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O médico brasileiro José Pinto de Azeredo (1766?-1810) e o exame químico da atmosfera do Rio de Janeiro

Brazilian physician José Pinto de Azeredo (1766?-1810) and the chemical examination of Rio de Janeiro's atmosphere

Resumos

José Pinto de Azeredo, do Rio de Janeiro, foi aluno de medicina em Edimburgo (1786-1788), aí realizando notável trabalho experimental. Apresentou em Leiden a dissertação de formatura, sobre a gota. Regressado ao Rio em 1789, já nomeado físico-mor de Angola, praticou no Brasil. Em 1790 foi para Luanda onde exerceu no Hospital Real e onde fundou uma "Escolla de Medicina" que não sobreviveu à sua saída para Portugal, em 1797. Em Lisboa trabalhou no principal hospital militar e como médico particular, até falecer. A sua obra escrita (uns 10 manuscritos e 5 publicações) merece ser tratada do ponto de vista da história da medicina. Em artigo publicado em 1790 sobre a qualidade do ar do Rio de Janeiro, evidencia capacidades de químico analista, interesse pelos efeitos dos diversos componentes do ar nos organismos e preocupações sobre a qualidade do ar do Brasil e da Europa.

Brasil colonial; Angola colonial; história da medicina; ar do Rio de Janeiro


José Pinto de Azeredo, of Rio de Janeiro, studied medicine and conducted notable experimental research in Edinburgh (1786-88), presenting his graduate thesis on gout in Leiden. Already appointed surgeon-general of Angola, he returned to Rio in 1789 and practiced medicine in Brazil. In 1790 he moved to Luanda, where he practiced at the Hospital Real and founded a medical school that did not survive his departure for Portugal in 1797. He worked at Lisbon's main military hospital and as a private physician until his death. His written works (some ten manuscripts and five publications) warrant an examination from the perspective of the history of medicine. In an article published in 1790 on Rio de Janeiro's air quality, he reveals the skills of an analytical chemist, his interest in the effects of different air components on organisms, and his concern with air quality in Brazil and Europe.

colonial Brazil; colonial Angola; history of medicine; air in Rio de Janeiro


ANÁLISE

O médico brasileiro José Pinto de Azeredo (1766?-1810) e o exame químico da atmosfera do Rio de Janeiro

Brazilian physician José Pinto de Azeredo (1766?-1810) and the chemical examination of Rio de Janeiro's atmosphere

Manuel Serrano PintoI; Marco Antonio G. CecchiniII; Isabel Maria MalaquiasIII; Lycia Maria Moreira-NordemannIV; João Rui PitaV

ISec. Autónoma de Ciências Sociais, Jurídicas e Políticas Universidade de Aveiro 3810 Aveiro – Portugal mpinto@csjp.ua.pt

IIPesquisador aposentado do Instituto Tecnológico da Aeronáutica Rua Clovis Bevilácqua, 450, Jardim Esplanada 12242-790 São José dos Campos – SP – Brasil prof.cecchini@uol.com.br

IIIDepartamento de Física Universidade de Aveiro 3810 Aveiro – Portugal imalaquias@fis.ua.pt

IVInstituto Nacional de Pesquisa Espaciais São José dos Campos – SP – Brasil nordemann@dge.inpe.br

VUniversidade de Coimbra Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX Rua Felipe Simões, 33 Coimbra – Portugal jrpita@ci.uc.pt

RESUMO

José Pinto de Azeredo, do Rio de Janeiro, foi aluno de medicina em Edimburgo (1786-1788), aí realizando notável trabalho experimental. Apresentou em Leiden a dissertação de formatura, sobre a gota. Regressado ao Rio em 1789, já nomeado físico-mor de Angola, praticou no Brasil. Em 1790 foi para Luanda onde exerceu no Hospital Real e onde fundou uma "Escolla de Medicina" que não sobreviveu à sua saída para Portugal, em 1797. Em Lisboa trabalhou no principal hospital militar e como médico particular, até falecer. A sua obra escrita (uns 10 manuscritos e 5 publicações) merece ser tratada do ponto de vista da história da medicina. Em artigo publicado em 1790 sobre a qualidade do ar do Rio de Janeiro, evidencia capacidades de químico analista, interesse pelos efeitos dos diversos componentes do ar nos organismos e preocupações sobre a qualidade do ar do Brasil e da Europa.

Palavras-chave: Brasil colonial; Angola colonial; história da medicina; ar do Rio de Janeiro.

ABSTRACT

José Pinto de Azeredo, of Rio de Janeiro, studied medicine and conducted notable experimental research in Edinburgh (1786-88), presenting his graduate thesis on gout in Leiden. Already appointed surgeon-general of Angola, he returned to Rio in 1789 and practiced medicine in Brazil. In 1790 he moved to Luanda, where he practiced at the Hospital Real and founded a medical school that did not survive his departure for Portugal in 1797. He worked at Lisbon's main military hospital and as a private physician until his death. His written works (some ten manuscripts and five publications) warrant an examination from the perspective of the history of medicine. In an article published in 1790 on Rio de Janeiro's air quality, he reveals the skills of an analytical chemist, his interest in the effects of different air components on organisms, and his concern with air quality in Brazil and Europe.

Keywords: colonial Brazil; colonial Angola; history of medicine; air in Rio de Janeiro.

Introdução

A publicação em Lisboa, no Jornal Encyclopédico de Março de 1790, de um trabalho experimental relacionando a composição química do ar do Rio de Janeiro com a salubridade de várias zonas da cidade (Azeredo, 1790), constitui um facto notável. Trata-se, sem dúvida, do primeiro trabalho desse tipo a ser realizado no Brasil e, muito provavelmente, o primeiro em toda a América Latina, se não mesmo em todo o continente americano. Por essa razão e ainda porque é um texto de difícil acesso, dada a raridade da revista onde foi publicado, é reproduzido em anexo anexo ao presente artigo.

O seu autor, o médico José Pinto de Azeredo, merece também ser mais bem conhecido. Sendo relativamente numerosas as referências à sua vida e obra, elas são, em muitos casos, pouco cuidadas, imprecisas, repetitivas ou mesmo erróneas. Ora, não só por ter escrito aquele artigo, mas também por ser autor de vários outros trabalhos sobre medicina no Brasil, em Angola e em Portugal, ele deve ter um lugar mais proeminente do que o que tem na história da medicina luso-brasileira, na da luso-angolana e na da medicina portuguesa.

No presente trabalho faz-se a análise e a contextualização do artigo sobre o exame químico do ar do Rio de Janeiro, o qual constitui o melhor exemplo do carácter experimental que Azeredo conferiu aos seus trabalhos, principalmente entre 1787 e 1790, o que o torna um autor de todo em todo merecedor do interesse dos historiadores da ciência e da técnica em Portugal e no Brasil.

Apresenta-se também uma nota biobibliográfica sobre Azeredo na esperança de que a sua vida e obra médica possam vir a ser mais bem estudadas, em particular situando a obra no contexto da história da medicina e na das questões de saúde ligadas à exposição do Homem ao ambiente; o que, obviamente, só poderá ser feito por um historiador da especialidade.

O presente artigo é resultado de colaboração entre autores brasileiros e portugueses essencialmente interessados em história da ciência e nas diversas facetas que o trabalho em análise e a vida de Azeredo apresentam. Ele deriva essencialmente de pesquisas feitas em arquivos de Portugal (Lisboa, Porto e Coimbra), no Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo), em Inglaterra (Londres), na Escócia (Edimburgo e Glasgow) e na Holanda (Leiden e Amsterdão).

Nota biobibliográfica

Apresenta-se nos parágrafos seguintes uma breve síntese, por ordem cronológica, da vida e obra de Azeredo que serve de linha orientadora a esta nota.

a. Nascimento no Rio de Janeiro, ou em 1763 ou em 1766, filho de Francisco Ferreira de Azeredo, ou Francisco Ferreira de Sousa, cirurgião-mor de um regimento aquartelado no Rio de Janeiro. Azeredo era, assim, brasileiro de nascimento (e daí o título do presente trabalho) e súbdito da Coroa portuguesa.

b. Estudos de latim, filosofia racional e moral e retórica, no Rio.

c. Matrículas em medicina na Universidade de Edimburgo em 1786/87 e 1787/88, tal como seu irmão, Francisco Joaquim de Azeredo. Em 1787 escreve uma dissertação sobre substâncias litotrípticas, isto é, capazes de dissolver ou fragmentar cálculos urinários, cujo resumo, feito por um dos seus mestres, é publicado em 1788. Nesse mesmo ano apresenta uma memória sobre os efeitos do "ar fixo" no sistema nervoso. Formatura em medicina na Universidade de Leiden (Leyde, Lugduni Batavorum), com defesa, em Maio/1788, de uma dissertação sobre a gota.

d. Estadia em Lisboa entre Junho/1788 e Maio/1789. Por documento real de Fevereiro/1789 é reconhecida a sua capacidade de exercer medicina em Portugal e nos domínios ultramarinos. Por carta-patente de 24/Abril/1789 é nomeado por D. Maria I físico-mor de Luanda, com as obrigações de tratar o corpo militar de Angola e os doentes do hospital da cidade e de abrir uma "Escolla de Medicina".

e. Regresso ao Rio de Janeiro possivelmente em Junho/1789. Início da prática de medicina, com observações clínicas no Rio, na Bahia e em Pernambuco. Demonstrações sobre a composição do ar na Sociedade Literária do Rio de Janeiro. Realização de medições experimentais sobre a composição do ar da cidade que levam à publicação, em 1790, do artigo agora em análise. Estadia no Brasil de cerca de ano e meio.

f. Viagem do Brasil para Angola, com chegada provável a Luanda em Setembro/1790. Prática clínica no Hospital Real. Abertura da "Escolla de Medicina" em Luanda, em Setembro/1791. Preparação de manuscritos como material de estudo para os alunos. Permanência em Angola de sete anos.

g. Regresso a Lisboa em 1797. Publicação, em 1799, de um livro sobre as enfermidades de Angola. Prática de medicina privada. Colocação no Hospital Militar de Xabregas em 1802. Elaboração de manuscritos.

h. Falecimento em 1810, em Lisboa. Faz seu universal herdeiro o irmão, residente no Rio de Janeiro, deixando-lhe uma valiosa biblioteca.

Fontes biobibliográficas mais importantes: Maia, 1840; Sigaud, 1844; Silva, 1860; Blake, 1899; Pombo, 1931, 1932, 1947; Carvalho, 1937; Pereira e Rodrigues, 1904-1915; d'Ésaguy, 1951a, 1951b; EV, 1965; Moraes, 1969; Walter, 1970 e Santos Filho, 1991.

Rio de Janeiro

Segundo Silva Maia, a quem se deve a primeira e mais completa nota biográfica acerca de Azeredo (Maia, 1840), José Pinto de Azeredo nasceu no Rio de Janeiro em 1763, sendo o pai, Francisco Ferreira Azeredo, cirurgião-mor de um regimento, informação esta que é retomada praticamente em todas as notas biográficas e biobibliográficas subsequentes. Ora, relativamente ao ano de nascimento surgem dúvidas porque, no registo da sua formatura na Universidade de Leiden, datado de Junho/1788, consta que Azeredo tinha 22 anos de idade, pelo que teria nascido em 1766.1 1 Archiven van Senaat en Faculteiten dei Leidsche Universiteit – 419 – Album Candidatorium Medicinae. Nesse registro consta ainda que Azeredo era brasileiro.

O nome do pai também levanta algumas questões. Num documento existente na Academia das Ciências de Lisboa, da autoria de Silva Carvalho, historiador da medicina em Portugal, o nome do pai de Francisco Joaquim de Azeredo, irmão de José Pinto, é dado como Francisco Ferreira de Sousa, tendo esse elemento informativo sido possivelmente colhido pelo autor num passaporte que diz ter sido passado a Joaquim Francisco em Janeiro de 1789 (Carvalho, s.d.). A verdade é que, no Almanaque Histórico do Rio de Janeiro para 1794, é referido um Francisco Ferreira e Sousa, da rua Nova do Ouvidor, no Rio de Janeiro, como sendo cirurgião-mor do Estado maior do 1º Regimento dessa cidade e, no mesmo Almanaque, mas para 1792, consta o mesmo e ainda uma lista de médicos do Rio onde se encontra o nome de Francisco Joaquim de Azeredo, também morador naquela rua.2 2 Alguns números do Almanaque Histórico do Rio de Janeiro, nomeadamente para 1792 e para 1794, foram publicados nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 59, 1937, encontrando-se nessa Biblioteca os respectivos manuscritos, provenientes da Biblioteca Nacional de Lisboa. O autor provável do Almanaque Histórico será António Duarte Nunes (ver também Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 267, 1965).

Não sendo possível saber o ano exacto de nascimento de José Pinto de Azeredo, pode, porém, concluir-se com alguma segurança que o pai se chamava Francisco Ferreira e era cirurgião-mor do 1º Regimento do Rio de Janeiro, e ainda que a morada da família era na rua do Ouvidor, nessa cidade.

É ainda Silva Maia, no trabalho referido, que informa que Azeredo foi bom estudante e fez estudos preparatórios no Rio com o conhecido professor Silva Alvarenga, tendo aprendido latim, filosofia racional e moral e retórica. Ora, tendo Alvarenga iniciado, no Rio de Janeiro, o ensino de aulas de Retórica em 1782 (GEPB, s.d.), e aceitando 1763 como data de nascimento de Azeredo, este teria então começado essa aprendizagem por volta dos 19 anos de idade, o que parece tarde demais, sendo assim razoável admitir que ele tivesse nascido em 1766 e principiado aquelas aulas aos 15 ou 16 anos.

Podemos tomar como quase certo que, logo que foi decidido que os dois irmãos seguissem a carreira médica em Edimburgo, como veio a acontecer, eles fizessem a aprendizagem da língua inglesa no Rio de Janeiro. A este respeito vale a pena fazer um pouco de especulação sobre o seguinte: a dissertação de formatura em medicina de José Pinto de Azeredo (Azeredo, J., 1788), ao contrário da do irmão (Azeredo, F., 1788), tem um agradecimento a Hananel e a Jacobo Mendes da Costa, que ele indica ser um comerciante britânico, parecendo estabelecer-se, assim, uma ligação da família Azeredo à conhecida família Mendes da Costa.3 3 Da Costa – era uma família de origem judia, de apelido inicial Mendes da Costa, muito provavelmente. Os membros dessa família fugiram de Espanha e Portugal e estabeleceram-se na Holanda, Itália e Inglaterra, no século XVII e depois na América. Estão ligados às principais famílias sefarditas da Europa ocidental. Emanuel Mendes da Costa (1717-1791) foi filósofo, naturalista e botânico. Nasceu em Inglaterra. Publicou vários trabalhos sobre fósseis e conquiliologia. Foi bibliotecário da Royal Society, tendo sido preso e as suas colecções vendidas, por desfalque. Isaac da Costa (1798-1860) nasceu e morreu em Amsterdão. Foi poeta e escritor. Era filho do comerciante Daniel da Costa e parente de Uriel Acosta. Doutorou-se em Leiden e converteu-se ao cristianismo com sua mulher Hannah Belmonte. Jacob Mendes da Costa (1833-1900) era médico, natural de Santo Tomás, Antilhas. Foi professor no Jefferson Medical College de Filadélfia (1872). Escreveu várias obras de medicina. Ver Enciclopedia Judaica Castellana en diez tomos, 3º tomo, Ed. Enciclopedia Judaica Castellana, S. De R. L., Mexico, DF, 1948. Teria a ida dos irmãos Azeredo para Edimburgo sido precedida de contactos com os Mendes da Costa no sentido de uma adaptação à vida na Escócia e ao idioma?

