Acessibilidade / Reportar erro

O nesiritide reduz a dispneia na insuficiência cardíaca descompensada?

À BEIRA DO LEITO

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

O nesiritide reduz a dispneia na insuficiência cardíaca descompensada?

Wanderley Marques BernardoI; Fábio Tanzillo MoreiraII

ICoordenador do Projeto Diretrizes, Associação Médica Brasileira-Conselho Federal de Medicina (AMB-CFM); Professor de Medicina Baseada em Evidência, Centro Universitário Lusíada (UNILUS), Santos, SP, Brasil

IIAluno do Curso de Graduação em Medicina, UNILUS, Santos, SP, Brasil

INTRODUÇÃO

A insuficiência cardíaca (IC) está caracterizada quando a capacidade cardíaca não é suficiente para suprir a perfusão adequada para as demandas periféricas. Quando descompensada, pode causar diversas repercussões sistêmicas, dependendo do tipo de apresentação. O paciente pode apenas ter baixo débito cardíaco, ou pode ter grande congestão vascular pulmonar, causando edema agudo de pulmão e dispneia importante.

O nesiritide é a forma recombinante do peptídio natriurético cerebral (PNC), que é secretado quando as paredes dos ventrículos cardíacos são distendidas; seu uso foi aprovado em 2001 pelo Food and Drug Administration (FDA) no tratamento da IC descompensada. Ele tem propriedades vasodilatadoras, causando diminuição da pré e pós-carga, diminuição da pressão capilar pulmonar, e aumento do débito cardíaco sem efeitos inotrópicos1, 2 e sem causar arritmias3.

O objetivo desta revisão é avaliar se há benefício ou dano no uso do nesiritide em pacientes que se apresentam ao pronto-socorro com dispneia pela descompensação da IC.

MÉTODO

Foi realizada uma revisão sistemática na base de dados MEDLINE, à procura da melhor evidência disponível, com a seguinte estratégia: [(natriuretic peptide, brain OR nesiritide) AND (dyspnea OR heart failure)]. O filtro "therapy/narrow" foi utilizado através de interface Clinical Queries.

Cada estudo recuperado foi analisado por título e resumo. Foram selecionados estudos que se enquadraram nos critérios de inclusão: consistir em um ensaio clínico randomizado, comparar o uso do nesiritide ao placebo (ambos combinados à terapia-padrão) em pacientes que se apresentaram ao departamento de emergência com IC descompensada/dispneia, e estar escrito na língua inglesa, espanhola ou portuguesa. Apenas estudos com pontuação maior ou igual a três no score elaborado por Jadad et al.4 foram inclusos na seleção final e análise dos dados.

Todas as variáveis foram analisadas utilizando a diferença do risco absoluto (RA), com seu intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e o número necessário para tratar (NNT) ou número necessário para causar dano (NNH), através do software Catmaker. Para a metanálise foi utilizado o software Review Manager 5.1.2.

RESULTADOS

A revisão da literatura foi encerrada em agosto de 2011. Foram recuperados 411 artigos e apenas sete5-11 se enquadraram nos critérios de inclusão. Após análise dos artigos selecionados, dois deles foram excluídos da seleção final; um5 por não utilizar placebo no grupo da comparação, e o outro11 por não disponibilizar os dados absolutos sobre os desfechos em questão, impossibilitando o cálculo da diferença do risco.

No estudo de Colucci et al.9, foram testadas duas doses (0,015 e 0,030 µg/kg/min) em comparação ao placebo. No estudo de Mills et al.10 foram testadas três doses (0,015, 0,03 e 0,06 µg/kg/min) em comparação ao placebo.

DISPNEIA

O nesiritide demonstrou benefício, com redução do risco absoluto (RRA) de 0,04 ((IC 95%: 0,01-0,06)) e NNT = 25 (Figura 1). No entanto, a análise de sensibilidade revela que quando os estudos responsáveis pela alta heterogeneidade7, 9(Figura 2) são excluídos da metanálise, o efeito global deve se assemelhar ao efeito do estudo de O'Connor et al.6, ou seja, não deve demonstrar benefício significativo.



O estudo de Peacock et al.8 não pode ser adicionado à metanálise por se expressar em média. No entanto, a diferença na média entre os dois grupos após infusão do nesiritide não foi estatisticamente significativa.

HIPOTENSÃO SINTOMÁTICA

O nesiritide demonstrou aumento do risco absoluto (ARA) de hipotensão sintomática de 0,03 ((IC 95%: 0,02-0,04)), com NNH = 33 (Figuras 3 e 4).



