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Ventilação oscilatória de alta frequência em crianças com síndrome da angústia respiratória aguda: experiência de um centro de tratamento intensivo pediátrico

Resumos

OBJETIVO: Descrever os efeitos da aplicação da ventilação de alta frequência oscilatória como suporte ventilatório de resgate em uma série de pacientes pediátricos com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). MÉTODOS: Participaram do estudo 25 crianças(> 1mês e < 17 anos) internadas em uma UTI pediátrica universitária com SARA e submetidas à ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO) por um mínimo de 48 horas, após falha da ventilação mecânica convencional. RESULTADOS: A taxa de mortalidade foi de 52% (13/25) 28 dias após o início da SARA. Ao longo de 48 horas, a aplicação da VAFO reduziu o índice de oxigenação [38 (31-50) vs. 17 (10-27)] e aumentou a relação pressão arterial parcial de O2/fração inspirada de O2 [65 (44-80) vs. 152 (106-213)]. A pressão arterial parcial de CO2 [54 (45-74) vs. 48 (39-58) mmHg] manteve-se inalterada. A pressão média de vias aéreas oscilou entre 23 e 29 cmH2O. A VAFO não comprometeu a hemodinâmica e observou-se uma redução da frequência cardíaca (141 ± 32 vs. 119 ± 22 bat/min), a pressão arterial média (66 ± 20 vs. 71 ± 17 mmHg) e o escore inotrópico [44 (17-130) vs. 20 (16-75)] mantiveram-se estáveis nesse período. Nenhum sobrevivente ficou dependente de oxigênio. CONCLUSÃO: VAFO melhora a oxigenação de pacientes pediátricos com SARA grave e hipoxemia refratária ao suporte ventilatório convencional.

Síndrome da angústia respiratória aguda; Ventilação de alta frequência oscilatória; Insuficiência respiratória; Pediatria; Ventilação mecânica protetora


OBJECTIVE: To describe the effects of high-frequency oscillatory ventilation (HFOV) as a rescue Acute respiratory distress syndrome ventilatory support in pediatric patients with acute respiratory distress syndrome (ARDS). METHODS: Twenty-five children (1 month < age < 17 years) admitted to a university hospital pediatric intensive care unit (ICU) with ARDS and submitted to HFOV for a minimum of 48 hours after failure of conventional mechanical ventilation were assessed. RESULTS: Twenty eight days after the onset of ARDS, the mortality rate was 52% (13/25). Over the course of 48 hours, the use of HFOV reduced the oxygenation index [38 (31-50) vs. 17 (10-27)] and increased the ratio of partial arterial pressure O2 and fraction of inspired O2 [65 [44-80) vs. 152 (106-213)]. Arterial CO2 partial pressure [54 (45-74) vs. 48 (39-58) mmHg] remained unchanged. The mean airway pressure ranged between 23 and 29 cmH2O. HFOV did not compromise hemodynamics, and a reduction in heart rate was observed (141±32 vs. 119±22 beats/min), whereas mean arterial pressure (66±20 vs. 71±17mmHg) and inotropic score [44 (17-130) vs. 20 (16-75)] remained stable during this period. No survivors were dependent on oxygen. CONCLUSION: HFOV improves oxygenation in pediatric patients with ARDS and severe hypoxemia refractory to conventional ventilatory support.

Acute respiratory distress syndrome; High frequency oscillatory ventilation; Respiratory failure; Pediatrics; Protective mechanical ventilation


ARTIGO ORIGINAL

Ventilação oscilatória de alta frequência em crianças com síndrome da angústia respiratória aguda: experiência de um centro de tratamento intensivo pediátrico* * Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

Anelise Dentzien PinzonI,II; Taís Sica da RochaI; Cláudia RicachinevskyI; Jefferson Pedro PivaIII; Gilberto FriedmanII,III,** ** Autor para correspondência. E-mail: gfriedman@hcpa.ufrgs.br (G. Friedman).

IUTI Pediátrica, Hospital de Criança Santo Antônio, Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS, Brasil

IIPrograma de Pós-graduação em Ciências Pneumológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

IIIFaculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Descrever os efeitos da aplicação da ventilação de alta frequência oscilatória como suporte ventilatório de resgate em uma série de pacientes pediátricos com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA).