Segundo Ruela Pombo, que escreveu sobre Azeredo no contexto da "Escolla de Medicina" de Luanda, ele pertencia a uma família brasileira com membros que se destacaram na magistratura, na política e na religião (Pombo, 1947).

Edimburgo e Leiden

Que razões teriam levado o pai de José e de Francisco Joaquim a enviá-los para Edimburgo? O prestígio da faculdade de medicina da universidade, certamente. Sabe-se que, por influência de Manuel Constâncio, médico do Hospital de São José, em Lisboa, e reformador dos estudos médicos na capital portuguesa, muitos estudantes foram para ali e para Londres, no tempo de D. Maria I, de preferência a irem para Coimbra, onde o ensino médico era "livresco e teórico" (Costa, 1986, p. 501).

A faculdade de medicina de Edimburgo havia sido fundada, em 1726, por discípulos de Hermann Boerhaave, o grande professor de medicina de Leiden (onde também ensinou botânica e química), segundo o modelo desta universidade holandesa, tendo Edimburgo, ela própria, vindo a tornar-se uma escola médica de renome internacional. Na época da estadia de Azeredo e do irmão em Edimburgo, as ligações entre as duas faculdades continuavam a ser muito fortes, com grande intercâmbio de estudantes, e, apesar da fama de sua escola ser grande, muitos alunos de Edimburgo candidatos a médicos preferiam formar-se em Leiden, o que lhes conferia prestígio (Smith, 1932). Esta era uma academia verdadeiramente cosmopolita: em 1778, ano de graduação dos irmãos Azeredo, formaram-se em medicina mais de trinta alunos de meia dúzia de nacionalidades. E na segunda metade do século XVIII graduaram-se ali cinco estudantes brasileiros e cinco portugueses (Rieu, 1875).

Os irmãos Azeredo estiveram matriculados em medicina na Universidade de Edimburgo em 1786/87 e 1787/88,4 4 Arquivo da Biblioteca da Universidade de Edimburgo, "Special Collections" – fichas de matrícula em medicina de José Pinto de Azeredo e de Francisco Joaquim de Azeredo. sendo mais provável que, então, as suas idades fossem de 20 (José) e 19 anos (Francisco), pois tais estudos iniciavam-se cedo, na época. Ou, por outras palavras, Azeredo teria nascido em 1766.

Durante o curso, estudaram Anatomia e cirurgia, Química, Botânica, Matéria médica e Farmácia, sendo a Teoria e prática da medicina e a Clínica médica ensinadas em hospital (Royal Infirmary) (Grant, 1884). A dissertação ("thesis exercitii gratia"), elaborada por Azeredo durante o seu período de estudos e apresentada como prova prática final, é de 1787 e tem por título An experimental enquiry concerning the chemical and medical properties of those substances called Lithontriptics, and particularly their effects on the human calculus (Wemyss, 1933). Ela ganhou, em 1788, o prémio que a Harveian Society of Edinburgh (fundada em 1782 e ainda hoje existente) atribuía anualmente ao melhor trabalho apresentado por estudantes finalistas de medicina. Em resultado disso, Azeredo foi nomeado presidente anual ("praeses annuus") da Medical Society of Edinburgh, para onde havia entrado, tal como o irmão, como "ordinary member" em Março de 1787 (Anónimo, 1820). Esta era uma sociedade de estudantes médicos da universidade que havia sido instituída em 1737 e que, em 1778, havia sido reconhecida pela Coroa britânica, passando a ser conhecida como Royal Medical Society of Edinburgh e sendo, nem mais nem menos, a mais antiga sociedade médica de língua inglesa no mundo (Smith, 1932). A dissertação mereceu ser objecto de um sumário de cerca de três páginas feito pelo presidente da Harveian Society, Andrew Duncan, o qual foi publicado na revista Medical Commentaries de 2 de Dezembro de 1788 e que termina com a seguinte apreciação: "Uppon the whole, all his experiments, to a number of 106, are conducted with great judgement; and the inferences which he draws from them, are highly important, both in a chemical and medical view" (Duncan, 1788, p. 398). Silva Maia, que leu o resumo, comenta com justeza que o trabalho era notável até porque a química era ciência que estava no seu início (Maia, 1840). Infelizmente não se conhece o paradeiro daquele manuscrito. Qualquer tentativa de reconstituição dos experimentos que fez em Edimburgo e que levaram à elaboração do seu ensaio sobre as substâncias litotrípticas terá assim que utilizar aquele resumo, bem como os manuscritos de Azeredo adiante mencionados, nomeadamente o nº 8485 da Biblioteca Nacional de Lisboa, e ainda o que consta no artigo em análise:

Eu mostrei em Edimburgo que há duas especies de calculo; huma que he de terra calcarea saturada com acido perlato; a este chamo calculus saturatus. Mas o ar fixo naõ tem poder: a outra especie he só a terra calcarea sem acido, unida por hum nucleo; a esta chamo calculus spurius: Este he que he dissolvido pelo ar fixo. Veja-se a nossa Dissertação de calculo anno 1788. (Azeredo, 1790, p. 280)

No artigo Azeredo refere-se também os experimentos que fez em Edimburgo que o levaram a concluir que o "ar fixo" (dióxido de carbono) ataca o sistema nervoso humano: "Veja-se as nossas experiencias de Aere nas memorias da Sociedade Fysica de Edimgurgo (sic) do anno de 1788" (Azeredo, 1790, p. 281).

Mais provavelmente por "Sociedade Fysica de Edimgurgo" referia-se Azeredo à mencionada Royal Medical Society, a que estava muito ligado e que, em 1784, tinha instituído entre os seus membros um prémio anual (uma medalha no valor de 20 guinéus) para o melhor ensaio, sujeito a tema, que lhe fosse apresentado. O primeiro tema seleccionado foi exactamente "On the general and medical properties of the different species of air" (Anónimo, 1820). Infelizmente também ainda não foi possível descobrir o paradeiro desse ensaio de Azevedo.

Na capa da sua tese de formatura em Leiden consta que Josephus Pinto ab Azeredo, "Brasiliensis", era membro não só da Royal Medical Society of Edinburgh mencionada, mas também membro de uma "Phys. Amer. Edin. Soc.". É verdade que existia, ao tempo, e ainda hoje existe, uma Edinburgh Royal Physical Society, fundada em 1771, uma sociedade estudantil que, durante os seus primeiros cinquenta anos de existência, se interessou principalmente por assuntos médicos. A leitura de ensaios com temas de medicina foi uma das actividades dessa agremiação entre 1783/84 e 1827/28, ensaios esses que depois eram transcritos para livros próprios (Jenkinson, 1993). Não parece, porém, que a Sociedade Fysica citada por Azeredo se possa identificar com a Edinburgh Royal Physical Society, pois esta nunca publicou memórias. Também uma pesquisa nos livros existentes no seu arquivo com as transcrições dos ensaios lidos mostrou não haver qualquer trabalho da autoria de Azeredo. Quanto à "Phys. Amer. Edin. Soc.", não foi possível traçar a sua existência. Seria, talvez, uma sociedade de estudantes de medicina originários da América, uma vez que os havia, principalmente provenientes dos Estados Unidos. Na folha de rosto de um dos seus manuscritos, o Lexicon Nosologicum Morburum Definitiones Contiens, ad Medicinae Tyrones Accommodatum, consta que foi membro duma "Med. Londin. Soc.", provavelmente também uma sociedade estudantil cuja existência também não foi possível traçar.

É notável o trabalho experimental desenvolvido por Azeredo em Edimburgo, enquanto estudante de medicina, a revelar um gosto pela pesquisa que sempre manteve e que o levou à realização do exame químico do ar do Rio de Janeiro e, cerca de dez anos mais tarde, a escrever, com verdadeira postura de cientista: "Nestes [ensaios] que apresento não ostento eloquencia, nem estilo sublime, porque o meu fim he narrar factos, e analysar fenomenos, para se computar o melhor methodo de curar enfermidades, que he a obrigação do Medico." (Azeredo, 1799, p. XV).

De Edimburgo Azeredo viajou com o irmão para Leiden, onde passou a residir em local hoje desaparecido e em cuja Universidade apresentou uma tese de formatura, ou seja, uma tese "pro gradu Doctoratus" (para a distinguir da "thesis exercitii gratia"), intitulada Dissertatio medica inauguralis de Podagra, com 24 páginas. Isso depois de lhe ter sido distribuído, como tema, um par de aforismos de Hipócrates. Defendida em 24 de Maio de 1788, é sobre a gota (podagra), consistindo o corpo do trabalho numa curta introdução seguida por cinco secções (Definitio, Historia morbi, Causae remotae, Causa proxima e Ratio medendi), havendo ainda uma página anexa com o título Theses com quatro asserções (Azeredo, J., 1788). O registo da formatura no livro de actas do Senado da Universidade é de 11 de Junho de 1788.5 5 Bronnen Tot De Geschiedenis Der Leidsche Universiteit Uitgegeven Door Dr. P. C. Molhuysen. Zesde Deel. 10 Febr. 1765 – 21 Febr 1795 – Rijks Geschiedkundige Publicatiën, 1923, Leiden. O irmão de Azeredo, Francisco Joaquim, defendeu tese no mesmo dia (Azeredo, F., 1788), tendo o registo da sua formatura no livro de actas sido feito a 12 de Junho de 1788. A sua tese consiste em 64 asserções e é também em latim. É nesses registos que consta que eles tinham 22 e 21 anos, respectivamente.

Lisboa e Rio de Janeiro

Com data de 19 de Fevereiro de 1789 foi passada a Azeredo uma carta que o autorizava a exercer medicina em Portugal e nos domínios portugueses, após ter exibido documentos comprovativos de formatura em Leiden e ter recebido aprovação em exames feitos na Universidade de Coimbra por médicos da Real Junta do Proto-Medicato.6 6 Carta de aprovação de José Pinto de Azeredo como médico pela Junta do Proto-Medicato, 19.02.1789. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelarias Régias, D. Maria I, Livro 32, p. 323. Essa Junta havia sido criada pela rainha D. Maria I, em 1782, para combater os abusos e a facilidade com que muitas pessoas, sem princípios e sem os conhecimentos necessários, exerciam medicina e cirurgia e farmácia na área de Lisboa, bem como nas províncias e nas colónias de Portugal (Ribeiro, 1873). Já no verso da carta-patente que nomeia Azeredo físico-mor de Luanda (ver adiante) está registado o pagamento de emolumentos devidos por actos administrativos que decorreram em Lisboa em Maio de 1789.

Ou seja: a estadia de Azeredo em Lisboa, depois da formatura em Leiden, deve ter decorrido entre meados de 1788, possivelmente desde Junho, e Maio de 1789, espaço de tempo em que a sua ida para Angola foi discutida e decidida. Francisco Joaquim, o seu irmão, também médico, terá permanecido em Lisboa, depois da sua formatura em Leiden, somente até Janeiro de 1789 (Carvalho, s.d.).

Azeredo regressa ao Rio de Janeiro já conhecedor da sua nomeação como físico-mor de Luanda. Note-se que ele não tinha experiência clínica, pelo que a sua ida para o Rio como médico, precedendo a deslocação para Angola, supriria essa falta, com a vantagem de ir desfrutar de uma experiência em medicina praticada num país tropical. Ao mesmo tempo ia regressar ao lar paterno do qual estava afastado havia um bom par de anos.

No Rio de Janeiro "principia a praticar medicina com grande reputação" exercendo "a arte com ... dignidade, circunspecção e bondade..." (Maia, 1840, p. 62). À sua boa prática de medicina na capital do Brasil se refere Azeredo, de modo muito breve, na "Prefação" do seu livro de Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola: "Eu o principiei a pôr em prática [o método de cura das febres] na Cidade do Rio de Janeiro; e o feliz exito que então obtive..." (Azeredo, 1799, p. VII). O estado sanitário do Rio de Janeiro da altura era mau (Lobo, 1964), entre outras razões porque existiam poucos médicos, pelo que a chegada ali de Azeredo deve ter sido vista com muito agrado. As pessoas cultas viam nele, justamente, um brasileiro recém-formado numa escola médica de renome, a quem já fora atribuído por Lisboa um cargo de importância (o de físico-mor de Angola) e que, para mais, pertencia a uma das boas famílias do Rio, sendo o irmão também médico formado na Europa.

É com certeza dessa época o único "retrato" conhecido de Azeredo, traçado por Silva Maia que cita pessoas que o conheceram no Rio de Janeiro, na idade adulta:

tinha muita vivacidade nos olhos, expressão e nobreza de phisionomia; era magro, e de uma estatura menor que a ordinária; porêm era bonito de cara, e dotado de um caracter jovial, e de maneiras affaveis e polidas. Possuindo um espírito profundo e reflectido, era ardente a emprehender, opinioso para continuar, e disposto a soffrer as maiores privações para alcançar o que desejava. (Maia, 1840, p. 65)

Acrescente-se uma outra nota biográfica obtida do seu testamento: Azeredo nunca foi casado, nem teve filhos.

No seu livro sobre as enfermidades de Angola, Azeredo diz ter encontrado algumas dessas enfermidades no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco (Azeredo, 1799), donde se conclui que ele fez observações clínicas fora da capital. Lourival Ribeiro (1971) e, segundo Jaime Walter, também Lycurgo Santos Filho (Walter, 1970) escrevem que Azeredo esteve na Bahia em 1798, acrescentando este último autor brasileiro que era acompanhado pelo irmão, estando ambos integrados numa comitiva do governador de Angola. Ora, em 1798 Azeredo estava em Portugal, a trabalhar em Lisboa. Terá a visita sido em 1790, ano em que ambos os irmãos estiveram juntos no Brasil? Muito provavelmente sim, porque em 1790 chegou a Angola, como novo governador, Manoel de Almeida e Vasconcellos, vindo de Lisboa, que havia passado pelo Rio de Janeiro, onde recrutou degredados para preencher a guarnição de Luanda (Torres, 1825). Não seria de admirar que Azeredo, já com experiência em medicina praticada no Brasil durante cerca de um ano e meio e já nomeado físico-mor de Luanda, tivesse viajado com o governador para Angola.

