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Objetivos de desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero e a distribuição de terra na América Latina* * Tradução: Thais Camargo.

Resumo

Dentre os avanços contidos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, está o fato de que o objetivo de alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres tem nove metas específicas. Essas têm por foco muitas das causas básicas da desigualdade de gênero, incluindo o acesso desigual das mulheres a recursos econômicos. O foco deste artigo é, especificamente, o acesso desigual das mulheres à terra e o conjunto de indicadores propostos para medir progresso em relação a isso. Com base nos dados disponíveis para a América Latina, o artigo demonstra o nível atual de desigualdade na distribuição de gênero de produtores e proprietários agropecuários e por que é importante que países melhorem suas estatísticas sobre gênero, coletando dados desagregados sobre gênero em relação tanto à propriedade da terra quanto ao processo decisório agrícola.

Igualdade de gênero; Propriedade de terra; Processo decisório agrícola; ODS 5

Abstract

Among the advances in the 2030 Sustainable Development agenda is that the goal to achieve gender equality and empower women has nine specific targets. These focus on many of the root causes of gender inequality, including women’s unequal access to economic resources. This article focuses specifically on women’s unequal access to land and the set of proposed indicators to measure progress. Drawing on the available data for Latin America, it demonstrates the current degree of inequality in the gender distribution of landholders and landowners, and why it is important that countries improve their gender statistics, collecting gender disaggregated data on both land ownership and agricultural decision-making.

Gender Equality; Land Ownership; Agricultural Decision-Making; SDG 5

Introdução

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, lançada pela Organização das Nações Unidas em setembro de 2015, é amplamente comemorada como um grande avanço para a igualdade de gênero e os direitos das mulheres, mesmo por aqueles que reconhecem suas limitações. Entre seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, está o ODS 5, “Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Ainda que o ODS 5 seja semelhante ao seu antecessor nesse processo internacional de estabelecimento de metas, o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 3, a agenda de desenvolvimento sustentável vai muito além, de pelo menos duas formas. Em primeiro lugar, o ODS 5 inclui nove metas específicas que têm por foco muitas das causas básicas da desigualdade de gênero – como a carga do trabalho não remunerado das mulheres e o seu acesso desigual a recursos econômicos e poder. Ele também enfoca uma das principais manifestações da subordinação feminina, a violência de gênero contra as mulheres.1 1 A lista completa das 169 metas dos ODS e os seus indicadores pode ser acessada na Plataforma de Conhecimento do Desenvolvimento Sustentável da ONU: https://sustainabledevelopment.un.org. Já o ODM 3 tinha apenas uma meta, a eliminação das desigualdades de gênero na educação primária e secundária. Em segundo lugar, além do objetivo específico ODS 5, a igualdade de gênero está presente em muitos dos outros objetivos.

Outra característica notável do marco dos ODS é que ele é embasado na Declaração Universal dos Direitos Humanos – os direitos iguais e inalienáveis de todos – e integrou esses direitos à agenda de desenvolvimento global, ainda que não tão fortemente quanto o desejado (Rzavi, 2016). Ao invés de se concentrar apenas na pobreza e privação em países menos desenvolvidos, como os ODM, o escopo dos ODS é universal e abarca dimensões econômicas, sociais, políticas e ambientais aplicáveis tanto a países desenvolvidos quanto àqueles menos desenvolvidos.2 2 Ver Fukuda-Parr (2016) para uma análise detalhada das diferenças nos processos dos ODM e dos ODS e nos seus respectivos objetivos e metas. Além disso, a necessidade de se reduzir desigualdades dentro de e entre países é reconhecida no ODS 10.

Ao mesmo tempo, o marco dos ODS não oferece um modelo coerente de transformação socioeconômica. Como Esquivel (2006) argumenta, ainda que os objetivos incluam uma visão ampla de desenvolvimento sustentável, eles ainda são embasados numa visão convencional de crescimento, na expectativa de que o crescimento do PIB gere progresso social. Ainda que o crescimento inclusivo seja um requisito para alcançar muitos dos seus objetivos, como o ODS 8, que busca o emprego pleno e produtivo e trabalho digno para todos, ou o ODS 2, direcionado a eliminar a fome e a alcançar a segurança alimentar, não há um guia para a sua realização. As recomendações de políticas públicas não vão muito além da necessidade de maior industrialização, liberalização do comércio e parcerias público-privadas, com um aceno a preocupações ambientais. Pouca atenção é dada ao papel da política macroeconômica ou à necessidade de políticas redistributivas para assegurar que o crescimento seja inclusivo.3 3 A meta 10.1, de redução da desigualdade de renda dentro dos países, por exemplo, baseia-se no crescimento de renda dos 40% mais pobres para reduzir a pobreza, sem mencionar o papel potencial de impostos sobre fortunas ou heranças, ou de reformas reestruturais, como a reforma agrária redistributiva ou limites à propriedade de terra (Razavi, 2016).

Duas outras preocupações gerais relacionadas aos ODS são a falta de financiamento para implementar a Agenda y e seus mecanismos relativamente fracos de accountability. Os meios de financiamento são estabelecidos no ODS 17, que discute especificamente a implementação, e inclui os meios usuais de se financiar iniciativas de desenvolvimento (mobilização de recursos domésticos, assistência oficial ao desenvolvimento, investimento externo direto e remessas). O problema é que não há novas fontes de financiamento para apoiar as iniciativas dos ODS.

Adicionalmente, o marco dos ODS não exige a apresentação obrigatória de relatórios sobre os muitos indicadores desenvolvidos para monitorar progresso em relação às 169 metas. A accountability é, portanto, fraca e depende da boa vontade de governos tanto para implementar a agenda quanto para se submeter ao processo voluntário de seguimento e revisão. É claro que a Divisão Estatística da ONU, as comissões econômicas regionais da ONU (como a CEPAL) e outras agências da ONU têm um grande peso na definição da agenda de coleta de dados.4 4 Por exemplo, a Divisão de Gênero da CEPAL, ONU Mulheres e o instituto de estatísticas do México (INEGI) realizam uma oficina anual sobre estatísticas relacionadas a gênero, frequentada por representantes de institutos nacionais de estatísticas e órgãos e ministérios de mulheres e acadêmicos para discutir necessidades relacionadas a dados e melhores práticas. Entretanto, seu poder para realmente influenciar políticas públicas que apoiem os objetivos de desenvolvimento sustentável é relativamente fraco, especialmente na ausência de novas linhas de financiamento. Como a maioria das análises feministas concluem, alcançar os ODS, especialmente o ODS 5, dependerá dos esforços de lobby de defensores de direitos das mulheres e de seus aliados em todos os níveis – local, nacional e internacional.

O foco deste artigo são as metas 5.a (um dos três “meios de implementação” do ODS 5) e a Meta 1.4, que é relacionada ao objetivo de eliminar a pobreza. A Meta 5.a encoraja governos a “realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais”. A Meta 1.4 é similar, mas muito mais forte, pois estabelece um cronograma e implica igualdade de resultados, e não igualdade de oportunidades. A meta é:

Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças.

Nosso interesse principal é a propriedade e controle da terra pelas mulheres e os indicadores específicos desenvolvidos para medir progresso e adesão.

Na arena internacional, a atenção à importância dos direitos das mulheres à terra não é nova. A necessidade da igualdade de gênero nos direitos à terra é reconhecida formalmente desde a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e do Programa de Ação da Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, da FAO, do mesmo ano (Deere; León, 2001Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002].). Desde então, há um reconhecimento cada vez maior do papel que os direitos das mulheres à terra desempenham no aumento de seu bem-estar, eficiência e empoderamento, além da sua importância para o objetivo intrínseco da igualdade de gênero, como inicialmente defendido por Agarwal (1994)Agarwal, Bina. A Field of One’s Own: Gender and Land Rights in South Asia. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 1994. e posteriormente desenvolvido por outros pesquisadores.5 5 Ver Doss (2013) e Doss et alii (2015) sobre as evidências empíricas de como a propriedade feminina da terra está relacionada a resultados melhores para as mulheres.

A diferença atual é que indicadores específicos foram adotados pela Divisão Estatística da ONU para acompanhar o progresso dos direitos das mulheres à terra, um dos quais requer mudanças significativas no conteúdo de censos agropecuários e inquéritos domiciliares, pelo menos na América Latina. Até recentemente, dados sobre a distribuição da propriedade da terra por sexo não vinham sendo coletados nos censos agropecuários nacionais e isso tampouco era recomendado pelas diretrizes da FAO que orientam os censos decenais; adicionalmente, relativamente poucos inquéritos coletam esses dados. Isso tem limitado a pesquisa sobre toda uma gama de questões relacionadas ao empoderamento econômico das mulheres, tais como a relação entre propriedade da terra e participação em decisões de produção e a relação que a propriedade e o controle da a terra têm com resultados mais favoráveis para as mulheres. Além disso, a falta de indicadores de base sobre a distribuição da propriedade de terra por sexo dificultaram esforços, no nível micro, de avaliar plenamente a eficácia de intervenções agrárias e seu impacto em termos de gênero.

