeição. Assim, para O’Gavan, a escravidão e o tráfico livravam os negros dos horrores da África e os transformavam em trabalhadores nas ilhas. Gozavam aí de melhores condições, de certo grau de civilidade que europeus pobres não desfrutavam (O’GAVAN, 1821O’GAVAN, Juan Bernardo. Observaciones sobre la suerte de los negros del Africa. Madrid: Imprenta del Universal, 1821. , p. 7-8; PIQUERAS, 2007PIQUERAS, José Antonio. Félix Varela y la prosperidad de la patria criolla. Madrid: Fundación Mapfre, 2007. , p. 47-50).

Mas, em Cuba, a abolição da escravatura era defendida pelo bispo de Havana, o espanhol Juan José Díaz de Espada que se posicionava contra seus contemporâneos cubanos e considerava insano o contínuo tráfico de escravos (AGUILERA MANZANO, 2005AGUILERA MANZANO, José María. La Formación de identidad cubana. Sevilla: CSIC, 2005. , p. 62-66; ESPADA, 1999ESPADA, Obispo de. Papeles. Havana: Ediciones Imagem Contemporánea, 1999. , p. 243). Em seu Informe sobre Diezmos de 1808, ele combateu o tráfico, a escravidão, o latifúndio, os preconceitos sociais e se colocava em favor dos pobres e marginalizados. Foi um dos primeiros a defender a introdução de colonos e assim propôs a repartição da riqueza agrícola e a criação de uma classe social ampla composta de pequenos camponeses (NARANJO OROVIO, 2004NARANJO OROVIO, Consuelo. La Amenaza haitiana, un miedo interesado. In: GONZÁLES-RIPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía . Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas , 2004. p. 84-178. , p. 137). Aliás, entre os mais renomados abolicionistas espanhóis estava Agustín Argüelles, que se destacou nas Cortes de Cádiz de 1811 como defensor da abolição do tráfico, proibição da entrada de escravos no território da monarquia espanhola, na América e na Europa. A norma beneficiaria os plantadores e senhores, pois, ao conceder aos cativos melhores condições de vida, eles sobreviveriam mais tempo. Como sua proposta atingia frontalmente Cuba e demais regiões escravistas, o debate permaneceu ausente da Constituição (GONZALES-RIPOLL, 2004GONZÁLES-RIPOLL, María Dolores. Desde Cuba antes y después de Haití. In: GONZÁLES-REPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2004. p. 9-81. , p. 74-75).

Ainda nas Cortes de Cádiz, entre 1822 e 1823, o padre e deputado representante de Cuba, Félix Varela, pretendia defender posições contrárias a Arango e O’Gavan. Posicionou-se a favor da abolição imediata do tráfico e extinção paulatina da escravidão. Acusou a Inglaterra de praticar falsa filantropia, pois outrora lucrara com o comércio de homens e depois, com a sua abolição, buscava vantagens. Ainda procurava demonstrar que a escravidão tornava vis os ofícios mecânicos e criava entraves à colonização branca. Sua principal objeção ao cativeiro era o temor de rebeliões e a possibilidade de destruição do patrimônio acumulado na ilha (VARELA Y MORALES, 2001VARELA Y MORALES, Felix. Obras . Habana: Imagen Contemporanea /Cultura Popular, 2001. , p. 114-119). Varela propunha a abolição gradual e supressão do comércio: concessão de liberdade aos nascidos ou após dez anos de serviço, estabelecimento de patronato durante dez a vinte anos e a criação de uma junta filantrópica para libertar os cativos com fundos públicos e privados. Entretanto, sua proposta não teve divulgação em Cádiz, pois contrariava os interesses das elites de Havana (PIQUERAS, 2007PIQUERAS, José Antonio. Félix Varela y la prosperidad de la patria criolla. Madrid: Fundación Mapfre, 2007. , p. 51-54).

Em diferentes momentos nas Cortes de Cádiz, o temor de rebeliões tornou-se motivo suficiente para debilitar as propostas emancipadoras que concediam direitos políticos a libertos e livres afrodescendentes (FRADERA, 2018FRADERA, Josep M. Imperial Nation. Princeton: Princeton University Press, 2018. , p. 1-52). De fato, os rumores sobre o Haiti promoveram controles ainda mais rígidos sobre os homens de cor, escravos e mulatos em Cuba e intensificaram a discriminação racial. Na colônia, as autoridades ainda se recusavam a tratar brancos com os mesmos castigos aplicados a negros. Os relatos sobre o brutal tratamento aos escravos se repetiram nos processos contra os envolvidos na rebelião de Aponte em 1812. Aí ficou evidente que livres e escravos nem sempre lutavam por causas distintas, pois a exclusão racial os unia. A sociedade cubana estava dividida entre negros e brancos sem espaços para outras cores (CHILDS, 2006CHILDS, Matt D. The 1812 Aponte rebellion in Cuba. Chapel Hill: The University of North Caroline Press, 2006. , p. 27-77).

No Brasil, o debate tomou outras proporções. Desde fins do século XVIII, com a crise na produção aurífera, o governo metropolitano incentivou a diversificação das lavouras. Depois, em 1808, a abertura do comércio e a transmigração da corte portuguesa incrementavam a economia do centro-sul do Brasil. Assim, um número crescente de escravos afluía aos portos brasileiros, promovendo a maior africanização da população escrava. Alguns tratados assinados com a Inglaterra pretendiam restringir esse comércio, mas não impediram que grande quantidade de cativos fosse deslocada da África para as cidades e lavouras do Brasil. Os grupos se caracterizavam pela forte desproporção entre os sexos, fator impeditivo para a sua reprodução natural. Assim, o crescimento da população escrava era muito dependente do comércio de escravos provenientes da África (CONRAD, 1985CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985. , p. 66-117; MAMIGONIAN, 2017MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.).

Com data de 1821, o autor anônimo da carta ao compadre de Lisboa não propunha uma reforma, mas tratou de temas muito pertinentes ao debate sobre o tráfico e a escravidão. Contrário à permanência da corte no Rio de Janeiro, o autor se remeteu, mesmo indiretamente, ao tema da dependência entre colônia e metrópole. Se a corte permanecia no Rio, Portugal deixava de ser "reino verdadeiramente independente". O anônimo estava ainda inconformado com a permanência do rei em terras submetidas a "clima ardente, e pouco sadio, o Brasil está hoje reduzido a umas poucas hordas de negrinhos, pescados nas Costas d’África, únicos, e só capazes de suportarem os dardejantes raios de uma zona abrasada". Assim, segundo seu testemunho, melhor seria estabelecer a corte em terra de gente branca, de povos civilizados "do que em terras de macacos, dos pretos e, das serpentes" (CARTA, 1821CARTA do compadre de Lisboa. Rio de Janeiro: Typographia Real, 1821. , p. 15-16).

Em 1822, talvez após a independência, a carta recebeu resposta de um brasileiro também anônimo. Ao contestar o compadre de Lisboa, a nova carta destacou a existência em terras brasílicas de "muitíssimos brancos sem outra mescla de sangue, que não seja todo Português, ou nascido na Europa, ou no Brasil". Aí os brancos edificaram as cidades, controlavam os postos eclesiásticos e públicos, o comércio e as propriedades. Os negros não formavam Estado algum, viviam dispersos nas casas e fazendas de seus senhores ou nos quilombos (JUSTA RETRIBUIÇÃO, 1822JUSTA RETRIBUIÇÃO dada ao compadre de Lisboa. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1822. , p. 21-22).

Nessa mesma época, o Conselheiro de Sua Majestade e brasileiro José Severino Maciel da Costa em princípio se posicionou contrário à escravidão. Considerava o Brasil uma potência, embora ainda estivesse na infância. O novo reino apresentava proporções para ser um dos maiores impérios da terra (COSTA, 1821, p. 6). No entanto, seu sistema de trabalho obstava suas vitórias, pois a escravidão incentivava a perpétua guerra entre os homens e paralisava a indústria. Multiplicava-se, assim, uma população heterogênea, pois a condição servil proporcionava a inimizade entre cativos e livres (COSTA, 1821, p. 7).

Em seguida, Maciel Costa mencionou os jornais ingleses e as notícias preocupantes de que a "abolição total no Brasil está muito próxima". Contrariando o preâmbulo abolicionista, ele se colocou ao lado dos proprietários, incapazes de substituir a força cativa por livres. Passou então a defender a escravidão e o comércio de escravos, embora fossem contrários à humanidade. O tráfico não era tão horrível como o figuravam os seus antagonistas. A barbárie na África era argumento convincente para resgatar essa população e trazê-la para América. Os autores incendiários, como o Abade Raynal, incentivavam os moços inexperientes contra o cativeiro. Aliás, os maiores defensores da abolição, os ingleses, pretendiam colonizar a África. Suas causas humanitárias eram de pouca monta quando se sabia que o governo inglês procurava lá mercados para a sua indústria (COSTA, 1821, p. 13-17).

