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Alongamento vocálico e apagamento em coda medial nos desvios fonológicos

Resumos

TEMA: desvios fonológicos. OBJETIVO: verificar a ocorrência do alongamento vocálico, pela análise acústica, num grupo de 16 crianças (8 meninos e 8 meninas) com desvios fonológicos evolutivos (DFE), que não apresentam na fala as codas /R/ e /S/ mediais, além de levantar as porcentagens de ocorrência das estratégias de alongamento e apagamento nos dois tipos de coda. MÉTODO: gravação de 16 crianças mediante a apresentação de um álbum de figuras que representam 18 pares de palavras que contrastam as estruturas silábicas (C)VC e CV. Após a transcrição, os pares de palavras foram submetidos à análise acústica pelo PRAAT, versão 4.4.16, para medir a duração das vogais nos dois tipos silábicos. Posteriormente, realizou-se a análise estatística dos dados e o teste de significância (qui-quadrado) foi aplicado, considerando-se p < 0,05. RESULTADOS: embora nenhum alongamento tenha sido detectado perceptualmente, eles ocorreram em 93,75% da amostra. A aplicação do teste qui-quadrado revelou que tal ocorrência é altamente significativa. Para a coda /R/, registraram-se 95,52% de alongamentos e 4,48% de apagamentos, enquanto que para a coda /S/, registraram-se 12,5% de alongamentos e 87,5% de apagamentos. Não houve diferenças significativas entre os gêneros. CONCLUSÃO: detectou-se, pela análise acústica, tanto o alongamento vocálico quanto o apagamento; o alongamento vocálico foi mais frequente na coda /R/ do que na /S/, o apagamento foi mais frequente na coda /S/ do que na coda /R/; a criança que apresenta o alongamento pode revelar conhecimento da estrutura (C)VC e, portanto, estaria mais próxima da realização dos fonemas-alvo.

Linguagem; Fala; Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem


BACKGROUND: phonological disorders. AIM: to verify the occurrence of vocalic lengthening, through acoustic analysis, in a group of 16 children (8 boys and 8 girls) with evolutive phonological disorders (EPD), who did not present in their speech /R/ and /S/ medial codas; to verify the occurrence percentage of lengthening and omission strategies in the two types of coda. METHOD: recordings of 16 children obtained through the presentation of a picture album representing the 18 pairs of words that contrast the syllabic structures (C)VC and CV. After transcribing the recordings, the pairs of words were submitted to acoustical analysis using PRAAT, version 4.4.16. Vowel duration was measured in both types of syllables. Statistical analysis was performed and the significance test (q-square) was applied considering p<0.05. RESULTS: although lengthening was not perceptually detected, it occurred in 93.75% of the analyzed samples. The q-square test indicated that the occurrence of lengthening is highly significant. Regarding the /R/ coda, results indicated 95.52% of lengthenings and 4.48% of omissions. For the /S/ coda, results indicated 12.5% of lengthenings and 87.5% of omissions. No significant statistical difference was observed between genders. CONCLUSION: acoustic analysis identified both vocalic lengthening and omission. Vocalic lengthening was more frequent in the /R/ coda; omission was more frequent in the /S/ coda. The child who presents lengthening seems to have the knowledge of the structure (C)VC and, therefore, is closer to the production of the target-phoneme.

Language; Speech; Language Development Disorders


ARTIGO ORIGINAL DE PESQUISA

Alongamento vocálico e apagamento em coda medial nos desvios fonológicos* * Trabalho Realizado no Centro de Estudos de Linguagem e Fala da UFSM, Referente ao Desenvolvimento do Projeto de Prodoc/Capes do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana.

Irani Rodrigues MaldonadeI, 1 1 Endereço para correspondência: Av. Princesa D'Oeste, 1055 - Apto. 94 - Campinas - SP - CEP 13026-901 ( iranirm@uol.com.br). ; Helena Bolli MotaII

IFonoaudióloga. Pós-Doutoranda Bolsista Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores (Prodoc) / Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

IIFonoaudióloga. Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta do Curso de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da UFSM

RESUMO

TEMA: desvios fonológicos.

OBJETIVO: verificar a ocorrência do alongamento vocálico, pela análise acústica, num grupo de 16 crianças (8 meninos e 8 meninas) com desvios fonológicos evolutivos (DFE), que não apresentam na fala as codas /R/ e /S/ mediais, além de levantar as porcentagens de ocorrência das estratégias de alongamento e apagamento nos dois tipos de coda.