Na próxima seção, discutiremos os indicadores relevantes dos ODS e como eles estão relacionados às informações tipicamente coletadas nos censos agropecuários. Em seguida, iremos considerar em que medida o marco legal na América Latina garante os direitos das mulheres à terra e, depois, o que a informação disponível sobre a região nos diz sobre a propriedade e controle da terra pelas mulheres. Por fim, discutiremos por que é importante ter informações tanto sobre a propriedade feminina da terra quanto sobre o papel das mulheres no processo de tomada de decisão agrícola e concluiremos o artigo.

Os indicadores de gênero e direitos à terra dos ODS

Os ODS incluem três indicadores especificamente sobre os direitos das mulheres à terra, dois dos quais exigem melhorias na coleta de dados quantitativos. O indicador 5.a.1 recomenda que os países coletem e publiquem dados sobre a) a proporção da população agrícola total que detêm propriedade ou direitos seguros sobre terra agrícola, por sexo; e b) a porcentagem de mulheres dentre os proprietários ou aqueles que têm direitos sobre terra agrícola, por tipo de posse. O indicador 1.4.2 tem por objeto a proporção da população total adulta com direitos seguros de posse da terra, com documentação legalmente reconhecida e que percebem seus direitos à terra como seguros, por sexo e por tipo de posse. A principal diferença entre os dois indicadores é que um tem por foco a parcela da população agrícola e, o outro, da população adulta nacional, informações que geralmente são oriundas de fontes diferentes: o censo agropecuário, no primeiro caso, e inquéritos domiciliares de escopo nacional, no segundo.6 6 Num contexto comparativo, o segundo indicador geralmente reflete o peso relativo da população rural na população total. Inquéritos domiciliares de escopo nacional também captam propriedade da terra por pessoas que residem em áreas urbanas. Um terceiro indicador, 5.a.2, exige que as agências da ONU produzam relatórios sobre a proporção de países onde o marco legal (incluindo o direito consuetudinário) garante os direitos iguais das mulheres à propriedade e/ou controle da terra.

A linguagem desses indicadores ressalta a importância da segurança da posse, provavelmente reconhecendo que, dependendo do contexto, essa segurança pode ser conferida não só por meio da propriedade privada individual, mas também por meio de formas coletivas de posse.7 7 Ver Doss et alii (2015) para uma discussão dessa questão no contexto africano. De todo modo, a inclusão do “controle sobre a terra” no indicador 5.a.2, assim como nas metas 5.a e 1.4, indica a importância não apenas da segurança da posse, mas também do aumento da participação das mulheres no processo decisório agrícola.

Uma das críticas direcionadas aos ODS é que pouca atenção é dada à arena doméstica, a despeito de as desigualdades serem com frequência mais palpáveis nesse nível (Esquivel, 2016Esquivel, Valeria. Power and the Sustainable Development Goals: A Feminist Analysis. Gender & Development 24(1), Oxfam and Taylor & Francis, 2016, pp.9-23.). Por exemplo, a Meta 5.5 tem por foco a participação das mulheres nos processos decisórios apenas na arena pública, o que leva aos indicadores tradicionais do aumento da representação feminina nas assembleias legislativas nacionais, governos locais e posições de gerência. Nenhuma menção é feita à importância de se melhorar a participação feminina nos processos decisórios domésticos, uma pré-condição provável para a mudança da divisão de gênero do trabalho doméstico e de cuidado não remunerado (Meta 5.4).

Para mulheres rurais, alcançar algumas das outras metas pode também depender do aumento do papel das mulheres nos processos decisórios domésticos e nas fazendas. Tomemos como exemplo a Meta 2.3, que é dobrar, até 2030, a produtividade agrícola e a renda de pequenos produtores de alimentos, particularmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores, “por meio de acesso seguro e igual à terra, outros recursos produtivos e insumos, conhecimento, serviços financeiros, mercados e oportunidades de agregação de valor e de emprego não agrícola”. Ambos os indicadores propostos são medidas de desfecho: o volume de produção por unidade de trabalho, de acordo com o tamanho do estabelecimento (2.3.1) e a renda média de pequenos produtores de alimentos, de acordo com sexo e status indígena (2.3.2).

A capacidade das mulheres rurais de aproveitar e se beneficiar diretamente de qualquer aumento potencial nos recursos direcionados ao setor agrícola de pequeno porte provavelmente dependerá de uma série de variáveis intervenientes. Dentre elas, estão a participação das mulheres nos processos decisórios nas fazendas e seu controle sobre qualquer aumento da produção e renda. Os indicadores sobre segurança da posse de terra das mulheres e, especificamente, de sua propriedade da terra, são, assim, incompletos: faltam informações complementares sobre o processo decisório agrícola de acordo com gênero.

Uma das razões pelas quais é tão importante considerar a distribuição da terra de acordo com gênero está relacionada ao poder de barganha potencial que a propriedade da terra confere, tanto dentro de domicílios quanto dentro de comunidades (Argawal, 1994; Deere; León, 2001Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002].). A propriedade da terra pelas mulheres pode ser uma pré-condição para a sua participação no processo decisório agrícola ou na alocação da renda domiciliar. Entretanto, sabemos relativamente pouco sobre a relação entre a propriedade feminina da terra (e outras formas garantidas de posse) e o processo decisório nas fazendas. Isso se deve em parte ao fato de que os censos agropecuários nacionais têm enfocado exclusivamente os produtores agropecuários, sem coletar informações sobre quem detém a propriedade sobre a terra ou quem efetivamente participa nas diferentes decisões agrícolas.

Seguindo as diretrizes da FAO, a informação sobre “unidades produtoras agropecuárias”, ou fazendas, é fornecida pelo produtor agropecuário, até recentemente definido como “a pessoa civil/jurídica que toma as principais decisões relacionadas a uso de recursos e executa o controle administrativo sobre o estabelecimento agropecuário” (FAO, 2005Fao (Food and Agriculture Organization). World Programme for the Census of Agriculture 2010. FAO Statistical Development Series #11, Rome, FAO, 2005.). Um problema de longa data é que o conceito de produtor agropecuário com frequência é confundido com o de chefe de família, de modo que, se um homem adulto está presente, ele é considerado o chefe de família e fazendeiro principal, independentemente de ele dirigir a fazenda sozinho ou com outra pessoa, como sua esposa. As diretrizes para o Censo Agropecuário Mundial (CAM) de 2010 reconheceram o viés tradicional de gênero desse conceito e propuseram que sua definição deveria ser expandida, de modo que coprodutores, como marido e esposa, fossem enumerados, se os dois codirigissem a fazenda familiar. A despeito de ser um avanço importante, nenhum país latino-americano, à exceção da Colômbia, adotou essa recomendação no censo de 2010. Além disso, essa recomendação não foi longe o suficiente.

As diretrizes do CAM de 2010 não contêm qualquer menção à questão criticamente importante de quem é dono da terra. As diretrizes mantiveram a pergunta tradicional sobre posse da terra, perguntando se o estabelecimento é caracterizada por propriedade legal ou posse similar à propriedade (por exemplo, segurança estatutária da posse) e outras formas de posse. Contudo, ao não levar essa questão adiante, solicitando informação sobre quem são os proprietários, tudo que pode ser apreendido dos censos é se o produtor agropecuário dirige uma fazenda operada pelo proprietário, não se o produtor é ele (ou ela) próprio o proprietário ou coproprietário da fazenda.

Desde os anos 1970, pesquisadores apontam essa lacuna, para fins de análises de gênero, dos censos agropecuários (Deere; León, 2001Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002].; Doss, 2014Doss, Cheryl R. Data Needs for Gender Analysis in Agriculture. In: Quisumbing, Agnes et alii (ed.). Gender in Agriculture: Closing the Knowledge Gap. New York, Springer and FAO, 2014, pp.55-74.). Em primeiro lugar, ignorar quem, especificamente, dentre os membros do domicílio é o proprietário da terra significa que a questão central da distribuição equitativa em termos de gênero dos recursos produtivos – propriedade da terra – não pode ser abordada. Em segundo lugar, essa lacuna também prejudica avaliações do impacto de políticas elaboradas para promover igualdade de gênero, dado que uma linha de base rigorosa não pode ser estabelecida. Em terceiro lugar, uma questão importante de pesquisa relacionada ao objetivo da segurança alimentar é saber se os proprietários no setor de pequeno porte dirigem suas próprias fazendas e, caso contrário, por que não? É importante saber, por exemplo, se é menos provável que proprietárias dirijam suas próprias parcelas do que proprietários devido à discriminação no mercado de crédito ou no acesso a assistência técnica ou a mercados de produtos. Uma análise desse tipo não poderia ser realizada apenas com base na informação sobre o sexo do produtor agropecuário; é essencial saber que é o proprietário da terra.

