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Brujas y adivinos en Tucumán (siglos XVII y XVIII)

RESENHAS

GARCÉS, Carlos Alberto. Brujas y adivinos en Tucumán (siglos XVII y XVIII). San Salvador de Jujuy: Editora Universidad Nacional de Jujuy, 1997. 179 p.

Fernando Luis Blanco

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil

Brujas y adivinos en Tucumán analisa alguns aspectos poucos conhecidos e abordados pela historiografia argentina: as perseguições de feitiçarias, no caso, na cidade de San Miguel no Tucumán colonial. Carlos Garcés revela, a partir de uma série de processos judiciários caratulados como de "feitiçaria" ou "encantamento", acusações contra bruxas, a fins do século XVII e inícios do XVIII. A obra se faz mais interessante ainda, pelas idéias desenvolvidas pelo autor para dar conta das causas destas caças de bruxas.

A estratégia da abordagem desses fatos, está marcada por um enfoque histórico jurídico/cultural. Desse ponto de vista, estabelece vínculos entre o imaginário da sociedade colonial influenciado pelas perseguições de bruxas na Europa, como um elemento chave para entender a manifestação e a supressão dos crimes de heresia/bruxaria. Seguindo a Garcés, podemos afirmar que "as práticas de feitiçaria se percebem como formulações culturais/discursivas anteriores à colonização que se mantêm como discursos paralelos ao discurso hegemônico" (p. 32). Não obstante, remarca que ainda a crença na feitiçaria era comum tanto à cultura das castas dominantes quanto a dos setores subalternos, o limite da tolerância será dado pelo predomínio cultural hegemônico das elites.

Uma das hipóteses que guiam o trabalho se baseia em que os mecanismos legitimadores da ordem colonial estabelecido estavam fundamentados na presença repressiva do Estado, controlador das condutas das pessoas ainda no espaço privado. Daí que se castigue junto às práticas mágicas, por exemplo, as "condutas sexuais desviadas".

Outro dos elementos que é colocado na obra é conhecer até que ponto existiu, realmente, um "delírio persecutório" em algum momento, e sendo assim, ver si participou a sociedade toda ou si aconteceu apenas "mais uma manifestação de ritualismo social organizado pelas elites, encaminhando-se a alcançar uma efetiva imposição de condutas que ajudem a manter o consenso da ordem estabelecida" (p. 33).

Entre as possíveis respostas para validar sua tese, Carlos Garcés aponta que no Tucumán o controle social da população indígena foi um dos mecanismos essenciais à manutenção da ordem colonial. Os acusadores pertencem à elite colonial (são "encomenderos" ou funcionários da coroa), as presumíveis feiticeiras acusadas eram mulheres, índias (um único caso apresentado é de uma mulher negra), pobres e velhas (aparece em uma ocasião uma mulher de 35 anos, a mais nova). Posso afirmar sem temor a errar que, ao cruzar estas características das bruxas tucumanas, Garcés nos sugere que não foi o "gênero o elemento decisivo na imputação dos delitos de feitiçaria senão mais bem a vulnerabilidade econômica das mulheres" (Quaife citado por Carlos Garcés, p. 160), tal como aconteceu na Europa. A isto poderia se agregar que, no caso do Tucumán, as acusações recaem sobre mulheres pertencentes não só às castas inferiores da sociedade, senão a outros grupos étnicos, índias, mestiças ou de origem africana -além escrava- em um caso. Isto daria uma particular significação às ações contra os crimes que atentavam contra a ordem moral da sociedade.

As tensões sociais na sociedade do Tucumán colonial resultaram as causas imediatas que levaram à elite de dita sociedade a perseguir inimigos imaginários. A caça de bruxas responderia a condições particulares de instabilidade e conflito na própria sociedade colonial que nunca "esteve suficientemente assentada e teve que enfrentar constantes problemas, como os derivados da hostilidade indígena que mais de uma vez colocaram-na em xeque" e, ademais, à situação de pobreza e "marginalidade relativas da governação" (p. 170).

Concordando com o autor, o estudo acerca da perseguição das bruxas tucumanas poderia se interpretar a partir de duas perspectivas. Uma delas seria a que permitirá definir os limites do setor sócio/cultural ao qual pertencem as acusadas de feitiçaria. A segunda aponta ao tratamento das feiticeiras como uma espécie de desviação perigosa. Neste caso a acusação tenderia à reafirmação dos valores hegemônicos da comunidade.

Do ponto de vista interno do trabalho, podemos anotar que este se detém na análise de cada um dos processos obtidos no Arquivo de Tucumán e vai tentando reconstruir os diversos casos – literalmente, já que muitas vezes os documentos estão incompletos. Atinge um notável equilíbrio entre a descrição, interpretação e apresentação dos dados empíricos, por um lado, e a argumentação teórica em uma narrativa sumamente explicativa e agradável, por outro. Alcança a estabelecer, ao mesmo tempo, dentro dessa lógica aqueles elementos particulares às práticas judiciárias européias e, de maneira esclarecedora, sugere ao leitor a forma em que essa aplicação aconteceu no caso americano.