É de João Manso Pereira a informação de que

O doutor José Pinto, discípulo de Blak, (sic) antes de partir para Angola, apresentou na casa da extinta Sociedade Literária do Rio de Janeiro, aos Professores de Medicina e Mestres Régios que aí se achavam, diferentes botelhas e diferentes fluidos aeriformes. (Pereira, 1805, p. 35)

Pelo que se deduz que o trabalho experimental desenvolvido no Rio, baseado nos trabalhos de um cientista de renome como Joseph Priestley e que levou à publicação do artigo agora em análise, despertou naturalmente a atenção dos membros daquela Sociedade, fundada em 1786 e mais tarde, em 1794, quando se pretendia que fosse reavivada, mandada encerrar pelo conde de Resende (Filgueiras, 1993).

A frase aqui transcrita consta da Memoria sobre Huma Nova Construção do Alambique ... Traduzida do Francez pelo P. J. P. de A., accrescentada e illustrada com notas de João Manso Pereira,7 7 Esta tradução deve ser a correspondente a um trabalho de João Jacinto de Magalhães, que surgiu inicialmente anónima e sem o ser no Journal de Physique de Rozier, em 1781. Também foi oferecida ao governo português de então. Intitulava-se, no original, Nouvelle construction d'Alambic pour faire toute sorte de distillation en Grand, avec le plus d'économie dans l'opération, le plus d'avantage dans le résultat, en deux parties; La première contenant son application à la distillation des Eax-de-Vie; Et la seconde celle à la dessalaison de l'Eau de la Mer à bord des Vaisseaux; Avec des Figures en taille douce – Première Edition, destinée à être distribué gratis, dans les Provinces de France. La seconde Edition sera destinée à être vendue au bénéfice des Hôpitaux, 1781 (Malaquias, 1994). publicada em 1805. Significarão as iniciais P. J. P. de A. "Professor José Pinto de Azeredo"? Note-se que desde 1791 Azeredo se intitulava professor de medicina no reino de Angola, como consta dos seus manuscritos, e que, como mostra a lista de obras da sua biblioteca, sabia francês. Além disso, Manso Pereira assistiu às demonstrações na Sociedade Literária, pelo que muito provavelmente contactou Azeredo para fazer a tradução.

Do Brasil, onde passou cerca de ano e meio, Azeredo vai para Angola.

Luanda

Por carta-patente de 24 de Abril de 1789, Azeredo foi nomeado pela rainha D. Maria I físico-mor da cidade de Luanda (São Paulo de Assunção de Luanda, capital do reino de Angola), com as obrigações de "curar, além do Corpo Militar daquele Reyno, os doentes de Hospital da dita Cidade; e igualmente abrir Escolla de Medicina para os que Se quisessem empregar no exercicio e pratica della". O ordenado era de seiscentos mil reis, pagos pela Fazenda de Angola. A rainha ordenava ao governador de Angola que deixasse Azeredo "exercitar" aquele cargo. No verso deste documento está registada, como última formalidade burocrática, "Cumprace e Registece" (sic) feita em Luanda a 4 de Outubro de 1790.8 8 Patente de S. Mag. de em que faz Mr. ce ao Doutor Iosê Pinto de Azeredo de Fizico Mór deste Reyno de Angola – Reproduzida em Arquivos de Angola, v. IV, n. 41 a 48, p. 149-50, Luanda, 1938. Azeredo deve pois ter chegado a Angola em fins de Setembro de 1790.

Entre a sua chegada a Luanda e a abertura da "Escolla de Medicina", formalmente feita em Setembro de 1791, decorre, portanto, um ano, que ele terá utilizado quer para tomar conhecimento das condições locais de instalação daquele estabelecimento, quer para iniciar a prática médica no hospital, tratando de militares e civis, seguindo as instruções da carta-patente, quer ainda para preparar material de estudo para os alunos.

A abertura, a 11 de Setembro de 1791, da "Escolla" foi anunciada no dia anterior por determinação do governador da Angola, tendo a proclamação ("bando")9 9 Bândo sobre a abertura da Aula de Medicina, e Anathomia (de 10 de Setembro de 1791) – Reproduzido em Arquivos de Angola, v. IV, n. 41 a 48, p. 165-6, Luanda, 1938. sido feita publicamente, ao som de caixa. Esse "bando" é um documento curioso pois, por um lado, informa que a rainha havia mandado Azeredo para Angola depois de se certificar da sua instrução e prática em medicina, que ele havia colhido nas "melhores e maiores Accademias da Europa", confirmando assim os exames feitos perante a Junta do Proto-Medicato, e, por outro, estabelece o plano geral de estudos da Escola: "Medicina, Practica, com Instrucçoins Anatomicas".

Os interessados em frequentar a "Aula de Medicina Practica" – designação que o "bando" usa em vez de "Escolla de Medicina" – deveriam alistar-se perante Azeredo, ficando obrigados a assistir a lições e a fazer visitas hospitalares a determinadas horas, com o que, depois de aprovados, poderiam exercer a arte em Angola. Neste último ponto, parece entrever-se a limitação a Angola da actividade dos alunos aprovados, o que não consta claramente da carta-patente. O "bando" fazia ainda um convite à população em geral para comparecer à sessão, a ser realizada no Hospital Real, na qual seria recitada uma oração de abertura.

Nesta Oração de Sapiência, lida no Hospital Real (ou da Misericórdia), na presença do governador, Azeredo faz repetidamente o elogio da rainha D. Maria I pelo apoio prestado às Ciências, às Letras, às Artes e, dirigindo-se aos alunos presentes, refere a importância de uma medicina baseada no conhecimento científico e na ciência experimental (cita Bacon e Priestley), por oposição a uma pretensa medicina natural, de carácter empírico, que, na época, era praticada em Angola por curandeiros etc.:

Eu vejo que já vos desgostam os caprichos grosseiros da natureza sem arte, ou antes de uma importuna e mal entendida [arte] que perturba os mesmos ditames da natureza. O clarão da ciência principia a raiar nos vossos horizontes e a clara fonte da sua doutrina a fertilizar o espírito da vossa sequiosa mocidade.

E mais adiante:

A ferrugem dos seculos barbaros, a terrivel maxima de remedios specificos, a grande compozição dos receituarios, a dezordenada confuzão de indicaçoens, a pueril combinação de remedios oppostos, nada disto senhores, nada disto apparecerá entre nos senão para ser evitado...

Azeredo menciona mais de vinte médicos que considera de renome na história da medicina, em particular na da anatomia e da fisiologia, referindo os contributos que eles haviam dado ao estudo de vários aparelhos e sistemas. Ataca, em particular, a teoria dos humores, aí contradizendo Boerhaave que critica de novo ao tratar da constituição dos músculos: "Embora pense Boerhaave e os seus sequazes que sejão as fibras musculares compostas de nervos. Huma pequena reflexão apoiada pelas experiencias nos persuadirá do contrário". Exprime a certeza de que Angola terá rápido progresso por acção da rainha e que a Escola irá contribuir decisivamente para isso: "Angolla eu te considero semelhante a Russia tirada de repente do mais profundo abatimento ao ponto da mais alta felicidade! Não te agraves, que se eu te mostro o teu pr.º estado he p.ª engrandecer a poderosa mão que te levanta". Azeredo informa ainda que os principais temas de estudo teórico seriam a anatomia (cútis, membrana adiposa, músculos, ossos, artérias, veias, vasos linfáticos e sistema nervoso) e a fisiologia (da nutrição relacionada com a digestão, a circulação, a respiração e a excreção), e que seria pela prática que os alunos ficariam a conhecer as moléstias e as suas causas e ficariam habilitados a fazer o seu diagnóstico e adoptar o método de cura mais provável.10 10 Oração de Sapiencia Feita, e recitada No dia 11 de Septembro de 1791 Por José Pinto de Azeredo Doutor pela Universidade de Leide Fizico Mor, e Professor de Medicina Do Reino de Angolla – manuscrito 8486 da Biblioteca Nacional de Lisboa. Reproduzida em d'Ésaguy, (1951a). Ficava assim mais bem caracterizado o plano de estudos da "Escolla".

Em Novembro de 1794 Azeredo subscreveu, juntamente com outro médico e com o cirurgião-mor de Angola, uma carta de aprovação em medicina passada a João Manoel de Abreu, um farmacêutico que dele recebera lições de Anatomia, Fisiologia, Química, Matéria médica e prática da Arte.11 11 Registo da Carta de aprovação de Medicina passada a Ioão M. el de Abreu – Reproduzido em d'Ésaguy (1951b) Admitindo que esse tenha sido um dos primeiros alunos da "Escolla", os estudos durariam uns três anos, como assinala Mário Milheiros na Nota introdutória à edição em fac-símile de Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola (IICA, 1967). Dois outros alunos, ligados ao exército, Guilherme José Pires e Francisco de Carvalho, em petição de Abril de 1799 dirigida ao Conselho Ultramarino de Lisboa, declaram que, tendo seguido as lições de Azeredo, obtiveram as cartas de aprovação e licenças para praticar a arte, tendo o governador lhes concedido patentes de cirurgiões-mores (Pina, 1943). Deve ter-se em conta que, em Outubro de 1796, havia sido nomeado para a "Escolla" um cirurgião-mor, Joaquim José Marques (Walter, 1970). De tudo isto se conclui, por um lado, que o plano de estudos compreendia inicialmente as disciplinas aqui mencionadas, no seu conjunto denominadas por Azeredo de "o especulativo", e ainda a Prática de Medicina, sendo todas as aulas leccionadas por ele; e, por outro lado, que o ensino da Cirurgia se deve ter iniciado em 1796.

No prefácio do seu livro Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola, Azeredo refere-se à "effectiva applicação que me era precisa para sustentar huma aula de Medicina, de que estava encarregado, e que me roubava huma grande parte do tempo" (Azeredo, 1799, p. xv). Nesse trabalho de ensino incluiu-se, sem dúvida, a preparação de materiais de estudo, para os alunos, que constituem dois manuscritos: o nº 8486, da Biblioteca Nacional de Lisboa, sem título (a que se dá a designação, aqui, de Matérias variadas de anatomia), de 1791, que também contém a Oração de Sapiência; e o nº 1126, da Biblioteca Municipal do Porto, sem qualquer data, que tem por título Tractado Anatomico Dos Ossos, Vasos Lymphaticos, e Glandulas, que contém uma "Exortação" aos estudantes. As matérias desses manuscritos são complementares: as que são tratadas no primeiro são apresentadas no segundo de uma maneira mais bem ordenada e ampliada; entretanto, há matérias que são somente tratadas no primeiro (prolegómenos de miologia em geral, prolegómenos de angiologia, prolegómenos dos nervos e observação geral sobre luxações); e, por último, há matérias somente tratadas no segundo daqueles documentos (prolegómenos sobre as glândulas e um grande desenvolvimento do tópico dos vasos absorventes). Jaime Walter, que se ocupou das semelhanças e diferenças entre os manuscritos 8486 e 1126, admite que este último seja de elaboração posterior ao primeiro (Walter, 1970); o que é correcto, pois Azeredo esclarece, naquela "Exortação", que, tendo feito nas aulas a leitura das matérias que constam do primeiro deles, tinha verificado "em poucos dias" que as apostilas dos alunos continham erros crassos, "já pela pouca exactidão da escrita, já pela má inteligência das minhas palavras e da minha frase", pelo que havia decidido escrever, ele mesmo, as matérias, que são certamente as que constam do manuscrito 1126. Este terá sido preparado assim em 1791 ou 1792. Sucede que esse manuscrito, em volume belamente encadernado e com o título de Tractado Anatomico escrito na lombada, foi oferecido por Azeredo a Luiz Pinto de Souza, 1º visconde de Balsemão, quando este era ministro da Guerra e dos Estrangeiros do governo português, segundo uma dedicatória na terceira página. O volume começou por fazer parte da conhecida "biblioteca Balsemão", pertencendo hoje ao acervo da Biblioteca Municipal do Porto. É natural que Azeredo tivesse retocado o material original do manuscrito, preparado em Angola como material de estudo da "Escolla" de Luanda, antes de fazer a oferta, o que deve ter sucedido entre 1797, data da sua viagem de Luanda para Lisboa, como se menciona adiante, e 1801, ano em que Luiz Pinto de Souza Coutinho deixou a pasta da Guerra (GEPB, s.d.).

Dessa época é também o manuscrito 8485 (Biblioteca Nacional de Lisboa), colecção de peças incompletas que tem inserido um trabalho com página de rosto com o título Anatomia dos Ossos e vasos Lymphaticos Do Corpo Humano e a data de 1791, a que se segue uma outra secção com o título Prolegómenos sobre as glândulas. Se estas partes do manuscrito tratam de anatomia e fisiologia, temas que já haviam sido considerados nos documentos 8486 e 1126, existem no 8485, contudo, outros temas (sobre os progressos da medicina; do pulso; da língua; descrição de sintomas de doenças etc.) que ali não aparecem e que devem também ter servido de matéria de estudo dos alunos, mas mais ligada à Matéria médica. O que Azeredo aí escreveu sobre os progressos da medicina deve ter sido por ele aproveitado, pelo menos em parte, para elaborar a secção inicial do artigo aqui em análise, pois existem semelhanças entre esses dois textos, no que se refere à história da medicina.

Será de 1791 ou 1792 o manuscrito 8484 (Biblioteca Nacional de Lisboa), sem título, que versa, na primeira parte, sobre plantas e remédios vegetais, na segunda, sobre química (dos sais; das terras; dos corpos inflamáveis; dos ares) e, na terceira parte, sobre medicamentos de origem vegetal, animal e mineral e suas doses; é, pois, um documento de todo o interesse na história da farmácia. A natureza de muitos desses medicamentos é tal que constitui um forte indício da sua utilização em medicina praticada em países tropicais, pelo que ele seria destinado ao estudo de Química e de Matéria Médica. Por conveniência, mantém-se aqui o título de Estudos diversos que lhe foi dado por Augusto d'Ésaguy, do mesmo modo que se mantém o de Colecção de peças incompletas que esse autor atribuiu ao manuscrito 8485 (d'Ésaguy, 1951a).

Quer no documento 8486, quer no 8485, existem também passagens que, não constituindo referências directas ao hospital de Luanda, só podem ser entendidas se for admitido que Azeredo estava em Angola quando as escreveu. Elas constituem, assim, provas indirectas de que tais manuscritos foram ali elaborados. No primeiro deles, por exemplo, há uma referência às luxações que são frequentemente vistas "neste hospital", e, no segundo, Azeredo escreve que "Neste clima he muito ordinario sobrevir às febres remittentes huma intumescencia das Parotidas tão violenta, que as vezes suffoca...".

