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Câncer de mama estádio inicial e radioterapia: atualização

Resumos

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais frequente entre as mulheres. A escolha terapêutica depende do estádio clínico da doença, das características anatomopatológicas, idade, entre outros. O objetivo do presente estudo é apresentar uma atualização dos conceitos e definições da radioterapia (RT) no tratamento conservador do câncer de mama estádio inicial, enfatizando as indicações, contraindicações, dose e fracionamento da RT (esquema clássico, hipofracionado e irradiação parcial da mama), RT adjuvante no carcinoma ductal in situ (CDIS), irradiação das cadeias linfonodais e relação da RT com preditores moleculares de recorrência. Foram utilizadas as bases de dados MEDLINE, SciELO e Cochrane para a seleção dos principais artigos disponíveis sobre a temática proposta. A RT adjuvante tem um papel definido na abordagem das pacientes com câncer da mama submetidas à terapia cirúrgica conservadora. Em pacientes selecionadas, podem-se empregar esquemas de RT hipofracionada ou irradiação parcial das mamas. Todas as pacientes com CDIS devem receber RT adjuvante. Não se sabe a correlação do papel da RT com preditores moleculares de recorrência local e sistêmica.

Neoplasias da mama; radioterapia; fracionamento de dose; radioterapia adjuvante


Breast cancer (BC) is the most common malignancy among women. Therapeutic options are based on disease staging, histopathological characteristics, age, and others. The objective of the present study is to carry out an update of the concepts and definitions of radiotherapy (RT) in conservative treatment of early-stage breast cancer, with emphasis on indications, contraindications, RT dose fractionation schedules (classic, hypofractionated and partial breast irradiation), adjuvant RT in ductal carcinoma in situ (DCIS) and molecular predictors of recurrence. MEDLINE, SciELO and Cochrane databases were used for article selection. Adjuvant RT is indicated for patients with BC who underwent conservative breast surgery. In selected patients, hypofractionated or partial breast irradiation can be used. Adjuvant RT should be provided for all patients with DCIS. The correlation of RT and molecular predictors of local and systemic recurrence are not yet well-known.

Breast neoplasms; radiotherapy; dose fractionation; radiotherapy, adjuvant


ARTIGO DE REVISãO

Câncer de mama estádio inicial e radioterapia: atualização

Gustavo Nader MartaI; Samir Abdallah HannaII; Eduardo MartellaIII; João Luis Fernandes da SilvaIV; Heloisa de Andrade CarvalhoV

IMédico-residente do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP

IIDoutorando em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP); Especialista em Radioterapia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia/Associação Médica Brasileira e Sociedade Brasileira de Radioterapia; Assistente do Departamento de Radioterapia do Hospital Sírio-Libanês e Preceptor dos Residentes de Radioterapia do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP

IIIDoutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP; Especialista em Radioterapia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Radioterapeuta do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP

IVEspecialista em Radioterapia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia; Radioterapeuta e Coordenador do Departamento de Radioterapia do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP

VDoutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP; Radioterapeuta do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP e Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

Correspondência para Correspondência para: Gustavo Nader Marta Rua Dona Adma Jafet, 91 São Paulo-SP, CEP: 01308-050 gnmarta@uol.com.br

RESUMO

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais frequente entre as mulheres. A escolha terapêutica depende do estádio clínico da doença, das características anatomopatológicas, idade, entre outros. O objetivo do presente estudo é apresentar uma atualização dos conceitos e definições da radioterapia (RT) no tratamento conservador do câncer de mama estádio inicial, enfatizando as indicações, contraindicações, dose e fracionamento da RT (esquema clássico, hipofracionado e irradiação parcial da mama), RT adjuvante no carcinoma ductal in situ (CDIS), irradiação das cadeias linfonodais e relação da RT com preditores moleculares de recorrência. Foram utilizadas as bases de dados MEDLINE, SciELO e Cochrane para a seleção dos principais artigos disponíveis sobre a temática proposta. A RT adjuvante tem um papel definido na abordagem das pacientes com câncer da mama submetidas à terapia cirúrgica conservadora. Em pacientes selecionadas, podem-se empregar esquemas de RT hipofracionada ou irradiação parcial das mamas. Todas as pacientes com CDIS devem receber RT adjuvante. Não se sabe a correlação do papel da RT com preditores moleculares de recorrência local e sistêmica.