Entretanto, mais uma vez, ao longo do relato o posicionamento do conselheiro do rei recua para denunciar os males da escravidão e sobretudo a entrada de negros no Brasil. Seus argumentos procuravam preservar a segurança e prosperidade do Estado, ora alertavam para as mazelas provocadas pelas desigualdades sociais, ora apontavam a inferioridade racial dos negros. Para Maciel Costa, a verdadeira população não consistia "em manadas de escravos negros, bárbaros por nascimento, educação e gênero de vida, sem pessoa civil, sem propriedade, sem interesses nem relações sociais, conduzidos pelo medo do castigo" (COSTA, 1821, p. 19). Por tudo isso os cativos eram perigosos e não poderiam formar a grande maioria de indivíduos de uma "nação civilizada". Com o tráfico intenso de escravos, pergunta-se: "Que faremos pois nós desta maioridade de população heterogênea, incompatível com os brancos, antes inimiga declarada?" (COSTA, 1821, p. 23). Seu aumento levaria ao abastardamento total da "bela raça de homens Portugueses, confundida com os imensos Africanos". Com o adensamento de escravos na população, Costa questionava se, em breve, o Brasil se confundiria com a África (COSTA, 1821, p. 25-59).

Nos anos de 1820, o médico português Francisco Soares Franco tratou com profundidade do mesmo tema e pregou a unidade como solução para reconstruir o reino lusitano e para forjar a nação. Em princípio, o médico propunha reduzir particularmente a quantidade de negros na antiga colônia, atacar o tráfico e a escravidão e reduzir a diversidade de castas existente no Brasil (FRANCO, 1821FRANCO, Francisco Soares.Ensaio sobre os Melhoramentos de Portugal e do Brazil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. , 4º caderno, p. 5). Com essas reformas, a população branca seria majoritária nos domínios portugueses da América, pois incentivariam o casamento entre brancos e índios e a imigração europeia.

Para essa geração de luso-brasileiros, a escravidão tornava vil o trabalho, pois emperrava a prosperidade agrícola e o florescimento da indústria. Assim como a economia, a civilização, os valores, os letrados e os jovens ficavam impregnados pela imoralidade (ROCHA, 2000ROCHA, Antonio Penalves. Idéias antiescravistas da Ilustração na sociedade brasileira. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 37-68, 2000.). Radicados no Brasil, os imigrantes portugueses, por vezes, eram desviados para os exércitos e impedidos de prosperar. Reuniam-se às tropas encarregadas de conter o inimigo interno, como bem escrevera o português Antônio José Gonçalves: "E que força de gigante não é preciso assim mesmo a esta parte livre da nação para formar uma barreira capaz de opor-se a este desconforme número de escravos, ou inimigos internos" (CHAVES, 1978CHAVES, Antônio José Gonçalves. Memórias econômico-políticas sobre a Administração Pública do Brasil. Porto Alegre: ERUS, 1978., p. 62). Soares Franco e Gonçalves Chaves consideravam a escravidão contrária à liberdade da economia e à governabilidade.

O fortalecimento da casta branca era condição para promover a felicidade da nação. A prosperidade de um Estado dependia da harmonia de seus povos, pois "Um povo composto de diversos povos não é rigorosamente uma nação" (FRANCO, 1821FRANCO, Francisco Soares.Ensaio sobre os Melhoramentos de Portugal e do Brazil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. , 4º caderno, p. 5). A mistura era promotora de "orgulho exclusivo e um decidido aborrecimento entre as diversas raças". Emanavam das misturas raciais a desconfiança mútua, roubos, assassinatos e todo gênero de crimes. O convívio de raças produzia distúrbios que tornavam impraticável a conservação da boa ordem. A liberdade de uns e a escravidão de outros promoviam o ódio. Os homens negros tornavam-se malfeitores, pérfidos e aumentavam de forma vertiginosa, pois era "necessário tirar continuamente, com grandes despesas, da África, nova escravatura que supra a contínua perda desta estranha povoação" (FRANCO, 1821FRANCO, Francisco Soares.Ensaio sobre os Melhoramentos de Portugal e do Brazil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. , 4º caderno, p. 7).

Como claramente expressou Soares Franco, a cor estava associada ao medo, à barbárie, à impossibilidade de assimilação. A "natureza inferior" do negro ameaçava o predomínio da casta branca e a civilidade (branqueamento) dos índios. A mistura de brancos e negros, de índios e negros, era um retrocesso, uma ameaça à estabilidade política do Brasil e à união com Portugal. Enfim, a mestiçagem era um potente instrumento para o estabelecimento de uma única casta no Brasil, mas nessa mistura não poderia predominar o sangue negro. Aliás, a tolerância com os mestiços era estratégia altamente racista destinada a apagar a raça negra e branquear continuamente a população do Brasil. Para formar a única raça, a redução paulatina de negros era plano velado ou explícito no discurso de alguns abolicionistas cubanos e brasileiros.

Assim, ao incentivar a modernização da agricultura e da indústria, Soares Franco pretendia viabilizar a união entre Brasil e Portugal a partir dos mesmos usos e costumes. Decerto, sua visão sobre os negros, o aumento desordenado de escravos e o interesse de fortalecer a nação atuaram de forma definitiva no momento de compor os planos de incentivo à união entre Brasil e Portugal. Ameaçada por uma revolta escrava, a parte mais próspera do império não poderia consolidar o enlace entre os dois lados do Atlântico (FRANCO, 1821FRANCO, Francisco Soares.Ensaio sobre os Melhoramentos de Portugal e do Brazil. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. , 4º caderno, p. 14-25).

Comendador e conselheiro de Sua Majestade, Antônio de Oliveira era natural de São Paulo e dedicou memória ao imperador constitucional do Brasil para alertar sobre as potencialidades da terra e males da escravidão. Advertiu, porém, que inicialmente oferecera seus escritos a D. João, em 1810, mas publicou o livro somente após a independência. Por anteceder dez anos aos testemunhos de Maciel Costa e Soares Franco, sua análise é bem mais simplória ao defender o fim da escravidão e incentivar a colonização europeia. Depois de descrever a natureza e as riquezas da capitania de São Paulo e do Brasil, Oliveira dedicou-se à população. Considerava que os escravos custavam muitos recursos e só se dedicavam ao trabalho com o uso da força. Por isso, incentiva a abolição e a alforria perante pagamento. Por vezes, homens escravizados desempenhavam funções nobres e destinadas aos brancos (OLIVEIRA, 1822OLIVEIRA, Antonio Rodriguez Vellozo de. Memoria sobre o melhoramento da Provincia de São Paulo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1822. , p. 89-110). De forma nitidamente contrária aos escravos, indagou: "Como, na verdade, essas profissões dignas somente de homens livres, sendo tratados por mãos escravas, produzirão a civilidade, as ciências, os bons costumes, e o amor da Pátria?" (OLIVEIRA, 1822, p. 91). Em suma, seu testemunho reforça a incompatibilidade de inserir negros escravizados à pátria e à civilização.

Depois da independência, na Assembleia Geral Constituinte, o deputado Andrada e Silva elencou as prioridades para regeneração política da nação brasileira. Inicialmente defendia a civilização geral dos índios e, em seguida, propunha uma nova lei sobre o comércio de escravos para viabilizar tanto a sua gradual abolição quanto melhorar a sorte dos cativos. Aliás, o deputado considerava urgentes essas reformas, pois: "Somos a única nação de sangue europeu, que ainda comercia clara e publicamente africanos" (SILVA, 1925, p. 6).

Defendia ainda que os índios deveriam desfrutar dos mesmos privilégios da "raça europeia" (SILVA, 1825SILVA, José Bonifácio de Andrada. Representação à Assemblea Geral Constituinte e Legislativa. Paris: Firmin Didot, 1825., p. 6). No entanto, esses benefícios eram ilusórios, pois os nativos padeciam de extrema pobreza, da falta de educação e enfrentavam as constantes vexações dos brancos. Esse estado deplorável os tornou, segundo Bonifácio, tão abjetos e desprezíveis quanto os negros. Para o deputado, os índios bravos compunham uma raça de homens inconsiderada e, em grande parte, mal- agradecida e desumana. Essas características eram reversíveis, pois os índios se "civilizavam" quando se adotavam meios adequados e zelo no trato com as comunidades (SILVA, 1825, p. 5-6). Embora não defendesse a transformação de índios em brancos, Andrada e Silva acreditava na sua civilidade e incentivava a mestiçagem como estratégia para aumentar a população do Brasil (SILVA, 2000, p. 47-61).

