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Métodos: a receita do bolo

EDITORIAL

REDAÇÃO E LITERATURA CIENTÍFICA

Métodos - a receita do bolo

Bruno Caramelli

Editor-chefe da Revista da Associação Médica Brasileira

A publicação é uma tarefa obrigatória da pesquisa científica. Descrevendo e explicando fenômenos ou confirmando e desmentindo conceitos, é por meio dela que a ciência modifica o conhecimento humano, na maioria das vezes para melhor. Essa empreitada, entretanto, representa um pesadelo para muitos pesquisadores. Não é incomum descrever um cientista como um indivíduo com personalidade antissocial, avesso à comunicação e ao diálogo. De fato, muitos cientistas são maus professores e maus redatores, o que poderia explicar por que existem tantos ghost-writers e professores que consideram um castigo dar uma aula. A publicação exige um esforço adicional, por meio de uma atividade completamente diferente daquela que a pesquisa exigiu até aqui. Publicar implica colocar-se no lugar do outro ou antecipar a interpretação do leitor, tarefa difícil para indivíduos que costumam ter problemas com a teoria da mente, a capacidade para compreender estados mentais dos outros.

Buscando tornar mais "leve" o exercício da redação de trabalhos científicos, a RAMB vem publicando Editorias contendo a visão dos editores sobre cada uma das partes de um manuscrito científico, classicamente estruturado no formato IMRAD (Introduction, Methods, Results And Discussion)1,2. Os Métodos ou Metodologia representam a parte mais técnica e objetiva do texto, aquela que exige "menos teoria da mente" e, provavelmente, é a mais fácil para o cientista. Nem por isso a redação dos Métodos é menos importante. O editor e o revisor dificilmente iniciarão avaliação do artigo por aqui, mas, certamente, voltarão à metodologia para checar os procedimentos e esclarecer dúvidas relativas aos resultados. Por sua natureza mais técnica, é nesse item que aparecem os erros que comprometem toda a pesquisa e que servem de embasamento para justificar a rejeição do artigo pelos revisores.

A seção Métodos geralmente se inicia com a descrição do tipo de delineamento do estudo. Pode conter subitens, o que costuma acontecer nos ensaios clínicos ou epidemiológicos, pois há necessidade de caracterizar a população ou a casuística estudada. Devem ser descritos o universo de onde foi retirada a amostra do estudo, incluindo localização (cenário), época, nome da instituição, critérios de inclusão e de não inclusão, descrição de subdivisão ou distribuição da população em subgrupos e os desfechos (outcome). Os vieses de seleção ou delineamentos inadequados que podem comprometer a avaliação do artigo são percebidos aqui pelos revisores. A descrição detalhada de exames, testes, preparo de materiais é o passo seguinte. E é para esse item que o olhar crítico do revisor converge quando encontra valores diferentes dos habituais ou muito estranhos nos resultados.

Uma parte importante do item Métodos é o tratamento estatístico. O revisor deve encontrar justificativas para a determinação do tamanho amostral, apresentação dos testes e do software utilizado para a análise. Uma dica importante é escrever de maneira clara e completa para evitar que o texto seja enviado pelos editores para um revisor especializado em estatística. A maioria das revistas oferece essa opção no formulário preenchido pelos revisores. A experiência mostra que o revisor assinala essa opção quando tem dúvidas ou acredita que o tratamento estatístico pode ser incorreto. Outra informação preciosa é analisar como o tratamento estatístico é descrito em publicações anteriores na mesma revista. Todo cuidado é importante, pois, se seu artigo for enviado para análise por um revisor especializado, outras variáveis estarão envolvidas, incluindo maior rigor na descrição e linguagem mais técnica, que nem sempre é dominada pelos autores.

Finalmente, é preciso dizer que uma pesquisa bem desenhada e elaborada passa por um processo de validação interna e externa. O primeiro garante a confiabilidade e revela ao leitor que o processo de investigação foi elaborado de maneira correta, usando definições e conceitos sólidos e ferramentas adequadas. O segundo, a validação externa, certifica a reprodutibilidade: a metodologia deve conter informações suficientes para que o experimento possa ser reproduzido atingindo-se resultados semelhantes. Em ambos os casos, é possível não fazer uma descrição detalhada e recorrer a publicações anteriores dos mesmos autores por meio de citações, desde que essas tenham sido idênticas e possam garantir confiabilidade e reprodutibilidade.

  • 1. Caramelli B. The title: herald of scientific communication. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(4):359.
  • 2. Caramelli B. Abstract: the trailer of scientific communication. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(6):607.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Abr 2012
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