Unitermos: Neoplasias da mama; radioterapia; fracionamento de dose; radioterapia adjuvante.

Introdução

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais frequente entre as mulheres (sem considerar tumores de pele não melanoma). De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCa), no Brasil, foram estimados 49.240 casos novos para o ano de 2010, o que corresponde a um risco estimado de 65 novos casos por 100.000 mulheres1.

O diagnóstico precoce é um dos principais fatores prognósticos, e a escolha terapêutica vai depender do estádio clínico da doença, das características anatomopatológicas, condições clínicas, idade e desejo da paciente.

São considerados como tumores iniciais de mama os estadiados como 0 (in situ) a IIB, de acordo com a classificação TNM da American Joint Committee on Cancer.

Durante muitos anos, a mastectomia radical proposta por Halsted em 1894 foi o tratamento-padrão para o câncer de mama, independentemente de qualquer fator associado. Entretanto, a partir da década de 1980, observou-se mudança na abordagem terapêutica, seguindo a tendência de tratamentos mais conservadores sem, contudo, haver comprometimento da segurança oncológica.

A conservação da mama, que se fundamenta na exérese cirúrgica do tumor (setorectomia ou quadrantectomia) e no manejo axilar (linfonodo-sentinela com ou sem dissecção axilar), seguida de radioterapia (RT), é hoje o tratamento local padrão para a doença em estádios iniciais.

O presente estudo apresenta uma atualização dos conceitos e definições da radioterapia (RT) no tratamento conservador do câncer de mama estádio inicial, enfatizando as indicações, contraindicações, modalidades, dose e fracionamento da RT (esquema clássico, hipofracionado e irradiação parcial da mama), RT adjuvante no carcinoma ductal in situ e relação da RT com preditores moleculares de recorrência.

Métodos

Trata-se de uma atualização sobre a temática proposta utilizando as bases de dados MEDLINE, SciELO e Cochrane. Como ferramenta de busca, os descritores "câncer de mama", "radioterapia", "estádio inicial" e "tratamento conservador" foram usados para a seleção dos principais artigos disponíveis, com ênfase nos últimos dez anos.

Deu-se maior importância aos artigos prospectivos randomizados fase III, como também àqueles considerados fundamentais na tomada de decisão terapêutica.

Radioterapia no tratamento conservador

Pelo menos seis estudos randomizados compararam a mastectomia radical com a cirurgia conservadora seguida de RT e mostraram taxa de sobrevida global equivalente entre essas modalidades terapêuticas2. As atualizações com 20 anos de seguimento dos estudos do Instituto Nacional do Câncer de Milão3 e do National Surgery Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP) B064 corroboraram esses resultados.

é importante ressaltar que, desde que esses trabalhos foram iniciados, houve importante desenvolvimento das técnicas de imagem de localização tumoral, além da preconização da necessidade, outrora não valorizada, de se obter margens de ressecção livres, a fim de reduzir o risco de recidiva local. Além disso, a utilização da hormonioterapia (HT) adjuvante reduz o risco de recidiva local e aumenta a sobrevida5.

Dentro desse racional, alguns estudos analisaram o papel da RT após a cirurgia conservadora em mulheres portadoras de câncer de mama estádios iniciais, com o intuito de identificar um possível subgrupo de pacientes que não se beneficiaria da RT após cirurgia e HT.

Um estudo canadense6 randomizou 769 pacientes com 50 anos ou mais, tumores T1-T2 e linfonodos negativos para receber RT da mama e HT com tamoxifeno versus HT com tamoxifeno. Em 5,6 anos de seguimento mediano, observou-se que a recorrência local foi de 0,6% e 7,7% (p < 0,001) para o primeiro e segundo grupos, respectivamente.