Respondendo a essas preocupações, as diretrizes para a próxima rodada decenal de censos agropecuários, CMA 2020, modificaram a definição do produtor agropecuário e adicionaram uma nova proposta de tema para os censos (nº 10): a distribuição intradomiciliar das decisões administrativas e da propriedade do estabelecimento agropecuário (FAO, 2017Fao. World Programme for the Census of Agriculture 2020 vol. 1. FAO Statistical Development Series #15. Rome, FAO, 2017. [http://www.fao.org/3/a-i4913e.pdf – acesso em: 25 maio 2017].
http://www.fao.org/3/a-i4913e.pdf...
). O produtor agropecuário pode agora incluir um “grupo de pessoas civis” do mesmo domicílio (como marido e esposa), ou de domicílios diferentes.8 8 A linguagem exata é a seguinte: “Coprodutor é definido como a pessoa que toma as principais decisões relacionadas ao uso de recursos e que exerce o controle administrativo sobre as operações do estabelecimento agropecuário em conjunto com outra pessoa” (FAO, 2017:46). Adicionalmente, as diretrizes recomendam que os censos coletem informações sobre o sexo do membro do domicílio que toma uma série de decisões administrativas; a área de colheita de acordo com o sexo da pessoa que a dirige; e a área da propriedade de acordo com o sexo do proprietário. Em relação a gado, as diretrizes também recomendam uma abordagem desagregada, de forma a coletar informação sobre a quantidade de gado de acordo com o sexo da pessoa que o dirige e de seu proprietário.

As recomendações de permitir coprodutores agropecuários e de coletar dados desagregados por sexo tanto sobre direção quanto sobre propriedade no CMA 2020 são, portanto, avanços significativos em termos de análises de gênero. Agora, muito depende da capacidade de agências estatísticas nacionais e ministérios da agricultura de realizar essa tarefa. Os resultados precários da adoção das recomendações do CMA 2010 na América Latina sugerem que um grande esforço de lobby será necessário em cada país. O fato de os indicadores dos ODS exigirem dados desagregados sobre propriedade da terra constitui, assim, uma importante nova arma no arsenal de argumentos.

Antes de discutirmos o que se sabe sobre a propriedade e controle da terra pelas mulheres na América Latina, a partir dos censos e inquéritos já existentes, é importante primeiro considerar o marco legal que governa os direitos das mulheres à terra e o que pode ser exigido para que o indicador 5.a.2 dos ODS seja implementado.

Os direitos das mulheres à terra na América Latina: o marco legal

A meta 5.a exige ação governamental, isto é, que países realizem reformas para garantir às mulheres direitos iguais a recursos econômicos, dentre eles, propriedade e controle da terra e outras formas de propriedade e herança. O progresso em direção a essa meta será medido por meio do indicador 5.a.2, a proporção de países onde o marco legal (incluindo o direito consuetudinário) garante direitos iguais à propriedade e/ou ao controle da terra às mulheres.

A FAO é a agência da ONU responsável por produzir esse indicador, dado que suas atribuições incluem a promoção do direito das mulheres à terra e o aumento do seu acesso e propriedade da terra.9 9 Ver https://unstats.un.org/sdgs/files/metadata-compilation/Metada-Goal-5.pdf e FAO (2012). A organização já criou uma Ferramenta de Monitoramento Jurídico (LAT, na sigla em inglês), que avalia a igualdade de gênero em relação à posse da terra, com o intuito de facilitar a implementação das Diretrizes Voluntárias para a Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestais no contexto da Segurança Alimentar Nacional (DVGT). É essa Ferramenta de Monitoramento Jurídico que fornece os fundamentos para as discussões atuais sobre como o progresso em relação ao indicador 5.a.2 deve ser medido. É útil considerar algumas das características da LAT e o que ela nos diz sobre os direitos legais das mulheres à terra na América Latina.

A LAT inclui 30 indicadores legais agrupados em torno de oito elementos-chave, no caso: ratificação de instrumentos de direitos humanos; eliminação de discriminação por gênero da constituição; reconhecimento da capacidade legal das mulheres; igualdade de gênero nos direitos relacionados à nacionalidade; igualdade de gênero nos direitos à propriedade; igualdade de gênero na herança; implementação, mecanismos de disputa e acesso à justiça equitativos em termos de gênero; e participação feminina em instituições locais e nacionais que fiscalizam o cumprimento das leis de terra (FAO, 2014Fao. What is the Legal Assessment Tool (LAT) for gender-equitable land tenure? Rome, FAO, 2014. [http://www.fao.org/3/a-i4006e.pdf – acesso em: 5 jun. 2017].
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). A LAT se baseia nos Perfis de Países da Base de Dados Gênero e Direito à Terra da FAO, que inclui informações (fornecidas por cada país) sobre constituições, leis relevantes e políticas públicas. A LAT foi formulada para ressaltar fontes de diferenciação por gênero e medir progresso por meio de uma nota, conferida a cada país de acordo com seu “estágio” em um contínuo, no caso: uma nota zero em um indicador indica sua ausência no marco legal; 1, que uma política está em desenvolvimento; 1,5, que uma política existe; 2, que uma proposta legislativa será submetida à deliberação; 3, que o indicador aparece em lei primária; 4, que o indicador aparece em vários instrumentos legais; e NA, quando um indicador não se aplica ao país.

Até o momento, a LAT completou avaliações de 18 países, dez dos quais são da América Latina. Dentre eles, estão Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Peru e Uruguai.10 10 Ver http://www.fao.org/gender-landrights-database/legislation-assessment-tool/en – acesso em: 29 maio 2017. A compilação de notas para os países latino-americanos pode ser solicitada à autora. Esse grupo de países apresentou progresso considerável, com a maioria demonstrando avanços legais (estágios 3 ou 4) em 20 dos 27 indicadores que são aplicáveis à região.

Uma das principais razões pelas quais os países latino-americanos apresentam resultados tão bons, em geral, é a tradição legal que herdaram em relação a regimes de matrimônio e herança: comunhão parcial ou total de bens no casamento, bem como leis de sucessão que tratam filhos dos dois sexos de forma igual. Um indicador de igualdade de gênero no direito à propriedade presente na LAT (nº 13) é especificamente se a lei reconhece a comunhão total ou parcial de bens como o regime matrimonial padrão. Isso está de acordo com a evidência empírica de que a distribuição de propriedade entre homens e mulheres é mais igual, na prática, em países onde esse é o regime padrão, quando comparados a países com um regime de separação de bens, especialmente quando combinado com regimes de herança equitativos, em comparação a regimes não equitativos (Deere et alii, 2013Deere, Carmen Diana; Oduro, Abena D.; Swaminathan, Hema; Doss, Cheryl. Property Rights and the Gender Distribution of Wealth in Ecuador, Ghana and India. Journal of Economic Inequality 11(2), Springer US, 2013, pp.249-265.).

Dentre os principais indicadores em relação aos quais a maioria desses dez países latino-americanos está aquém das expectativas é a participação feminina em instituições locais e nacionais que fiscalizam o cumprimento dos direitos à terra (indicadores 29 e 30 da LAT); e o indicador da LAT que mais nos interessa neste artigo, o nº 16, que avalia se o marco legal inclui medidas especiais para garantir os direitos iguais das mulheres à propriedade e/ou controle da terra. Apenas três dos dez países têm tais provisões (Colômbia, México e Nicarágua).11 11 Sobre o que foi conquistado nesses países, ver Deere e León (2001).

Dentre os países que receberam nota zero no indicador nº 16 está o Brasil. Sua Constituição de 1988 estabeleceu que, no processo da reforma agrária, a terra deveria ser alocada a homens, mulheres, ou de forma conjunta a casais. Ainda que uma legislação específica nunca tenha sido aprovada, duas importantes diretivas foram adotadas pelo ministério encarregado de implementar a reforma agrária. A primeira, em 2003, tornando obrigatória a adjudicação conjunta da terra a casais e a segunda, em 2007, dando prioridade a mulheres chefes de família no processo de seleção de beneficiários (Butto; Hora, 2008Butto, Andrea; Hora, Karla. Mulheres e reforma agrária no Brasil. In: Lopes, Adriana; Butto, Andrea (ed.). Mulheres na reforma agrária: A experiência recente no Brasil. Brasília, MDA, 2008, pp.19-37.). Ainda que estejamos em acordo com a avaliação da LAT de que a legislação é muito superior a políticas meramente anunciadas (que podem ser revertidas por um novo ministro), não reconhecer situações em que uma política existe (isto é, uma nota de 1,5) parece inconsistente com sua própria metodologia.12 12 Além disso, essas diretivas de políticas foram implementadas, levando a uma proporção relativamente alta de beneficiárias da reforma agrária, mais de um terço até 2007 (Butto; Hora, 2008), com uma crescente parcela de mulheres chefes de família entre elas (Hora; Butto, 2014). Por outro lado, o Ministério da Reforma Agrária foi extinto em 2016 por um novo governo e a reforma agrária encontra-se paralisada.