MÉTODOS: Participaram do estudo 25 crianças(> 1mês e < 17 anos) internadas em uma UTI pediátrica universitária com SARA e submetidas à ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO) por um mínimo de 48 horas, após falha da ventilação mecânica convencional.

RESULTADOS: A taxa de mortalidade foi de 52% (13/25) 28 dias após o início da SARA. Ao longo de 48 horas, a aplicação da VAFO reduziu o índice de oxigenação [38 (31-50) vs. 17 (10-27)] e aumentou a relação pressão arterial parcial de O2/fração inspirada de O2 [65 (44-80) vs. 152 (106-213)]. A pressão arterial parcial de CO2 [54 (45-74) vs. 48 (39-58) mmHg] manteve-se inalterada. A pressão média de vias aéreas oscilou entre 23 e 29 cmH2O. A VAFO não comprometeu a hemodinâmica e observou-se uma redução da frequência cardíaca (141 ± 32 vs. 119 ± 22 bat/min), a pressão arterial média (66 ± 20 vs. 71 ± 17 mmHg) e o escore inotrópico [44 (17-130) vs. 20 (16-75)] mantiveram-se estáveis nesse período. Nenhum sobrevivente ficou dependente de oxigênio.

CONCLUSÃO: VAFO melhora a oxigenação de pacientes pediátricos com SARA grave e hipoxemia refratária ao suporte ventilatório convencional.

Palavras-chave: Síndrome da angústia respiratória aguda; Ventilação de alta frequência oscilatória; Insuficiência respiratória; Pediatria; Ventilação mecânica protetora

Introdução

A prevalência da síndrome da angústia respiratória aguda em unidades de terapia intensiva pediátrica varia entre 2 e 7,6%1,2. Em pediatria, está associada a altas taxas de mortalidade, cujos índices variam de acordo com o serviço, com a população estudada e com os fatores de risco presentes. Estudos clínicos sugerem que a ventilação mecânica (VM) pode modificar as respostas inflamatórias em pacientes com lesão pulmonar aguda. Nestes pacientes, com prévia inflamação pulmonar e sistêmica, a ventilação com volumes correntes (VT)de1015 mL/kg de peso corporal ideal (PCI) e níveis moderados a baixos de pressão positiva ao final da expiração (positive end expiratory pressure -PEEP) está associada com níveis aumentados de mediadores inflamatórios intra-alveolares e sistêmicos3. Em contraste, a ventilação mecânica com níveis moderados a elevados de PEEP e VT reduzidos de aproximadamente 6 mL/kg de PCI garantiu a troca gasosa adequada, a diminuição de mediadores inflamatórios intra-alveolares e sistêmicos e diminuiu a mortalidade3-6.

O uso de estratégias ventilatórias protetoras que evitem a lesão pulmonar adicional associada à VM é uma grande preocupação em qualquer paciente submetido à VM, inclusive sem patologia aguda7. A ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO) surge como uma estratégia ventilatória protetora, pois otimiza o recrutamento alveolareovolume pulmonar, e melhora a oxigenação através da aplicação de taxas de alto fluxo e frequências de até 900 ciclos por minuto com volumes correntes reduzidos (1-2 mL/kg), resultantes de mínimas diferenças nas pressões inspiratórias e expiratórias, ocasionando uma pressão média de vias elevada e persistente8.

A VAFO parece representar uma importante opção terapêutica no suporte ventilatório de crianças com falência respiratória. Apesar do aumento do uso da VAFO em pacientes pediátricos com falência respiratória aguda, observa-se um número limitado de estudos publicados, poucos estudos prospectivos e ensaios clínicos randomizados envolvendo crianças com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA)9-12. A VAFO tem sido mais utilizada como terapia de resgate em crianças com insuficiência respiratória grave após a falha da ventilação mecânica convencional (VMC) com estratégias de proteção ao pulmão12-15. Contudo, até hoje faltam evidências para suportar este uso16,17. A partir do momento que se comprove a VAFO como terapia resgate, esse modo ventilatório passa a ser uma opção terapêutica extremamente útil18,19.

O presente estudo tem como objetivo descrever os efeitos da aplicação da ventilação de alta frequência oscilatória como suporte ventilatório de resgate sobre a oxigenação e ventilação em uma série de pacientes pediátricos com diagnóstico de SARA.

Métodos

Delineamento

Realizamos um estudo observacional e retrospectivo por análise de prontuário de uma série de crianças internadas entre 2005 e 2010 com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA)20, que usaram VAFO por falha no tratamento com ventilação mecânica convencional.