O Cancer and Leukemia Group B, o Radiation Therapy Oncology Group e o Eastern Cooperative Oncology Group7 randomizaram 639 pacientes com 70 anos ou mais, estádio clínico I (T1N0M0), com receptores de estrógeno positivos para receber RT e HT ou HT exclusiva. Não houve diferença em termos de metástases a distância e sobrevida global em cinco anos. Existiu melhor controle local nas pacientes que receberam adjuvância combinada (taxa de recorrência local 1% RT HT versus 4% HT; p < 0,001). Cinquenta e sete por cento das mulheres elegíveis para o estudo declinaram da participação por não concordarem em receber HT sem RT. A despeito desses resultados, alguns autores questionam se uma diferença absoluta de apenas 3% em taxa de controle local justificaria o custo-benefício de um tratamento radioterápico nesse grupo de pacientes. Porém, se levado em consideração o curto período de seguimento desse trabalho (5 anos) com relação à expectativa de vida das mulheres de 10 ou 15 anos, o ganho em termos absolutos seria mais robusto. Ademais, com o advento de modernas técnicas de RT (tridimensional conformada- RT3DC - ou com a modulação da intensidade do feixe - IMRT) é possível proteger satisfatoriamente os órgãos sadios adjacentes (coração, pulmões, esôfago, medula e pele) e obter uma distribuição de dose mais homogênea, reduzindo de forma substancial a toxicidade do tratamento8.

Por fim, a mastectomia com preservação do complexo areolopapilar, apesar de ser defendida por alguns autores como cirurgia oncológica9, deve ser considerada como tratamento conservador (não existem ainda evidências de nível I que garantam a segurança oncológica da mastectomia com preservação do complexo areolopapilar, chamada também de adenomastectomia), portanto, passível de RT adjuvante. De fato, um estudo de longo prazo do Instituto de Karolinska10 acompanhando 12 anos de evolução de pacientes tratadas dessa maneira mostrou uma chance de 28% de recidiva x 8,5% em favor das pacientes que receberam RT pós-operatória.

Dessa forma, a irradiação de toda a mama está indicada para todas as mulheres submetidas à cirurgia conservadora para o câncer de mama em estádios iniciais.

Contraindicações ao tratamento conservador

O tratamento conservador no câncer de mama é possível para a maioria das mulheres, porém não aplicável a todas. As contraindicações ao tratamento conservador são subdivididas em absolutas e relativas.

Contraindicações absolutas

• Persistência de margens positivas após várias tentativas de reexcisão.

• Doença multicêntrica - dois ou mais tumores primários em quadrantes de mama separados.

• Aparência difusa das microcalcificações na mamografia, sugerindo multicentricidade.

• Gravidez, embora possa ser possível fazer uma cirurgia conservadora no último trimestre e a RT após o parto.

Contraindicações relativas

• Doenças do tecido conectivo, particularmente a esclerodermia ou as síndromes que têm alta chance de acometimento tegumentar (maiores possibilidades de complicações dérmicas).

• Tumor grande em mama pequena, em que a cirurgia pode resultar em um defeito estético importante.

• Mulheres com mamas volumosas ou pendulares podem ser submetidas à RT desde que seja tecnicamente possível obter-se adequada homogeneidade de dose.

• História de RT prévia na região da mama (por exemplo, doença de Hodgkin ou tratamento conservador da mama ipsilateral).

• Pacientes na pré-menopausa portadoras de mutação de BRCA1/2.

Em muitas situações, pacientes candidatas ao tratamento conservador são submetidas à mastectomia radical em função da utilização de critérios inadequados. Idade, subtipos histolólogicos, particularidades imunoistoquímicas, metástases para linfonodos axilares e da cadeia mamária interna, localização tumoral e história familiar positiva não contraindicam a terapia conservadora. Além desses parâmetros, muitas pacientes recusam o tratamento conservador devido aos estigmas/medos da RT. Não obstante, a retirada da paciente de suas atividades usuais durante 5 ou 6 semanas para realizar a RT, ou ainda a distância de sua casa ao serviço de RT também são variáveis que pesam na decisão terapêutica da doente11.

Modalidades, dose e fracionamento da radioterapia

Esquema clássico

Classicamente, a modalidade utilizada para a RT da mama é a teleterapia. Existem diversos esquemas de dose e fracionamento utilizados, muito embora a maioria dos grandes centros mundiais use de 4.500 a 5.000 cGy de dose total com 180 a 200 cGy/fração, cinco dias por semana.