Outro problema relacionado é que, na América Latina, o progresso em garantir os direitos das mulheres à terra aconteceu apenas em casos de redistribuições específicas de terra ou de programas de titulação. Isso significa que os aspectos progressistas de gênero da redistribuição de terra nem sempre se aplicam a todas as mulheres rurais. Por exemplo, no primeiro caso, se o domicílio não é sem terra, nem preenche outro critério de elegibilidade parar tornar-se beneficiário de uma reforma agrária, ou, no segundo caso, se algum membro do domicílio já detém um título de terra.

Bolívia, um país ainda não incluído na análise da LAT, fornece um bom modelo de um marco legal relevante para a maioria das mulheres rurais. Sua constituição de 2008 inclui dois artigos que garantem os direitos das mulheres à terra: um que compromete o Estado a eliminar todas as formas de discriminação contra as mulheres em relação ao acesso, posse e herança de terra; e outro garantindo o acesso das mulheres à terra em processos de titulação e redistribuição de terra, independentemente de seu estado civil. Com base nas informações que possuo, essa é a primeira constituição ou legislação que confere atenção especificamente à herança da terra – a principal forma por meio da qual as mulheres obtêm terra na maioria dos países latino-americanos (Deere; León, 2001Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002].).

A reforma constitucional da Bolívia foi precedida por uma emenda à sua legislação de reforma agrária, a Lei de Renovação Comunitária de 2006, que governa seu programa de redistribuição e titulação de terras e está em conformidade com os novos princípios constitucionais. Nessa lei, mecanismos concretos de inclusão das mulheres – a obrigatoriedade da titulação conjunta a casais (casados ou em união estável) – recebeu a força da lei.13 13 Para garantir uma ênfase ainda maior, a legislação boliviana estipula que, na titulação conjunta a casais, o nome da mulher deve vir primeiro. O que é particularmente notável é a sua aplicação de princípios de ação afirmativa no processo de titulação de terra. O título da terra é outorgado ao casal, independentemente de como a terra foi adquirida. Historicamente, a Bolívia apresenta um forte viés masculino na herança. Dessa forma, a titulação conjunta dessas parcelas a casais é um mecanismo compensatório de viés de gênero que se sobrepõe ao Código Civil no que tange à sucessão (Deere, 2017Deere, Carmen Diana. Women’s Land Rights, the State, and Rural Social Movements in the Twentieth-first Century Latin American Agrarian Reforms. Journal of Agrarian Change (17), Wiley-Blackwell, 2017, pp.258-278.).

O caso boliviano também sugere por que pode não ser suficiente apenas focar a legislação geral de herança (códigos civis e direito da família) para medir o progresso em direção à igualdade de gênero (indicadores nº 17 a 22 da LAT). A legislação de sucessão existente há muitos séculos na Bolívia, e que é equitativa em termos de gênero, não conseguiu desfazer a preferência masculina na herança da terra. Ao invés disso, a atenção específica à terra pode ser necessária para começar a mudar normas e costumes sociais arraigados.

O indicador 16 da LAT – se o marco legal inclui medidas especiais para garantir os direitos iguais das mulheres à propriedade e/ou controle da terra – pode, assim, tornar-se mais preciso especificando-se essas medidas especiais. A experiência latino-americana sugere que elas devem incluir mecanismos específico de inclusão das mulheres, tais como: i) adjudicação e titulação conjuntas a casais; ii) prioridade para mulheres chefes de família em iniciativas estatais de terra; e iii) uso de medidas compensatórias para superar o viés masculino na herança.

Finalmente, um marco legal progressista em termos de gênero é uma condição necessária, mas insuficiente, para gerar a igualdade de gênero nos resultados em termos da propriedade da terra. Quando os direitos das mulheres à terra são abordados apenas nos casos de programas específicos de intervenção agrária e esses programas têm escopo limitado, o impacto de uma legislação da terra que é progressista em termos de gênero também será limitado (Deere; León, 2010). Além disso, independentemente de escopo, pesquisadores feministas há muito lamentam a distância entre a lei e a prática e mostram que com frequência há desrespeito ao marco legal (Deere, 2017Deere, Carmen Diana. Women’s Land Rights, the State, and Rural Social Movements in the Twentieth-first Century Latin American Agrarian Reforms. Journal of Agrarian Change (17), Wiley-Blackwell, 2017, pp.258-278.). De todo modo, é essencial ter bons dados sobre a distribuição de terra por gênero para monitorar o progresso dos países.

O que sabemos sobre a propriedade e controle da terra pelas mulheres na América Latina?

A Tabela 1 apresenta a informação mais recente dos censos agropecuários sobre a distribuição de produtores agropecuários de acordo com sexo em 17 dos 19 países latino-americanos.14 14 Estão faltando Cuba e Honduras, seguindo a definição convencional da América Latina como consistindo dos países falantes de português e espanhol. O fato de que dados oriundos do censo sobre os principais agricultores estão agora disponíveis para tantos países certamente é um avanço, dado que, até os anos 1980, a maioria dos questionários dos censos sequer incluía perguntas sobre sexo (Deere; León, 2001Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002].). Essa lacuna reflete normas culturais que pressupõem que apenas homens são fazendeiros. Mesmo depois que a informação sobre o sexo dos agricultores passou a ser coletada, ela nem sempre foi processada e publicada nos relatórios oficiais dos censos. Além disso, poucas agências estatísticas fazem uso dessa informação e publicam análises de gênero sobre todas as variáveis relevantes.

Tabela 1
: Distribuição de produtores agropecuários de acordo com sexo, censos agropecuários mais recentes de países latino-americanos (%)

Há uma considerável heterogeneidade nos países latino-americanos em termos da proporção de produtoras agropecuárias, de um mínimo de 8% na Guatemala (em 2003) até quase um terço nos censos recentes na Colômbia, Peru, Chile e Panamá. A mediana da região é de em torno de 20%. Países com uma parcela relativamente alta de população indígena encontram-se tanto na ponta mais alta (Peru) quando mais baixa (Guatemala) dessa escala.

Dados desagregados sobre gênero ao longo de dois períodos de censo estão disponíveis apenas para sete países. Esses dados demonstram tendências diferentes: um aumento significativo na proporção de agricultoras no Chile, Nicarágua, Paraguai e Peru, um aumento modesto na Guatemala e no Uruguai e uma ligeira redução na República Dominicana.15 15 Essa comparação é baseada na Tabela 1 e nos dados do censo anterior apresentados em Deere (2011, Tabela 1). Dado o viés tradicional contra o reconhecimento de mulheres como agricultoras, pode-se imaginar que o aumento significativo na proporção de agricultoras no primeiro grupo de países esteja relacionado a um aumento na proporção de famílias chefiadas por mulheres em áreas rurais.

Tomemos o caso do Chile como exemplo. De acordo com censos populacionais nacionais, a proporção de mulheres rurais chefes de família aumentou de 17,1% em 1992 para 21,9% em 2002 (Rueda et alii, 2008Rueda R., Alexandra et alii. La mujer en la agricultura Chilena. Resultados Censo Agropecuario 2007. Santiago, Instituto Nacional de Estadísticas, 2008.:71). Mas a proporção de produtoras agropecuárias (30% em 2007) provavelmente é mais alta do que proporção de mulheres rurais chefes de família foi naquele ano. A análise dessa questão pode ir além, dado que o censo agropecuário coletou informações sobre o estado civil do produtor: em torno de 54% das produtoras relataram que eram solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas, em comparação a apenas 22% dos produtores. Os homens, portanto, tinham uma maior probabilidade de serem casados ou estarem coabitando (88%) do que as mulheres (46%) (Rueda et alii, 2008Rueda R., Alexandra et alii. La mujer en la agricultura Chilena. Resultados Censo Agropecuario 2007. Santiago, Instituto Nacional de Estadísticas, 2008., Tabela 1). Assim, dada a proporção relativamente alta de agricultoras que têm parceiros, o aumento na proporção de produtoras agropecuárias no Chile não pode ser explicado apenas com base no crescimento da chefia feminina de família de jure.