Em 1825, o deputado Andrada e Silva procurou contestar as razões alegadas por "despóticos régulas" para trazer da África suas vítimas. Para amenizar o maldito tráfico, os escravistas se defendiam e asseveravam que esse comércio era movido pela caridade e dever cristão, para apresentar aos homens escravizados a luz do evangelho. Os africanos mudavam de clima, de país ardente e horrível para doce, fértil e ameno. Livravam-nos da morte, pois lá criminosos e prisioneiros de guerra eram executados. Essas razões, segundo o deputado, eram infundadas e, de fato, os senhores no Brasil tiranizavam-nos, reduziam-nos "a brutos animais". Senhores e escravos propagavam a imoralidade e incentivavam indolência e vício. A escravidão não era nefasta apenas aos negros, ela contaminava a todos, ou seja, o deputado Bonifácio introduzia assim uma polêmica pouca abordada pelos primeiros reformadores (SILVA, 1825SILVA, José Bonifácio de Andrada. Representação à Assemblea Geral Constituinte e Legislativa. Paris: Firmin Didot, 1825.).

Baiano, bacharel em matemática e brigadeiro do Exército, José Eloy Pessoa da Silva seguiu o mesmo raciocínio ao asseverar que os bens provenientes dos braços escravizados eram nulos quando comparados àqueles produzidos por homens livres (AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Maria Marinho de. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites, século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , p. 42-43). Estranhos aos interesses públicos, os escravos estavam sempre em guerra doméstica com a população livre. Como Bonifácio, o bacharel em matemática acreditava que os escravos eram "gente que quando é preciso defender a honra, fazenda, e vida, é o inimigo mais terrível existindo domiciliado com famílias livres". A escravidão promovia tanto a imoralidade como a pobreza. Os homens escravizados ofereciam diariamente maus exemplos de seus vícios oriundos da coação e da violência. Assim, era muito fácil a mocidade brasileira satisfazer suas "paixões desordenadas, orgulho e caprichos" (SILVA, 1826SILVA, José Eloy Pessoa da. Memoria sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Imperial Typographia de Plancher, 1826. , p. 14-15).

Dois temas ainda preocuparam o deputado e o matemático. Em princípio, mencionaram a dificuldade de absorver pequenos proprietários em sociedade escravista - os pequenos deveriam enfrentar a concorrência dos latifundiários. Para Bonifácio, essa população, grande parte branca ou mestiça, com a ajuda do governo poderia se ocupar de terras inadequadas às grandes lavouras, glebas localizadas ao redor das vilas e cidades que produziriam alimentos para o abastecimento urbano (SILVA, 1825SILVA, José Bonifácio de Andrada. Representação à Assemblea Geral Constituinte e Legislativa. Paris: Firmin Didot, 1825., p. 19). Em seguida, o deputado alertou que a escravidão não poderia ser abolida de repente. Para evitar prejuízos à sociedade, a emancipação deveria ser gradual e transformar primeiro os escravos em homens dignos de liberdade (SILVA, 1825, p. 24).

A gradual emancipação de escravos também era tema pouco abordado pelos reformadores, fosse entre os primeiros, fosse entre os segundos, conforme o próximo item. Aliás, o matemático defendia a suspensão do tráfico e da escravidão e inovou ao considerar como solução o incentivo à colonização de europeus e africanos da Costa da África, ambos como trabalhadores livres (SILVA, 1826SILVA, José Eloy Pessoa da. Memoria sobre a escravidão. Rio de Janeiro: Imperial Typographia de Plancher, 1826. , p. 19-23). O deputado e o matemático não concebiam a população negra como entrave à formação da nação brasileira. Diferentemente dos demais abolicionistas, eles lutavam contra a escravidão e não excluíam os negros como parte do povo brasileiro. Aliás, na Comissão de Constituição no Brasil, o deputado Silva Lisboa e a maioria dos deputados consideravam cidadãos brasileiros todos os libertos, incluindo os africanos. No entanto, na carta outorgada de 1824, prevaleceu uma versão mais conservadora, pois somente os libertos nascidos no Brasil mereceram a cidadania brasileira (MAMIGONIAN, 2017MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2017., p. 712-713).

Em suma, entre os primeiros reformadores era evidente, inicialmente, a separação entre metropolitanos e ultramarinos. Os primeiros defendiam a abolição do tráfico e da escravidão como estratégia para manter unido o império. Embora o tema do cativeiro não estivesse em pauta nos escritos de D. Rodrigo, sua preocupação era manter os vínculos entre as partes apartadas da monarquia. De forma mais explícita, os portugueses e espanhóis como Soares Franco, Gonçalves Chaves, bispo Espada, padre Varela e o deputado Argüelles defendiam tanto a suspensão do tráfico quanto a redução do emprego da mão de obra escrava. Denunciavam a escravidão como contrária à liberdade política e econômica. Muitos indicavam-na como entrave à formação da nação.

Em defesa do tráfico e da escravidão, estavam os crioulos Arango y Parreño e o sacerdote O’Gavan e o luso-brasileiro Azeredo Coutinho que respaldavam o aumento das áreas agrícolas escravocratas como estratégia para enriquecer as elites ultramarinas. Esse grupo não considerava o aumento de homens escravizados como entrave à união entre metrópole e colônias. Ao contrário, o incremento das lavouras ativava os elos econômicos entre as partes do império. Assim, nitidamente existia a aversão dos europeus à escravidão, e a defesa dos interesses escravistas por parte de colonos brasileiros e espanhóis. Essa divisão não era, porém, tão nítida, pois os colonos podiam atuar como abolicionistas e, ao mesmo tempo, perceber a importância da escravidão e da contribuição dos negros para a economia colonial.

Os luso-brasileiros Andrada e Silva, Maciel Costa e José Eloy Silva se posicionam para além da dicotomia, pois reconheciam a importância do tráfico e da escravidão para a economia luso-brasileira, mas também apontavam as mazelas da africanização do Brasil e das desigualdades sociais produzidas pelo cativeiro. Buscavam alternativas para reformar a economia e a sociedade brasileiras e enfrentar os desafios de integrar a população africana à nova nação. Aliás, vale ainda destacar a proposta bastante original de Antônio de Oliveira ao defender tanto a colonização europeia quanto o emprego de africanos como trabalhadores livres, e assim desconsiderar as mazelas da africanização do Brasil.

DA DEPENDÊNCIA DE CATIVOS AO PERIGO DA AFRICANIZAÇÃO (1830-1840)

Nessa conjuntura, a economia brasileira vinculou-se paulatinamente ao mercado internacional. A expansão das lavouras e o aumento na demanda de trabalhadores coincidiram com a lei de 1831, responsável por abolir definitivamente o tráfico de escravos. Assim, os reformadores da década de 1830 e 1840 tendiam a criticar a nova lei e demandar a ampliação dos plantéis para viabilizar o crescimento da produção agrícola. Nos anos seguintes, as elites brasileiras passaram a defender o tráfico e o cativeiro dentro e fora do Parlamento (PARRON, 2011PARRON, Tâmis. A Política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. , p. 43-44; MAMIGONIAN, 2017MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.). No entanto, encontram-se na impressa do Rio de Janeiro, entre 1822 e 1835, muitos artigos em defesa da abolição do tráfico, seguindo a mesma diretriz da lei de 1831. A publicação de artigos em defesa do contrabando se concentrou no período entre 1836 e 1850, quando os plantadores demandavam escravos e criavam as condições políticas na imprensa e no Parlamento para tolerar a entrada de africanos no Brasil (YOUSSEF, 2010YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. , p. 275). Assim, a publicação de livros em defesa do tráfico, ou seja, nosso objeto de análise, inicia-se antes que esse tema se tornasse predominante na imprensa e no Parlamento.

Em 1826, publicou-se obra avulsa e anônima em defesa da escravidão no Brasil, a primeira a isentar o tráfico de seus horrores (PARRON, 2011PARRON, Tâmis. A Política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. , p. 64-71). No ano seguinte, discurso semelhante encontra-se na fala de Raimundo José da Cunha Matos que defendeu o direito exclusivo do Parlamento de legislar sobre o trabalho forçado africano. Repudiava então os tratados firmados entre D. João VI e o governo da Inglaterra em 1810 e 1815 e depois o tratado de 1826, que proibiram todo o comércio de escravos no Brasil. Em sua perspectiva, o tráfico e a escravidão forneciam inicialmente força de trabalho, mas em seguida, por intermédio da alforria, criavam cidadãos brasileiros e defensores da pátria. Cunha Matos ainda asseverou serem imensos os lugares onde somente pretos e pardos viviam impunimente. Esses espaços ricos e povoados ficariam desertos, controlados por feras e aves, caso não pudessem contar com "gente de cor preta, ou parda". Em favor do cativeiro, mencionou ainda o fato de o tráfico livrar os africanos quando cometiam crimes puníveis com a morte. Fora da África, não só escapavam de assassinatos punitivos, mas também se adaptavam ao clima e trabalhavam intensamente. "O escravo não obstante a falta de liberdade, é homem em tudo igual a qualquer de nós: cumpre ao Governo fazer tratar essa gente com caridade, para não termos tantos motivos de deplorarmos a miséria dos escravos" (SUSTENTAÇÃO, 1827SUSTENTAÇÃO dos votos dos deputados Raimundo José da Cunha Mattos e Luiz Augusto May sobre a convenção para a final extincção do commercio de escravos. Rio de Janeiro: Imperial Typographia, 1827. , p. 3-7).