Sob a argumentação de que o leito tumoral é o sítio da maior parte das recidivas locais12,13 e que maior controle poderia ser conseguido com um reforço de dose (boost) no quadrante inicialmente acometido pelo tumor (incluindo a cicatriz cirúrgica) sem aumento considerável de morbidade, começou-se a se considerar essa prática. O real impacto do reforço no tratamento conservador foi avaliado diretamente em dois estudos randomizados.

No estudo de Lyon14, 1.024 mulheres com tumores invasivos ≥ 3 cm submetidas à excisão local e dissecção axilar (98% de margens negativas) mais RT de toda a mama com dose de 5.000 cGy foram randomizadas para receber 1.000 cGy de reforço no leito tumoral ou nenhum tratamento adicional. Com seguimento mediano de 3,3 anos, a taxa de falha local em cinco anos foi de 3,6% e 4,5%, com e sem reforço, respectivamente (p = 0,044).

A European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC)15 randomizou 5.569 mulheres com estádios I e II de câncer de mama submetidas a cirurgia conservadora e RT de toda a mama com dose de 5.000 cGy, entre um reforço de 1.600 a 2.600 cGy versus nenhum tratamento adicional. A taxa de recidiva local em cinco anos foi significativamente menor em mulheres que receberam reforço (4,3 versus 7,3%), tendo sido mais marcante em mulheres com menos de 45 anos (10,2 versus 19,2%). Não houve diferenças em termos de sobrevidas global e livre de metástases a distância em ambos os grupos. Na atualização de dez anos desse estudo16 o uso do reforço manteve o ganho de controle local (falha local de 10,2% sem reforço versus 6,2% com ele p < 0,0001) em todas as faixas etárias da amostra.

O reforço pode ser realizado com teleterapia ou com braquiterapia. Naquela, mais comumente utilizam-se elétrons com energia variável, dependendo do tamanho da mama e da profundidade do leito tumoral; nesta, Irídio-192 pode ser usado com a colocação de cateteres plásticos ou agulhas, geralmente em dois planos, para completa cobertura do volume-alvo. Podem ser colocados no momento da cirurgia, com posterior carregamento das fontes radioativas. O uso de teleterapia com fótons também pode ser prescrito para o planejamento do reforço.

A melhor forma de se determinar o local do reforço é pela visualização de clipes metálicos colocados no ato cirúrgico. Na ausência dos mesmos, podem-se utilizar os exames de imagem (ultrassonografia, mamografia e/ou ressonância magnética das mamas) para servir de guia na localização do leito tumoral, mais a informação da cicatriz cirúrgica. Uma prática comum é tratar todo o quadrante sede da lesão primária.

Outrossim, esta é uma prática desafiadora para o radioterapeuta brasileiro, que quase sempre recebe a paciente após a cirurgia conservadora com reconstrução imediata, sem a devida demarcação por clipes metálicos. Dessa forma, perde-se a referência da cicatriz, que não estará necessariamente sobre o quadrante inicialmente acometido, e há dificuldade de se estabelecer se a margem do parênquima a receber a dose de reforço ainda está na projeção do quadrante em questão.

Esquema hipofracionado

Há aproximadamente 15 anos, foram desenhados os primeiros estudos propondo um esquema de tratamento hipofracionado (menor período de tratamento com maior dose por fração). Conseguir-se-ia, hipoteticamente, otimizar o período de tratamento através dessa promissora técnica. Assim, problemas como a escassez de serviços e equipamentos de RT e dificuldades de acesso das pacientes oriundas de grandes distâncias para receber as aplicações de RT poderiam ser menos importantes na decisão terapêutica. Além disso, o tratamento hipofracionado permitiria diminuir filas de espera em serviços públicos de atendimento à saúde, como, por exemplo, no Brasil.

Um estudo canadense17 randomizou 1.234 mulheres submetidas a tratamento conservador, com margens de ressecção negativas e linfonodos negativos, para receber 4.250 cGy de dose total em 16 frações (22 dias consecutivos), ou 5.000 cGy em 25 frações (35 dias consecutivos). Com um seguimento mediano de 69 meses, a sobrevida livre de recidiva local em cinco anos foi semelhante entre os dois braços (97,2 versus 96,8%), assim como a sobrevida global e livre de doença, com 77% de resultados cosméticos excelentes ou bons em ambos os braços. Na atualização desse estudo18, com 12 anos de seguimento, as taxas de recidiva foram equivalentes: 6,7 para o tratamento-padrão versus 6,2% para o hipofracionado, com cerca de 70% de resultados cosméticos excelentes ou bons em ambos os grupos.