Segundo Ruela Pombo, os compêndios adoptados na "Escolla" eram dois volumes de Elementos de Medicina Prática, de W. Cullen, obra traduzida por José Manuel de Chaves (Pombo, 1947). Os manuscritos elaborados por Azeredo constituíam material de estudo complementar e suplementar.

A saída de Azeredo de Angola, em 1797, como se refere adiante, terá significado o fim da "Escolla de Medicina" de Luanda? Embora isso não se coadune com alguns factos, como a nomeação, no ano anterior, de um cirurgião-mor para nela ir trabalhar, e a nomeação, em 1798, de José Maria Bontempo para suceder a Azeredo como físico-mor de Angola (Walter, 1962), foi o que efectivamente aconteceu: em documento de Agosto de 1800 dirigido a Lisboa, o governador de Angola, Miguel António de Mello, sucessor de Vasconcellos, fez um apelo para que fosse aberta em Luanda uma Aula de Medicina (Pina, 1943). Ora, somente em 1844 ou 1845 foi feita nova tentativa nesse sentido, também essa mal sucedida (Pombo, 1932).12 12 Em 1703 tinha havido outra tentativa, também sem êxito (d'Ésaguy, 1951a).

Que cômputo geral se pode fazer da acção de Azeredo como responsável pela tentativa de 1791 de criação de uma escola médica em Luanda? A informação disponível, que é escassa e está dispersa, leva-nos a concluir que foram somente três os alunos (acima referidos) que obtiveram cartas de aprovação, o que é manifestamente pouco, para sete anos de ensino. Curiosamente não há, ao que se conhece, nenhum lamento de Azeredo a respeito do pequeno número de alunos que utilizaram os serviços da instituição. Há, isso sim, a já mencionada referência à efectiva aplicação que lhe era exigida para manter a "Aula", o que faz suspeitar de que tal número não tenha sido tão escasso. Numa outra passagem da "Prefação" dos Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola, Azeredo informa que os seus discípulos lhe haviam certificado que, após os ensinamentos dele recebidos, nunca mais lhes havia morrido qualquer doente de tétano. E, como se viu antes, ele preparou um volume considerável de material de estudo destinado aos alunos. Tudo isto faz pensar, na verdade, que não tenham sido somente três os graduados ao longo dos sete anos que a "Escolla" durou. Mas não há provas de que tenha havido mais.

É certo que as dificuldades com que o correcto funcionamento da instituição se deparava foram expressas logo em Janeiro de 1792, em carta dirigida ao Reino pelo governador da colónia que mencionava, como causas, a falta de escolas e de educação e a indolência dos filhos do país (Walter, 1970). Mas aspirar a um funcionamento correcto de uma "Escolla" que tinha aberto somente em Novembro do ano anterior não seria um exagero, mais a mais numa cidade onde existia uma tradição de preferência da população local pelos curandeiros, que Azeredo havia atacado na oração de sapiência? Preferência essa bem exemplificada por um caso passado em Luanda em 1605: o senado da câmara da cidade fez saber ao governador de Angola que não fora bem recebida a notícia da ida para Luanda de um médico nomeado por Lisboa, nem a da decisão do governador de conceder a esse médico a avença que estava já atribuída a um virtuoso curandeiro que também era ... ferrador de cavalos.13 13 Caso citado por M. Milheiros na Nota Introdutória à edição em fac-símile de Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola (ver IICA, 1967).

A criação da "Aula de Medicina" foi uma tentativa da Coroa portuguesa de formar, em Luanda, técnicos de saúde pública que melhorassem as más condições de vida prevalecentes em Angola. Ilídio Rocha dá, em traços breves, um panorama deprimente de tais condições em Luanda, no final do século XVIII, e refere uma carta de 1791 do governador de Angola, M. Vasconcelos, dirigida a Lisboa, onde se mencionam as causas de tais condições: "A experiência tem sempre feito com justiça reputar mal este clima, porém as suas enfermidades morais e políticas, ainda a meu ver, excedem todas as que influem no Corpo Físico" (Rocha, 1994, p. 27). E ao governador seguinte, M. Mello, foi dirigida uma carta pelo governo de Lisboa onde era reconhecida a grande falta de médicos em Angola.14 14 Carta de 21.10.1798 de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para Miguel Antonio de Mello, reproduzida em Walter, 1953.

Assim, a "Escolla" – que foi considerada a primeira escola de medicina organizada em regiões tropicais africanas (Cambournac, 1982); cujo papel seria semelhante ao que, na época, era desempenhado no reino por alguns hospitais militares (Pina, 1958); que foi qualificada de rudimentar (GEPB, s.d.); e que só teve repercussão local, não tendo resolvido a questão da falta de médicos na colónia, nem contribuído para a melhoria do ensino (Santos Filho, 1991) – foi uma instituição que não atingiu os objectivos que haviam sido declarados nos documentos da sua criação. Teve uma existência efémera e não teve continuidade. Foi certamente por todas essas razões que passou despercebida durante muitos anos, tal como o papel de Azeredo como seu fundador e docente. Só a partir de 1930, por virtude dos trabalhos do padre Ruela Pombo (Pombo, 1931, 1932, 1947), a atenção dos historiadores da medicina portuguesa foi despertada para ambos.

Se a "Escolla" não vingou, ao menos a actividade profissional de Azeredo em Angola deu-lhe oportunidade de preparar Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola, obra publicada em 1799, quando já ele estava em Lisboa, onde menciona algumas doenças semelhantes às que observara no Brasil. E isso constituiu um facto maior, digno de registo. Também não deve ser esquecida a produção dos manuscritos que, tal como aquela obra, necessitam análise do ponto de vista da história da medicina.

Ao seu trabalho no hospital refere-se Azeredo nos seguintes termos, no prefácio daquele livro:

Mas o conceito que os Angolistas fazião dos medicos, que existião há anos no paiz, a fé em que elles estavam sobre a necessidade das sangrias nos ataques febris, os fazia obstinados, e de algum modo embaraçava as minhas tentativas: e pouca utilidade teria eu feito ao Público, senão tivesse o emprego de Fysico mór daquelle Reino, o que me dava toda a jurisdicção sobre os enfermos do Hospital. Aos poucos se foi o povo persuadindo, de que o methodo que eu seguia, era preferivel... (Azeredo, 1799, p. viii)

Foi certamente sob a orientação de Azeredo que o hospital da Misericórdia de Luanda começou a elaborar listas actualizadas de medicamentos que anualmente eram necessários para prover a botica. Há um exemplo desse tipo de lista num anexo a uma carta, datada de Janeiro de 1799 e dirigida ao Conselho Ultramarino, em Lisboa, na qual é mencionada uma troca de correspondência sobre esse assunto havida em Junho de 1797 e Agosto de 1798 (d'Ésaguy, 1951b). O nome de Azeredo não é mencionado nesta correspondência, o que, de alguma maneira, leva a pensar que ele não estava em Luanda em Junho de 1797. Porém, é evidente a utilidade das listas de medicamentos como aquela, em termos da história da farmácia e da medicina nas colónias portuguesas.

Outra vez Lisboa

Além dos apontados, os seguintes factos indiciam que a estadia de Azeredo na colónia decorreu sensivelmente de Outubro de 1790 a Junho de 1797:

a) num requerimento, sem data, dirigido à rainha, em que Azeredo, depois de referir que "havia servido em Angola por sete anos como físico-mor, aí tendo organizado o hospital, tratado dos doentes, ensinado medicina prática e especulativa e que havia também dado ao prelo escritos interessantes à saúde", pede que seja feito Primeiro Médico do Hospital Militar de Xabregas, onde servia há meses, desde o início do estabelecimento do mesmo;15 15 Processo individual de J. P. Azeredo no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa.

b) Jaime Walter, certamente baseado na biografia de José Maria Bontempo, afirma que o regresso a Lisboa de Azeredo se fez em 1797, tendo Bontempo sido o seu sucessor como físico-mor de Angola (Walter, 1962);

c) o nome de Azeredo foi mandado retirar da lista de correspondentes do número da Academia das Ciências de Lisboa em Maio de 1798,16 16 Processo individual de J. P. Azeredo na Academia das Ciências de Lisboa. sem que se saiba a razão, não tendo o seu nome constado mais como sócio da mesma.17 17 Almanaques da Academia das Ciências de Lisboa para os anos de 1798, 1799, 1800, 1802, 1803, 1805 e 1807. Os dos anos 1801, 1804, 1806 e 1808 a 1810 não foram publicados.

Tudo aponta, assim, para que a estadia de Azeredo em Angola tivesse acompanhado o mandato do governador Manoel de Vasconcellos, de 1790 a 1797.

Em Janeiro de 1802 o Hospital Real Militar de Lisboa, o mais importante hospital não civil da cidade, também conhecido por Hospital da Corte, foi transferido para novas instalações em Xabregas (um dos bairros orientais), passando a ser conhecido como Hospital Militar de Xabregas (Dicionário da História de Lisboa, 1994).

O referido requerimento de Azeredo é de 1802, pois nele informa que servia naquele estabelecimento havia alguns meses, após aquela transferência. Tendo deixado Angola em 1797, há, portanto, um período de cerca de cinco anos em que as suas actividades são mal conhecidas. Seguramente ele utilizou a parte inicial desse período para preparar a publicação, em 1799, de Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola. Possivelmente foi depois disso que retocou o manuscrito 1126, a fim de o oferecer, como Tractado Anatómico, ao visconde de Balsemão. Porém, no Jornal de Coimbra, de 1812, há uma referência ao "Dr. José Pinto de Azeredo, hoje defuncto, e que 'exerceu a sua Profissão medica em Lisboa' com muita inteligencia, e igual honra" (Anónimo, 1812, grifo nosso). Nesse mesmo jornal são mencionados dois casos clínicos, um de 1809 e outro anterior, em que Azeredo havia utilizado fósforo como medicamento. No Almanaque da Academia das Ciências de Lisboa para os anos de 1798 a 1802 o nome de Azeredo não consta da lista de médicos em Lisboa, nem consta como médico do Hospital de Xabregas no volume para 1802 que foi provavelmente preparado no ano anterior ou no início de 1802. No volume para 1803 o seu nome aparece como médico desse hospital e no volume para 1805 consta como médico particular, residindo à Mouraria, e também como médico em Xabregas. Já no volume para 1807 surge como médico da família real portuguesa, pelo que essa mercê lhe deve ter sido concedida em 1806.18 18 Ver nota 17. Azeredo teria, portanto, trabalhado no período em causa, como médico particular em Lisboa, após o que, a partir de 1802, passou a ser médico do Hospital Militar de Xabregas, mas aparentemente sem deixar a actividade privada.

O requerimento de 1802 de Azeredo, em que pedia para ser nomeado Primeiro Medico e em que refere ter sido preterido nessa categoria por um outro clínico, foi muito mal recebido pelos administradores do hospital que o indeferiram com os fundamentos de que o outro médico era mais antigo no serviço médico-militar e tinha mais serviços, possuía merecimento muito superior e tinha melhor e mais regular conduta do que Azeredo. Isto deve ter constituído um rude golpe na auto-estima de Azeredo que, com inteira justeza, tinha requerido a nomeação com base num currículo meritório. De resto, tendo-se visto envolvido em 1803 e 1804 num caso controverso, em que teve de dar uma informação sobre a introdução no hospital, por desconhecidos, de alimentos prejudiciais à saúde dos doentes, parece que os primeiros anos de Azeredo no Hospital de Xabregas não foram muito pacíficos!19 19 Arquivo Histórico Militar, Lisboa: 3ª Divisão, 16ª Secção, n. 21, Caixa 13; 3ª Divisão, 16ª Secção, n. 25, Caixa 14.

Só em 1799 é que Azeredo retoma a publicação de trabalhos, com a sua principal obra, Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola, escrita a partir de sua experiência como médico ali e no Brasil. O livro, que é o resultado mais consistente da sua estadia naquela colónia, está comentado do ponto de vista médico por vários autores (Maia, 1840; Sigaud, 1844; Carvalho, 1937; Mira, 1947; Lemos, 1991). Maximino Correia chamava-lhe, em 1951, "preciosidade bibliográfica pela raridade" (Correia, 1951, p. 1), sendo por isso de louvar a publicação, em 1967, de uma edição do volume em fac-símile (IICA, 1967). Tem três partes, a primeira das quais é sobre as febres intermitentes de Angola (as outras duas são sobre a disenteria e o tétano).

Em Portugal Azeredo elaborou ainda dois manuscritos: Isagoge Pathologica do Corpo humano dedicada A Sua Alteza Real O Principe Regente Nosso Senhor, de 1802, (nº 8482, Biblioteca Nacional de Lisboa), e outro, (nº 8483 da mesma Biblioteca), que é uma Collecção de observações clínicas de medicina militar, sem data, mas onde é feita referência a um caso de um soldado que entrara no hospital de Xabregas em Outubro de 1803 e cuja convalescença se iniciara em 4 de Novembro desse ano, o que permite, em parte, situar o documento no tempo. Ambos os manuscritos estão bem estruturados, em especial a Isagoge, e parecem estar prontos para publicação, possuindo os dois dedicatórias ao príncipe regente. A Isagoge tem quarenta e dois capítulos e a Collecção, que faz referência aos Ensaios, tem quatro capítulos sobre febres, ocupando-se em especial do tifo. Ambos os manuscritos, que resultam de uma experiência vasta em medicina hospitalar, requerem análise também do ponto de vista da história da medicina.

Silva Maia (que indica 1792 como ano de chegada a Portugal de Azeredo) afirma que as maneiras afáveis e amenas deste lhe permitiram fazer rapidamente amizade com pessoas influentes, em Lisboa (Maia, 1840). Assim parece ter sido, pois um dos casos clínicos referidos no Jornal de Coimbra foi o de uma senhora fidalga, de muita idade, que ele acompanhou durante vários anos. Recorde-se também, a este respeito, a oferta do Tractado Anatomico ao visconde de Balsemão, as dedicatórias ao príncipe regente que estão nos manuscritos 8482 e 8483, a sua qualidade de cavaleiro da Ordem de Cristo (1799) e a sua nomeação como médico da corte (cerca de 1806), tudo a comprovar que, no período em que viveu em Lisboa, Azeredo se moveu num círculo social elevado.

Em suma: em Portugal, entre 1797 e 1810 (ano do seu falecimento), Azeredo publica os Ensaios, em 1799, prepara a Isagoge, a que se atribui a data de 1802, e elabora a Collecção de observações clínicas, que é posterior a Novembro de 1803.