Para Cunha Matos, o fim do tráfico provocava crise na agricultura e ainda agravava o vazio demográfico provocado pela saída da corte do Brasil, quando cerca de 30 mil almas retornaram ao velho continente. Os colonos europeus eram certamente uma alternativa e muitos receberam financiamento para se instalar no Brasil. Soldados alemães, desgraçados que povoavam os cárceres de Hamburgo, Lübeck, Bremen e os colonos suíços de Friburgo e demais cantões, todos se beneficiaram dos incentivos à imigração, mas poucos se dedicaram à agricultura. Eles optaram pela vida de mascate, não se adaptaram ao clima e aos trabalhos agrícolas. Antigos malfeitores, os colonos suíços e alemães eram bandos de ladrões, e no Rio de Janeiro "estamos a toda hora expostos a sermos assaltados" (SUSTENTAÇÃO, 1827SUSTENTAÇÃO dos votos dos deputados Raimundo José da Cunha Mattos e Luiz Augusto May sobre a convenção para a final extincção do commercio de escravos. Rio de Janeiro: Imperial Typographia, 1827. , p. 14). Enfim, os serviços desses colonos eram irrelevantes quando comparados aos pretos e pardos. Os últimos eram dignos de louvor, embora a fidalguia brasileira desprezasse sua contribuição para o país, "ainda que nas raízes das suas árvores genealógicas estivesse um mouro, um negro, ou um judeu" (SUSTENTAÇÃO, 1827SUSTENTAÇÃO dos votos dos deputados Raimundo José da Cunha Mattos e Luiz Augusto May sobre a convenção para a final extincção do commercio de escravos. Rio de Janeiro: Imperial Typographia, 1827. , p. 8). Em suma, o escravista refutava o racismo e a desvalorização dos escravos na sociedade brasileira.

Mesmo que o tráfico fosse considerado desumano, os políticos o defendiam em nome da soberania nacional, como alternativa incontornável para manter a economia do Brasil. Para Tamis Parron, à época, a defesa do comércio de escravos não constituía uma política de escravidão, fundada em apoio sólido de setores sociais e políticos. Nesse sentido, a lei de 7 de novembro de 1831 confirmava a proibição do tráfico e declarava a liberdade de todos os escravos que entrassem no país. A nova determinação ainda estabelecia penas aos envolvidos no tráfico. Por conseguinte, o movimento abolicionista e a resistência escrava se fortaleceram com a proibição. Entretanto, o tráfico ilegal teve enorme expansão entre 1830 e 1856, quando 800 mil africanos entraram no Brasil. Até 1835, no momento da revolta dos Malês na Bahia, a escravidão e o comércio ainda eram considerados de forma negativa. Somente em 1837 se neutralizou em definitivo a legislação contrária ao tráfico, quando se instituiu política de proteção à propriedade adquirida por contrabando. Essa norma e prática debilitavam o direito dos africanos recém-chegados e restringiam-no para os africanos livres (PARRON, 2011PARRON, Tâmis. A Política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. , p. 90-192; CONRAD, 1985CONRAD, Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985. , p. 66-117; MAMIGONIAN, 2017MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.).

A revolta dos Malês envolveu escravos e libertos na Bahia, no início de 1835. Por certo, a preparação dos distúrbios teve vínculos estreitos com a instabilidade política do período regencial, pela crise econômica e escassez que atingiram os setores pobres na cidade. Escravos e libertados planejavam um projeto radical para destruir a dominação branca. Outros planos envolviam a escravização de brancos e mulatos, os últimos considerados cúmplices dos senhores. Os revoltosos pretendiam construir uma "Bahia só de africanos" e se uniam pela experiência no cativeiro, pelas condições adversas vividas em Salvador e sobretudo pela discriminação racial (REIS, 1986REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante do Malês (1835). São Paulo: Brasiliense , 1986. ). Entretanto, os eventos da Bahia não sensibilizaram os reformadores para a crueldade da escravidão, tampouco para os perigos revolucionários. Nos anos vindouros, muita tinta se verteu em defesa do tráfico e da entrada de cativos para labutar nas áreas agrícolas em expansão.

Em 1837, Domingos Alves Branco Moniz Barreto publicou sua defesa da escravidão e considerava um absurdo privar a agricultura e a mineração da mão-de-obra escrava. De certo, a suspensão do comércio tornava inviável a economia da jovem nação. Reconhece, porém, a humanidade dos africanos, pois eles "não são de diferente massa dos demais homens, mas sim de diferente cor" (BARRETO, 1837BARRETO, Domingos Alves Branco Muniz. Memória sobre a abolição do comércio da escravatura. Rio de Janeiro: Typ. Imparcial F. Paula Brito, 1837. , p. 2). Isenta traficantes e senhores sobre a decisão de escravizar seres humanos. A sorte dos escravos era dada na África, já que a escravidão se originava da punição de crime lá praticado e julgado. O tráfico os livrava da morte e os franqueava a possibilidade de viver melhor (BARRETO, 1837BARRETO, Domingos Alves Branco Muniz. Memória sobre a abolição do comércio da escravatura. Rio de Janeiro: Typ. Imparcial F. Paula Brito, 1837. , p. 20).

A Memória sobre o commercio dos escravos (1838), escrita por anônimo, natural de Campos dos Goitacazes, partiu dos mesmos princípios para legitimar a escravidão e considerou as guerras na África como origem da escravidão (MARQUESE; PARRON, 2005MARQUESE, R. de Bivar; PARRON, Tâmis P. Azeredo Coutinho, Visconde de Araruama e a memória sobre o comércio dos escravos de 1838. Revista de História, São Paulo, n. 152, p. 99-126, 2005.). Aliás, esses povos não eram as únicas vítimas do infame comércio. Nas costas meridionais na Espanha, Itália, Sicília e Sardenha, os moradores eram surpreendidos e presos, "amarrados e conduzidos para as costas da África, para serem vendidos" (MEMORIA, 1838MEMORIA sobre o commercio dos escravos. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional de Villeneuve, 1838., p. 11-12). Em seguida, o natural de Campos dos Goitacazes reconheceu que muitos se posicionam contrários à escravidão e em defesa do futuro brilhante que esperava o Brasil. Sua fertilidade, extensão de terras e posição geográfica lhe concediam muitas vantagens. No entanto, sua população não era proporcional a seu território. Assim, quando o comércio fosse proporcional à sua fertilidade, quando "a indústria europeia tiver pela introdução das artes e ofícios e competentes máquinas, para suster e fazer andar nossos trabalhos, então, digo eu também, este comércio deve ser abolido" (MEMORIA, 1838MEMORIA sobre o commercio dos escravos. Rio de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional de Villeneuve, 1838., p. 13).

Em meio aos debates sobre a escravidão, em 1835, publica-se carta póstuma de D. Pedro, o Duque de Bragança, aos brasileiros. A autenticidade da carta é suspeita, segundo aviso do editor. De todo modo, vale incluir aqui as reflexões do suposto primeiro monarca do Brasil. Entre muitos temas políticos, o duque advertiu sobre os danos provocados pela escravidão, o atentado contra os direitos e a dignidade, "mas as suas consequências são menos danosas aos que padecem o cativeiro do que à nação, cuja legislação admite a escravatura". Entretanto, asseverou que a praga não podia ser sanada rapidamente. Somente quando trabalho livre for mais barato do que trabalho cativo, a escravidão se extinguiria por si mesma. O governo brasileiro deveria então criar as condições para que esta transformação se efetivasse (CARTA POSTHUMA, 1835CARTA POSTHUMA de D. Pedro, Duque de Bragança aos brasileiros. Rio de Janeiro: Tip. Fluminense de Brito, 1835. , p. 11).