Seleção de pacientes

O estudo foi realizado na unidade de terapia intensiva pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio, a qual possui 30 leitos em um Complexo Hospitalar Universitário. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (registro 1935/08).

Foram considerados elegíveis para o estudo os pacientes com os seguintes critérios: a) idade > 1 mês e < 17 anos; b) utilizaram VAFO para manejo de SARA (radiograma de tórax com infiltrado bilateral, relação da pressão parcial de oxigênio arterial e dafração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2) < 200, sem evidência clínica de hipertensão atrial esquerda); c) falha na ventilação mecânica convencional (VMC) protetora (crianças: pico de pressão inspiratória (PIP) > 35 cmH2O, pressão média de vias aéreas (PmVA) > 15-18cmH2O e FiO2> 0,6); lactentes a termo: PmVA > 10-12 cm H2O, FiO2> 0,6 e falha no aumento do volume pulmonar; e d) prontuário completo. A decisão de trocar para VAFO frente à dificuldade para manter parâmetros ventilatórios/oxigenação era feita pelo médico assistente.

Os pacientes foram excluídos do estudo se a VAFO fosse aplicada por menos de 48 horas em caso de óbito ou desmame precoce da VAFO neste mesmo período.

Foram coletados dados de diagnóstico (primário e associado) e variáveis de desfecho (tempo em VAFO, tempo em VMC antes e após VAFO, duração da internação na UTI, mortalidade hospitalar e no 28º dia após o diagnóstico de SARA).

Estratégias ventilatórias

Ventilação mecânica convencional

Inicialmente, todos os pacientes utilizaram VMC controlada por pressão (Servo 300, Siemens-elema AB, Suécia; SERVOi, Maquet GmbH&Co, KG, Rastatt, Alemanha). A estratégia de ventilação usada consistia em uma estratégia de "ventilação protetora" com FiO2 < 0,5, tolerando uma saturação de hemoglobina arterial de oxigênio (SaO2) > 85%, hipercapnia permissiva desde que pH > 7,2 e um volume corrente < 7 mL/Kg de peso corporal ideal. O modo ventilatório usado foi a ventilação mandatória sincronizada intermitente com pressão controlada + pressão assistida. O suporte geral incluía sedação (opioide e benzodiazepínico em infusão contínua), manutenção hídrica, suporte nutricional e antibióticos, quando indicado. Sempre que necessário, um relaxante muscular (pancurônio) era usado para facilitar a ventilação mecânica. Suporte hemodinâmico com vasopressores/inotrópicos e/ou fluidos foi utilizado via cateter venoso central, se necessário.

Ventilação de alta frequência oscilatória

Todos os pacientes submetidos à VAFO foram ventilados com um oscilador de alta frequência Sensor Medics 3100B (Sensor Medics, Yorba Linda, CA, EUA). Até o ano de 2007, não havia um protocolo para o início da VAFO e os parâmetros escolhidos ficavam a critério do médico assistente. A partir de 2008, foi adotado o seguinte protocolo: uma PmVA 5 cmH2O acima da PmVA em VMC, FiO2 igual a 1,0, amplitude era ajustada até alcançar potência adequada para a vibração da parede torácica, o fluxo aéreo era mantido em 30 mL/min. A frequência oscilatória inicial era ajustada entre 10-15 Hz. Para realizar o desmame da VAFO, a FiO2 era mantida entre 0,4 e 0,6, seguido da diminuição em 1 a 2 cmH2O para diminuir a pressão da via aérea. Já na parte da ventilação, observam-se diminuições progressivas (3-5 cmH2O) na pressão da amplitude. A VMC era retomada quando a pressão da via aérea era < 20 cmH2O, FiO2< 0,4 e quando o paciente tolerava a aspiração do tubo endotraqueal sem queda de saturação de oxigênio21,22.

Monitoração

Foram coletados os gases arteriais sanguíneos e os parâmetros ventilatórios em VMC (PIP = pressão inspiratória; pressão positiva no final da expiração; PEEP = positive end-expiratory pressure; FR=frequência respiratória; FiO2=fração de oxigênio inspirado; tempo inspiratório) no início da aplicaçãodaVAFO e após 6, 12, 24 e 48 horas (PmVA = pressão média em vias aéreas, AMP = amplitude, FR, FIO2). O índice de oxigenação (IO = [PmVA X FiO2 X 100]/PaO2)23 e a relação PaO2/FiO2 foram calculados nos mesmos intervalos de tempo. Parâmetros hemodinâmicos (FC = frequência cardíaca e PAM = pressão arterial média) e o escore inotrópico (DOPAMINA X 10 + ADRENALINA X 100) foram obtidos ao longo das 48 horas24. A gravidade dos pacientes foi avaliada pelo escore PIM25.