Assim, esse é um novo modelo que pode ser utilizado em pacientes selecionadas, devendo ser evitado em situações em que houve administração de quimioterapia prévia, quando há necessidade de se tratar com RT as drenagens linfonodais, em reconstruções plásticas imediatas e em mamas volumosas. O papel do reforço nos esquemas hipofracionados ainda é incerto, pois à época do desenho do estudo canadense não se conhecia o seu real valor. Porém, nos estudos britânicos START, o uso do reforço e a RT das drenagens linfáticas foram permitidos19,20.

Irradiação parcial da mama

Com base, novamente, no racional de que a maioria das recidivas após o tratamento conservador ocorre no quadrante do tumor primário, somado aos aspectos sociais supracitados (distância da residência ao serviço de RT etc.), a possibilidade de realizar RT direcionada apenas para o leito tumoral e não para toda a mama em casos bem selecionados tem sido aventada e testada em estudos com variados níveis de evidência. Essa corrente de pesquisa nomeia a técnica de "Irradiação acelerada parcial da mama (IAPM)".

Diversas técnicas têm sido aplicadas para a IAPM, desde a braquiterapia com alta ou baixa taxa de dose (intersticial ou intracavitária), RT intraoperatória (RTIO) com elétrons ou com ortovoltagem, ou até mesmo RT externa.

A American Society for Therapeutic Radiology and Oncology (ASTRO)21, em recente publicação, listou suas normativas consensuais concernentes à IAPM, inferindo os critérios e as características das pacientes candidatas a essa nova modalidade terapêutica. Com essa publicação, tida como a principal diretriz para IAPM, admite-se tratar algumas pacientes fora de protocolos investigacionais (Tabela 1).

De forma semelhante, o Groupe Européen de Curiethérapie e a European Society for Therapeutic Radiology and Oncology22 também publicaram suas recomendações relativas à IAPM, categorizando as pacientes em baixo risco, risco intermediário e alto risco (boas candidatas, possíveis candidatas e contraindicação para IAPM, respectivamente).

Talvez o principal benefício em se utilizar essas técnicas seja a redução do tempo total de tratamento, que, em vez de ser realizado em seis semanas (RT convencional), pode ser efetuado no momento do ato cirúrgico para retirada do tumor (RTIO), ou em até uma semana após o procedimento operatório (braquiterapia). Apesar de todos os trabalhos apresentarem resultados extremamente promissores, a duração do seguimento de todas as séries é relativamente curta e somente se aplica a pacientes altamente selecionadas.

Radioterapia adjuvante no carcinoma ductal in situ

O carcinoma ductal in situ (CDIS) tradicionalmente é classificado levando-se em consideração o padrão arquitetural (comedonecrose, cribriforme, micropapilar, papilar ou sólido) e representa um conjunto distinto de lesões proliferativas com potencial de invasividade heterogêneo. Sendo assim, existe a necessidade de identificar as lesões com maior probabilidade de agressividade, a fim de se instituir a adequada proposta terapêutica.

Na era da mastectomia radical, os índices de cura se aproximavam de 98%. Com o surgimento do tratamento conservador para os carcinomas invasivos, essa estratégia foi introduzida e considerada padrão para a abordagem do CDIS, apesar de não haver estudos prospectivos e randomizados comparando a terapêutica conservadora e mastectomia radical para essa população específica.

Três trabalhos demonstraram o benefício de se acrescentar RT adjuvante nas pacientes com CDIS submetidas à cirurgia conservadora. O estudo NSABP B-1723 incluiu 818 pacientes que foram randomizadas entre cirurgia isolada ou associada à RT de toda mama com dose total de 5.000 cGy. O principal desfecho foi recidiva local, invasiva ou intraductal. Com doze anos de seguimento, a utilização de RT reduziu a taxa de recidiva local cumulativa (16% versus 32%). Quando estratificado em termos de recidivas invasivas e não invasivas, esse ganho foi observado em ambos os subgrupos, embora a redução das invasivas tenha sido maior do que as não invasivas (16,8 versus 7,7% e 14,6 versus 8%, respectivamente). Não houve impacto em sobrevidas global e câncer-específica.