Através da comparação entre os estudos europeus e este do Tucumán, discute algumas questões teóricas sem cair em interpretações simplificadoras, tratando de deslindar dentro de uma trama complexa os possíveis elementos causais das perseguições. Estes "devem responder a causas mais complexas e profundas na sociedade e ser sintoma emergente de algum mal-estar de tipo social" (p. 39), para o qual Garcés brinda duas respostas.

Em primeiro lugar, nos adverte que no imaginário coletivo da época se explicam as doenças, a injustiça, o infortúnio e a morte pela ação de poderes sobrenaturais. A caça de bruxas se converte em objeto de extirpação por parte da justiça civil e eclesiástica e a tais sujeitos atribuem-se-lhes as causas dos males da sociedade colonial. Notavelmente ilustrativa é uma citação de um vizinho acusador em um dos processos quando afirmou que "a regressão demográfica dos povos de índios de Tucumán deve-se à ação de maléficos feiticeiros que se dedicam a matar aos seus irmãos" (p. 54).

As práticas sociais cotidianas, as crenças na magia e na feitiçaria funcionam como parte estrutural na cultura desses tempos. Isto é um dado importante no raciocínio do libro, já que evita cair nas simplificações das causas das perseguições, tal como já mencionamos, e também nos afasta de pensarmos o castigo e a aplicação de torturas como um elemento circunstancial e excepcional nos casos de bruxaria, quando na realidade tratavam-se de práticas que abrangiam tudo processo delituoso. Impossível, portanto, de separar os fatos considerados criminais em âmbitos diferenciados, por exemplo, entre o espaço da justiça secular e aquele da eclesiástica.

Os processos de feitiçaria no Tucumán, proporcionam uma série de indícios acerca da repetição ou translação da Europa para a América de elementos vinculados às práticas mágicas, por exemplo, a aparição do sapo como animal utilizado na confecção dos males. Também a contraprova a partir da testemunha dos adivinhos que utilizavam sua "ciência" em função de colaborar no descobrimento da bruxaria e de seu produtor.

Por outro lado, e em tanto analisa atentamente as formas específicas da feitiçaria tucumana, Garcés adverte a diferença com a Europa, quando durante a caça de bruxas se estimulou a confiscação dos bens dos presumíveis feiticeiros, situação que para o caso estudado não teve a maior importância. O que aumenta a importância da questão do controle social na origem das acusações e da situação de marginalidade e instabilidade dessa sociedade "em construção" que ainda se percebia como perigosa aos olhos dos espanhóis, para manter a dominação.

Acho conveniente também comentar as potencialidades que contém Brujas y Adivinos. O texto habilita para pensar no aprofundamento possível de alguns aspectos. Em primeiro lugar, parece sumamente importante o que nos transmite a respeito da religiosidade das classes subalternas coloniais. Isto brindaria elementos substanciais para poder compreender a formação da cultura popular que, no caso americano, está atravessada por uma variável iniludível que é a étnica. Sem dúvida, isto também será uma contribuição para a reconstrução das práticas sociais das castas dominantes na América espanhola. O papel da elite colonial se expressou no uso do seu poder. Segundo as próprias palavras do autor, "supondo que a animadversão contra as bruxas seja uma função ativa no nível individual, a demarcação do conceito e, fundamentalmente, sua tipificação delituosa dependem do grau de coesão e organização dos setores dirigentes e tem uma intencionalidade política que se faz extensiva ao corpo social" (p. 171).

Dentro desse contexto se vislumbra interessante demais a possibilidade de estabelecer também os conflitos dentro de ambos setores sociais, através da leitura destas ações judiciárias. Ampliando ainda mais o âmbito de ditos atos, ao deslindar esses conflitos se esclareceria o sistema de relações sociais e a manutenção das hierarquias.

Depois da leitura desse livro, desejamos que Carlos Garcés continue avançando em vários pontos. Seria mais que interessante, por exemplo, que desenvolvesse a significação do possível "aquelarre" no momento de mais alta tensão da perseguição (no ano de 1721). Também que aprofunde a respeito da origem agrária pre-hispânica das crenças sustidas pelas acusadas e a influência do cristianismo em uma nova conformação. Os dados colocados pelo autor são sumamente sugestivos para isto.

Finalmente, coincidimos em que os crimes de feitiçaria e sua repressão na América também nos fala da intolerância da existência de reminiscências ou práticas culturais pre-hispânicas que, apesar de ser resignificadas pela cultura européia dos conquistadores para sua extirpação, promoveriam a formação de discursos alternativos àquele hegemônico e legitimador da situação social colonial.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2000
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