MÉTODO: gravação de 16 crianças mediante a apresentação de um álbum de figuras que representam 18 pares de palavras que contrastam as estruturas silábicas (C)VC e CV. Após a transcrição, os pares de palavras foram submetidos à análise acústica pelo PRAAT, versão 4.4.16, para medir a duração das vogais nos dois tipos silábicos. Posteriormente, realizou-se a análise estatística dos dados e o teste de significância (qui-quadrado) foi aplicado, considerando-se p < 0,05.

RESULTADOS: embora nenhum alongamento tenha sido detectado perceptualmente, eles ocorreram em 93,75% da amostra. A aplicação do teste qui-quadrado revelou que tal ocorrência é altamente significativa. Para a coda /R/, registraram-se 95,52% de alongamentos e 4,48% de apagamentos, enquanto que para a coda /S/, registraram-se 12,5% de alongamentos e 87,5% de apagamentos. Não houve diferenças significativas entre os gêneros.

CONCLUSÃO: detectou-se, pela análise acústica, tanto o alongamento vocálico quanto o apagamento; o alongamento vocálico foi mais frequente na coda /R/ do que na /S/, o apagamento foi mais frequente na coda /S/ do que na coda /R/; a criança que apresenta o alongamento pode revelar conhecimento da estrutura (C)VC e, portanto, estaria mais próxima da realização dos fonemas-alvo.

Palavras-Chave: Linguagem; Fala; Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem.

Introdução

Na aquisição normal da linguagem, o sistema fonológico é adquirido naturalmente pelas crianças até 4/5 anos1. A estrutura silábica (C)VC tem aparecimento tardio, depois de V e CV, não só no Português Brasileiro como também em outras Línguas2-3. As crianças com desvios fonológicos evolutivos (DFE) têm dificuldades na organização do sistema fonológico, apresentando vários processos fonológicos. Um deles é o apagamento das consoantes (fricativa, /S/ ou líquida não-lateral, /R/) em posição de coda medial, o que leva à simplificação da fala4. Porém, isso se verifica quando a descrição é baseada apenas na percepção do investigador (ou seja, de outiva). Com o auxílio da análise acústica, estudos têm registrado variação na duração da vogal como forma de evidenciar contraste fonêmico5-6, de modo que é possível detectar entre o apagamento e a realização desses fonemas em coda, outro processo: o alongamento vocálico, imperceptível a ouvido nu. Trata-se de um aumento da duração da vogal do núcleo, que preserva a unidade temporal da sílaba travada por meio do preenchimento do tempo da coda7.

O fonoaudiólogo atento às produções incorretas da criança busca refletir sobre novos recursos para melhorar sua prática. Desta forma, o objetivo deste estudo é investigar a ocorrência do alongamento vocálico num grupo de crianças com DFE, que não apresentam as codas /R/ e /S/ mediais, o que permitirá verificar se há simplesmente o apagamento ou não e em quais porcentagens de ocorrência para cada caso. Também será possível caracterizar o alongamento vocálico de forma a contribuir com a terapia de fala, ao examinar os contextos em que ocorre.

Método

A coleta de dados realizou-se por meio de uma gravação de crianças com DFE depois de avaliadas pelo Setor de Fala do Serviço de Atendimento Fonoaudiológico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Os critérios de inclusão dos sujeitos foram:

. apresentar DFE;

. não apresentar outros distúrbios (neurológico, psicológico, cognitivo);

. ter audição normal;

. não ter realizado atendimento fonoaudiológico anteriormente;

. os responsáveis, devidamente esclarecidos sobre a pesquisa, terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a participação das crianças.

Foram gravadas individualmente 16 crianças (8 meninos e 8 meninas) entre 5 e 8 anos. As sessões foram gravadas em cabine acústica pelo aparelho Mini Disc Sony MZ-R30 (com microfone embutido), colocado a 15cm de distância da boca da criança, que se posicionava sentada diante do examinador. A gravação digital de boa qualidade foi transferida do MD para o PC e convertida para wav, utilizando-se o programa Digital Voice Recorder V2.0; o que possibilitou a aquisição do som no PRAAT versão 4.4.16 .

Os registros de fala foram obtidos por nomeação (ou imitação retardada) de figuras extraídas de uma lista de 18 pares de palavras que contrastam (C)VC e CV, composta por: costas x cotas; poste x pote; barba x baba; largo x lago; porte pote; cerca x seca; carta x cata; marcho x macho; farto x fato; gasto x gato; pasto x pato; pastinho x patinho; risca x rica; masca x maca; prisma x prima; certa x seta; pisca x pica e pouco x porco.