Levanta-se aqui uma questão interessante: Sacramento Blake, na sua lista de obras de autoria de Azeredo, cita um Ensaio sobre as Febres de Angola, em 8º, publicado em Lisboa em 1802, mencionando também Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola (Blake, 1899). Ora, por um lado seria estranho que Azeredo publicasse um tal trabalho três anos após a saída deste último livro, onde o tema das febres de Angola tinha sido tratado exaustivamente; por outro, S. Blake é o único a citá-lo; e, finalmente, pesquisas aturadas em numerosas bibliotecas nunca permitiram encontrar essa publicação. Também não parece possível identificar aquele trabalho com a Collecção aqui referida (nº 8485), que é um texto que resulta de experiência médica diferente; de resto, nenhum dos manuscritos que se encontram em Portugal são mencionados por Blake. Assim, Ensaios sobre as Febres de Angola não terá existido.

De data indeterminada, mas sendo posterior a 1800 e provavelmente do início dessa década, é o manuscrito Curtas reflexões sobre algumas enfermidades endémicas do Rio de Janeiro no fim do século passado, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Escrito em Portugal, foi oferecido ao Instituto em Abril de 1853 por Silva Maia e foi considerado, nesse mesmo mês, desprovido de qualquer merecimento e apodado de inútil, pelo que o Instituto se desfez dele, não constando hoje dos seus arquivos.20 20 Actas das sessões de 8.04.1853 e 22.04.1853 do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), publicadas no tomo XVII, v. 17, 1854 da Revista do Instituto.

Um outro manuscrito, Lexicon Nosologicum Morburum Definitiones Contiens, ad Medicinae Tyrones Accommodatum, foi também oferecido ao IHGB por aquele médico, na mesma ocasião, constando na acta da sessão em que foi feita a oferta que o manuscrito seria de 1802 ou 1804.21 21 Ver nota 20. Inteiramente escrito em latim, com um total de 96 páginas, incluindo a de rosto, é, como o título indica, um léxico de nomes de doenças ordenados alfabeticamente, de Abortio (definida como Sanguinis ex utero gravido fluxus, cum foetu, sive placenta susequente. Lassitudo; anorexia; frigus; mammarum flacciditas; lumbago) a Zoster (definida como Erysipelas cum eminentibus ardentibus pustulis in abdominus cute).22 22 O manuscrito, em oitavo, encontra-se no Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro. Tendo em atenção que: a) esse é o único manuscrito em latim da autoria de Azeredo que se conhece; b) a partir de 1790, todos os seus escritos são em português; c) nos seus tempos em Edimburgo, após os seus estudos no Rio de Janeiro com Alvarenga, o latim era língua que dominava, sendo a língua em que está escrita a sua tese de formatura e sendo nesta língua muitos dos livros por onde estudava (diversos dos quais ele adquiriu para a sua biblioteca particular, como se vê pela relação de bens que consta do seu testamento),23 23 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa: Registo Geral de Testamentos, Livro 362, Caixa 78. por todas estas razões parece mais razoável admitir que o manuscrito tenha sido elaborado por Azeredo nos seus tempos de estudante na Escócia, possivelmente em jeito de notas de estudo.

Foi Banha de Andrade que, na nota biográfica que preparou para a Enciclopédia Verbo corrigiu a informação, dada por Silva Maia no seu Elogio Histórico do Dr. Pinto de Azeredo (Maia, 1840) e depois repetida por vários autores, de que o médico havia falecido pouco tempo após ter sofrido um ataque apopléctico, em 1807, quando estava já nomeado para seguir com a família real portuguesa para o Brasil, dada a ameaça da invasão francesa. A morte deu-se, na verdade, em 1810, em Maio (EV, 1965). De resto, já o Jornal de Coimbra de 1812, como se viu, revelara que em 1809 Azeredo continuava activo.

À data do seu falecimento Azeredo teria então à volta de 45 anos, dos quais durante cerca de dois fora estudante de medicina na Escócia, uns oito anos e meio haviam sido dedicados à prática da medicina no Brasil e em Angola, e uns doze anos à prática em Lisboa, sendo de uns vinte anos a sua experiência como médico hospitalar, em Luanda e em Lisboa.

O seu testamento, que é de Abril de 1805, com codicilos de Abril de 1810 e que foi aberto em Maio seguinte, revela que esteve gravemente doente em 1805. Nele, Azeredo torna o irmão Francisco Joaquim, residente no Rio de Janeiro, seu universal herdeiro e deixa-lhe a sua biblioteca composta por cerca de 365 títulos e mais de 600 volumes, que foi avaliada em 1742:440 reais por um livreiro especializado. Os livros de medicina, em latim, inglês, francês, italiano, castelhano e português (uma boa dúzia destes) são claramente predominantes, e abarcam as mais diversas especialidades médicas. A biblioteca comportava ainda numerosos livros de farmácia e química, alguns de biologia, de física, de mineralogia, de metalurgia, de geometria e matemática e de geografia, e ainda alguns outros de filosofia, teologia e história, a que se juntavam várias obras clássicas (Ovídio, Virgílio) e biografias.24 24 Ver nota 23.

Os livros deixados em testamento a seu irmão devem ter ido para o Rio de Janeiro. Os dois manuscritos doados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, possivelmente acompanharam esses livros. Curiosamente, os restantes manuscritos de Azeredo ficaram em Portugal.

Associativismo científico / Mercês

Além de garantidamente ter sido membro da Royal Medical Society of Edinburgh e de ter pertencido a outras sociedades que não foi possível identificar (a Phys. Amer. Edin. Soc. e a Med. Londin. Soc.), no manuscrito 8485, de 1791, Azeredo escreve que é membro da "Real Academia das Ciências de Londres, de Endimburgo (sic), de Lisboa, etc.", e no manuscrito 8482 que é sócio de várias academias da Europa, sem especificar quais. Ele foi efectivamente sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, provavelmente a partir de 1790, (ou seja, depois da sua estadia no Rio de Janeiro e antes de ir para Angola), tendo sido mandado tirar da lista respectiva em sessão de 9 de Maio de 1798, como se disse. Não se confirma que Azeredo tenha sido membro de qualquer outra academia das ciências, não havendo, de resto, notícia da existência no Reino Unido das academias de Londres e de Edimburgo.

Terá sido sócio da Sociedade Literária do Rio de Janeiro? É pouco provável porque, quando esteve no Rio de Janeiro, em 1789-1790, era um recém-formado e, já estando decidida a sua ida para Angola, a sua estadia no Brasil era passageira.

Azeredo foi feito cavaleiro da Ordem de Cristo em 1799.25 25 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelarias, Livro 30.

Em reconhecimento dos serviços prestados em Angola e da sua cultura médica, foi nomeado médico da Real Câmara26 26 Ver nota 17. (Maia, 1840), pelo que o seu nome deve ter sido indicado em 1807 para acompanhar a família real portuguesa na sua ida para o Brasil. Certamente que a sua saúde periclitante o impediu de ali voltar.

Os escritos de Azeredo

Na lista seguinte os trabalhos escritos por J. P. Azeredo são tentativamente apresentados por ordem cronológica da sua elaboração ou publicação: (1) An experimental enquiry concerning the chemical and medical properties of those substances called Lithontriptics, and particularly their effects on the human calculus (manuscrito de 1787); (2) Resumo de (1) (publicado em 1788); (3) Experiências de Aere (artigo apresentado em 1788); (4) Dissertatio Medica Inauguralis de Podagra (publicada em 1788); (5) Lexicon Nosologicum, Morburum definitiones Contiens, ad Medicinae Tirones Accommodatum (manuscrito de 1787/1788?); (6) Exame quimico da atmosphera do Rio de Janeiro (artigo publicado em 1790); (7) Oração de Sapiencia (proferida publicamente em 1791; está no manuscrito 8486); (8) Matérias variadas de anatomia (está no manuscrito 8486, de 1791); (9) Colecção de peças incompletas (no manuscrito 8485, de 1791); (10) Tratado Anatomico Dos Ossos, Vasos Lymphaticos, e Glandulas (no manuscrito 1126, de 1791 ou 1792); (11) Estudos diversos (no manuscrito 8484, de 1791); (12) Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola (livro publicado em 1799); (13) Isagoge Pathologica do Corpo humano (manuscrito 8482, de 1802); (14) Curtas Reflexões sobre Algumas Enfermidades Endémicas do Rio de Janeiro no Fim do Século Passado (manuscrito posterior a 1800); (15) Colecção de observações clínicas (no manuscrito 8483, posterior a 1803); (16) 1802: Ensaio sobre as Febres de Angola (manuscrito de 1802, segundo Sacramento Blake, único a referir a sua existência).

Análise do artigo

O artigo sobre o ar do Rio de Janeiro tem uma parte introdutória onde são expostos o seu objectivo e o seu enquadramento científico e histórico, bem como as razões que levaram Azeredo a escrevê-lo. Segue-se uma secção sobre o "ar puro" onde se descrevem nove experiências. Vem depois uma outra secção sobre o "ar fixo", com a descrição também de nove experiências. A parte final é dedicada ao "ar mofete", onde não são descritas quaisquer experiências. Em cada uma dessas secções são referidas várias propriedades (físicas, químicas e biológicas) do "ar" a que ela diz respeito, colhidas por Azeredo da literatura científica e médica, além de serem tiradas conclusões das experiências.

O Jornal Encyclopedico, onde o artigo foi publicado, apareceu em 1779, sendo dedicado à rainha D. Maria I. Foi um periódico de característica enciclopedista, habitual no século XVIII, cujo objectivo principal era a disseminação do conhecimento em geral e das principais aquisições científicas, em particular. A finalidade era "instruir o ignorante e exercitar a mente da pessoa instruída", conforme vem indicado no seu primeiro número. Este foi editado por Felix António Castrioto e os subsequentes por várias pessoas, entre as quais ressaltam o médico Manuel Joaquim Henriques de Paiva e Francisco Luís Leal. A sua publicação não foi contínua, sendo o seu período de existência de Julho de 1779 a Maio de 1793. Parece ter tido grande aceitação junto do público português da época.

Curiosamente, o sobrenome de Azeredo está mal grafado no artigo, onde aparece como "Azevedo".

A parte introdutória

O objectivo do trabalho está bem expresso nas seguintes frases:

Estes Filosofos [Black, Priestley etc.] entraram a examinar mais profundamente a nossa atmosfera; acharam que além dos vapores, e particulas heterogeneas contem hum fluido elastico, que em todos os tempos, e em todos os lugares he composto de tres substancias mui differentes entre si. Estas substancias separadas produzem diversos effeitos sobre os corpos organizados. (Azeredo, 1799, p. 264)

E mais adiante:

He certo que da maior, ou menor porção deste ar [ar puro] depende muito a saude dos Povos. E como hum exame deste era necessario nesta cidade, [Rio de Janeiro] onde grassam enfermidades consideraveis, o amor da Patria me conduzio a fazer algumas experiencias da nossa atmosfera. O resultado dellas exporei brevemente. (Azeredo, 1799, p. 266)

Ou seja: partindo da constatação científica, colhida em vários autores, de que os constituintes do ar tinham, individualmente, efeitos sobre os seres vivos, Azeredo propõe-se, por razões médicas e razões pessoais, analisar o ar do Rio e especular sobre a possibilidade de a composição da atmosfera ser aí responsabilizada por várias enfermidades.

Quanto às razões médicas, ou, melhor dizendo, científicas e médicas, como Azeredo era declaradamente um defensor da experiência e da observação na medicina, ele aproveita a introdução para fazer uma história breve da medicina europeia até aos finais do século XVIII, centrando-se, até certo ponto, na questão da salubridade do ar, mas dando grande enfoque à importância do conhecimento científico para o progresso médico.

A abrir o artigo, Azeredo escreve:

Desde o principio da idade dogmatica até o seculo 16 em que Paracelso formou a idade quimica estavam as sciencias envolvidas em superstições, magicas, astrologia, e ignorancia. Depois deste tempo algum conhecimento se comunicou pelos Arabes. A empreza de Constantinopla, a invenção de imprimir, o estabelecimento da paz na Europa; a descoberta das Americas, e cabo da Boa Esperança, foram circunstancias, que muito concorreram para o seu augmento. (Azeredo, 1790, p. 259-60)

Ora, Azevedo coloca o leitor perante alguns dos problemas da medicina europeia: desde logo, a inovação conseguida por Paracelso ao introduzir na medicina e na farmácia uma concepção química de doença e consequentemente da sua terapêutica; depois, a tradição mágico-religiosa e a especulação que caracterizaram a medicina medieval; posteriormente, a importância da imprensa para a divulgação do saber médico; finalmente, o significado das descobertas marítimas para o avanço das ciências da saúde, nomeadamente através da chegada à Europa de novas drogas que se vieram a revelar em curto espaço de tempo do maior interesse para a terapêutica ocidental (Pita, 1998). Depois, se, por um lado, Azeredo reconhece o valor da medicina hipocrática e galénica, por outro lado declara que essa tradição estava efectivamente ultrapassada nos finais do século XVIII, salientando a influência decisiva de Galileu e de Bacon no pensamento ocidental, com consequências decisivas no campo da medicina, adiantando, também, a relevância dos trabalhos de Thomas Sydenham para o desenvolvimento da medicina europeia:

Galileo se oppoz a Aristoteles, e introduzio o raciocinio Mathematico. Mas ainda neste tempo a pratica da Medicina era timida, e fraca. Num novo plano que fez grande revolução foi proposto por Bacon: o seu methodo de inducção, e collecção de factos deu novas forças ao Filosofo, e ao Medico. Sydenhão foi o primeiro que o poz em execução: Elle vio a necessidade de se fazerem observações, desprezou as frivolas theorias... (Azeredo, 1790, p. 260-1)

Azeredo dá assim ênfase à valorização atribuída por Sydenham à observação clínica, bem na linha da escola de Leiden, e faz uma alusão directa à medicina filosófica e demasiado teórica que marcou a medicina europeia até ao século XVIII. Ele foi um grande defensor da importância da experiência e da observação na medicina, como já realçamos.

José Pinto de Azeredo orienta depois o seu artigo para o problema das doenças contagiosas, bem como para a questão das epidemias. Para ele o avanço da medicina havia permitido conhecer melhor muitas doenças epidémicas e endémicas que atacavam "todo o genero de pessoas" (Azeredo, 1790, p. 262). Nesta medida, não era possível estabelecer uma relação directa entre muitas dessas enfermidades e o tipo de vida das pessoas ou outras causas de natureza particular. Para o autor, o ar atmosférico podia ter uma função significativa no desenvolvimento de muitas doenças, retomando um pouco as preocupações de Hipócrates sobre este assunto. Por isso escreve que: "os conselhos de Hyppocrates sobre a atmosfera principiaram a fazer maior impressão no sentimento dos Medicos" (Azeredo, 1790, p. 262) e, na esteira da efervescência sobre o estudo dos gases operado nos finais do século XVIII (Bensaude-Vincent & Stengers, 1993), refere os avanços realizados neste domínio que podiam ter interesse sanitário, tudo isto integrado no contexto mais vasto de inovações científicas sentidas no campo da física, da química e da história natural, referindo, entre outros, os nomes de Newton, Lineu, Black, Scheele, Priestley, Cullen, Cavendish, Boyle etc.

