Acessibilidade / Reportar erro

Manifestações oculares do paciente infectado pelo HIV atendido no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo

Ocular manifestations of the HIV infected Patients at the Ophthalmology Department of São Paulo Federal University

Resumos

OBJETIVO: Avaliar as manifestações oculares do paciente HIV positivo. MATERIAL E MÉTODOS: É um estudo retrospectivo em 1100 pacientes ambulatoriais HIV positivo em três anos com ficha padrão e exame oftalmológico completo, atendidos no Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina. RESULTADOS: Dos 1100 pacientes, 869 (79%) eram do sexo masculino e 231 (21%) do feminino. Os fatores de risco mais importantes foram: homossexualidade masculina em 303 (27,55%), heterossexualidade em 272 (24,73%), usuários de drogas endovenosas em 168 (15,27%) e causa indeterminada ou não revelada em 246 (22,36%). As queixas oculares mais freqüentes foram: 432 (39,27%) pacientes com baixa da acuidade visual; 138 (12,55%) com embaçamento visual; 64 (5,82%) com dor ocular, 186 (16,9%) com queixas inespecíficas e 235 (21,36%) pacientes não apresentavam qualquer queixa. As manifestações oculares mais freqüentes foram: retinite por CMV em 246 (22,36%) dos pacientes; exsudatos algodonosos em 110 (10%), blefarite em 51(4,64%) e toxoplasmose ocular em 48 (4,36%). CONCLUSÃO: Houve progressão da doença entre os heterossexuais e aumento da incidência no sexo feminino nesta população estudada. Os que apresentavam queixas oculares foram a maioria. A manifestação ocular mais freqüente foi a retinite por CMV em 246 (22,36%). Encontramos 10% de exsudatos algodonosos.

AIDS; Manifestações oculares; Uveíte; Inflamação intraocular


PURPOSE: To evaluate ocular manifestations of HIV-infected patients MATERIAL AND METHODS: A restropective study of 1,100 HIV positive out patients in 3 years with a standard complete ophthalmological exam. RESULTS: Eigth hundred and sixty nine (79%) of the 1,100 patients studied were male and 231 (21%) female. The most important risk factors were: male homossexuality in 303 cases (27.55%), heterossexuality in 272 (24.73%), endovenous drugs use in 168 (15.27%), and unknown cause in 246 (26.36%). Related to ocular complains, we found 432 (39.27%) patients with decreased visual acuity, 138 (12.55%) with visual hazy, 64 (5.82%) with ocular pain, 186 (16.9%) with inespecific complaints, and 235 (21.36%) with no complains. The most frequent ocular manifestations were: CMV retinitis in 246 (22.36%), cotton wool spots in 110 (10%), blepharitis in 51 (4.64%), and toxoplasmosis in 48 (4.36%). CONCLUSION: The increase of disease ratio was observed among heterossexual and females in this specific population. Patients with ocular complains were 79.42% . The most frequent ocular manifestations was CMV retinitis, in 246 (22.36%). We found also 10% of cotton wool spots.

AIDS; Ocular manifestations; Uveitis; Intra-ocular inflammation


Comunicação

Manifestações oculares do paciente infectado pelo HIV atendido no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo

K. T. F. Matos, M. C. M. Santos, C. Muccioli

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia, Setor de Úvea e AIDS - EPM - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP.

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar as manifestações oculares do paciente HIV positivo.

MATERIAL E MÉTODOS: É um estudo retrospectivo em 1100 pacientes ambulatoriais HIV positivo em três anos com ficha padrão e exame oftalmológico completo, atendidos no Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina.