A criança, por exemplo, deveria dizer "barba" quando apresentada à figura correspondente e, depois, "baba", de acordo com a figura seguinte do álbum ou induzida por perguntas feitas pela entrevistadora.

Os dados foram transcritos e revisados às cegas e individualmente por duas outras pesquisadoras, pós-graduandas da UFSM, com experiência em análise acústica. Posteriormente, as medidas acústicas de duração foram realizadas no PRAAT, com base em critérios elaborados a partir da forma da onda e do espectrograma, constituindo o aspecto visual o principal critério para o corte entre os segmentos acústicos, e o auditivo usado somente para confirmação. O tempo de duração de cada vogal em milisegundos (ms) foi obtido medindo-se a onda sonora desde o início até o fim dos formantes.

As medições foram realizadas nas sílabas abertas (duração de /a/ na primeira sílaba de baba) e travadas (a duração de /a/ na primeira sílaba de barba). As medidas acústicas foram feitas pela investigadora. Depois, as referidas revisoras mediram novamente os segmentos às cegas e individualmente, obtendo-se duas outras medidas. De acordo com o critério da pesquisa, admitiu-se a variação de até 20 ms entre as medidas dos pesquisadores. Satisfeito tal critério, as médias das medidas eram calculadas8. Divergências eram resolvidas refazendo-se todo o processo de medição e se a discrepância persistisse o dado era eliminado da análise. De acordo com o critério da pesquisa, uma vogal foi considerada alongada quando o valor de duração da vogal em (C)VC era maior que 40 ms, comparado ao valor da vogal em CV.

Assegurou-se que a gravação fosse concluída em apenas uma sessão, para evitar qualquer interferência do crescimento do trato vocal, que pudesse modificar a produção das crianças9.

O projeto de pesquisa "A contribuição da análise acústica para o estudo da aquisição fonológica normal e com desvios" foi protocolado sob o número 064/2004 junto ao Comitê de Ética da UFSM e foi aprovado antes de ser desenvolvido.

Os dados obtidos pela análise acústica foram submetidos à análise estatística. Foi realizado o teste probabilístico qui-quadrado, com índice de significância p < 0,05.

Resultados

Nenhum alongamento vocálico foi detectado perceptualmente conforme as transcrições revisadas registraram. Entretanto, quadro bastante diferente delineou-se a partir dos resultados da análise acústica.

Das 16 gravações de crianças com DFE, 15 apresentaram alongamento vocálico, correspondendo a 93,75% da amostra. Quinze apresentam o alongamento em /R/ e duas em /S/, como observado no Gráfico 1.


O teste estatístico qui-quadrado revelou que a ocorrência do alongamento vocálico no grupo com DFE é significativa.

Alongamento vocálico na coda /R/

Foram registradas 64 ocorrências de alongamento na coda /R/, equivalendo a 95,52%. A diferença entre alongamento e não-alongamento é estatisticamente significativa, conforme evidenciado pelo teste qui-quadrado, pois p < 0,0001.

A seguir, o alongamento na coda /R/ será caracterizado com relação às palavras em que ocorre, fonema precedente consonantal, vogal alongada (Tabela 1).

As palavras mais freqüentemente alongadas foram: a) barba, correspondendo a 19,70%; seguida de cerca (18,18%); depois carta (15,15%); porco (12,12,%) e largo (7,58%). Outras palavras apareceram com porcentagens inferiores a 5%. O teste qui-quadrado revelou diferença significativa entre as palavras, pois p < 0,0001.

Com relação ao fonema cosonantal anterior ao alongamento vocálico, verificou-se que os fonemas /p/, /b/ e /s/ ocorreram com iguais frequências, ou seja, 19,70% cada um; seguido de /κ/ (18,18%) e /l/ e /m/ (7,58%). /f/ ocorreu com frequência inferior a 5%. O teste qui-quadrado revelou diferença significativa entre os fonemas, pois p < 0,0001.

As vogais mais frequentemente alongadas foram: /a/, que ocorreu com 48,48%; depois /e/ e /o/ ambas (19,70%) e /ç/ (6,06%). /E/ ocorreu com frequência inferior a 5%. Verificou-se que /a/ além de ser a mais frequentemente alongada, foi a que apresentou também a maior média de medidas de duração (md); enquanto que /ç/, menos frequentemente alongada, apresentou md relativamente alta (245ms). O teste qui-quadrado revelou diferenças significativas entre vogais e médias de medidas de duração, pois p < 0,0001.