Se, na primeira metade do século, era comum aceitar-se que o ar da atmosfera constituía um dos quatro elementos da Natureza, sendo assim considerado uma substância elementar, as experiências de Stephen Hales, van Helmont, Robert Boyle e posteriormente, e com mais significado físico-químico, de Joseph Black, Joseph Priestley, Henry Cavendish e A. L. Lavoisier, estes citados por Azeredo,27 27 A obra de J. Priestley é muito citada por Azeredo e deve ter fornecido a base química do seu artigo. Priestley, que é o único cientista que ele qualifica de "Dr." no artigo, reuniu em seis volumes as Experiments and Observations on Air, including Remarks on other branches of Natural Philosophy, publicado em Londres em 1774, mas com várias edições posteriores, muito do conhecimento da época sobre os gases. A edição de 1776 esteve garantidamente à disposição de Azeredo, pois encontrava-se na biblioteca da Royal Medical Society de Edimburgo na altura em que ele estudava na Escócia (1786-1788), conforme uma List of Members, Laws and Library Catalogue of the Medical Society of Edinburgh (Anónimo, 1820). conduziram à descoberta e à caracterização de vários "ares". A química, à época da publicação do artigo e segundo o autor, conhecia os seguintes: o "ar puro" (oxigénio), descoberto por Carl Wilhem Scheele em 1772 e independentemente por Joseph Priestley em 1774; o "ar fixo" (dióxido de carbono) descoberto por Joseph Black em 1756, e o "ar mophete", em cuja composição entrava o azoto (ou azote)28 28 Embora Azeredo não tenha usado o termo azoto, ou azote, à época ele já era conhecido em Portugal; Vicente Coelho Seabra, por exemplo, escreve que "a mopheta he composta de calor, e huma base fundida por elle, ainda desconhecida, que alguns Chimicos modernos chamaõ azote por ser nociva aos animais" (Seabra, 1788, p. 200). Em Portugal e noutros países o termo azoto, ou azote, é vulgarmente tomado no sentido de nitrogénio e considerado o nome antigo deste elemento ( e.g. Novo Diccionário da Língua Portuguesa, v. I, Candido de Figueiredo, 4. ed., Lisboa. 1925; Standard Dictionary of the English Language, International Edition, v. 1, Funk & Wagnalls, New York, 1970). de Antoine Laurent Lavoisier, em cuja descoberta participaram Scheele, Priestley e Daniel Rutherford. Certas propriedades químicas, físicas e biológicas também são mencionadas por Azeredo na introdução.

A questão de conhecer a proporção relativa daqueles "ares" na atmosfera colocou-se naturalmente após as respectivas descobertas, acreditando muitos químicos setecentistas que ela variava no espaço e no tempo e dependia das condições meteorológicas29 29 Não deixa de ser interessante referir que as preocupações médicas na época eram grandes, relativamente à composição do ar atmosférico e sua relação com a propagação de algumas doenças. Esse empenho no conhecimento de padrões de variáveis meteorológicas era internacional e teve também reflexos em Portugal. Na verdade, os estudantes de medicina da Universidade de Coimbra freqüentavam, no primeiro ano, a Faculdade de Filosofia e a disciplina de Física experimental. Muitas vezes estes alunos iam propositadamente ao Gabinete de Física fazer medições de temperatura, pressão etc. (Mellor, 1923, 1928). Considerava-se que esses três "ares" participavam da composição da atmosfera, não como elementos químicos misturados, mas formando um composto, à moda da alquimia (os metais, por exemplo, eram compostos de enxofre, mercúrio e sal).

Há assim uma mudança de paradigma da primeira para a segunda metade do século XVIII (surgimento da química de Lavoisier, fim da "química alquímica" etc.) e também é neste contexto que surge a questão da composição do ar relacionada com a sua salubridade e a dos efeitos nos seres vivos dos seus constituintes, ambas de interesse para Azeredo.

As designações usadas para identificação dos diferentes ares eram distintas das que, a partir de 1787, Lavoisier, Berthollet, Guyton de Morveau e Fourcroy propõem na sua Nova Nomenclatura Química, a qual marca, para alguns historiadores, o início da revolução química. Às três substâncias a que Azeredo se refere como constituintes do ar ("ar puro", "ar fixo" e "ar mophete"), dá ele, no artigo, as diversas designações antigas atribuídas por diversos autores: "ar deflogistico de Priestley, ar empyral de Scheele, ar vital de Bergman", correspondentes ao primeiro; "gaz sylvestre de Helmont, gaz calcareo, gaz mefitico, acido aereo, acido mefytico de outros modernos Quimicos", correspondentes ao segundo; e "o flogistico de Priestley, o ar foul de Scheele e o ar corrupto de Mr. Lavoisier", correspondentes ao terceiro (Azeredo, 1790, p. 264-5), parecendo então que Azeredo foi dos primeiros a usar a designação de "ar mophete" em português. Ele estava então bem a par do progresso do conhecimento sobre a composição do ar atmosférico por razões químicas e não exclusivamente por razões médicas.

Quanto a razões pessoais, Azeredo refere-se ao amor à Pátria como tendo determinado também a realização do seu trabalho. É curioso notar que este tipo de preocupação se encontra noutros cientistas brasileiros da época, como é o caso de Manoel Ferreira da Camara que, com a intenção declarada de instruir os seus concidadãos e pensando no benefício material do seu país, publica, em 1795, em Viena (Áustria), um livro sobre a metalurgia do chumbo (Camara, 1795). Recorde-se também que foi certamente tendo em vista instruir os seus concidadãos e fazer-lhes ver a utilidade prática do conhecimento científico da composição química do ar, que Azeredo fez as demonstrações na Sociedade Literária do Rio de Janeiro mencionadas por João Manso Pereira.

Quanto a razões simultaneamente médicas e pessoais, deve recordar-se que o tema era de interesse para Azeredo desde o seus tempos de estudante de medicina em Edimburgo, onde havia feito experiências pertinentes acerca dos efeitos do "ar fixo" sobre o sistema nervoso, como se disse.

A parte experimental

A história da química mostra que, dos métodos utilizados inicialmente na análise do ar atmosférico, surgiu, primeiro, o método volumétrico, que foi utilizado por Azeredo, e, depois, o método gravimétrico que se revelou mais rigoroso, mas também mais demorado e exigindo aparelhagem especial.

Para a análise do "ar puro", Azeredo utilizou um procedimento volumétrico, concebido por Priestley, que foi bastante seguido até ao principio do século XIX: adicionava-se gradualmente monóxido de nitrogénio (o "ar nitrozo") a um volume conhecido de ar, o que dava origem, por reacção daquele com o oxigénio ("ar puro") deste, ao dióxido de nitrogénio, que é um gás castanho. A experiência era conduzida em geral num tubo de vidro graduado que se manuseava numa tina com água. Sendo o dióxido de nitrogénio solúvel em água, formava-se "acido nitrozo" (ácido nítrico), havendo assim no tubo uma redução do volume gasoso inicial, por o oxigénio ter sido retirado ao ar, redução essa que era possível medir por leitura na graduação do tubo. Este método foi usado por vários químicos, entre os quais o abade Felice Fontana, Marsilio Landriani, J. J. de Magalhães, John Dalton, A. L. Lavoisier, H. B. de Saussure, von Humboldt e H. Cavendish que fez cerca de 500 análises por este método antes de 1790 (Mellor, 1923, 1928). Ao escrever sobre o assunto no Journal de Physique de 1777, João Jacinto de Magalhães refere que havia sido a "feliz descoberta" de que o "ar nitroso é um verdadeiro teste da pureza do ar respirável", anunciada por Priestley, em 1772, nas Philosophical Transactions of the Royal Society of London, que tinha estado na origem do interesse pela questão da salubridade do ar. Priestley propusera-se medir a "diferente disposição dos ares para respiração" pelo método aqui indicado, tendo concluído que quanto mais rico o ar era em "ar deflogisticado" mais saudável ele era. Magalhães noticiara também estas novas experiências de Priestley, tendo um extracto da sua carta sido publicado no Journal de Physique de Rozier (Malaquias, 1994).

O abade Felice Fontana, em 1774, e Marsilio Landriani, em 1775, conceberam, pela primeira vez, um dispositivo destinado a apreciar o grau de salubridade do ar, ou seja, a quantidade de "ar puro" nele contida: o eudiómetro. De acordo com uma definição do instrumento surgida num artigo intitulado Sobre os instrumentos terminados em metre... do Jornal Encyclopedico de Agosto de 1788, que certamente Azeredo conhecia, ele servia para "conhecer a bondade do ar, mediante o nitrozo que se mistura com o que se pretende examinar". O eudiómetro original consistia, basicamente, num tubo de vidro graduado, sendo o seu manuseio feito numa tina de água.30 30 O eudiómetro original foi sofrendo melhorias, como no caso do de J. J. Magalhães, consistindo este também num tubo de vidro graduado com uma base que permitia a adaptação de dois pequenos frascos de volume conhecido, onde se colocava, num deles, o ar nitroso, e no outro a amostra de ar em análise. Volta adaptou-lhe um gancho interno metálico, mediante o qual podia fazer passar uma descarga eléctrica para o interior do tubo.

Azeredo, que não dá grandes pormenores sobre a aparelhagem que usou nas suas análises do ar do Rio, terá empregado o que poderíamos chamar de um eudiómetro simples: um tubo de vidro, dividido em 16 partes iguais, provido, possivelmente, de torneira na extremidade superior por onde o "ar nitrozo" era admitido, no caso da análise do ar puro. A extremidade inferior do tubo estava mergulhada em água, provavelmente numa tina. Introduzia ar no tubo e ao volume medido ele misturava, aos poucos, "ar nitrozo", até não ser mais observada coloração "vermelha" – na verdade castanha – do dióxido de nitrogénio. A redução do volume gasoso era estimada, por leitura na graduação do tubo, da mudança do nível da água.

Para a análise do "ar fixo" Azeredo recorreu a procedimento baseado em trabalhos do sueco T. O. Bergman que "examinou as suas attracções e mostrou que os causticos tem preferencia aos mais corpos. Agua de cal fazendo-se contacto com o ar fixo fica turva, e precipita a terra calcarea que nella existia occultamente suspensa" (Azeredo, 1790, p. 277). Ele enchia um tubo de vidro graduado com "água de cal" (dispersão aquosa de hidróxido de cálcio), introduzia nele um volume determinado de ar, aguardava que houvesse precipitação de "cal", ou "terra calcarea" (carbonato de cálcio), e lia na graduação do tubo o nível a que a água subia por virtude de ao ar atmosférico ter sido retirado o "ar fixo", por precipitação.

Quanto ao "ar mophete", a respectiva proporção era obtida por diferença entre o volume de ar atmosférico e a soma dos volumes de "ar puro" e "ar fixo", tudo expresso em partes inteiras ou fracções.

Os resultados

Azeredo analisou a composição química do ar do Rio de Janeiro, em "ar puro", "ar fixo" e "ar mophete" fazendo nove experiências com o das seguintes zonas: Prainha, São Francisco de Paula, Misericórdia, Passeio Público até Nossa Senhora da Glória, na região central, e Colégio, São Bento, Conceição e Santo António, nos morros. Os resultados foram expressos pelo autor quer qualitativamente, por comparação mútua, quer quantitativamente. Como exemplos dos primeiros temos, a respeito do "ar puro": o ar de São Francisco de Paula era menos puro que o da Prainha; o ar da Misericórdia não era tão puro como os anteriores; o ar do centro da cidade era "melhor" do que o de São Francisco de Paula, da Misericórdia e o da parte inferior da Prainha; a maior porção de ar puro na parte baixa da cidade achava-se no Passeio, até Nossa Senhora da Gloria. Já em relação ao "ar fixo" só apresenta resultados quantitativos. Em relação ao "ar mophete" nem uns, nem outros. Os resultados quantitativos são difíceis de interpretar, não mostrando o artigo, por razões desconhecidas, uma "taboa" com as "quantidades justas" dos diversos "ares" que Azeredo diz estar inserida no texto. De resto, há, por vezes, discrepância entre a informação qualitativa e a quantitativa, como sucede no caso da Misericórdia, e não há também resultados analíticos para certos casos, como sucede com o do "ar fixo" do Passeio Público.

Nota-se uma louvável preocupação de Azeredo em fazer as medições em locais do Rio com características diferenciadas, sendo evidente a perspicácia da selecção dos pontos de amostragem: ele escolheu o centro da cidade e os seus limites da época, bem como zonas baixas e altas, optando assim por locais densamente povoados e onde as actividades humanas poderiam provocar maior impacto, contrastando com pontos onde esses mesmos factores eram menos actuantes. O Passeio Público, por exemplo, era uma zona de mangue que acabava de ser aterrada por ordem do Vice-Rei D. Luís de Vasconcelos (Costa Pinto, comunicação pessoal, 1998). A cidade, aliás, era uma alternância de manguezais, hoje aterrados na sua quase totalidade, e de morros, vários dos quais já foram destruídos.

Ao tempo, já eram conhecidas algumas críticas ao método de Priestley, e as experiências com o eudiómetro de óxido nítrico deram resultados muito imprecisos até às cuidadosas e numerosas experiências de Cavendish. Não havia, como, de facto, não poderia ter havido na época, controle de temperatura dos gases (a reacção do monóxido de nitrogénio com o oxigénio é exotérmica). Por outro lado, uma vez que Azeredo devia operar em condições pouco favoráveis (não faz menção a quaisquer cuidados especiais tomados para corrigir eventual excesso do gás reagente; avalia visualmente, pela mudança de cor do gás produzido, o fim da reacção; os níveis da água no interior do tubo e, portanto, os volumes gasosos são lidos por interpolação visual etc.), não é de admirar que os valores obtidos por ele registem variações assinaláveis. Os gases em causa, quando analisados em condições padronizadas, mantêm efectivamente proporções constantes em toda a atmosfera, pelo que os dados obtidos por Azeredo não são válidos para efeitos de comparação mútua.