RESULTADOS: Dos 1100 pacientes, 869 (79%) eram do sexo masculino e 231 (21%) do feminino. Os fatores de risco mais importantes foram: homossexualidade masculina em 303 (27,55%), heterossexualidade em 272 (24,73%), usuários de drogas endovenosas em 168 (15,27%) e causa indeterminada ou não revelada em 246 (22,36%). As queixas oculares mais freqüentes foram: 432 (39,27%) pacientes com baixa da acuidade visual; 138 (12,55%) com embaçamento visual; 64 (5,82%) com dor ocular, 186 (16,9%) com queixas inespecíficas e 235 (21,36%) pacientes não apresentavam qualquer queixa. As manifestações oculares mais freqüentes foram: retinite por CMV em 246 (22,36%) dos pacientes; exsudatos algodonosos em 110 (10%), blefarite em 51(4,64%) e toxoplasmose ocular em 48 (4,36%).

CONCLUSÃO: Houve progressão da doença entre os heterossexuais e aumento da incidência no sexo feminino nesta população estudada. Os que apresentavam queixas oculares foram a maioria. A manifestação ocular mais freqüente foi a retinite por CMV em 246 (22,36%). Encontramos 10% de exsudatos algodonosos.

UNITERMOS: AIDS. Manifestações oculares. Uveíte. Inflamação intraocular.

INTRODUÇÃO

O envolvimento ocular que ocorre freqüentemente em pacientes infectados pelo HIV é um importante fator de morbidade1,2.

A importância da investigação ocular se dá pela alta incidência das lesões oculares associadas à gravidade de algumas infecções na função visual3,4.

O aumento da média de sobrevida desses pacientes tem causado o aumento concomitante da incidência de infecções oportunistas, assim como o reconhecimento de novos agentes etiológicos.

Dentre as formas de acometimento ocular, podemos encontrar: retinopatia do HIV, infecções oportunistas secundárias propriamente ditas, manifestações neuro oftalmológicas, neoplasias e lesões iatrogênicas, como nos depósitos retinianos em crianças tratadas com didanosina (DDI)5 e nos casos de Stevens-Johnson6.

O objetivo deste estudo é avaliar as manifestações oculares, investigar os fatores de risco, as queixas oculares, traçando, assim, um perfil oftalmológico dos pacientes infectados pelo HIV atendidos em serviço de referência num período de três anos.

MATERIAL E MÉTODOS

No período de janeiro de 1993 a janeiro de 1996, foram atendidos 1100 pacientes HIV positivo com confirmação laboratorial pelo método de ELISA no Departamento de Úvea e AIDS da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, em estudo retrospectivo.

Durante a consulta foram anotados os seguintes dados: identificação, grupo de risco, doenças sistêmicas, drogas em uso, queixas oculares, exame oftalmológico completo, diagnóstico e conduta. O exame oftalmológico constituiu de anamnese, determinação da acuidade visual, ectoscopia, biomicroscopia, tonometria e oftalmoscopia binocular indireta.

RESULTADOS

Do total de pacientes examinados, 869 (79%) eram pacientes do sexo masculino e 231 (21%) do sexo feminino.

Os fatores de risco encontrados foram: homossexualidade masculina em 303 (27,55%), heterossexualidade em 272 (24,73%), usuários de drogas endovenosas em 168 (15,27%), contaminados por transfusão sangüínea, neste caso incluindo os hemofílicos, encontramos 50 (4,54%), bissexualidade em 37 (3,36%), perinatal em 24 (2,18%) e causa indeterminada ou não mencionadas pelos doentes em 246 (22,36%).

Em relação às queixas oculares, encontramos 432 (39,27%) pacientes com baixa da acuidade visual, excluindo-se os présbitas, 138 (12,55%) com embaçamento visual, 64 (5,85%) com dor ocular, 54 (4,91%) com "floaters" ou moscas volantes, e em outros 186 (16,9%) as queixas mais variadas possíveis, tais como perda do campo visual, prurido, sensação de corpo estranho e outras menos específicas, sendo que 235 (21,36%) pacientes não apresentavam qualquer tipo de queixa.