Outra análise de gênero do censo agropecuário chileno de 2007 foi além na investigação de mulheres com parceiros que se declararam como a agricultora principal e que residem em suas próprias fazendas (Namdar-Irani, 2007:147). Esse estudo demonstra que em torno de 82,8% dessas mulheres relatam que seus maridos vivem atualmente com elas, o que significa que apenas uma minoria é de fato chefe de família porque seus maridos estão temporariamente fora da fazenda. Dos maridos residentes, 24,6% não participam de atividades na fazenda, 44,9% participam apenas temporariamente e 30,3% participam permanentemente. As primeiras duas situações sugerem uma divisão de gênero do trabalho na qual a mulher assume a responsabilidade principal pela fazenda, talvez porque seu marido está ocupado em atividades fora da fazenda. A terceira situação é a mais surpreendente, dado que sugere uma inversão dos papéis de gênero, com as mulheres se declarando como a produtora agropecuária a despeito de seus parceiros também se dedicarem permanentemente à fazenda.

Namdar-Irani (2007) levanta a questão pertinente de se essa última situação se deve ao fato de que a mulher é a proprietária da terra, uma questão que não pode ser respondida porque, no caso de fazendas dirigidas pelos proprietários, o censo não inclui uma pergunta sobre que membro do domicílio, especificamente, é o proprietário da fazenda. Esse exemplo também sugere por que é importante levar em consideração a possibilidade de coprodutores, em que ambos o marido e a esposa estão envolvidos nas decisões da fazenda. É possível que os dois estejam envolvidos no processo decisório, mas o marido não estava disponível para responder as perguntas no dia do censo. Infelizmente, informação comparável, sobre a contribuição para o trabalho na fazenda das esposas de homens produtores, não está presente no estudo.

A análise do censo agropecuário peruano de 2012 também revela que uma parcela relativamente grande, 42%, de produtoras têm um parceiro (casadas ou em uma união estável), ainda que essa parcela seja menor do que a dos produtores que têm parceiras: 75%. Em relação a se o/a parceiro/a participava nas atividades agrícolas e/ou de criação de gado, a diferença de gênero foi mínima: 92,8% das produtoras e 90,7% dos produtores responderam afirmativamente (INEI, 2014INEI (Instituto Nacional de Estadística e Informática). Inequidades de Género en la Actividad Agropecuaria. IV Censo Nacional Agropecuario 2012. Lima, INEI, 2014., Tabela 14.1). Resultados similares estão presentes no censo agropecuário equatoriano de 2000. Nesse caso, 36% das produtoras e 82% dos produtores que viviam na fazenda estavam casados e relataram que 81% e 80%, respectivamente, de seus cônjuges participavam nas decisões da fazenda.16 16 Derivado pela autora de INEC (2000). Assim, é altamente provável que a administração conjunta é extremamente comum nesses dois países andinos.

Apenas um censo agropecuário da rodada de 2010 do CMA – o da Colômbia – considerou a possibilidade de que duas ou mais pessoas são codiretoras das atividades agrícolas e/ou de criação de gado de suas fazendas. O censo colombiano de 2014 revelou que 61,4% das fazendas são dirigidas por um homem, 26% por uma mulher e 12,6% de forma conjunta por um homem e uma mulher (DANE, 2016Dane (Departamento Administrativo Nacional de Estadística). Tercer Censo Nacional Agropecuario. Tomo 2. Resultados. Bogotá, DANE y Ministerio de Agricultura, 2016. [http://www.dane.gov.co/files/images/foros/foro-de-entrega-de-resultados-y-cierre-3-censo-nacional-agropecuaria/CNATomo2_Resultados.pdf – acesso em: 30 maio 2017].
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:600). Um resumo dos dois últimos dados nos dá uma ideia melhor da participação das mulheres na direção das fazendas: em 38,6% das fazendas da Colômbia, mulheres são produtoras, dirigindo suas fazendas sozinhas ou em conjunto com outras pessoas.

A principal publicação do censo colombiano também desagrega essa informação sobre gênero por grupo étnico. Ela demonstra que a direção conjunta é particularmente importante em domicílios localizados em territórios indígenas ou em comunidades afro-colombianas, constituindo 26% e 22,2%, respectivamente, desses domicílios, em comparação a 12,6% a nível nacional (DANE, 2016Dane (Departamento Administrativo Nacional de Estadística). Tercer Censo Nacional Agropecuario. Tomo 2. Resultados. Bogotá, DANE y Ministerio de Agricultura, 2016. [http://www.dane.gov.co/files/images/foros/foro-de-entrega-de-resultados-y-cierre-3-censo-nacional-agropecuaria/CNATomo2_Resultados.pdf – acesso em: 30 maio 2017].
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:667).17 17 Um grupo étnico, os “raizales”, habitantes ancestrais do arquipélago de San Andres, apresenta uma tendência diferente. Em suas fazendas, apenas 1,2% são dirigidas de forma conjunta, 26,6% são dirigidas por mulheres e 72,2%, por homens. Assim, ignorar a direção conjunta pode subestimar a participação feminina na agricultura, especialmente a de mulheres indígenas e afrodescendentes.

Em termos de tamanho, as mulheres tendem a dirigir fazendas menores do que os homens. Na Colômbia (DANE, 2016Dane (Departamento Administrativo Nacional de Estadística). Tercer Censo Nacional Agropecuario. Tomo 2. Resultados. Bogotá, DANE y Ministerio de Agricultura, 2016. [http://www.dane.gov.co/files/images/foros/foro-de-entrega-de-resultados-y-cierre-3-censo-nacional-agropecuaria/CNATomo2_Resultados.pdf – acesso em: 30 maio 2017].
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), Costa Rica (INEC, 2015INEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos). VI Censo Nacional Agropecuario 2014. Resultados Generales. San José, Costa Rica, INEC, 2015. [http://www.mag.go.cr/bibliotecavirtual/a00338.pdf – acesso em: 30 maio 2017].
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), Equador (INEC, 2000INEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos). Censo Nacional Agropecuario 2000. Quito, Ecuador, INEC, 2000. [http://www.ecuadorencifras.gob.ec/censo-nacional-agropecuario – acesso em: 11 jul. 2018].
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) e Nicarágua (INIDE, 2012INIDE (Instituto Nacional de Información de Desarrollo). Informe Final. IV Censo Nacional Agropecuario (CENAGRO) 2011. Managua, INIDE y Ministerio Agropecuario y Forestal, 2012. [http://www.inide.gob.ni/Cenagro/INFIVCENAGRO/IVCENAGROINFORME/assets/basic_html – acesso em: 30 maio 2017].
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), as mulheres estão sobre-representadas, quando comparadas aos homens, na menor categoria de tamanho de fazenda, com acesso a menos do que cinco (ou, no caso da Nicarágua, sete) hectares. A Tabela 2 apresenta o tamanho médio de estabelecimentos agropecuários no Brasil, Chile, Paraguai e Peru e confirma a mesma tendência: os estabelecimentos de mulheres são sempre menores do que os dos homens,18 18 Ver Deere (2001, Tabela 9.11) para dados dos anos 1990 sobre essa mesma tendência. e, no caso brasileiro, isso independe do tipo de posse da terra.

Tabela 2
: Tamanho médio das fazendas dos produtores agropecuários (hectares)

Proprietárias e produtoras

Pressupõe-se que fazendas dirigidas pelos proprietários são propriedade do produtor ou do chefe de família. Mas essa pressuposição não é satisfatória, pois uma “fazenda familiar” pode ser propriedade do marido, da esposa, conjunta dos dois, ou de nenhum dos dois, com um pai ou parente que pode não residir no domicílio. Além disso, cada um das parcelas que compõem o estabelecimento de um domicílio pode ser propriedade de uma pessoa diferente e pode ter sido adquirida de forma distinta. Assim, é importante que censos agropecuários incluam questões, no caso de fazendas dirigidas pelos proprietários, sobre quem, especificamente, no domicílio (ou família) é dono de cada parcela de terra.

A Tabela 3 apresenta estimativas para alguns países latino-americanos para os quais há dados tanto sobre a proporção de proprietárias de terra (oriundos de inquéritos) e de produtoras agropecuárias (dos censos). A despeito de terem sido extraídos de fontes diferentes e se referirem a anos diferentes, a comparação é informativa para pensarmos sobre o que essas diferentes fontes de informação revelam. Note-se, contudo, que os dados de inquérito sobre propriedade de terra não são estritamente comparáveis entre os países, pois as estimativas para El Salvador e Nicarágua se referem apenas a parcelas com títulos, enquanto as de outros países referem-se à propriedade relatada de parcelas. A possibilidade de as estimativas desses dois países serem enviesadas para cima ou para baixo depende de se há diferenças de gênero na probabilidade de uma pessoa deter o título de uma parcela.19 19 Os dados sobre isso são contraditórios. O inquérito sobre bens de 2015, realizado pelo INEGI, no México, revelou que as mulheres eram 25% de todos os proprietários de terra, mas apenas 21% dos proprietários com documentação (Gutiérrez, 2016). Já no Equador, as mulheres representam uma proporção ligeiramente maior de proprietários com documentação (55%) do que dos proprietários de terra (54%) (cálculos feitos pela autora a partir da base de dados da EAFF de 2010). Para estar de acordo com o indicador 1.4.2 do ODS, os inquéritos terão que coletar informações tanto sobre a propriedade relatada quanto sobre a propriedade com documentação.