Análise estatística

O método estatístico utilizado para análise dos dados com distribuição normal foi a análise de variância (teste Tukey para comparações) e teste t-Student. Para as variáveis com distribuiçãonão normal, os testes não paramétricosde Mann-Whitney e a análise de variância de Friedman (Teste de Dunn para comparações). Os resultados estão expressos como média ± desvio padrão ou mediana (25-75 percentil).

Resultados

Características dos pacientes

A tabela 1 descreve as características dos pacientes e taxas de mortalidade. Foram identificados 31 pacientes com diagnóstico de SARA que foram submetidos à VAFO no período de cinco anos. Foram excluídos seis pacientes, cinco por óbito com menos de 24 horas e um por desmame da VAFO antes das 48 horas, restando 25 para a análise final. Os pacientes apresentavam elevado risco de morte, com taxa de mortalidade elevada e suporte ventilatório agressivo antes da aplicação da VAFO. As comorbidades associadas eram: pósoperatório de cirurgia congênita (n = 6), Síndrome de Cushing (n = 1), encefalopatia anóxica (n = 3), neoplasias hematológicas (n =3), grande queimado (n =1), complicações tardias de transplante renal (n = 1), citomegalovirose (n = 1), linfangioma pulmonar (n = 1), pós-operatório de transplante renal tardio (n=1), prematuridade (n =3), anóxia neonatal (n =1), doença da membrana hialina (n = 1), displasia broncopulmonar (n = 1), pós-operatório de cirurgia pulmonar (n = 2) e imunodeficiência inespecífica (n = 1).

Parâmetros de ventilação e oxigenação

Após 48 horasde VAFO, foi possível uma redução da FiO2 eum aumento da SaO2 significativos. O efeito da VAFO na melhora ventilatória significativa dos pacientes pode ser verificado através da redução do índice de oxigenação e do aumento da relação PaO2/FiO2 (fig. 1) ao longo das 48 horas. A PaCO2 manteve-se quase inalterada. A PmVA nas 48 horas de VAFO necessária para manter oxigenação com progressiva redução da FiO2 oscilou entre 23 e 29 cmH2O.


Parâmetros hemodinâmicos

Antes da aplicação da VAFO, 20 pacientes estavam em uso de uma droga ou de uma combinação de drogas vasoativas. Vinte e quatro horas após o início da VAFO, outros três pacientes necessitaram de infusão de droga ou de combinação de drogas vasoativas (dopamina, n = 22; noradrenalina, n = 6; adrenalina, n = 10; milrinone, n = 3). As duas principais causas de instabilidade hemodinâmica foram choque séptico (n = 17) e pós-operatório de cirurgia cardíaca. Apenas dois pacientes não usaram drogas vasoativas em nenhum momento. Mesmo utilizando pressões médias elevadas de vias aéreas, o desempenho hemodinâmico não foi prejudicado com a aplicação da VAFO, e observamos que a FC reduziu significativamente e que a pressão arterial média permaneceu estável. Além disso, o escore inotrópico manteve-se inalterado nesse período de avaliação.

Nos sete pacientes com bronquiolite, a relação PaO2/FiO2 aumentou de 62 ± 25 para 193 ± 114 (p = 0,027)eoIO diminui de 48 ± 17 para 15 ± 7 (p = 0,001) ao longo das 48 horas. Além disso, a PaCO2 tendeu a diminuir (59 ± 17 vs. 42 ± 10 mmHg, p = NS) nesse mesmo período.

Desfechos clínicos

A tabela 1 mostra os principais desfechos clínicos. A melhora dos parâmetros relacionados à oxigenação foi maior nos sobreviventes que nos não sobreviventes (tabela 2). Nenhum sobrevivente ficou dependente de oxigênio. Entre as complicações potencialmente relacionadas à ventilação e/ou doença pulmonar, 10 pacientes apresentaram pneumotórax não hipertensivo e sem comprometimento hemodinâmico adicional.