Em outro estudo com desenho semelhante (European Organization for Research and Treatment of Cancer - EORTC 10853)24, 1.010 pacientes portadoras de CDIS tratadas com cirurgia conservadora com tumores ≥ 5 cm foram randomizadas entre RT de toda mama (dose de 5.000 cGy) ou acompanhamento clínico. Após 4,3 anos de seguimento, as que receberam RT tiveram menores taxas de recidiva invasiva (4,8 versus 8%) e não invasiva (5,8 versus 8,8%), quando comparadas ao grupo sem adjuvância.

O estudo cooperativo (Inglaterra - Austrália - Nova Zelândia)25, com atualização apresentada no 32ndSan Antonio Breast Cancer Symposium (2009)26, randomizou 1.701 pacientes submetidas à cirurgia por CDIS com margens livres nos seguintes grupos: cirurgia isolada, cirurgia com RT, cirurgia com tamoxifeno, cirurgia com RT e tamoxifeno. Após 53 meses de seguimento médio, a RT diminuiu a incidência de doença invasiva ipsilateral (risco relativo: 45%) e de CDIS ipsilateral (risco relativo: 36%). A utilização da hormonoterapia não reduziu a ocorrência de tumores invasivos ipsilaterais, mas diminuiu a recidiva global do CDIS (risco relativo: 68%).

Apesar de existirem críticas aos estudos do NSAPB B-17 e EORTC 10853 devido às avaliações patológicas e mamográficas não estarem em concordância com os padrões atuais, há evidente vantagem da utilização da RT na redução do risco relativo de recidiva local quando comparado com monoterapia cirúrgica. Não existem dados concretos na literatura capazes de selecionar subgrupos de pacientes com CDIS que pouco ou quase não se beneficiariam da RT após cirurgia conservadora.

Preditores moleculares de recorrência

Tradicionalmente, a decisão da melhor abordagem para o tratamento das pacientes com câncer de mama está baseada nas características clínico-patológicas como estadiamento (TNM), status das margens cirúrgicas, histologia e idade da paciente. Entretanto, com o crescente conhecimento de biologia molecular, o conceito de que o tumor de mama representa um grupo heterogêneo de doenças é cada vez mais aceito e hoje se investiga se essas particularidades moleculares poderiam modificar a estratégia terapêutica empregada.

A mais recente classificação dos tumores de mama com a participação da biologia molecular tende a subdividi-los nas categorias luminal A ou B, HER-2 positivo ou negativo e triplo negativo. Da mesma forma, a utilização de preditores moleculares que avaliam a expressão genética também poderia ser empregada na avaliação do risco de recidiva local.

Apesar de os primeiros estudos publicados auxiliarem na decisão da opção de tratamento adjuvante sistêmico a ser usado, ainda não há ensaio clínico que correlacione o papel da RT com preditores moleculares de recorrência local e sistêmica27,28.

Conclusão

As indicações e contraindicações da RT adjuvante na abordagem terapêutica das pacientes com câncer de mama estádio inicial submetidas a tratamento conservador estão bem definidas pela literatura. Para pacientes selecionadas, podem-se empregar esquemas de RT hipofracionada ou irradiação parcial da mama, pois há evidências de que esta opção é equivalente em termos de controle local ao esquema clássico de irradiação das mamas.

A RT adjuvante no carcinoma ductal in situ deve ser facultada para todas as pacientes, especialmente as mais jovens, pela redução do risco relativo de recidiva local. Não há dados concretos na literatura capazes de selecionar subgrupos de pacientes com CDIS que pouco ou quase não se beneficiariam da RT após cirurgia conservadora.

A correlação do papel da RT com preditores moleculares de recorrência local e sistêmica ainda deve ser mais estudada.

Artigo recebido: 20/01/2011

Aceito para publicação: 10/05/2011

Conflito de interesse: Não há.

Trabalho realizado no Hospital Sírio-Libanês, Centro de Oncologia, Departamento de Radioterapia, São Paulo, SP

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  • Correspondência para:

    Gustavo Nader Marta
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      20 Jan 2011
    • Aceito
      10 Maio 2011
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