Tabela 3
: Proporção de mulheres entre os proprietários de terra, inquéritos domiciliares selecionados, e proporção feminina de produtores, censos agropecuários.

Com a exceção da Nicarágua, as estimativas dos inquéritos da proporção de proprietárias tendem a exceder as estimativas dos censos da proporção de produtoras. Há várias razões pelas quais podemos esperar que isso ocorra. Em primeiro lugar, com a exceção de El Salvador, as estimativas dos inquéritos incluem proprietárias individuais e conjuntas. Dado que as estimativas dos censos apenas permitem que uma pessoa do domicílio seja designada como produtora, elas tendem a subestimar a participação feminina.

Em segundo lugar, os dados dos censos sobre produtores incluem fazendas independentemente da forma de posse (isto é, fazendas dirigidas pelos proprietários com ou sem títulos, bem como terras arrendadas, terras em parceria, propriedade de uma comunidade, etc.). Se mulheres têm maior probabilidade de serem produtoras em fazendas ocupadas pelos proprietários do que em outras formas de usufruto (porque é menos provável que elas arrendem ou trabalhem em parceria), pode-se esperar que a proporção de produtoras em fazendas ocupadas pelos proprietários seja mais alta do que o que a tabela apresenta e que a distância entre os dados de inquéritos e de censos seja menor. Esse é o caso do Paraguai, onde mulheres representam 21,7% do total de produtores agropecuários agrícolas, mas representam 23,2% dos produtores em fazendas ocupadas pelos proprietários (Guereña, 2017Guaraňa, Arantza. Kuña Hayvy. Desigualdades de género en el acceso a la tierra en Paraguay. Asunción, Oxfam and ONU Mujeres, 2017., Tabela A2). No Equador, entretanto, elas representam proporções similares dos dois grupos, o que sugere que a direção desse viés varia de acordo com o país.20 20 Dados similares não estão disponíveis para os outros países retratados na Tabela 3. No censo agropecuário peruano de 2012, as mulheres representavam 30,8% dos produtores agropecuários em todas as fazendas, independentemente da forma de posse, mas 32,1% dos produtores agropecuários em fazendas ocupadas pelos proprietários (INEI, 2014), semelhante ao Paraguai.

Em terceiro lugar, inquéritos domiciliares e censos agropecuários têm diferentes referenciais de amostragem. Inquéritos domiciliares com representatividade nacional (incluindo todos os inquéritos apresentados na Tabela 3) geralmente selecionam suas amostras a partir das unidades censitárias definidas pelo censo populacional anterior, geralmente estratificadas pelos indicadores socioeconômicos incluídos nos censos. Por outro lado, o censo agropecuário é um inventário das unidades produtoras agropecuárias (fazendas) existentes em áreas rurais, sendo “rural” definido no contexto nacional. É razoável esperar que os censos forneçam uma visão razoavelmente precisa da distribuição de fazendas por tamanho. Inquéritos domiciliares, por outro lado, não necessariamente o farão. Como são desenhados para serem representativos de características socioeconômicas, os inquéritos são mais capazes de captar domicílios rurais pobres (os sem terra ou quase sem terra) e, adicionalmente, domicílios urbanos que têm terra, seja em áreas peri-urbanas ou áreas “oficialmente” rurais, independentemente de como são definidas a nível nacional. Dada a tendência de proprietárias estarem associadas a fazendas menores do que aquelas dirigidas por homens, na medida em que a direção está associada à propriedade, é de se esperar que inquéritos domiciliares revelem uma proporção maior de proprietárias do que o aparece nos censos agropecuários (caso essa informação fosse incluída).

Em quarto lugar, a unidade de análise pode ter grande importância – se a propriedade e direção é medida em nível de parcela ou de fazenda. Os censos agropecuários têm por foco unidades produtoras agropecuárias, definidas como áreas sob uma única direção. Essas unidades podem ser compostas de várias parcelas, cada uma adquirida de forma diferente por um dono diferente. Esse ponto pode ser ilustrado com os resultados do inquérito LSMS de 2005, da Nicarágua (Deere; Alvarado; Twyman, 2012Deere, Carmen Diana; Alvarado, Gina; Twyman, Jennifer. Gender Inequality in Asset Ownership in Latin America: Female Owners vs. Household Heads. Development and Change 43 (2), The Hague, Institute for Social Studies and Wiley, 2012, pp.505-530.). Esse inquérito considerou propriedade de terra com títulos em nível da parcela e revelou que 16,9% eram propriedade individual de mulheres, 4,1% eram propriedade conjunta de um homem e uma mulher e 79% eram propriedade individual de um homem. A questão sobre decisões, contudo, só foi feita no nível da fazenda e apenas uma pessoa podia ser designada como diretora. Esse método levou a que as mulheres fossem apontadas apenas como 8,8% dos diretores de fazendas, muito aquém da parcela de mulheres proprietárias, 19,9%, e da parcela de produtoras no censo agropecuário seguinte, 23,3%.

Finalmente, uma razão pela qual pode-se esperar que as estimativas de inquéritos sobre a proporção de proprietárias excedam as estimativas dos censos da proporção de diretoras é se as proprietárias tiverem uma probabilidade menor do que os proprietários de cultivar sua terra diretamente. Isso é o que Deere e Twyman (2015, Tabela 3) encontraram no Equador, um país com uma grande proporção de proprietárias. A forma mais frequente de propriedade da terra no Equador é a propriedade conjunta do casal, consistindo em 36,6% das parcelas. Assim, as mulheres representam mais da metade dos proprietários quando tanto a propriedade individual quanto a conjunta são levados em consideração. Contudo, as parcelas de propriedade individual de mulheres têm probabilidade menor de serem cultivadas diretamente pela proprietária ou por alguém de seu domicílio do que parcelas que são propriedade conjunta de homens e mulheres ou individual de homens, com mais de um quarto daquelas sendo terras arrendadas, terras em parceria ou em regime de comodato. Mardon (2005)Mardon, Merillee. Three Essays on Gender, Land Rights, and Collective Action in Brazil’s Political Economy. Ph.D. dissertation. Amherst, MA, University of Massachusetts, Department of Economics, 2005. encontrou um resultado semelhante em relação a fazendas comerciais (aquelas com mais de 50 hectares) no Brasil. As mulheres eram 10,5% dos proprietários, mas apenas 7,5% dos proprietários-diretores, sugerindo que é mais provável que elas ou arrendam suas fazendas a outros ou que contratem um administrador em tempo integral, quando comparadas com homens proprietários.

Uma das razões pelas quais é menos provável que proprietárias cultivem suas terras diretamente pode ser trabalho familiar insuficiente, por exemplo, se elas são as únicas chefes de família. Ou isso pode estar relacionado à discriminação que mulheres enfrentam em mercados de crédito ou em relação ao acesso a treinamento ou a assistência técnica.21 21 Ver Peterman, Quisumbing e Behrman (2012) para um resumo das diferenças de gênero no acesso a serviços e insumos que não a terra.

Essa análise sugere a importância de se coletar informação tanto sobre propriedade quanto sobre direção a nível da parcela. Essa é a única forma de estabelecer a dimensão de gênero da relação entre ter terra, a probabilidade de que essa terra seja cultivada diretamente e o resultado das decisões tomadas em relação àquela parcela, tais como diferenças de gênero em termos de produtividade. Um crescente conjunto de estudos tem demonstrado que resultados podem diferir dependendo de quem efetivamente é o dono da terra (Deere; León, 2001Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002].; Doss, 2012; Peterman, 2012). Uma questão central para análises de gênero é precisamente a relação entre a propriedade feminina da terra e sua participação nos processos decisórios agrícolas, uma questão que iremos agora considerar.

