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"Quais são as novidades no uso da dopplervelocimetria na insuficiência placentária?"

À BEIRA DO LEITO

OBSTETRÍCIA

"Quais são as novidades no uso da dopplervelocimetria na insuficiência placentária?"

Seizo MiyadahiraI; Roseli Mieko Yamamoto NomuraI; Rossana Pulcineli Vieira FranciscoII; Marcelo ZugaibIII

ILivre-docentes do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP, São Paulo, SP

IIDoutora do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP, São Paulo, SP

IIIPesquisador Doutorando do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP, São Paulo, SP

A etiologia da insuficiência placentária abrange muitas doenças, desde as mais comuns associadas à gestação, como a hipertensão arterial, até as mais raras, como as trombofilias e doenças autoimunes e outras não identificadas2. As gestações que evoluem com essa anormalidade apresentam repercussões características sobre o desenvolvimento fetal conhecidas como restrição do crescimento fetal (RCF). Essa entidade associa-se a altas taxas de mortalidade perinatal, morbidade pós-natal e à ocorrência de sequelas neurológicas3. Menos graves, mas, muito importantes pela frequência, são os riscos que esses indivíduos subnutridos na vida intrauterina apresentam após o nascimento, conforme destaca a Hipótese de Barker, a qual conjectura maior incidência de doenças cardiovasculares e obesidade na vida adulta1,3.

A má placentação se deve às desordens predominantemente vasculares. Inicia-se com anormalidades vasculares em nível de vilosidades terciárias e termina com manifestações cardíacas multivasculares fetais bastante características5. Isso enrobustece a importância da aferição do fluxo sanguíneo nos vasos dos compartimentos mais envolvidos na gestação, dando amplos motivos e soberania ao uso da dopplervelocimetria para o diagnóstico e o seguimento de pacientes com gestações acometidas pela intercorrência em tela. Em virtude de possibilitar grande incremento de informações, muito úteis ao manejo clínico, houve rápida incorporação dessa ferramenta à prática, culminando com o conhecimento atual da sequência de alterações acarretadas pela progressão da falência placentária e déficit na oxigenação fetal 1,5.

A insuficiência placentária de instalação muito precoce, invariavelmente grave, gera recém-nascidos muito vulneráveis, dependentes de cuidados altamente especializados, de níveis terciários. A propósito disso, interessa mencionar que com a possibilidade de se aferir a intensidade, a cronologia e a velocidade de instalação das lesões placentárias com o auxílio da dopplervelocimetria, como novidade, Turan et al. (2008)5 propõem a classificação da insuficiência placentária em três níveis, segundo ordem progressiva de gravidade:

a) Insuficiência placentária leve, que é típica de terceiro trimestre, tendo início, em média, com 33 semanas de gestação, e o parto com 35 semanas de gestação;

b) Disfunção placentária progressiva, que se inicia com aproximadamente 29 semanas e o parto ocorre, em média, com 33 semanas;

c) Insuficiência placentária grave de início precoce, que surge, em média, com 27 semanas e o parto ocorre entre 30 e 31 semanas.

Por outro lado, com base em vários estudos recentes, cita-se, a seguir, a sequência de alterações dopplervelocimétricas relacionadas à deterioração placentária e ao déficit de oferta de oxigênio ao feto1, 2, 5.

1) Elevação dos índices dopplervelocimétricos das artérias umbilicais (AU);

2) Redução da relação entre índices das AU/artéria cerebral média;

3) Diástole zero (DZ) nas AU;

4) Diástole reversa (DR) nas AU;

5) Ducto venoso (DV) anormal;

6) Pulsação da veia umbilical e

7) DV com onda A reversa.

Nota-se que os itens 1, 2, 3 e 4, em série, traduzem a gravidade das lesões placentárias as quais antecedem os danos fetais mais graves, correspondentes aos itens 5, 6, e 7. O conhecimento dessa sequência é fundamental para se delinear a conduta clínica, pois expressa, passo-a-passo, a evolução da injúria hipoxêmica fetal, que ocorre antes do advento de anormalidades na cardiotocografia (CTG) e no perfil biofísico fetal (PBF). Considerando-se esses argumentos, algumas medidas obstétricas podem ser estabelecidas 2,5:

1) Preconizar a continuidade da gestação quando os resultados dos parâmetros avaliados forem tranquilizadores;

2) Estabelecer a periodicidade dos exames de vigilância da vitalidade fetal;

3) Apontar o momento oportuno de se administrar corticoides para a aceleração da maturidade pulmonar fetal;

4) Indicar pronta intervenção nas anormalidades graves (onda A com fluxo ausente ou reverso no DV e pulsação na veia umbilical).

Nos cuidados dirigidos aos casos com RCF, embora a dopplervelocimetria tenha assumido grande expressividade na avaliação das condições de desenvolvimento e oxigenação do feto, especialmente na insuficiência placentária grave, não existem dúvidas de que os recursos tradicionais de avaliação da vitalidade fetal, como a CTG e o PBF, permanecem incólumes e constituem guias imprescindíveis na intervenção resolutiva.

Cita-se, ainda, como novidade no campo da avaliação da vitalidade fetal com a dopplervelocimetria, a análise da velocidade máxima do fluxo sanguíneo na artéria cerebral média, conforme propuseram Mari et al., em 20074. Esses pesquisadores constataram forte associação dos resultados anormais (pico de velocidade sistólica >p.95) desse parâmetro com a mortalidade perinatal, muito mais significativa do que o diagnóstico de centralização feita pela observação de diminuição dos índices de pulsatilidade do mesmo vaso. Essa constatação carece, ainda, de comprovação que deve acontecer, de preferência, por meio de ensaios clínicos, prospectivos e randomizados, passo fundamental para lhe conferir confiabilidade e praticidade.

  • 1)Baschat AA, Cosmi E, Bilardo CM, Wolf H, Berg C, Rigano S, et al.. Predictors of neonatal outcome in early-onset placental dysfunction. Obstet Gynecol. 2007;109:253-61.
  • 2)Francisco RPV, Miyadahira S, Zugaib M. Predicting pH at birth in absent or reversed end-diastolic velocity in the umbilical arteries. Obstet Gynecol. 2006;107:1042-6.
  • 3)Jacobsson B, Ahlin K, Francis A, Hagberg G, Hagberg H, Gardosi J. Cerebral palsy and restricted growth status at birth: population-based case-control study. BJOG. 2008;115:1250-5.
  • 4)Mari G, Hanif F, Kruger M, Cosmi E, Santoya-Forgas J, Treadwell MC. Middle cerebral artery peak systolic velocity: a new Doppler parameter in the assessment of growth-restricted fetuses. Ultrasound Obstet Gynecol. 2007;29:310-6.
  • 5)Turan OM. Turan S, Gungor S, Berg C, Moyano D, Gembruch U, et al. Progression of doppler abnormalities in growth restriction. Ultrasound Obstet Gynecol. 2008;38:160-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2009
  • Data do Fascículo
    2009
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