No Rio de Janeiro, a Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional conclamou seus correligionários a refletir sobre o tráfico, escravidão e a sua influência nociva sobre a sociedade. Aceitando o desafio, o doutor em Ciências Matemáticas Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque escreveu memória analítica sobre o tema, influenciado por Charles Comte. O doutor considerava a escravidão imoral, impedimento para a propagação da civilidade e a multiplicação da população livre e homogênea. O comércio de homens escravizados aumentava os males, mas sua origem estava no sistema escravista (BURLAMAQUE, 1837BURLAMAQUE, Frederico Leopoldo Cezar. Memoria analytica à cerca do commercio d´escravos e à cerca dos males da escravidão doméstica. Rio de Janeiro: Comercial Fluminense, 1837. , p. 3-6; AZEVEDO, 1987AZEVEDO, Maria Marinho de. Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das elites, século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. , p. 43). A escravidão obrigava a elite a conduzir essa "política tenebrosa", aumentar infinitamente a entrada de africanos e "formar um Povo mesclado, sem espírito de nacionalidade, sem civilização". Para o doutor, a introdução de escravos e a reduzida entrada de imigrantes brancos era política deliberada das metrópoles, desde o início da colonização. Elas arquitetavam para "que suas colônias fossem pouco ilustradas sem liberdade, sem indústria, um mesclado de raças inimigas" (BURLAMAQUE, 1837BURLAMAQUE, Frederico Leopoldo Cezar. Memoria analytica à cerca do commercio d´escravos e à cerca dos males da escravidão doméstica. Rio de Janeiro: Comercial Fluminense, 1837. , p. 3, 18).

Em sociedade escravista, onde parte dos homens descansava e outra trabalhava arduamente, reinam a preguiça, os vícios e a exploração. A violência era arma da "classe dominante", que mantinha a sua segurança, recorrendo aos suplícios e ao embrutecimento da "raça dominada". Aliás, os "costumes bárbaros" se difundiam, multiplicavam-se assassinatos, envenenamentos e todas as mazelas acometiam o país dividido em raças inimigas:

Nunca uma associação formará uma Nação homogênea; mas uma mescla heterogênea de indivíduos estranhos uns aos outros, sempre inimigos, alternativamente opressores, e oprimidos, cheios de prejuízos, e sempre prontos a lançarem mão das armas (BURLAMAQUE, 1837BURLAMAQUE, Frederico Leopoldo Cezar. Memoria analytica à cerca do commercio d´escravos e à cerca dos males da escravidão doméstica. Rio de Janeiro: Comercial Fluminense, 1837. , p. 20).

Enfim, o doutor defendia que a escravidão era a maior calamidade para a nação, pois depravava o senhor mais do que o escravo, destruindo seus princípios morais. Uma nação assim composta tornava inviável um governo justo e imparcial. Devido aos conflitos inerentes ao cativeiro, a nação permanecia fragmentada e se tornava incapaz de ser independente das demais nações, ou seja, "põem a esta Nação na absoluta dependência das outras Nações" (BURLAMAQUE, 1837BURLAMAQUE, Frederico Leopoldo Cezar. Memoria analytica à cerca do commercio d´escravos e à cerca dos males da escravidão doméstica. Rio de Janeiro: Comercial Fluminense, 1837. , p. 22).

Assim, Burlamaque defendeu uma tese bastante original para o debate brasileiro. Em princípio, considerou a introdução de escravos como estratégia das metrópoles para inviabilizar a formação de nações homogêneas e fortes. Os conflitos sociais, inerentes à sociedade escravista, as disputas entre senhores e escravos, inviabilizavam sua autonomia e criavam laços de dependência às demais nações. Também analisou um tema recorrente desde o final do século XVIII, quando se discutia a inviabilidade de se formar nações compostas de raças inimigas (FRADERA, 2018FRADERA, Josep M. Imperial Nation. Princeton: Princeton University Press, 2018. , p. 1-52; CHIARAMONTE, 2004CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y Estado en Iberoamérica. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2004. , p. 27-57). Ele não propunha apenas a abolição, mas um novo destino para a "raça libertada", pois não conviria a coexistência entre "raça dominante" e "raça libertada". Após a abolição, o governo executivo deveria estabelecer, "em qualquer lugar da África, uma colônia à imitação das que possuem os Americanos no Norte, decretando fundos suficientes para a compra do local" (BURLAMAQUE, 1837BURLAMAQUE, Frederico Leopoldo Cezar. Memoria analytica à cerca do commercio d´escravos e à cerca dos males da escravidão doméstica. Rio de Janeiro: Comercial Fluminense, 1837. , p. 95). Vale ainda mencionar que nessa conjuntura favorável à intensificação do tráfico, mesmo ilegal, os escritos de Burlamaque não sensibilizaram as elites brasileiras. Aliás, suas ideias têm muitas afinidades com o debate cubano levado por Antonio Saco, conforme veremos em seguida.

Após a falência do projeto de união Portugal e Brasil, o debate sobre a nação quase desapareceu do nosso universo de análise, a obra de Burlamaque era uma notável exceção, mas entre os reformadores cubanos o tema retomou com as denúncias da africanização da ilha. Os cubanos passaram a defender a colonização europeia quando perceberam que o tráfico estava alterando o equilíbrio entre brancos e afrodescendentes. Aí, o tratado para a abolição do tráfico de escravos, assinado com o Reino Unido em 28 de junho de 1835, determinava taxativamente que esse comércio estava abolido. No entanto, como veremos, La Sagra e Saco passaram a desconfiar dos censos e denunciaram o aumento da população negra. Os reformadores descreveram os possíveis perigos provocados pelo aumento da população afrodescendente. Alertaram para as possíveis rebeliões e incentivavam a imigração de europeus, como forma de atenuar a tendência de africanização (NARANJO OROVIO, 2004NARANJO OROVIO, Consuelo. La Amenaza haitiana, un miedo interesado. In: GONZÁLES-RIPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía . Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas , 2004. p. 84-178. , p. 84-125; PIQUERAS, 2016PIQUERAS, José Antonio. Francisco Arango y José Antonio Saco: el color del trabajo colonial. Dvacate Stoleti, Praga, v. 8, n. 1, p. 112-125, 2016. , p. 112-125). A urgência de reforma ficou ainda maior quando ocorreu a Conspiración de La Escalera e as insurgências entre 1841 e 1844 (PAQUETTE, 1988PAQUETTE, Robert L. Sugar is made with blood. Middletown: Weslayan University Press, 1988.).

Em maio de 1832, o grande defensor do tráfico Arango y Parreño escreveu uma representação ao rei sobre a iminente abolição do comércio de seres humanos. Para contornar a falta de braços, o reformador considerava aplicar, sem alardes, remédios oportunos e incluiu o aumento da população branca, concentração dos colonos na cidade e dos escravos no campo, melhoria das condições de vida dos escravos, incentivo aos senhores a aumentar seus plantéis pela reprodução natural, estabelecimento de sistema de manumissão gradual. A abolição efetiva do tráfico era inevitável, pois Cuba estava em uma situação vergonhosa de ser a única região a continuar esse comércio asqueroso (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 651; GOMARIZ, 2004GOMARIZ, José. Francisco de Arango y Perreño: el discurso esclavista de la ilustración cubana. Cuban Studies, Pittsburgh, v. 35, p. 45-61, 2004. , p. 45-61). Os franceses assinaram um tratado com a Inglaterra de combate ao tráfico na Martinica e Guadalupe e suspenderam todas as leis que depreciavam a gente de cor. Com a pressão inglesa, o governo do Brasil também proibiu esse comércio. Arango estava ainda preocupado com as diferenças de cor, como potencialmente capazes de provocar revoltas populares. Para tanto, julgou necessário criar colônias em paragens remotas, povoadas por colonos trazidos diretamente da Europa (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 654). Enfim, para Arango, o isolamento do povoado era estratégia para apagar as classificações sociais baseadas na cor. Estranhamente se posicionava como se o racismo fosse um fenômeno desconhecido da Europa.

Os remédios oportunos estão descritos em detalhes em uma memória francesa sobre abolição do tráfico, traduzida por Arango e enviada ao rei espanhol. Devido aos limites deste artigo, analiso somente uma parte da memória francesa, intitulada "Borrar o destruir la preocupación del color o de las castas" (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 713-722). Segundo o autor, a escravidão colonial se originou de prática comercial. Os homens escravizados não eram vencidos em guerra, mas comprados. Isso fazia muita diferença, pois a raça que sofria com essa prática era considerada, perante os homens livres, mercadoria desprezível. Assim, não restam muitos recursos para o escravo escapar da degradação, pois ela estava gravada em seu próprio rosto. Esse desprezo originou-se da escravidão, mas depois tornou-se o acidente da cor, desdobramento fatal do nascimento.