Azeredo faz também comparações do ar do Rio com o ar da Europa, que havia sido analisado por T. O. Bergman e por Lavoisier, e apresenta várias causas para as diferenças que encontrou, umas sendo causas naturais e outras causas associadas a actividades humanas (ver secção 3.6 adiante). Curiosamente, entre as causas naturais ele não inclui nenhuma de natureza meteorológica, ao contrário de alguns químicos setecentistas, como se disse (secção 3.1). As diferenças de composição são efectivamente atribuíveis às condições experimentais em que as análises foram feitas. Ora, isto não foi tomado em consideração por Azeredo. Fica assim difícil admitir que o Rio de Janeiro e as cidades europeias tenham concentrações de gases principais diferentes, mesmo considerando, como faz Azeredo, a influência da queima de madeira para aquecimento, na Europa, o que não era o caso no Rio de Janeiro, bem como outros factores. Sobretudo porque a atmosfera naquela época já era estável, e que, mesmo nos dias de hoje, com toda a poluição e desigualdade de emissões, o gradiente global de dióxido de carbono é mínimo.31 31 As preocupações de Azeredo com os efeitos dos diversos "ares" nas pessoas, quer em ambiente urbano, que em ambiente "global" (Europa e Brasil), têm a ver com os constituintes principais e de concentração constante da atmosfera. Como ele próprio mencionou, essa é uma questão antiga de que já Hipócrates se tinha ocupado. Há, por outro lado, um longo historial respeitante aos efeitos prejudiciais dos constituintes menores no ar que respiramos, cuja presença aí se deve a actividades humanas (veja-se, por exemplo, Stern et al., 1973 e Hong et al., 1994). Esse historial estende-se até aos nossos dias, como se sabe, e nele se insere a questão global dos gases com efeito de estufa, entre os quais se acha o "ar fixo" de Azeredo, ou seja, o dióxido de carbono, este sendo um constituinte principal.

Curiosamente, apesar disso, pode inferir-se que os valores médios dos teores dos vários "ares" calculados com os dados de Azeredo se aproximam dos que são actualmente aceitos (Schlesinger, 1991; valores percentuais aproximados): 21 (aceito para oxigénio) e 21,9 ("ar puro" de Azeredo); 0,03 (aceito para dióxido de carbono) e 0,24 ("ar fixo" de Azeredo); e 78,1 (aceito para nitrogénio + gases raros) e 77,9 ("ar mophete" de Azeredo; resultado obtido por diferença).

Azeredo e a química

Um dos aspectos mais interessantes do artigo de Azeredo é o das suas concepções químicas que dá a conhecer em conexão com as experiências que realizou. Essas concepções, que têm a ver não só com a questão do flogisto, mas também com a da química de Lavoisier, são expressas em diversas passagens do trabalho, levando à conclusão de que, influenciado, talvez, por Priestley – que permaneceu fiel à teoria do flogisto até falecer, em 1804 – Azeredo se valeu do flogisto para explicar alguns de seus resultados e sustentar algumas de suas hipóteses.

A química do século XVIII é ainda caracterizada efectivamente pela teoria do flogisto que nascera no século anterior com as especulações do químico alemão G. E. Stahl. De acordo com essa teoria, o flogisto era o princípio do fogo ou da inflamabilidade, sendo libertado nas combustões na forma de chama, quando há chama. O flogisto era considerado como tendo, por vezes, massa, outras vezes não a tendo, ou possuindo massa negativa! No pensamento da época, o ar era necessário para a combustão porque por ele podia escoar-se o flogisto. A respiração dos seres vivos já era interpretada como um processo de combustão. Os materiais combustíveis, obviamente, possuíam flogisto. O "ar puro" não possuía e, por isso, também era chamado de "ar deflogístico", ou "ar deflogisticado". O hidrogénio, descoberto por Cavendish, em 1774, foi considerado por alguns o próprio flogisto. A teoria do flogisto mostrou a sua inconsistência com as experiências realizadas por Lavoisier entre 1770 e 1787 (Leicester & Klickstein, 1963; Partington, 1957).

Azeredo foi contemporâneo de Felix Fontana, fisiologista italiano, e de Richard Kirwan, químico e mineralogista irlandês, ambos autores de livros com conteúdo químico, ambos tentando explicar o que chamaríamos hoje de acção do ar na combustão. Azeredo, ao tratar do "ar puro" do Rio, apoia-se correctamente em Lavoisier e critica Fontana na sua afirmação de que a diminuição de volume do ar comum, quando ele se une ao flogisto, é devida à formação de "ácido aereo". Segundo Fontana, por esse "ácido" ser solúvel na água utilizada na aparelhagem com que se confina o ar comum que está recebendo, o flogisto é eliminado da amostra de ar, cujo volume se reduz. A lógica de Azeredo é correcta: se houvesse formação de dióxido de carbono na união de ar comum com flogisto, então substituindo a água do confinamento por água de cal dever-se-ia observar precipitação (de carbonato de cálcio), o que não ocorre. A diminuição do volume do ar comum quando se une ao flogisto – hoje diríamos do ar que alimenta uma combustão – era devida à perda de "ar puro", à semelhança do que observara Lavoisier na reacção do ar comum com fósforo. Azeredo, porém, concluiu que o ar comum se unia ao flogisto, ao contrário de Lavoisier, para quem o ar comum perdia "ar puro".

Ainda ao tratar das experiências relativas ao "ar puro" do Rio, Azeredo discorda da opinião de alguns químicos da época de que tal ar nada mais era do que "ar nitrozo" mais flogisto, embora fosse possível obter aquele ar a partir dos dois últimos: por aquecimento (flogisto) do "nitro". Essa afirmação é quimicamente correcta: o "nitro", isto é, o nitrato de potássio, que pode ser obtido a partir do monóxido de nitrogénio, fornece oxigénio puro por aquecimento. Também é argumento favorável à opinião dos "químicos" a possibilidade de obter oxigénio (nesse caso impuro) a partir dos produtos secos resultantes das reacções do "ácido nitrozo" sobre metais e "terras" (óxidos de metais, em geral nobres), que são os respectivos nitratos, postos em contacto com flogisto (portanto, aquecidos). Mas, contrapõe Azeredo, a obtenção de oxigénio não passa necessariamente pela utilização do "ácido nitrozo". Ele pode ser obtido de "manganesa" (dióxido de manganês ou pirolusite) e de "cal dos metaes nobres" (óxidos de metais nobres), o que é quimicamente correcto. Pode formar-se ainda de "terras vitriólicas" (sulfatos metálicos) se o aquecimento for a temperatura muito elevada, embora o oxigénio assim produzido seja efectivamente bastante impuro. Quanto à obtenção do oxigénio a partir de "lapis calaminaris" não se sabe como Azeredo a podia conseguir, se na verdade o "lapis calaminaris" for o carbonato de zinco (poderá tratar-se de um óxido de zinco?). Considerando estas dúvidas, escreve Azeredo acerca do "ar puro":

parece que este ar he de huma natureza inteiramente diferente. Mr Fourcroi tem tratado esta materia com muito merecimento; mas eu que só pretendia explicar os seus effeitos sobre a economia animal deixo em silencio o mais, e passo a tratar do ar fixo. (Azeredo, 1790, p. 276)

É ao tratar do "ar fixo" que Azeredo se refere aos trabalhos de Kirwan, de Cavendish, de Priestley e de outros que levaram a concepções contraditórias sobre a natureza desse "ar". Em particular, ele ocupou-se da controvérsia, que a história da química regista, travada em 1784 entre Kirwan e Cavendish a esse respeito e, não se considerando convencido pelos argumentos de qualquer deles, conclui, após apresentar alguns argumentos próprios, que "o ar fixo he hum acido composto de ar vital, ou principio oxigineo (que he universal em todos os acidos segundo o systema de Mr. Lavoisier) e do flogisto, ou principio da inflammabilidade" (Azeredo, 1790, p. 285). É curioso que ele não tenha percebido que a "terra calcarea" que precipitava era um produto químico resultante da interacção da "água de cal" com o "ar fixo". Na verdade, na época não era muito clara a ideia de reacção química.

Azeredo e os efeitos dos constituintes do ar no organismo humano

Azeredo escreve que o ar "puro" ao chegar aos pulmões, ou, como dizia, "tocando os nossos bofes", transformava-se em "ar fixo", numa alusão directa ao fenómeno da respiração. Este aspecto traduz, efectivamente, uma das alterações mais significativas da fisiologia pós-revolução química de Lavoisier. Vejamos como: em 1777, Lavoisier concluiu que o núcleo do fenómeno respiratório era a absorção do oxigénio e a libertação do "ar fixo", de modo idêntico ao que acontecia na combustão e na calcinação, chegando-se mesmo a pensar que nos pulmões tinha lugar um fenómeno de combustão e que o calor ali produzido seria transportado para o resto do organismo através do sangue. Em 1791, porém, Lagrange afasta esta ideia afirmando serem os pulmões somente órgãos de trocas gasosas (Laín Entralgo et al., 1984). Azeredo estava, também, consciente do valor do "ar puro" no nosso organismo, dizendo ainda que havia "razões bastantes de suppor que o ar puro he hum forte estimulante. Porque ainda que elle he util, e necessario para a respiração, contudo he nocivo, e perigoso nas outras partes do corpo" (Azeredo, 1790, p. 274).

Sobre os efeitos do "ar fixo"no organismo, o autor declara que "os efeitos do ar fixo sobre o corpo nos dão a conhecer que este he hum dos maiores tonicos, que podemos encontrar na Materia Medica" (Azeredo, 1790, p. 279-80), tese que defende mais acentuadamente noutra parte do trabalho, dizendo mesmo que o "ar fixo" no interior do organismo o livraria da "podridão", uma vez que, para Azeredo, ele seria provido de propriedades anti-sépticas; isto, provavelmente, numa alusão às propriedades que posteriormente foram demonstradas para aquele gás que, respirado ao ar livre e desde que tal seja feito em muito pequena proporção, "estimula o centro respiratório e acelera a respiração" (Fabre & Truhaut, 1977, p. 178). Contudo, pese embora este comentário, Azeredo tem a consciência de que o "ar fixo" sendo "respirado no estado de saúde", como dizia, conduzia inevitavelmente a convulsões e até mesmo à morte, colocando Azeredo a hipótese de o "ar fixo" atacar o sistema nervoso, sabendo-se, hoje, efectivamente, que a morte pelo então designado "ar fixo" ficava a dever a paralisias do centro respiratório, bem como do coração.

A finalizar o seu artigo, Azeredo reporta-se ao "ar mophete", sendo de destacar nesta parte as especulações que o autor do artigo coloca nas funções que este "ar" podia ter na propagação de doenças, provavelmente de doenças contagiosas. Ele põe esta questão:

atthrahindo os vapores máos das lagoas, e aguas encharcadas, ainda servindo de alimento a certos insectos que atacam o nosso corpo, seja este ar, digo, a causa conductora das enfermidades? (Azeredo, 1790, p. 287-8)

Nesta medida José Pinto de Azeredo remetia para as funções daquele gás as de propagador de "contágios", como era vulgar dizer-se na época, um declarado problema de saúde pública. Será interessante salientar que, nos finais do século XVIII, havia, efectivamente, a consciência de que algumas doenças eram facilmente propagáveis, mas não havia o conhecimento das suas condições de propagação, problema que só foi solucionado após a emergência das descobertas microbianas na segunda metade do século XIX, em função das descobertas de Pasteur e de Koch e das escolas destes microbiologistas (Pita & Pereira, 1993).

Azeredo e o ambiente

Além da passagem que se acabou de citar, várias outras do artigo de Azeredo revelam a sua preocupação com os efeitos que os diversos "ares" exerciam sobre o Homem.

O ar puro soffre constantemente huma continua diminuição já pelos fogos, já pelos effluvios das substancias podres, já pela respiração continua dos animaes, e morreriamos todos soffocados se a natureza não nos providenciasse o meio de resarcir este principio da vida, ou pelos vegetaes que absorvem o ar depravado, e lançam o puro, ou pelo movimento das águas do mar. Será esta talvez a razão porque no principio do Mundo quando os fogos, e as podridões eram ainda raras, respirando os homens maior quantidade do ar puro, será esta, digo a razão da dilatada vida dos primeiros habitantes? (Azeredo, 1790, p. 265-6)

Pode ser que os vapores corruptos do Hospital ... e dos Quarteis sejam a causa desta diminuição do ar puro. (p. 270)

Os continuos fogos nos climas do Norte, durante o Inverno, fazem grande parte do ar puro converter-se fixo. As continuas neves sobre os campos, a decadencia das folhas das arvores, a falta da impressao da luz sobre os vegetaes prohibe que estes absorvam o ar impuro, e lancem o ar deflogistico. Estas razões eram bastantes para que houvesse maior quantidade de ar fixo nesses climas, que nos nossos. (p. 279-80)

As descrições dos experimentos que realizou, bem como os de outros cientistas citados no artigo, sobre os efeitos desses "ares" no Homem e noutros seres vivos, acentuam essa preocupação.

Independentemente da validade e da justeza dessas observações, o que ressalta delas é a existência de uma "preocupação ambiental" em Azeredo, comprovada pelos seguintes factos:

a) aponta para o que chamaríamos, hoje, de causas difusas da diminuição do oxigénio na atmosfera terrestre (fogos, neves nos países nórdicos, eflúvios das substâncias podres, respiração animal, falta de luz solar);

b) tenta explicar a má qualidade do ar da área da Misericórdia, que atribuiu à acção de vapores corruptos provenientes do hospital e dos quartéis, o que faz pensar no que chamaríamos modernamente em fontes pontuais de poluição (palavra que, à época não existia);

c) escreve que "a nossa atmosfera contem geralmente menos ar puro e menos fixo, porém mais ar mophete do que na Europa" (Azeredo, 1790, p. 286) ar este que tem efeitos nocivos, matando passivamente os animais, segundo pôde concluir de experimentos que havia realizado em Edimburgo; e acaba por colocar a interrogação: "Será a maior quantidade deste ar (mophete) que há na nossa atmosfera a causa de tantos males?" (Azeredo, 1790, p. 287).

Azeredo é certamente um pioneiro, no Brasil, no tratamento destas questões ambientais em bases científicas.

Comentários finais

Em face de uma obra hoje só parcialmente disponível, crê-se que valerá a pena continuar a tentar descobrir o paradeiro dos escritos de Azeredo elaborados em Edimburgo a fim de se fazer uma análise, do ponto de vista médico, do conjunto da sua obra. Essa análise, em que será essencial situar a obra na história da medicina, em particular da praticada nos países tropicais, deverá evidentemente ser feita por um historiador da especialidade.

O artigo coloca-nos perante algumas das principais questões da medicina dos finais do século XVIII, servindo também como barómetro do estado da medicina em Portugal. Ele assume ainda interesse redobrado uma vez que o seu autor era doutor em medicina pela Universidade de Leiden, físico-mor e professor de medicina no reino de Angola. Isto é: trata-se de um médico que teve algumas responsabilidades institucionais; trata-se, também, de um médico graduado numa das principais escolas médicas, provavelmente mesmo o principal pólo dinamizador do saber médico, da Europa do século XVIII – a Universidade de Leiden. Azeredo é, ainda, um dos primeiros exemplos de brasileiros natos com formação universitária nomeados para cargos públicos importantes pela coroa portuguesa. Nesta perspectiva, a sua obra médica merece uma análise no contexto da história da medicina, o que está fora da finalidade do presente trabalho.