Proprietárias de terra e o processo decisório agrícola

Nenhum estudo quantitativo rigoroso foi feito na América Latina, de que tenhamos ciência, sobre se proprietárias têm maior probabilidade de participar no processo decisório agrícola do que mulheres que não são proprietárias em fazendas dirigidas pelos proprietários, ainda que estudos qualitativos ofereçam evidências dessa relação (Deere, 1990Deere, Carmen Diana. Household and Class Relations: Peasants and Landlords in Northern Peru. Berkeley, University of California Press, 1990.; Stephen, 1997Stephen, Lynn. Women and Social Movements in Latin America. Austin, University of Texas Press, 1997.; Hamilton, 1998Hamilton, Sarah. The Two-Headed Household: Gender and Rural Development in the Ecuadorean Andes. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1998.). O inquérito EAFF de 2010 no Equador apenas coletou informações sobre a participação de proprietárias no processo decisório agrícola quando suas parcelas eram cultivadas diretamente por membros do domicílio. Os resultados do inquérito demonstram que a grande maioria das proprietárias participa das decisões sobre suas próprias parcelas, mas que sua participação varia de acordo com seu estado civil, a decisão particular sendo considerada e se elas são proprietárias individuais ou compartilham a propriedade com seus parceiros (Deere; Twyman, 2014Deere, Carmen Diana; Twyman, Jennifer. ¿Quién toma las decisiones agrícolas? Mujeres propietarias en Ecuador. Agricultura, Sociedad y Desarollo (11), Texcoco, Colegio de Postgraduados, 2014, pp.425-440.).

A maioria (78%) das proprietárias no Equador têm parceiros (casadas ou em uma união estável), ao contrário das chefes individuais de família (22%). Ainda que a maioria das mulheres participe das quatro maiores decisões (o que plantar, os insumos a serem usados, quanto vender e o uso da renda gerada), é menos provável que elas participem dessas decisões do que proprietárias que não têm parceiros, que geralmente tomam todas as decisões relacionadas a suas parcelas sozinhas. As autoras também encontraram uma relação entre a forma da tomada de decisão – se as decisões são tomadas individualmente ou com outra pessoa – e a forma de propriedade – se a mulher é proprietária individual da parcela ou se a divide com outra pessoa. Como esperado, é mais provável que mulheres sem parceiros (que geralmente são proprietárias individuais) tomem todas as decisões referentes a suas parcelas sozinhas, quando comparadas a mulheres com parceiros. A maioria das mulheres com parceiros (que geralmente são proprietárias em conjunto com outra pessoa), quando participam das decisões, o fazem junto de outra pessoa, geralmente seus parceiros.

Há também diferenças entre proprietárias com parceiros em termos da forma de sua participação, dependendo de se elas são proprietárias individuais ou em conjunto com seus parceiros. Por exemplo, considerando a decisão sobre o controle da renda oriunda de vendas agrícolas, enquanto 54,4% das mulheres com parceiros que são proprietárias individuais tomam essa decisão sozinhas, apenas 7,7% das que são proprietárias em conjunto o fazem, com a grande maioria (77,2%) tomando as decisões em conjunto com seus parceiros. De forma geral, no Equador, onde a maioria das parcelas é de propriedade conjunta de casais, a maioria das decisões é tomada pelos casais de forma conjunta.

O EAFF 2010 não perguntou apenas às proprietárias sobre sua participação no processo decisório agrícola, mas também perguntou aos cônjuges sobre a participação de suas parceiras. Twyman, Useche e Deere (2005) demonstram como, entre casais, homens tendem a subestimar a participação de suas esposas no processo decisório agrícola, quando comparados às respostas das mulheres. Para testar essa proposição, as autoras criaram um índice das decisões aplicáveis a cada parcela, no qual 1 equivale à participação igual em todas as quatro decisões, quando relevante. Enquanto 60% das esposas relataram que elas participaram de todas as decisões tomadas, apenas 52% dos maridos relataram o mesmo. Na outra ponta da escala (índice = 0), enquanto apenas 10% das esposas relataram não participar em nenhuma decisão agrícola, 12% dos maridos consideraram que suas esposas não tiveram qualquer participação. A diferença de gênero na distribuição desse índice teve significância estatística, confirmado que quem é entrevistado num inquérito importa.

Um experimento recente de inquérito de campo numa província do planalto equatoriano que tinha por foco as responsabilidades e decisões relacionadas a uso de pesticida chegou a uma conclusão semelhante. Alwang, Larochelle e Barrera (2017)Alwang, Jeffrey; Larochelle, Catherine; Barrera, Victor. Farm Decision Making and Gender: Results from a Randomized Experiment in Ecuador. World Development (92), Elsevier, 2017, pp.117-129. encontraram que percepções variam de acordo com gênero e tipo de entrevista. O estudo demonstrou que homens que são entrevistados sozinhos têm maior probabilidade de afirmar que o processo decisório é uma arena exclusivamente masculina, enquanto mulheres entrevistadas sozinhas ou consideram que elas próprias tomam decisões, ou que as decisões são tomadas de forma conjunta com seus maridos. Entrevistas realizadas separadamente com os dois membros de um casal, com os dois sabendo que o outro seria entrevistado, levaram a alegações menos drásticas de responsabilidade exclusiva e a uma proporção maior de relatos de tomada de decisão conjunta. Esse estudo reforça o argumento de que o papel das mulheres na agricultura será subestimado se inquéritos (ou os censos agropecuários) forem direcionados primariamente a homens chefes de família (Deere; León, 2001Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002].; Doss, 2012).

Para estabelecer a relação entre a propriedade feminina da terra e seu papel nos processos decisórios, será importante realizar esse tipo de estudo em mais países latino-americanos e analisar um conjunto mais amplo de decisões agropecuárias. A FAO (2007) recomenda que dados sejam coletados sobre as seguintes decisões: a área de terra cultivada versus a área em pousio; os tipos de safras cultivados; os tipos de gado criados; pedidos de crédito agropecuário; investimento em bens de capital; marketing de produtos agrícolas e/ou gado; e os tipos de insumo usados (fertilizantes, pesticidas, irrigação, trabalho contratado, etc.) A essa lista, seria importante adicionar decisões sobre se a parcela deve ser cultivada diretamente ou arrendada, cultivada em parceria ou em regime de comodato, e quem decide quanto ao uso da renda gerada pelas diferentes atividades agropecuárias.

Conclusão

Independentemente de suas limitações, o processo da Agenda 2030 de definição de objetivos, metas e indicadores precisos certamente avançou a agenda da igualdade de gênero. Para aqueles de nós preocupados com a distribuição de terra e outros recursos de acordo com gênero, a adoção das metas 5.a e 1.4, junto de seus respectivos indicadores, representa uma conquista significativa, mas muito depende de se políticas apropriadas serão implementadas para alcançar essas metas e se os dados relevantes serão coletados para medir o progresso.

No mínimo, a coleta de dados sobre os indicadores de direitos legais à terra e a propriedade feminina da terra em inquéritos e nos censos agropecuários permitirá a pesquisa sobre várias questões prementes. Por exemplo, informações consistentes sobre direitos legais à terra e a propriedade real da terra pelas mulheres permitirão testar em que medida marcos legais específicos (tais como regimes matrimoniais ou de herança) e suas reformas fazem diferença. A insistência, no processo e indicadores dos ODS, na segurança da posse deve ao menos encorajar departamentos estatísticos governamentais a desagregar as informações que têm atualmente sobre produtores de acordo com gênero e tipo de posse. Isso permitirá respostas a perguntas tais como se mulheres têm maior probabilidade de se declararem como produtoras em fazendas dirigidas pelos proprietários quando comparadas com terras arrendadas ou em parceria, ou em terras que são propriedade comunal. A adição de uma pergunta – para especificar quem é o proprietário em fazendas dirigidas pelo proprietário – indicaria se mulheres têm maior probabilidade de se declararem como produtoras quando são, de fato, as proprietárias. Além disso, informações sobre se o proprietário declarado tem um título em seu próprio nome permitirá uma investigação mais detalhada das barreiras que mulheres podem enfrentar para fazer valer suas reivindicações.

Argumentei que dados desagregados sobre propriedade da terra por si só são insuficientes. Informações desagregadas sobre o processo decisório agrícola também são necessárias. Isso permitirá análises mais rigorosas sobre quem são, de fato, os diretores da fazenda, dentre os membros do domicílio, para superar vieses ideológicos no conceito do produtor agropecuário (isto é, sua confusão com o chefe de família). Informações mais detalhadas tanto sobre propriedade quanto sobre o processo decisório permitirão análises de importantes questões, como por que proprietárias nem sempre cultivam sua própria terra, ou se mulheres têm maior probabilidade de se envolverem nas decisões agrícolas se elas são proprietárias, quando comparadas com não-proprietárias, ou proprietárias individuais versus em conjunto.

É encorajador que a importância dessas questões tenha sido reconhecida nas diretrizes da FAO para o CMA 2020, que recomendam que censos agropecuários passem a coletar pelo menos informações sobre coprodutores. O módulo de inquérito recomendado pela FAO sobre a distribuição intradomiciliar das decisões administrativas e da propriedade do estabelecimento vai muito além dos indicadores de propriedade/segurança de posse dos ODS e representaria um avanço crítico se, de fato, for adotado por um número significativo de países.