Nas colônias francesas, essa pecha não atingia somente os escravos, mas a "gente de cor". Ao longo do século XVIII, as leis francesas puniam os casamentos entre brancos, negros e mulatos. Em 1764 e 1765, editos determinavam que a gente de cor estava proibida de exercer cargos públicos. As funções somente poderiam ser exercidas por pessoas de reconhecida probidade, ausente em pessoas de cor, com vil nascimento. Mesmo após a revolta do Haiti, a legislação francesa colonial consolidava a exclusão social baseada na cor, e muitos livres e libertos voltaram ao cativeiro por não apresentar documentos.

Em seguida, a memória considerou o sistema francês um absurdo e defendeu o fortalecimento de uma clase intermedia entre brancos e negros. Sob o clima quente, os franceses do Ródano e Loire certamente mudariam de cor e de costumes. "Aliás, na ordem natural das coisas, a raça que se estabelecer em outro região se mesclará e se confundirá com a população que ali se encontrar, seja indígena ou de outra espécie (....) longe de perder, vai ganhar nessa mescla"3 3 Trad. livre do autor: "Además, esta en la orden natural de las cosas que la raza que va a establecerse en otro país se mezcle y confunda con la población que allí encuentre, sea indígena o de otra especie (….) lejos de perder, va a ganarse en esa mezcla". (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 718). Com esses ensinamentos, segundo a memória, a França não teria perdido Saint Domingue, pois foram o desprezo e as mortificações contra a gente de cor que desencadearam a revolta. Enfim, o governo colonial deveria incentivar a união entre brancos e afrodescendentes, além de melhorar as condições de vida dos escravos (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 713-722).

Na representação de 1832, Arango informou ao rei sobre os problemas entre brancos e negros e a origem da rebelião escrava. O antigo defensor do tráfico pareceu concordar com o argumento do francês a ponto de traduzir e enviá-lo ao rei como ensinamento a ser seguido em Cuba. O incentivo para formação de uma classe intermediária era, à época, uma política alternativa à escravidão. Segundo Gomariz, ao reconhecer a importância de abolir o tráfico, Arango defendia os interesses da oligarquia. Reconhecia a pressão contra o tráfico, o aumento do preço dos escravos e a preocupação de manter a competitividade de Cuba no mercado mundial. Para tanto, as elites deveriam adotar um sistema de produção livre assalariada e novas tecnologias que requeriam mão-de-obra especializada. No entanto, a metrópole defendia a elevada porcentagem de africanos para neutralizar os desejos de independência dos crioulos brancos (GOMARIZ, 2004GOMARIZ, José. Francisco de Arango y Perreño: el discurso esclavista de la ilustración cubana. Cuban Studies, Pittsburgh, v. 35, p. 45-61, 2004. , p. 46-57).

Arango defendeu a abolição paulatina do tráfico, mas não era abolicionista como os demais. Em geral, os últimos combatiam o tráfico e a escravidão como estratégia para formar a nação e/ou reduzir os conflitos sociais. Nada mais estranho ao pensamento de Arango do que abolir a escravidão, conforme Piqueras. Ele se convenceu dos limites da captura de escravos e indicava alternativas a esse comércio (PIQUERAS, 2016PIQUERAS, José Antonio. Francisco Arango y José Antonio Saco: el color del trabajo colonial. Dvacate Stoleti, Praga, v. 8, n. 1, p. 112-125, 2016. , p. 122). O reformador ainda indicava os benefícios da formação de uma classe intermediária, formada por mestiços e afrodescentes livres, capazes de substituir paulatinamente os escravos. Aproveitava ainda uma "venturosa senda", promovia o branqueamento dos negros e supressão das memórias da escravidão:

A natureza mesma nos indica o mais fácil e mais seguro caminho que há de seguir. Ela nos mostra que a cor negra cede ao branco, e que desaparece, caso se repita as mesclas de ambas as raças y então também observamos a inclinação evidente que os frutos dessas mesclas têm à gente branca. Aproveitemos assim tão venturoso caminho. 4 4 Trad. livre do autor: "La Naturaleza misma nos indica el más fácil y más seguro rumbo que hay que seguir esto. Ella nos muestra que el color negro cede al blanco, y que desaparece, si se repite las mezclas de ambas razas y entonces también observamos la inclinación decidida que los frutos de esas mezclas tienen à la gente blanca. Ensanchemos, pues, tan venturosa senda". (ARANGO Y PARREÑO, 1888ARANGO Y PARREÑO, Francisco de. Obras do Excm. Señor Francisco de Arango y Parreño. Habana: Howson y Heinen, 1888. , p. 376)

O incentivo à imigração de brancos para Cuba vinculava-se tanto ao desenvolvimento de outro tipo de agricultura quanto à estratégia destinada a conter a africanização. Aliás, o branqueamento não era apenas racial, mas também cultural e tencionava evitar a catástrofe que acometera Saint Domingue. O crescimento efetivo da imigração branca ocorreu a partir de década de 1840, ativada pelo crescimento econômico, abolição do tráfico em 1835 e a ajuda à colonização como forma de atenuar o fim do comércio de escravos. Os brancos não atuariam somente nas lavouras, mas também desenvolveriam o comércio, protegeriam a ilha contra piratas e revoltosos de Saint Domingue. Havia mesmo o projeto destinado a incentivar os brancos a produzir alimentos voltados ao mercado interno (NARANJO OROVIO, 2004NARANJO OROVIO, Consuelo. La Amenaza haitiana, un miedo interesado. In: GONZÁLES-RIPOLL et al. (Eds.). El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldía . Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas , 2004. p. 84-178. , p. 97-103).

O naturalista peninsular Ramón de La Sagra defendia uma indústria rural diversificada, com novos cultivos e procedimentos tecnológicos. Para empreender essas reformas, ele apontou muitos entraves, como a improdutividade dos escravos. Indicou como solução a introdução de trabalhadores assalariados, a implementação de colonização branca e a transformação das grandes fazendas em pequenas propriedades agrárias, pois, "No capítulo Agricultura, indicamos a influência perniciosa da escravidão, opondo-se ao progresso racional das práticas agrônomas e impossibilitando a introdução dos saudáveis e comprovados princípios da ciência"5 5 Trad. livre do autor: "En el capitulo Agricultura indicamos la influencia perniciosa que ejercía la esclavitud, oponiéndose al progreso racional de las practicas agrónomas e imposibilitando la introducción de los sanos y comprobados principios de la ciencia". (SAGRA, 1842SAGRA, Ramón de la. Historia física, política y natural de la Isla de Cuba. Paris: Libreria de Arthus Bertrand, 1842., p. 25). Conforme as tabelas apresentadas por La Sagra em 1841, os dados oficiais indicam aumento da população branca e escrava que coincide com a expansão das lavouras (SAGRA, 1842, p. 147-163), mas a ampliação da população escrava contrariava o tratado de abolição do tráfico de 1835 (PIQUERAS, 2016PIQUERAS, José Antonio. Francisco Arango y José Antonio Saco: el color del trabajo colonial. Dvacate Stoleti, Praga, v. 8, n. 1, p. 112-125, 2016. , p. 115).

Discípulo de Felix Varela, o deputado nas Cortes espanholas, escritor e político José Antonio Saco teve enorme influência nos debates sobre a escravidão em Cuba em meados do século XIX. Era francamente antiescravista e defensor da colonização branca de Cuba. Pregava o fim do tráfico como condição para manutenção dos escravos e redução paulatina da escravidão. Só assim estariam abertas as portas para a entrada dos colonos brancos: "ficam abertas para os brancos, e com eles, ao passo que aumentaremos o número de nossos amigos, diminuiremos o de nossos inimigos"6 6 Trad. livre do autor: "quedan abiertas para los blancos, y con ellos, al paso que aumentaremos el número de nuestros amigos, disminuiremos el de nuestros enemigos". (SACO, 2001SACO, José Antonio. Obras. Habana: Imagen Contemporanea, 2001. , p. 132).