Alongamento vocálico na coda /S/

O número de alongamentos na coda /S/ é bem menor do que na coda /R/. O alongamento aconteceu em apenas duas gravações equivalendo a 12,5%. O teste qui-quadrado revelou não haver diferenças estatísticas significativas entre alongamento e não-alongamento. Porém, devido ao tamanho da amostra, o teste pode não ser confiável, conforme o resultado alerta.

A seguir, o alongamento na coda /S/ será caracterizado com relação às palavras em que ocorre, fonema precedente consonantal anterior, vogal alongada (Tabela 2).

Foram encontradas três palavras com alongamento, sendo que a que mais vezes apresentou-se alongada foi poste (50%), depois risca (33,33%) e pasto (16,67%). O teste qui-quadrado não mostrou diferenças estatísticas significativas entre palavras. Porém, ele pode não ser totalmente válido em razão do conjunto de dados.

Com relação ao fonema consonantal anterior ao alongamento vocálico, observou-se que /p/ ocorreu 66,67% e /r/ 33,33%. O teste qui-quadrado revelou não haver diferenças estatísticas significativas entre os fonemas, mas deve ser considerado o conjunto de dados.

Com relação às vogais alongadas, encontrou-se que /ç/ ocorreu 50%, seguida de /i/ (33,33%) e /a/ (16,67%). Verificou-se que /ç/ além de ser a vogal mais alongada, foi também a que apresentou a maior md. /i/ foi mais alongada que /a/ na coda /S/, entretanto apresentou md menor que a de /a/. O teste qui-quadrado mostra não haver diferenças estatísticas significativas entre as vogais e médias de medidas de duração. Mas a precisão do teste pode estar afetada devido o tamanho da amostra.

Cruzamento da variável gênero

Coda /R/: das quinze gravações em que se verificou o alongamento, sete eram do gênero feminino (46,66%) e 8 do masculino (53,33%). O teste de Fisher indica que a variação encontrada entre os gêneros não é significativa.

Coda /S/: das duas gravações em que se verificou o alongamento, um era do gênero masculino (50%) e um do feminino (50%). O teste de Fisher indica que a variação encontrada entre os gêneros não é significativa.

Discussão

Vários autores mostram diferenças na duração da vogal relacionadas com a omissão da consoante final na aquisição de (C)VC no Inglês5-6. Perceptualmente, identifica-se a omissão da consoante final, mas quando submetidas à análise acústica verifica-se que as crianças marcam o contraste fonêmico do segmento omitido por meio da duração da vogal: se a consoante final omitida é sonora, a vogal torna-se mais longa e se a consoante final omitida é surda, a vogal torna-se mais curta. Os resultados desta pesquisa permitem concluir algo na mesma direção: embora as crianças não consigam produzir o /R/ e/ou /S/ em coda medial, elas distinguem (C)VC de CV ao alongar a vogal, preenchendo todo o tempo da sílaba complexa. Estudos demonstram que a duração da vogal constitui parâmetro confiável para marcar distinção fonêmica10-11.

Na identificação de alongamentos vocálicos é preciso levar em conta tanto a natureza da vogal, como o contexto fonológico em que aparece12-13. Estudos anteriores demonstram que as vogais baixas são mais longas do que vogais altas; vogais que têm consoante sonora precedente são mais longas do que as que têm consoantes surdas; e as que têm fricativas são mais longas do que as que têm plosivas como precedentes12. Os resultados desta pesquisa concordam apenas parcialmente com esses achados, pois os fonemas anteriores mais frequentes para a coda /R/ foram /p/, /b/, /s/ e depois /k/ e para a coda /S/ foi /p/. Quanto às vogais, encontrou-se /a/, mais frequentemente alongada na coda /R/ e também com maior md, levando a concordar com os resultados de estudos anteriores. Além disso, /ç/ (vogal mais baixa que /e/ e /o/) também apresentou md maior que /e/ e /o/ na coda /R/, também concordando com esses resultados. Entretanto, /E/, vogal mais baixa que /e/ e /o/ apresentou md menor do que elas na coda /R/, portanto, contrariando o esperado. Na coda /S/, /ç/ apresentou md maior do que /a/, que é a vogal mais baixa, contrariando o esperado, além de ter ainda o /p/ como fonema consonantal anterior, que é surdo.