Referências bibliográficas

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  • Twyman, Jennifer; Useche, Pilar; Deere, Carmen Diana. Gendered Perceptions of Land Ownership and Agricultural Decision-making in Ecuador. Land Economics 91(3), 2015, pp.479-500.
  • 1
    A lista completa das 169 metas dos ODS e os seus indicadores pode ser acessada na Plataforma de Conhecimento do Desenvolvimento Sustentável da ONU: https://sustainabledevelopment.un.org.
  • 2
    Ver Fukuda-Parr (2016)Fukuda-Parr, Sakiko. From the Millennium Development Goals to the Sustainable Development Goals: Shifts in Purpose, Concept, and Politics of Global Goal Setting for Development. Gender & Development 24(1), Oxfam and Taylor & Francis, 2016, pp.43-52. para uma análise detalhada das diferenças nos processos dos ODM e dos ODS e nos seus respectivos objetivos e metas.
  • 3
    A meta 10.1, de redução da desigualdade de renda dentro dos países, por exemplo, baseia-se no crescimento de renda dos 40% mais pobres para reduzir a pobreza, sem mencionar o papel potencial de impostos sobre fortunas ou heranças, ou de reformas reestruturais, como a reforma agrária redistributiva ou limites à propriedade de terra (Razavi, 2016Razavi, Shahra. The 2030 Agenda: Challenges of Implementation to Attain Gender Equality and Women’s Rights. Gender & Development 21(1), Oxfam and Taylor & Francis, 2016, pp.25-41.).
  • 4
    Por exemplo, a Divisão de Gênero da CEPAL, ONU Mulheres e o instituto de estatísticas do México (INEGI) realizam uma oficina anual sobre estatísticas relacionadas a gênero, frequentada por representantes de institutos nacionais de estatísticas e órgãos e ministérios de mulheres e acadêmicos para discutir necessidades relacionadas a dados e melhores práticas.
  • 5
    Ver Doss (2013)Doss, Cheryl R. Intrahousehold Bargaining and Resource Allocation in Developing Countries. World Bank Research Observer 28(1), Washington, D.C., The World Bank and Oxford Academic, 2013, pp.52-78. e Doss et alii (2015)Doss, Cheryl R. et alii. Gender Inequalities in Ownership and Control of Land in Africa: Myth and Reality. Agricultural Economics (46), International Association of Agricultural Economics and Wiley, 2015, pp.403-434. sobre as evidências empíricas de como a propriedade feminina da terra está relacionada a resultados melhores para as mulheres.
  • 6
    Num contexto comparativo, o segundo indicador geralmente reflete o peso relativo da população rural na população total. Inquéritos domiciliares de escopo nacional também captam propriedade da terra por pessoas que residem em áreas urbanas.
  • 7
    Ver Doss et alii (2015)Doss, Cheryl R. et alii. Gender Inequalities in Ownership and Control of Land in Africa: Myth and Reality. Agricultural Economics (46), International Association of Agricultural Economics and Wiley, 2015, pp.403-434. para uma discussão dessa questão no contexto africano.
  • 8
    A linguagem exata é a seguinte: “Coprodutor é definido como a pessoa que toma as principais decisões relacionadas ao uso de recursos e que exerce o controle administrativo sobre as operações do estabelecimento agropecuário em conjunto com outra pessoa” (FAO, 2017Fao. World Programme for the Census of Agriculture 2020 vol. 1. FAO Statistical Development Series #15. Rome, FAO, 2017. [http://www.fao.org/3/a-i4913e.pdf – acesso em: 25 maio 2017].
    http://www.fao.org/3/a-i4913e.pdf...
    :46).
  • 9
    Ver https://unstats.un.org/sdgs/files/metadata-compilation/Metada-Goal-5.pdf e FAO (2012)Fao. FAO Policy on Gender Equality: Attaining Food Security Goals in Agriculture and Rural Development. Rome, FAO, 2012. [http://typo3.fao.org/fileadminis/templates/gender/docs/FAO_FinalGender_Policy_2012.pc – acceso em: 10 jul. 2012].
    http://typo3.fao.org/fileadminis/templat...
    .
  • 10
    Ver http://www.fao.org/gender-landrights-database/legislation-assessment-tool/en – acesso em: 29 maio 2017. A compilação de notas para os países latino-americanos pode ser solicitada à autora.
  • 11
    Sobre o que foi conquistado nesses países, ver Deere e León (2001)Deere, Carmen Diana; León, Magdalena. Empowering Women: Land and Property Rights in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 2001 [O Empoderamento da Mulher. Direitos a terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre, UFRGS Editora, 2002]..
  • 12
    Além disso, essas diretivas de políticas foram implementadas, levando a uma proporção relativamente alta de beneficiárias da reforma agrária, mais de um terço até 2007 (Butto; Hora, 2008Butto, Andrea; Hora, Karla. Mulheres e reforma agrária no Brasil. In: Lopes, Adriana; Butto, Andrea (ed.). Mulheres na reforma agrária: A experiência recente no Brasil. Brasília, MDA, 2008, pp.19-37.), com uma crescente parcela de mulheres chefes de família entre elas (Hora; Butto, 2014Hora, Karla; Butto, Andrea. Políticas públicas para mulheres rurais no contexto dos territórios da cidadania. In: Butto et alii (ed.). Mulheres rurais e autonomia: Formação e articulação para efetivar políticas nos territórios da cidadania. Brasília, MDA, 2014, pp.14-45.). Por outro lado, o Ministério da Reforma Agrária foi extinto em 2016 por um novo governo e a reforma agrária encontra-se paralisada.
  • 13
    Para garantir uma ênfase ainda maior, a legislação boliviana estipula que, na titulação conjunta a casais, o nome da mulher deve vir primeiro.
  • 14
    Estão faltando Cuba e Honduras, seguindo a definição convencional da América Latina como consistindo dos países falantes de português e espanhol.
  • 15
    Essa comparação é baseada na Tabela 1 e nos dados do censo anterior apresentados em Deere (2011Deere, Carmen Diana. Tierra y autonomía económica de la mujer rural: avances y desafíos para la investigación. In: Costas, Patricia (comp.). Tierra de mujeres. Reflexiones sobre el acceso de las mujeres rurales a la tierra en América Latina. La Paz, Fundación Tierra and International Land Rights Coalition, 2011, pp.41-69., Tabela 1).
  • 16
    Derivado pela autora de INEC (2000)INEC (Instituto Nacional de Estadística y Censos). Censo Nacional Agropecuario 2000. Quito, Ecuador, INEC, 2000. [http://www.ecuadorencifras.gob.ec/censo-nacional-agropecuario – acesso em: 11 jul. 2018].
    http://www.ecuadorencifras.gob.ec/censo-...
    .
  • 17
    Um grupo étnico, os “raizales”, habitantes ancestrais do arquipélago de San Andres, apresenta uma tendência diferente. Em suas fazendas, apenas 1,2% são dirigidas de forma conjunta, 26,6% são dirigidas por mulheres e 72,2%, por homens.
  • 18
    Ver Deere (2001Deere, Carmen Diana; Contreras D. Jackeline. Acumulación de activos. Una apuesta por la equidad. Quito, FLACSO-Ecuador, 2011., Tabela 9.11) para dados dos anos 1990 sobre essa mesma tendência.
  • 19
    Os dados sobre isso são contraditórios. O inquérito sobre bens de 2015, realizado pelo INEGI, no México, revelou que as mulheres eram 25% de todos os proprietários de terra, mas apenas 21% dos proprietários com documentação (Gutiérrez, 2016Gutiérrez, M.A. Principales resultados de la encuesta piloto sobre la medición de la propiedad de los activos del hogar y el emprendimiento con perspectiva de género, Proyecto EDGE-México. Power point presentation to the International Seminar on Gender Statistics, INEGI, Aguascalientes, Mexico, September 2016.). Já no Equador, as mulheres representam uma proporção ligeiramente maior de proprietários com documentação (55%) do que dos proprietários de terra (54%) (cálculos feitos pela autora a partir da base de dados da EAFF de 2010).
  • 20
    Dados similares não estão disponíveis para os outros países retratados na Tabela 3. No censo agropecuário peruano de 2012, as mulheres representavam 30,8% dos produtores agropecuários em todas as fazendas, independentemente da forma de posse, mas 32,1% dos produtores agropecuários em fazendas ocupadas pelos proprietários (INEI, 2014INEI (Instituto Nacional de Estadística e Informática). Inequidades de Género en la Actividad Agropecuaria. IV Censo Nacional Agropecuario 2012. Lima, INEI, 2014.), semelhante ao Paraguai.
  • 21
    Ver Peterman, Quisumbing e Behrman (2012) para um resumo das diferenças de gênero no acesso a serviços e insumos que não a terra.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2017
  • Aceito
    18 Jul 2018
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