Comparação entre o período pré-protocolo e pós-protocolo de aplicação de ventilação de alta frequência oscilatória

A tabela 3 descreve a comparação dos principais desfechos clínicos e fisiológicos para os dois períodos. Não foram identificadas diferenças significativas entre os sete pacientes que foram ventilados sem um protocolo assistencial e os 18 demais que foram ventilados baseados em um protocolo estabelecido de VAFO a partir de 2008.

Discussão

Esse estudo, envolvendo uma amostra de pacientes com SARA grave submetidos à VAFO de resgate, não nos permite determinar a sua real eficácia. Contudo, nossos resultados indicam que a VAFO melhora significativamente a troca gasosa e permite reduções na oferta de oxigênio. Tais achados são consistentes com outros estudos que avaliaram o uso da VAFO em pacientes pediátricos com SARA e sugerem que o benefício seria maior quanto mais precoce se iniciasse a VAFO, em especial nas primeiras 24 horas dos quadros que cursam com hipoxemia refratária10,16,26. Mesmo que neste estudo a mediana do tempo de VMC antes da VAFO tenha se situado em torno de 24 horas, deve-se concluir que a indicação foi tardia. Observa-se que no momento da transição era utilizada em VMC uma FiO2 média de 95% e uma PIP média de 37 mmHg, mantendo uma elevada fração de shunt (hipoxemia refratária). Portanto, a indicação de VAFO não deve ser baseada em tempo de evolução, e sim na refratariedade ao tratamento com VMC.

A decisão de indicar a VAFO definida por um critério de resposta refratária à VMC é reforçada por outra observação do nosso estudo. Não houve diferenças entre os pacientes submetidos à VAFO sem protocolo definido (até 2007) em comparação àqueles em que a VAFO foi aplicada conforme definições claras de aplicação do método. Os pacientes não apresentavam diferenças em gravidade ou em parâmetros ventilatórios no início da aplicação de VAFO, e tiveram a mesma evolução clínica. Nós especulamos que a definição de critérios de decisão para a mudança do método ventilatório deve ser mais importante que a aplicação da VAFO através de um protocolo rígido.

A VAFO, mesmo sendo iniciada tardiamente, promoveu melhora significativa no IO e na relação PaO2/FiO2 nas 48 horas. A maioria dos estudos indicou a VAFO como forma de resgate para pacientes com SARA e que apresentavam dificuldades de ventilar os pacientes em VMC com piora no IO10,12,17. Um levantamento entre 14 centros, que incluiu 232 pacientes pediátricos, mostrou um IO médio de 27 antes do início da VAFO12.Nonossoestudo, naindicaçãodeVAFO,amedianado IO era de quase 40, confirmando que a decisão de transição foi provavelmente tardia para a maioria dos casos. Vários estudos têm focado o IO como preditor de mortalidade depois da passagem para VAFO12,16. Sarnaik et al. propuseram que, naqueles pacientes com IO inicial menor do que 20, não ter obtido uma redução de pelo menos 20% no IO nas seis primeiras horas na VAFO pode ter caracterizado um preditor de morte15.

Classicamente, a VAFO utiliza pressões médias de via aérea (PmVA) relativamente altas, permitindo sustentar o recrutamento pulmonar de forma mais eficaz que o promovido pelo uso do PEEP na VMC22,27. No presente estudo, a PmVA aumentou significativamente logo após o início da VAFO, com melhora significativa nos índices de oxigenação, sugerindo a abertura de uma maior parcela de unidades alveolares com melhora das trocas gasosas (recrutamento alveolar).

O impacto na PaCO2 não foi significativo em razão dos ajustes na amplitude do respirador, visando evitar a hiperventilação alveolar desnecessária e indesejada9,16,17,28.

Com a elevação da PmVA durante a VAFO, pode ocorrer comprometimento hemodinâmico, pois a elevaçãodapressão pleural promove redução no retorno venoso e do débito cardíaco. A maioria dos pacientes em nosso estudo já utilizava drogas inovasoativas durante a VMC, e o emprego da VAFO não comprometeu a estabilidade hemodinâmica, havendo, inclusive, redução do suporte hemodinâmico ao longo de 48 horas. Um estudo realizado por Mehta et al. em pacientes adultos mostrou que a VAFO pode levar a aumentos das pressões de enchimento e queda significativa do débito cardíaco29.Em contraste, Derdak et al. não encontraram diferenças significativas na frequência cardíaca, pressão arterial média, ou débito cardíaco entre pacientes adultos submetidos à VAFO versus aqueles submetidos à VMC nas 72 horas iniciais de tratamento30. Apesar de não termos medido o débito cardíaco, o desempenho hemodinâmico observado sugere que não houve comprometimento adicional do fluxo sanguíneo nos nossos pacientes, que a PAM permaneceu estável e que a FC diminuiu.

