Acessibilidade / Reportar erro

Experiência clínica, educação médica continuada e qualidade da atenção em saúde

PANORAMA INTERNACIONAL

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIA

Experiência clínica, educação médica continuada e qualidade da atenção em saúde

Wanderley Marques Bernardo; Fabio Biscegli Jatene; Moacyr R Cuce Nobre

Garantir a qualidade na atenção em saúde tornou-se assunto central da medicina atual. A qualidade dessa atenção pode ser inferior à ideal, oscilando principalmente em decorrência de diferentes condições médicas e locais de atendimento. Dentre as condições médicas que podem influenciar a qualidade, está a performance, cuja avaliação também tem sido central na medicina moderna.

Enquanto a prática adquirida é adequada para algumas situações clínicas, o conhecimento e a performance médicos podem declinar com a passagem do tempo. Avanços médicos ocorrem freqüentemente, e o conhecimento explícito que o médico possui facilmente se torna desatualizado.

Apesar de se considerar, de maneira genérica, que o conhecimento tácito e as habilidades acumuladas pelos médicos, ao longo dos anos de prática, levem a habilidades clínicas superiores, é também razoável se considerar que os médicos com maior experiência possam paradoxalmente estar menos dispostos a fornecer cuidados em saúde tecnicamente apropriados.

Através de uma revisão sistemática da literatura1, foram selecionados 62 estudos que avaliaram a relação entre o conhecimento médico ou a qualidade de atenção em saúde, e o tempo de prática médica ou idade do médico. Os desfechos avaliados foram: conhecimento, aderência a diretrizes de prática clínica (diagnóstico, screening, prevenção e terapêutica) e mortalidade dos pacientes.

No total, 32 de 62 estudos (52%) demonstraram uma associação negativa entre maior experiência e performance, ou seja, a performance diminuiu à medida que a experiência aumentou, para todos os desfechos avaliados; 13 estudos (21%) relataram associação negativa para alguns desfechos apenas; dois (3%) referem uma relação côncava, ou seja, a performance inicialmente aumenta à medida que a experiência aumenta, atinge um máximo, e depois decresce; 13 estudos (21%) não relataram associação; um (2%) referiu uma associação positiva, a saber, a performance cresce à medida que a experiência cresce, mas para apenas alguns desfechos; e um estudo (2%) referiu uma associação positiva para todos os desfechos analisados.

Apesar dessa revisão sistemática estar baseada em estudos heterogêneos e empíricos, ela sugere que médicos que estão em prática por mais tempo e médicos com mais idade, possuem menos conhecimento real, estão menos dispostos a aderir a diretrizes de prática clínica, e podem ter desfechos clínicos piores. Apesar de suas limitações, esse estudo sugere que médicos mais antigos podem necessitar de intervenções educacionais, aplicáveis a todas as faixas etárias, visando uma melhor qualidade na atenção à saúde dos pacientes. A avaliação da performance, demonstrando atualização e competência contínua deve também ser considerada.

Comentário

À medida que o tempo decorrido desde a graduação em medicina aumenta, o conhecimento atualizado sobre atenção à saúde diminui, mostrando haver uma correlação negativa, estatística, e clinicamente significativa entre essas variáveis2.

Os resultados dessa revisão sistemática são paradoxais, à medida que é geralmente aceito que a experiência clínica leva ao conhecimento e à habilidade, e conseqüentemente a uma melhor atenção e cuidado ao paciente. Algumas razões poderiam explicar esses resultados: 1. É provável que os médicos criem uma bagagem de decisões clínicas durante a trajetória de prática, que não é atualizada periodicamente; 2. Médicos mais antigos se mostram menos dispostos a adotar novas evidências terapêuticas e são menos receptivos a novas condutas de prática clínica; 3. Adicionalmente, inovações práticas, envolvendo mudanças teóricas, como o uso de terapêutica cirúrgica menos agressiva ou protocolos de redução de tempo de hospitalização, podem ser mais dificilmente incorporadas na prática de médicos que foram treinados há mais tempo.

No entanto, não é de se estranhar que o número de programas de educação médica continuada aumente cada vez mais. Mas, sobretudo o conteúdo de programas de educação médica continuada3, baseado nas melhores evidências da atualidade, centrado no paciente, não personalizado e nem adaptado a interesses individuais ou de grupos, pode se somar, de maneira ética, à experiência clínica adquirida ao longo dos anos de prática médica, reforçando que o tempo de vida médica é um dos componentes fundamentais na qualidade da atenção à saúde de nossos pacientes.

Referências

1. Choudhry NK, Fletcher RH, Soumerai SB. Systematic review: the relationship between clinical experience and quality of health care. Ann Intern Med 2005; 142:260-73.

2. Sibley JC, Sackett DL, Neufeld V, Gerrard B, Rudnick KV, Fraser W. A randomized trial of continuing medical education. N Engl J Med 1982; 306:511-5.

3. Sackett DL, Haynes RB. On the need for evidence-based medicine [EBM Trends]. Evidence-Based Medicine 1995; 1:5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 2005
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br