Muita tinta se verteu sobre suas polêmicas, talvez a mais célebre trate da identidade cubana, travada com o mencionado Ramón de La Sagra (OPATRNY, 2010OPATRNY, Josef. José Antonio Saco y la búsqueda de la identidad cubana. Praga: Universidad carolina de Praga/Editorial Karolinum, 2010.; AGUILERA MANZANO, 2005AGUILERA MANZANO, José María. La Formación de identidad cubana. Sevilla: CSIC, 2005. ). Saco ainda defendia uma nova economia baseada em pequenos proprietários. A colonização branca era estratégia para manter tanto os níveis da produção agrícola quanto reforçar a cultura hispânica de Cuba. O intelectual crioulo considerava que a manutenção do regime escravista prolongava a submissão política da ilha. Seu outro oponente, o funcionário peninsular Vázquez Queipo era conhecedor da economia cubana e considerava impossível a substituição dos escravos por colonos brancos. Para tanto, procurou demonstrar que o trabalho escravo era mais lucrativo, pois os negros eram mais robustos, e a oferta de braços escravos era mais farta. Vale ainda destacar que a polêmica se travou em meados da década de 1840, quando o levante escravo de Matanzas abalou a sociedade cubana e se intensificaram os apelos pelos colonos brancos (PIQUERAS, 2016PIQUERAS, José Antonio. Francisco Arango y José Antonio Saco: el color del trabajo colonial. Dvacate Stoleti, Praga, v. 8, n. 1, p. 112-125, 2016. , p. 115-122; ROLDÁN DE MONTAUD; GARCÍA GONZÁLEZ, 2007ROLDÁN DE MONTAUD, Inés; GARCÍA GONZÁLEZ, Armando. Economía y esclavitud en Cuba. In: OPATRNY, Josep (Ed.). Pensamiento caribeño, siglos XIX y XX. Praga: Universidad Carolina de Praga/ Editorial Karolinum, 2007. , p. 293-297).

Em relação à essa colonização, Queipo e Saco defendiam em princípio o seu incremento, mas consideravam prudente regular as relações de jornaleiros brancos com mulheres negras. Assim, não deveriam ser toleradas as uniões ilegítimas, pois promoveriam a miséria das classes desvalidas e a criminalidade. Embora houvesse vigilância, Queipo asseverava que a colonização branca fomentava as castas mestiças e criava um contingente mil vezes mais perigoso do que os escravos. Por certo, ele responsabilizava a mestiçagem pela multiplicação de mulatos, responsáveis por desencadear a revolução do Haiti (ROLDÁN DE MONTAUD; GARCÍA GONZÁLEZ, 2007ROLDÁN DE MONTAUD, Inés; GARCÍA GONZÁLEZ, Armando. Economía y esclavitud en Cuba. In: OPATRNY, Josep (Ed.). Pensamiento caribeño, siglos XIX y XX. Praga: Universidad Carolina de Praga/ Editorial Karolinum, 2007. , p. 306-309). Saco discordava do potencial rebelde dos mulatos e considerava graves os enlaces de brancas e negros, pois minguavam a população branca. Mas a contrapartida, as relações entre homens brancos com mulheres negras eram benéficas por promover o clareamento da população (SACO, 1847SACO, José Antonio. Carta de un cubano a un amigo suyo. Sevilla: Imprenta de J. Gomez, 1847. , p. 40).

Para Saco, a mestiçagem era parte da estratégia para branquear a população cubana, transformar negros em brancos, a partir dos enlaces de homens brancos e mulheres negras ou mulatas. Aliás, seus escritos parecem incentivar o concubinato entre brancos e negras e reprovar os enlaces entre mulheres brancas e negros. Essas mulheres deveriam preservar a pureza da raça branca. O incentivo à mestiçagem era parte de uma política de apagamento racial e cultural dos negros na sociedade cubana. Enfim, o incentivo da mestiçagem era prática racista, misógina, embora não fosse nos mesmos moldes da empreendida pela cultura anglo-saxã, ou seja, os cubanos não imitavam "a intolerância e apolítica conduta dos Estados Unidos da América do Norte"7 7 Trad. livre do autor: "la intolerante e impolítica conducta de los Estados Unidos de Norteamérica". (SACO, 1847SACO, José Antonio. Carta de un cubano a un amigo suyo. Sevilla: Imprenta de J. Gomez, 1847. , p. 40). Em sua defesa da nacionalidade cubana, Saco se posicionava não somente contra a africanização de Cuba, mas também contra as interferências da cultura anglo-saxã, inerentes ao projeto de anexar Cuba aos Estrados Unidos (OPATRNY, 2010OPATRNY, Josef. José Antonio Saco y la búsqueda de la identidad cubana. Praga: Universidad carolina de Praga/Editorial Karolinum, 2010., p. 154-215).

Na década de 1840, nem em Cuba, nem no Brasil, os libelos francamente favoráveis à escravidão caíram em desuso, embora o debate apontasse cada vez mais para a suspensão do comércio de homens escravizados. Em 1841, em Madri, a Condessa Mercedes de Merlin publicou livro em defesa da escravidão. Aí repetia que a escravidão era "uma sorte" para a humanidade porque livrava os negros da guerra e da escravidão desumana. Assim, os senhores lhes ofereciam a alternativa: ou "de morrer comidos pelos seus, ou de permanecer escravos em uma vila civilizada, sua decisão não era duvidosa, preferiram a escravidão"8 8 Trad. livre do autor: "de morir comidos por los suyos, o de permanecer esclavos en un pueblo civilizado, su elección no es dudosa, preferirán la esclavitud" . (MERLIN, 1841MERLIN, Condesa Mercedes de. Los Esclavos en las colonias españolas. Madrid: Imprenta de Alegria y Charlan, 1841. , p. 6). Escreveu ainda que o amor da humanidade introduziu na América o gérmen da escravidão que se originou da ideia de caridade (MERLIN, 1841MERLIN, Condesa Mercedes de. Los Esclavos en las colonias españolas. Madrid: Imprenta de Alegria y Charlan, 1841. , p. 12). Retomando o tópico de Arango, a senhora destacava a benevolência dos cubanos, eram "doce(s), mas menos arrogante(s) com seus escravos, tratando-os com a autoridade do senhor"9 9 Trad. livre do autor: "dulces, sino menos altanero hacia sus esclavos, tratándolos con la autoridad de señor". (MERLIN, 1841, p. 23). Para além da bondade paternal dos senhores cubanos, os livres de cor gozavam de garantias e de direitos concedidos aos colonos, pois formavam parte das milícias e podiam até receber o grau de capitão. Por isso eram mais felizes e favorecidos do que os mulatos de Saint Domingue. Em suma, a condessa defendia que a escravidão era uma escolha dos africanos que, atraídos pela benevolência dos senhores cubanos, preferiam deixar a terra natal.

Sobre a experiência norte-americana, a condessa enaltecia os filantropos honrados e os religiosos por zelar de forma infatigável pela separação entre brancos e negros, sobretudo quando ensaiavam se misturar por meio do matrimônio. Mencionou, ademais, as tentativas norte-americanas de promover o retorno dos negros à África (MERLIN, 1841MERLIN, Condesa Mercedes de. Los Esclavos en las colonias españolas. Madrid: Imprenta de Alegria y Charlan, 1841. , p. 84). A condessa ainda analisava a questão crucial de todos os reformistas aqui analisados, ou seja, como viabilizar as plantações em alta escala sem os braços escravos. Brasil e Cuba apostaram na escravidão, mas o tema estava atrelado à instabilidade social, à formação de uma sociedade partida entre brancos e afrodescendentes, entre cidadãos e não cidadãos.

Nos escritos dos reformadores, o temor de revoltas e da africanização de Cuba explicam, em grande parte, a dura repressão contra os negros e mulatos envolvidos na Conspiración de la Escalera (1844). Aliás, não se considera o incidente como rebeldia escrava, antes confabulação tramada pela oligarquia negreira crioula e autoridades coloniais espanholas destinadas a neutralizar os crioulos brancos abolicionistas. Ainda buscava enfraquecer a influência econômica e social alcançada por negros e mestiços livres. A repressão pretendia ao mesmo tempo minar os planos de anexar Cuba aos Estados Unidos e limitar a rebeldia escrava (BARCIA PAZ, 1999BARCIA PAZ, Manuel. Con el látigo de la ira. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1999.).

Entre as décadas de 1830 e 1840, Cuba e Brasil expandiram suas economias, particularmente suas exportações de açúcar e café. Embora o tráfico estivesse sob fogo cerrado, a chegada de escravos, de forma legal ou ilegal, promoveu a expansão do cativeiro. Desde o final do século XVIII, os abolicionistas pressionavam para a suspensão do tráfico. Obtiveram algumas vitórias que ruíram com o aumento da demanda de açúcar e café nos anos de 1830. Nessa conjuntura, os defensores do cativeiro reforçavam a humanidade dos africanos, destacavam seu resgate em terras assoladas por guerras e "canibais". A América era a sua "salvação" e, portanto, a escravidão era uma "caridade". Para Cunha Matos, os negros eram iguais aos brancos, embora tivessem perdido a liberdade (SUSTENTAÇÃO, 1827SUSTENTAÇÃO dos votos dos deputados Raimundo José da Cunha Mattos e Luiz Augusto May sobre a convenção para a final extincção do commercio de escravos. Rio de Janeiro: Imperial Typographia, 1827. , p. 3-7). A defesa cínica do cativeiro era recorrente entre cubanos e brasileiros. Aliás, seus argumentos pouco se diferiam, igualavam-se devido ao "tratamento paternal" dispensado aos homens escravizados, embora fossem nitidamente racistas. Os abolicionistas brasileiros e cubanos enfatizavam o temor da rebelião e africanização da América e conclamavam as autoridades a intensificar a colonização europeia como alternativa ao tráfico de africanos. De todo modo, escravistas e abolicionistas empregavam argumentos racistas fosse para legitimar a escravidão, fosse para repudiar o aumento da população negra e denunciar as mazelas decorrente do tráfico e da escravidão.