A mortalidade proveniente da SARA em crianças vem caindo para próximo de 20%31-33. Apesar de alguns pesquisadores estimarem que seja mais elevada34, com protocolos explícitos em certas populações de crianças com SARA, a mortalidade pode ser tão baixa quanto 8%35. Entretanto, pacientes com SARA continuam a estar entre aqueles de maior risco nas UTI pediátricas, com períodos prolongados em ventilação mecânica, risco elevado de infecções nosocomiais, e morbidade respiratória e prejuízo ao neurodesenvolvimento desconhecidos. No presente estudo, observamos uma taxa de mortalidade de 52% após 28 dias do diagnóstico de SARA e tratamento com VAFO. Na avaliação da alta taxa de mortalidade por SARA apresentada nesse grupo, deve-se ressaltar que: a) tratava-se de um grupo selecionado de pacientes com hipoxemia refratária em VMC (PIP médio de 30 e FIO2 de 95%); b) uma grande parcela apresentando choque séptico e diversas comorbidades; c) houve seleção da amostra, com a exclusão do estudo daqueles pacientes em que a VAFO fosse utilizada por menos de 48 horas (casos mais leves); d) ausência de um protocolo explícito para o suporte ventilatório convencional e transição para VAFO. Sabe-se que a gravidade inicial do defeito na oxigenação, falência não pulmonar de órgãoseapresença de disfunção neurológica são preditores independentes de mortalidade em crianças com SARA31. Em estudos com população de gravidade semelhante, a sepse grave e falência de múltiplos órgãos são causas comuns de morte em pacientes com SARA, com taxa de mortalidade que pode chegar a 61%36.

A taxa de pneumotórax, após o início da VAFO, foi particularmente alta. Contudo, nenhum paciente desenvolveu doença pulmonar crônica, e nenhum sobrevivente permaneceu mais de 28 dias em oxigenoterapia. No estudo de Arnoldet al., a incidência de barotrauma foi menor (25%), mas a necessidade oxigênio suplementar prolongada foi de 21%10.

Uma das contraindicações relativas para VAFO são pacientes com aumento da resistência das vias aéreas, como asma e bronquiolite21. Dentre os pacientes com bronquiolite, sete foram ventilados em VAFO, dos quais três sobreviveram. A oxigenação melhorou de forma importante nestes pacientes e houve uma tendência à melhora da ventilação. Nossos resultados são semelhantes aos de Berner et al., que também mostraram menor suplementação de oxigênio e melhora de outros parâmetros de troca gasosa37. Contudo, no momento da aplicação da VAFO, como os pacientes preenchiam critérios para SARA, não se pode excluir que o benefício tenha sido sobre as alterações alveolointersticiais próprias da SARA, e não sobre a obstrução de pequenas vias aéreas próprias da bronquiolite.

Este estudo apresenta algumas limitações associadas ao seu desenho retrospectivo, a obtenção de dados importantes por registros de prontuário, que por vezes estava incompleto, e ao tamanho e à heterogeneidade da amostra populacional estudada. Além disso, o estudo foi realizado em um único centro, e todas estas limitações, em conjunto, fazem qualquer extrapolação dos resultados arriscada.

Conclusão

Em pacientes com SARA grave apresentando hipoxemia refratária ao suporte ventilatório convencional, a VAFO promove melhora de forma sustentada nos índices de oxigenação. Contudo, estudos randomizados e controlados ainda são necessários para identificar se a VAFO pode se tornar um método ventilatório alternativo a modos ventilatórios convencionais e estabelecer o momento ótimo para a sua aplicação.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 11 de outubro de 2012

Aceito em 11 de fevereiro de 2013

On-line em 10 de julho de 2013

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    Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
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    Autor para correspondência. E-mail:
    gfriedman@hcpa.ufrgs.br (G. Friedman).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      11 Out 2012
    • Aceito
      11 Fev 2013
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