As manifestações oculares se distribuíram da seguinte maneira: 246 (22,36%) dos pacientes apresentaram retinite por CMV, 110 (10%) apresentaram como única manifestação do fundo de olho exsudatos algodonosos, 51 (4,64%) apresentaram blefarites, 48 (4,36%) toxoplasmose ocular em atividade (excluímos neste caso os pacientes que apresentavam lesões cicatrizadas), 27 (2,45%) com olho seco, 19 (1,73%) com ceratite herpética, 12 (1,09%) com papilite, 12 (1,09%) com retinite necrosante progressiva da retina externa (PORN), nove (0,82%) com uveíte anterior, sete (0,64%) com necrose aguda de retina (ARN), cinco (0,45%) com lues, três (0,27%) com glaucoma, três (0,27%) com Sarcoma de Kaposi conjuntival, dois (0,18%) com molusco contagiosum, dois (0,18%) com microsporidium, dois (0,18%) com úlcera de córnea, um (0,09%) com tuberculose ocular e os outros 51 (4,64%) dos pacientes apresentaram descolamento de retina em estágio terminal, phythisis, coroidite multifocal e hemorragia retiniana, sem confirmação diagnóstica, e 490 pacientes (44,54%) não apresentavam alteração oftalmológica.

À época da primeira avaliação oftalmológica, 407 (37%) pacientes não apresentavam qualquer tipo de manifestação extraocular em atividade.

DISCUSSÃO

Cada vez se faz mais necessário um entendimento maior por parte dos oftalmologistas a respeito de diagnóstico, tratamento e seguimento dos pacientes infectados pelo HIV. A retinite por CMV, por si só, na ausência de outros fatores de risco, é suficiente para fazer o diagnóstico de AIDS 8.

Com a perda da efetividade do sistema imunológico, as lesões se manifestam de maneira diversa quando comparadas com a população imunocompetente.

É interessante notar que, em relação ao trabalho anteriormente publicado por Muccioli et al.7, notamos algumas diferenças em relação as alterações do padrão dos fatores de risco. Até Setembro de 1993, 194 pacientes atendidos eram homossexuais contra 93 heterossexuais a partir dessa data; até janeiro de 1996, 179 pacientes eram heterossexuais e 109 homossexuais, demonstrando claramente a progressão da doença entre os heterossexuais e aumento da incidência no sexo feminino na população examinada no ambulatório de Úvea e AIDS da EPM-Unifesp que consiste em um centro de referência terciário.

Notamos também uma alta incidência de pacientes, 635 (57,72%), com manifestações oftalmológicas na primeira consulta, o que provavelmente se justifica pelo fato de estarmos examinando uma população de pacientes encaminhados a um centro de referência.

A retinite por CMV no paciente com AIDS é a infecção ocular mais comum e, muitas vezes, é de início insidioso e requer uma intervenção rápida e agressiva, a fim de prevenir a perda visual. As queixas oculares se apresentavam em 79,42% dos pacientes, enquanto que 21,36% não apresentavam qualquer queixa. Quatrocentos e setenta e cinco (43%) dos pacientes não apresentavam qualquer tipo de alteração oftalmológica, verificamos que existe um importante diferencial de 32,42% dos pacientes que apresentam queixas oculares sem alterações oftalmológicas ao exame.

As manifestações oculares foram encontradas em 635 (57,72%) dos pacientes e a de maior incidência, 246 (22,36%), foi a retinite por CMV, similar a trabalhos previamente publicados1,3,7.

Encontramos 10% de exsudatos algodonosos, sendo uma proporção menor que a da literatura (25 a 40%)10, pois os exsudatos algodonosos são efêmeros e os dados da literatura são em função de uma avaliação longitudinal.

Encontramos lesões ativas de toxoplasmose ocular em 4,36% e lesões cicatrizadas em 3,36%, achados idênticos a relatos prévios de Muccioli et al.7 (5,16% e 3,36%, respectivamente).

Foi evidenciado também blefarite em 4,36% e olho seco em 1,72%. Não encontramos coroidite por Pneumocisti carinii, o que pode estar relacionado ao uso profilático de sulfa em 38,18% dos pacientes.