FUNÇÃO RENAL

Apenas dois estudos6, 7 avaliaram a evolução da função renal. O estudo de O'Connor et al.6 tomou como parâmetro para agravamento da função renal um decréscimo maior ou igual a 25% na taxa de filtração glomerular basal; o estudo de Miller et al.7 usou o critério do aumento de 1,5 mg/dL ou mais na creatinina sérica basal. No entanto, não se observou diferença significativa entre os grupos em nenhum dos estudos.

CONCLUSÃO

De acordo com a análise da melhor evidência disponível, concluímos que o nesiritide não demonstrou benefício significativo para melhora da dispneia, além de demonstrar também um discreto aumento no risco de hipotensão sintomática.

Portanto, até o presente momento não existem evidências que sustentem o uso rotineiro do nesiritide para o alívio da dispneia em pacientes com IC descompensada que se apresentam ao departamento de emergência.

  • 1. Clarkson PB, Wheeldon NM, Macleod C, Coutie W, MacDonald TM. Brain natriuretic peptide: effect on left ventricular filling patterns in healthy subjects. Clin Sci (Lond). 1995 Feb;88(2):159-64.
  • 2. Zellner C, Protter AA, Ko E, Pothireddy MR, DeMarco T, Hutchison SJ et al. Coronary vasodilator effects of BNP: mechanisms of action in coronary conductance and resistance arteries. Am J Physiol. 1999 Mar; 276(3 Pt 2):H1049-57.
  • 3. Burger AJ, Horton DP, LeJemtel T, Ghali JK, Torre G, Dennish G et al. Prospective Randomized Evaluation of Cardiac Ectopy with Dobutamine or Natrecor Therapy. Effect of nesiritide (B-type natriuretic peptide) and dobutamine on ventricular arrhythmias in the treatment of patients with acutely decompensated congestive heart failure: the PRECEDENT study. Am Heart J. 2002 Dec;144(6):1102-8.
  • 4. Jadad AR, Moore RA, Carroll D, Jenkinson C, Reynolds DJ, Gavaghan DJ, McQuay HJ. Assessing the quality of reports of randomized clinical trials: is blinding necessary? Control Clin Trials, 1996;17:1-12.
  • 5. Sakr A, Hahn P, Donohue T, Ghantous A. Nesiritide in the initial management of acute decompensated congestive heart failure. Conn Med. 2008 Oct;72(9):517-23.
  • 6. O'Connor CM, Starling RC, Hernandez AF, Armstrong PW, Dickstein K, Hasselblad V et at. Effect of nesiritide in patients with acute decompensated heart failure. N Engl J Med. 2011 Jul 7;365(1):32-43.
  • 7. Miller AH, Nazeer S, Pepe P, Estes B, Gorman A, Yancy CW. Acutely decompensated heart failure in a county emergency department: a double-blind randomized controlled comparison of nesiritide versus placebo treatment. Ann Emerg Med. 2008 May;51(5):571-8. Epub 2008 Mar 4.
  • 8. Peacock WF 4th, Holland R, Gyarmathy R, Dunbar L, Klapholz M, Horton DP et al. Observation unit treatment of heart failure with nesiritide: results from the proaction trial. J Emerg Med. 2005 Oct;29(3):243-52.
  • 9. Colucci WS, Elkayam U, Horton DP, Abraham WT, Bourge RC, Johnson AD et al. Intravenous nesiritide, a natriuretic peptide, in the treatment of decompensated congestive heart failure. Nesiritide Study Group. N Engl J Med. 2000 Jul 27;343(4):246-53. Erratum in: N Engl J Med 2000 Nov 16;343(20):1504. N Engl J Med 2000 Sep 21;343(12):896.
  • 10. Mills RM, LeJemtel TH, Horton DP, Liang C, Lang R, Silver MA et al. Sustained hemodynamic effects of an infusion of nesiritide (human b-type natriuretic peptide) in heart failure: a randomized, double-blind, placebocontrolled clinical trial. Natrecor Study Group. J Am Coll Cardiol. 1999 Jul;34(1):155-62.
  • 11. Publication Committee for the VMAC Investigators (Vasodilatation in the Management of Acute CHF). Intravenous nesiritide vs nitroglycerin for treatment of decompensated congestive heart failure: a randomized controlled trial. JAMA. 2002 Mar 27;287(12):1531-40. Erratum in: JAMA 2002 Aug 7;288(5):577.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2012
  • Data do Fascículo
    Fev 2012
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br