CONCLUSÃO

Identificam-se então quatro principais reformas. A primeira buscava defender a escravidão e os laços entre metrópoles e colônias, propostas formuladas por cubanos, luso-brasileiros e a condessa espanhola entre 1790 e 1840 (Arango, Azeredo Coutinho, O’Gavan e Condessa de Merlin). A segunda proposta atuava a favor da abolição dos escravos e da nação, datadas das décadas de 1820 a 1830, referentes à nação portuguesa e brasileira (Soares Franco, Gonçalves Chaves, Antônio Oliveira, Andrada e Silva, D. Pedro I e Burlamaque). Em seguida uma terceira reforma destinava-se a respaldar a escravidão e inserir mais ativamente o Brasil no comércio internacional, planos esboçados por brasileiros em defesa do cativeiro, como reação à proibição do comércio de escravos (Cunha Matos, Monis Barreto e anônimo natural de Campos dos Goitacazes). Por fim, os reformadores pregavam a abolição do tráfico para aplacar rebeliões e a africanização de Cuba, planos destinados a conter o aumento dos afrodescendentes em Cuba entre as décadas de 1810 e 40 (Espada, Varela, Arango, Saco e La Sagra). Entretanto, há outras chaves para interpretar essas publicações.

Algumas vezes, os reformadores empregaram as palavras nação e raça. Embora esses termos fossem debatidos intensamente entre os ilustrados ingleses e franceses, não se encontram evidências de que os reformadores tivessem leituras mais acuradas sobre essas temáticas. Ao tratar da escravidão, centraram-se, particularmente, nos âmbitos econômico e social e analisaram de forma superficial outros aspectos. Mesmo assim, identificam-se dois sentidos para o termo nação: no sentido político, a nação era a união de povos sob o gládio do monarca, como empregaram Arango e Souza Coutinho; no sentido político e étnico, a unidade era promovida tanto pelo governante quanto por etnias e raças homogêneas, conforme vários abolicionistas. O termo raça empregado é bastante polissêmico e, em princípio, atuava como sinônimo de grupo. Mas raça aí pode também se relacionar a características hereditárias referentes ao físico, aos costumes e à moral particulares de um grupo humano (CHIARAMONTE, 2004CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y Estado en Iberoamérica. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2004. , p. 27-57; FREDRICKSON, 2002FREDRICKSON, George. Racism. Princeton: Princeton University Press , 2002. ; APPLEBAUM; MACPHERSON; ROSENBLATT, 2003APPLEBAUM, Nancy P.; MACPHERSON, Anne S.; ROSEMBLATT, Karin S. (Eds.). Race and nation in modern Latin America. Chapel Hill: The University of North Caroline Press, 2003. p. 1-31. , p. 1-31). Em suma, recorrendo a esse universo documental, infelizmente as evidências são fracas para aprofundar essas análises.

De todo modo, os abolicionistas cubanos e brasileiros recorreram a palavras como "nação", "pátria", "civilização", "espírito de nacionalidade", "casta", "raça", entre outras, para expressar a unidade benéfica ou a diversidade perniciosa da sociedade. Assim, o comércio de cativos e a escravidão, ou seja, o aumento da população afrodescendente, eram frontalmente contrários à ideia de unidade e harmonia social. Vale ainda alertar que entre os cubanos não se mencionava a "nação cubana", nação era denominação mais recorrente entre os luso-brasileiros. Os reformadores abolicionistas, e não os reformadores escravistas, construíram a ideia de nação em termos raciais. A redução da população escrava e negra em Cuba e no Brasil viabilizava a construção de sociedades mais homogêneas, composta sobretudo de brancos. O projeto de nação dos abolicionistas estava assentado na unidade e por isso repudiava o tráfico, a escravidão, o aumento desproporcional de "inimigos internos" e defendia os imigrantes europeus. Os reformadores abolicionistas, antes e depois de 1830, "racializaram" o debate para defender a unidade política, cultural e racial da sociedade. O branqueamento da população baseava-se tanto no desaparecimento da raça negra a partir da mestiçagem quanto na destruição da memória da escravidão. O alerta para a diversidade racial vinculava-se sobretudo ao temor das revoltas e da perda da tradição hispânica em Cuba (AGUILERA MANZANO, 2005AGUILERA MANZANO, José María. La Formación de identidad cubana. Sevilla: CSIC, 2005. ; OPATRNY, 2010OPATRNY, Josef. José Antonio Saco y la búsqueda de la identidad cubana. Praga: Universidad carolina de Praga/Editorial Karolinum, 2010.).

Antes de 1830, os brasileiros e cubanos defendiam o aumento do tráfico e da população escravizada não somente como oportunidade de enriquecimento, mas também como condição para estreitar os laços entre metrópole e colônias e se inserir, sobretudo, à nação espanhola, como escreveram Azeredo Coutinho e Arango, respectivamente. Depois de 1830, os brasileiros escravistas não entendiam o cativeiro como entrave à unidade do Estado Nacional. Aliás, nessa conjuntura, o tema da nação não estava inserido nas defesas do tráfico e da escravidão entre os brasileiros. Nos escritos escravistas se defendia a inserção dos negros como parte da população do Brasil, embora ficasse subentendido que existiam cidadãos e não-cidadãos, ou seja, que a população brasileira não era homogênea. Ou melhor, os escravistas não pensavam o futuro Brasil como sociedade homogênea. Havia nitidamente a inclusão racial dos negros como trabalhadores livres e escravos, mas não se discutiam os limites de seus direitos como cidadãos. Estava implícito nesse discurso a inferioridade dos negros e sua condição de trabalhadores, mesmo depois de obtidas a liberdade e a cidadania. Em Cuba, Arango defendeu a existência de uma "clase intermediaria", entre brancos e escravos, composta de negros e mestiços livres que paulatinamente substituiria os escravos. Enfim, entre os escravistas não se planejava sociedades homogêneas e democráticas.

  • 1
    Trad. livre do autor: "Entren ahora su interés y las fundadas ventajas que pueden sacar de la misma desgracia. Apartada de su celo y reinando en todo él la tranquilidad y sosiego que el exponente espera, ésta es la preciosa ocasión de aumentar su agricultura".
  • 2
    Trad. livre do autor: "Somos españoles no de las perversas clases de que las demás naciones forman muchas de sus factorías mercantiles (....), sino de la parte sana de la honradísima España".
  • 3
    Trad. livre do autor: "Además, esta en la orden natural de las cosas que la raza que va a establecerse en otro país se mezcle y confunda con la población que allí encuentre, sea indígena o de otra especie (….) lejos de perder, va a ganarse en esa mezcla".
  • 4
    Trad. livre do autor: "La Naturaleza misma nos indica el más fácil y más seguro rumbo que hay que seguir esto. Ella nos muestra que el color negro cede al blanco, y que desaparece, si se repite las mezclas de ambas razas y entonces también observamos la inclinación decidida que los frutos de esas mezclas tienen à la gente blanca. Ensanchemos, pues, tan venturosa senda".
  • 5
    Trad. livre do autor: "En el capitulo Agricultura indicamos la influencia perniciosa que ejercía la esclavitud, oponiéndose al progreso racional de las practicas agrónomas e imposibilitando la introducción de los sanos y comprobados principios de la ciencia".
  • 6
    Trad. livre do autor: "quedan abiertas para los blancos, y con ellos, al paso que aumentaremos el número de nuestros amigos, disminuiremos el de nuestros enemigos".
  • 7
    Trad. livre do autor: "la intolerante e impolítica conducta de los Estados Unidos de Norteamérica".
  • 8
    Trad. livre do autor: "de morir comidos por los suyos, o de permanecer esclavos en un pueblo civilizado, su elección no es dudosa, preferirán la esclavitud" .
  • 9
    Trad. livre do autor: "dulces, sino menos altanero hacia sus esclavos, tratándolos con la autoridad de señor".

AGRADECIMENTOS

Agradeço as críticas e sugestões de Ricardo Alexandre Ferreira e Leonardo Marques. Essa pesquisa teve financiamento do CNPq.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Revisado
    07 Jul 2020
  • Aceito
    31 Ago 2020
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