O tratamento oftalmológico se faz necessário a fim de prevenir a perda visual, evitando a deterioração da qualidade de vida do paciente HIV positivo e, muitas vezes, servindo até como auxílio diagnóstico das manifestações sistêmicas.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Bemardo Albergaria e ao Dr. Augusto Paranhos Jr. pela colaboração na coleta de dados e análise crítica.

SUMMARY

Ocular manifestations of the HIV infected Patients at the Ophthalmology Department of São Paulo Federal University

PURPOSE: To evaluate ocular manifestations of HIV-infected patients

MATERIAL AND METHODS: A restropective study of 1,100 HIV positive out patients in 3 years with a standard complete ophthalmological exam.

RESULTS: Eigth hundred and sixty nine (79%) of the 1,100 patients studied were male and 231 (21%) female. The most important risk factors were: male homossexuality in 303 cases (27.55%), heterossexuality in 272 (24.73%), endovenous drugs use in 168 (15.27%), and unknown cause in 246 (26.36%).

Related to ocular complains, we found 432 (39.27%) patients with decreased visual acuity, 138 (12.55%) with visual hazy, 64 (5.82%) with ocular pain, 186 (16.9%) with inespecific complaints, and 235 (21.36%) with no complains.

The most frequent ocular manifestations were: CMV retinitis in 246 (22.36%), cotton wool spots in 110 (10%), blepharitis in 51 (4.64%), and toxoplasmosis in 48 (4.36%).

CONCLUSION: The increase of disease ratio was observed among heterossexual and females in this specific population. Patients with ocular complains were 79.42% . The most frequent ocular manifestations was CMV retinitis, in 246 (22.36%). We found also 10% of cotton wool spots. [Rev Ass Med Bras 1999; 45(4): 323-6]

KEY-WORDS: AIDS. Ocular manifestations. Uveitis. Intra-ocular inflammation.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Garland RF, Pickman LS, Freeman WR: Ocular Examinationand Diagnosis in Patients with the Acquired lmmunodeficiency Syndrome. West J Med 1993, 158(3): 254-262.

2. Freeman WR, Helm M: Retinal and Ophthalmologic Manifestation of AIDS, In Ryan SP (ED). Retina, St Louis, MO, CV Mosby 1989,597-616.

3. Holland GN, Pepose JS, Pettit TH, et al. Acquired lmmunedeficiency Syndrome. Ocular Manifestations. Ophthalmol 1983, 90: 859-873.

4. Bafluelos JB, Ortiz MAG, et al. Afección Ocular en los Pacientes con SIDA. Rev Cli Esp 1993, 193(7): 61-68.

5. Whitcup SM, Butler MK, Caruso R, et al. Retinal Toxicity in Human lmmunodeficiency Virus-infected Children Treated with 2',3'- dideoxyiosine. Am J Ophthalmol 1992,113: 1-7.

6. Belfort Jr R, De Smet M, Whitcup SM, et al. Ocular Complications of Stevens Johnson Syndrome and Toxic Epidermal Necrolysis in Patients with AIDS. Cornea 199, 6:536-538.

7. Muciolli C, Belfort Jr R, Lottemberg C, et al. Achados Oftalmológicos em AIDS: Avaliação de 445 casos atendidos em um ano. Rev Ass Med Brasil 1994, 40 (3):155-58.

8. Centers for Disease Control: Revision of the Centers for Disease Control Survellance Case Definition for Aquired lmmunodeficiency Syndrome. MMWR 1987, 36(supp):

IS-l6S.

9. Gariano RF, Rickman WR, Freeman WR: Ocular Examination and Diagnosis in Patients with the Acquired lmmunodeficiency Syndrome. West J Med 1993, 158:254-262.

10. Pepose JS, Holland GN, Nestor MS, Cochran AJ, Foos RY: Acquired lmmunedeficiency Syndrome. Pathogenic Mechanisms of Ocular Disease. Ophthalmol 1985, 92:472-484.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br