Uma das margens de segurança para delimitação do alongamento diz respeito ao fonema anterior: plosivas permitem a segmentação da vogal mais facilmente do que fricativas. Erros nas medidas de duração de vogais são referidos nas zonas de transição entre fonemas. A magnitude do erro depende do contexto fonológico adjacente14.

Crianças com dificuldades de fala têm vocabulário restrito e/ou até evitam palavras complexas, como as polissílabas2. Por isso, as palavras analisadas neste estudo eram dissílabas. Outra importante razão para se levantar os fonemas anteriores mais frequentes diz respeito à necessidade de o profissional procurar palavras facilitadoras para terapia. De acordo com os resultados, a combinação de oclusiva e /a/ para a coda /R/ e a combinação de oclusiva e /ç/ para a coda /S/ podem guiar essas escolhas.

Atualmente, relacionam-se mudanças anatômicas com dados acústicos no desenvolvimento infantil. Resultados indicam que as diferenças entre gêneros pronunciam-se em termos acústicos entre quatro até 8/9 anos. No grupo pesquisado, não houve diferenças significativas entre os gêneros, nos dois tipos de codas.

A análise acústica realizada impede que a não-realização do fonema de final da sílaba medial (C)VC seja vista apenas como apagamento. A ocorrência do alongamento na coda /R/ foi de 95, 52%, ou seja, é estratégia muito freqüente. As omissões representam apenas 4,48%. Já para a coda /S/, a ocorrência do alongamento foi de 12,5% e dos apagamentos 87,5%. Descrever a fala da criança com precisão é tarefa fundamental do fonoaudiólogo. Sugere-se que a avaliação fonoaudiológica contemple a possibilidade de verificar a existência do alongamento vocálico por meio da análise acústica. Senão, ela pode estar sujeita a erros que podem fazer toda diferença na intervenção terapêutica15-16. Este tipo de análise é muito segura e bastante conveniente na avaliação das características de fala17.

Com relação ao alongamento ter ocorrido mais na coda /R/ do que na /S/, acrescenta-se que esta tendência também existe no grupo de crianças com desenvolvimento normal, cujos dados foram obtidos por amostra espontânea. Embora a manifestação do alongamento se dê no desenvolvimento linguístico entre 18-23 meses para as duas codas, a maior concentração para a coda /S/ está entre 18-23, enquanto que para a /R/ está entre 24-35 meses18. Afirma-se que /S/ em coda medial aparece aos 2:0 e é adquirida aos 3:0; enquanto que o aparecimento de /R/ ocorre aos 2:2 e é adquirida aos 3:1019.

No grupo dos DFE, observou-se tanto o apagamento (mais presente na coda /S/) quanto o alongamento (mais presente para a coda /R/). Obviamente, a distinção entre os dois processos esbarra na exatidão do diagnóstico. As crianças que apresentam o alongamento vocálico demonstram conhecer a estrutura (C)VC e, por isso, podem estar mais próximas da realização do fonema-alvo do que as que apagam. Logo, o programa terapêutico requererá estratégias diferentes a depender da identificação do alongamento vocálico ou não15-21.

Conclusão

A análise acústica permitiu distinguir dois processos na fala de crianças com DFE, quando não apresentam /R/ e /S/ em coda medial: o apagamento e o alongamento vocálico, ao invés de considerar existir apenas o apagamento, quando se elege, exclusivamente, a análise perceptual. O alongamento vocálico ocorreu mais na coda /R/ do que na /S/. O apagamento ocorreu mais na coda /S/ do que na /R/. A criança que apresenta alongamento vocálico deve ser tratada diferentemente em terapia, pois pode revelar conhecimento da estrutura (C)VC e, portanto, deve estar mais próxima da realização dos fonemas-alvo.

Recebido em 12.11.2008.

Revisado em 17.05.2009; 31.12.2009.

Aceito para Publicação em 01.02.2010.

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

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    Trabalho Realizado no Centro de Estudos de Linguagem e Fala da UFSM, Referente ao Desenvolvimento do Projeto de Prodoc/Capes do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana.
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    Endereço para correspondência: Av. Princesa D'Oeste, 1055 - Apto. 94 - Campinas - SP - CEP 13026-901 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      01 Fev 2010
    • Revisado
      31 Dez 2009
    • Recebido
      12 Nov 2008
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