O artigo em consideração comporta essencialmente aspectos médicos e aspectos químicos ligados entre si no quadro da composição do ar atmosférico do Rio de Janeiro, cuja análise Azeredo foi o primeiro a fazer, abordando o assunto da composição química da atmosfera do Rio de um ponto de vista sanitário individual e público. Se, do ponto de vista individual, o autor salienta a função imprescindível do "ar puro", ao mesmo tempo ele se mostra consciente da dupla face da moeda do "ar fixo", os seus efeitos prejudiciais e eventuais efeitos maléficos no organismo humano, responsabilizando o "ar mophete" por eventuais propagações de doenças contagiosas. Do ponto de vista público, é altamente significativa e de relevância a preocupação dele com a qualidade da atmosfera e a sua composição química, considerando-se sobretudo a época em que o trabalho foi realizado. De resto a salubridade do ar constituiu, no século XVIII, um tema de interesse sanitário em Portugal e no Brasil, antes e depois do trabalho de Azeredo, como mostra a publicação em Lisboa, em 1757, do Tratado da Conservaçam da Saude dos Povos, da autoria de Ribeiro Sanches, e o lançamento de um inquérito sanitário pela Câmara do Rio de Janeiro em 1798, ao qual deram respostas os médicos Manuel Joaquim Marreiros, Bernardino António Gomes e António Joaquim de Medeiros, as quais foram publicadas nos números iniciais de O Patriota, Jornal Litterário, Político e Mercantil, &cc. Do Rio de Janeiro.

Em relação com esse aspecto volta-se a insistir na clarividência de Azeredo em termos de meio ambiente. É evidente que o Brasil teve outros precursores em matéria de preocupações ambientais (Pádua, 2002). Mas o inigualável no trabalho de Azeredo é que, enquanto os outros se questionaram sobretudo acerca do uso da terra, do desmatamento e das queimadas, e da derrubada dos bosques, a preocupação de Azeredo orienta-se para a qualidade do ar, tratando-a tentativamente em bases científicas, o que só começou a ser reconsiderado bem mais tarde. E se o cerne do trabalho de Azeredo está na composição do ar do Rio e em suas relações com alguns factores locais que potencialmente a influenciam (sendo possível concluir, hoje, que a cidade era então pouco poluída e comparativamente pouco habitada), nem por isso ele deixa de fora, como vimos, questões ambientais mais alargadas, ao fazer a comparação entre ares do Brasil e da Europa. Também nesta perspectiva o trabalho de Azeredo merece referência histórica especial.

Formado por uma das melhores escolas de medicina do século XVIII, com tradição, na época, de bom ensino de química, Azeredo é um pesquisador a par do conhecimento desse tempo, em grande parte construído por contemporâneos seus. Ele demonstra erudição científica ao citar as contribuições à ciência dadas pelos principais 'filósofos' do século XVIII e cita as contribuições mais importantes para o conhecimento dos propriedades dos componentes do ar atmosférico, que constituem a base científica deste seu trabalho. Deve dizer-se, porém, que o entendimento dos seus argumentos, na discussão que faz de vários temas químicos e médicos tratados pelos numerosíssimos autores a que se refere, é um tanto perturbado por dificuldades de identificação plena de algumas dessas referências, bem como de acesso a outras.

Sob o ponto de vista químico, no artigo confluem termos "antigos" e "modernos": a linguagem usada por Azeredo é ainda uma linguagem antiga, "flogística", provavelmente a que melhor dominava, apesar dos cerca de sete anos de intervalo entre a publicação do trabalho e a publicação da Nova Nomenclatura Química. No entanto, aqui e além regista algumas designações mais modernas, como quando refere "o principio oxigineo" de Lavoisier. Mais voltado para a ciência desenvolvida por pesquisadores do norte da Europa, em contraposição à desenvolvida pelos franceses sobretudo no fim do século, ele é um adepto da teoria do flogisto. Talvez seja ele o único pesquisador nascido no Brasil favorável a essa teoria.

Na parte de química analítica experimental, onde ele aplica os métodos descritos por Priestley e Bergman para analisar a atmosfera da cidade do Rio de Janeiro, Azeredo, mesmo com as imprecisões próprias da época e as limitações do próprio método, chega a resultados aceitáveis, coerentes com os que são hoje admitidos para a composição geral da atmosfera, e chega a resultados certamente errados quando consegue diferenciar as composições de amostras de atmosferas geograficamente distintas. Os três gases analisados, que são principais em termos de composição do ar, são, em princípio, pouco reactivos em condições naturais (Schlesinger, 1991), isto é, possuem pouca actividade química e apresentam concentrações estáveis na atmosfera terrestre.

Por não ser químico, embora nascido no Brasil, Azeredo não é citado por Heinrich Rheinboldt, pesquisador meticuloso da história da Química (Rheinboldt, 1955), nem por Simão Mathias (1979), aluno de Rheinboldt, que procurou sanar algumas possíveis omissões do seu mestre, apesar de ter sido o primeiro cientista nascido no Brasil a realizar uma análise de gases neste país.

O trabalho de Azeredo, que constitui um bom exemplo de aplicação do método científico a uma questão química, integra-se bem no espírito da época do autor, procurando no conhecimento científico da Natureza não só a satisfação da sede de conhecimento, mas também a melhoria das condições de vida das pessoas, no caso a melhoria das condições de saúde. Nesta medida, o trabalho pode inserir-se no contexto da discussão bem actual do que é ciência básica e ciência aplicada, e das respectivas virtudes.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos especiais ao Prof. Carlos Alberto Filgueiras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela preciosa ajuda que deu na elaboração deste trabalho.

NOTAS

Recebido para publicação em dezembro de 2004.

Aprovado para publicação em março de 2005.

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  • Wemyss, H. L. Watson 1933 A record of the Edinburgh Harveian Society Edinburgh: Edinburgh Harveian Society.

anexo

  • 1
    Archiven van Senaat en Faculteiten dei Leidsche Universiteit – 419 – Album Candidatorium Medicinae.
  • 2
    Alguns números do
    Almanaque Histórico do Rio de Janeiro, nomeadamente para 1792 e para 1794, foram publicados nos
    Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 59, 1937, encontrando-se nessa Biblioteca os respectivos manuscritos, provenientes da Biblioteca Nacional de Lisboa. O autor provável do
    Almanaque Histórico será António Duarte Nunes (ver também
    Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 267, 1965).
  • 3
    Da Costa – era uma família de origem judia, de apelido inicial Mendes da Costa, muito provavelmente. Os membros dessa família fugiram de Espanha e Portugal e estabeleceram-se na Holanda, Itália e Inglaterra, no século XVII e depois na América. Estão ligados às principais famílias sefarditas da Europa ocidental. Emanuel Mendes da Costa (1717-1791) foi filósofo, naturalista e botânico. Nasceu em Inglaterra. Publicou vários trabalhos sobre fósseis e conquiliologia. Foi bibliotecário da Royal Society, tendo sido preso e as suas colecções vendidas, por desfalque. Isaac da Costa (1798-1860) nasceu e morreu em Amsterdão. Foi poeta e escritor. Era filho do comerciante Daniel da Costa e parente de Uriel Acosta. Doutorou-se em Leiden e converteu-se ao cristianismo com sua mulher Hannah Belmonte. Jacob Mendes da Costa (1833-1900) era médico, natural de Santo Tomás, Antilhas. Foi professor no Jefferson Medical College de Filadélfia (1872). Escreveu várias obras de medicina. Ver
    Enciclopedia Judaica Castellana en diez tomos, 3º tomo, Ed. Enciclopedia Judaica Castellana, S. De R. L., Mexico, DF, 1948.
  • 4
    Arquivo da Biblioteca da Universidade de Edimburgo, "Special Collections" – fichas de matrícula em medicina de José Pinto de Azeredo e de Francisco Joaquim de Azeredo.
  • 5
    Bronnen Tot De Geschiedenis Der Leidsche Universiteit Uitgegeven Door Dr. P. C. Molhuysen. Zesde Deel. 10 Febr. 1765 – 21 Febr 1795 – Rijks Geschiedkundige Publicatiën, 1923, Leiden.
  • 6
    Carta de aprovação de José Pinto de Azeredo como médico pela Junta do Proto-Medicato, 19.02.1789. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelarias Régias, D. Maria I, Livro 32, p. 323.
  • 7
    Esta tradução deve ser a correspondente a um trabalho de João Jacinto de Magalhães, que surgiu inicialmente anónima e sem o ser no
    Journal de Physique de Rozier, em 1781. Também foi oferecida ao governo português de então. Intitulava-se, no original,
    Nouvelle construction d'Alambic pour faire toute sorte de distillation en Grand, avec le plus d'économie dans l'opération, le plus d'avantage dans le résultat, en deux parties; La première contenant son application à la distillation des Eax-de-Vie; Et la seconde celle à la dessalaison de l'Eau de la Mer à bord des Vaisseaux; Avec des Figures en taille douce – Première Edition, destinée à être distribué
    gratis, dans les Provinces de France. La seconde Edition sera destinée à être vendue au bénéfice des Hôpitaux, 1781 (Malaquias, 1994).
  • 8
    Patente de S. Mag.
    de em que faz Mr.
    ce ao Doutor Iosê Pinto de Azeredo de Fizico Mór deste Reyno de Angola – Reproduzida em
    Arquivos de Angola, v. IV, n. 41 a 48, p. 149-50, Luanda, 1938.
  • 9
    Bândo sobre a abertura da Aula de Medicina, e Anathomia (de 10 de Setembro de 1791) – Reproduzido em
    Arquivos de Angola, v. IV, n. 41 a 48, p. 165-6, Luanda, 1938.
  • 10
    Oração de Sapiencia Feita, e recitada No dia 11 de Septembro de 1791 Por José Pinto de Azeredo Doutor pela Universidade de Leide Fizico Mor, e Professor de Medicina Do Reino de Angolla – manuscrito 8486 da Biblioteca Nacional de Lisboa. Reproduzida em d'Ésaguy, (1951a).
  • 11
    Registo da Carta de aprovação de Medicina passada a Ioão M.
    el de Abreu – Reproduzido em d'Ésaguy (1951b)
  • 12
    Em 1703 tinha havido outra tentativa, também sem êxito (d'Ésaguy, 1951a).
  • 13
    Caso citado por M. Milheiros na Nota Introdutória à edição em fac-símile de
    Ensaios sobre Algumas Enfermidades d'Angola (ver IICA, 1967).
  • 14
    Carta de 21.10.1798 de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para Miguel Antonio de Mello, reproduzida em Walter, 1953.
  • 15
    Processo individual de J. P. Azeredo no Arquivo Histórico Militar, em Lisboa.
  • 16
    Processo individual de J. P. Azeredo na Academia das Ciências de Lisboa.
  • 17
    Almanaques da Academia das Ciências de Lisboa para os anos de 1798, 1799, 1800, 1802, 1803, 1805 e 1807. Os dos anos 1801, 1804, 1806 e 1808 a 1810 não foram publicados.
  • 18
    Ver nota 17.
  • 19
    Arquivo Histórico Militar, Lisboa: 3ª Divisão, 16ª Secção, n. 21, Caixa 13; 3ª Divisão, 16ª Secção, n. 25, Caixa 14.
  • 20
    Actas das sessões de 8.04.1853 e 22.04.1853 do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), publicadas no tomo XVII, v. 17, 1854 da
    Revista do Instituto.
  • 21
    Ver nota 20.
  • 22
    O manuscrito, em oitavo, encontra-se no Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro.
  • 23
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa: Registo Geral de Testamentos, Livro 362, Caixa 78.
  • 24
    Ver nota 23.
  • 25
    Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelarias, Livro 30.
  • 26
    Ver nota 17.
  • 27
    A obra de J. Priestley é muito citada por Azeredo e deve ter fornecido a base química do seu artigo. Priestley, que é o único cientista que ele qualifica de "Dr." no artigo, reuniu em seis volumes as
    Experiments and Observations on Air, including Remarks on other branches of Natural Philosophy, publicado em Londres em 1774, mas com várias edições posteriores, muito do conhecimento da época sobre os gases. A edição de 1776 esteve garantidamente à disposição de Azeredo, pois encontrava-se na biblioteca da Royal Medical Society de Edimburgo na altura em que ele estudava na Escócia (1786-1788), conforme uma
    List of Members, Laws and Library Catalogue of the Medical Society of Edinburgh (Anónimo, 1820).
  • 28
    Embora Azeredo não tenha usado o termo
    azoto, ou
    azote, à época ele já era conhecido em Portugal; Vicente Coelho Seabra, por exemplo, escreve que "a mopheta he composta de calor, e huma base fundida por elle, ainda desconhecida, que alguns Chimicos modernos chamaõ azote por ser nociva aos animais" (Seabra, 1788, p. 200). Em Portugal e noutros países o termo
    azoto, ou azote, é vulgarmente tomado no sentido de
    nitrogénio e considerado o nome antigo deste elemento (
    e.g. Novo Diccionário da Língua Portuguesa, v. I, Candido de Figueiredo, 4. ed., Lisboa. 1925; Standard Dictionary of the English Language, International Edition, v. 1, Funk & Wagnalls, New York, 1970).
  • 29
    Não deixa de ser interessante referir que as preocupações médicas na época eram grandes, relativamente à composição do ar atmosférico e sua relação com a propagação de algumas doenças. Esse empenho no conhecimento de padrões de variáveis meteorológicas era internacional e teve também reflexos em Portugal. Na verdade, os estudantes de medicina da Universidade de Coimbra freqüentavam, no primeiro ano, a Faculdade de Filosofia e a disciplina de Física experimental. Muitas vezes estes alunos iam propositadamente ao Gabinete de Física fazer medições de temperatura, pressão etc.
  • 30
    O eudiómetro original foi sofrendo melhorias, como no caso do de J. J. Magalhães, consistindo este também num tubo de vidro graduado com uma base que permitia a adaptação de dois pequenos frascos de volume conhecido, onde se colocava, num deles, o ar nitroso, e no outro a amostra de ar em análise. Volta adaptou-lhe um gancho interno metálico, mediante o qual podia fazer passar uma descarga eléctrica para o interior do tubo.
  • 31
    As preocupações de Azeredo com os efeitos dos diversos "ares" nas pessoas, quer em ambiente urbano, que em ambiente "global" (Europa e Brasil), têm a ver com os
    constituintes principais e de concentração constante da atmosfera. Como ele próprio mencionou, essa é uma questão antiga de que já Hipócrates se tinha ocupado. Há, por outro lado, um longo historial respeitante aos efeitos prejudiciais dos
    constituintes menores no ar que respiramos, cuja presença aí se deve a actividades humanas (veja-se, por exemplo, Stern et al., 1973 e Hong et al., 1994). Esse historial estende-se até aos nossos dias, como se sabe, e nele se insere a questão global dos gases com efeito de estufa, entre os quais se acha o "ar fixo" de Azeredo, ou seja, o dióxido de carbono, este sendo um constituinte principal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      Dez 2004
    • Aceito
      Mar 2005
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