Acessibilidade / Reportar erro

"El principio del fin. Las políticas y memorias de la educación en la última dictadura militar (1976-1983)": Argentina en perspectiva

RESENHA

PINEAU Pablo et al. "El principio del fin. Las políticas y memorias de la educación en la última dictadura militar (1976-1983)": Argentina en perspectiva. Buenos Aires: Colihue, 2006

Eduardo Galak

Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Av. Antonio Carlos, 6227, Campus Pampulha. CEP: 30535-470

O livro El principio del fin. Políticas y memorias de la educación en la última dictadura militar (1976-1983) de Pablo Pineau, Marcelo Mariño, Nicolás Arata e Belén Mercado foi publicado em 2006 para marcar o trigésimo aniversário do golpe civil-militar argentino que resultou em uma das ditaduras mais cruéis da América Latina. Escrevo estas linhas pouco tempo depois da comemoração dos 30 anos do retorno da democracia na Argentina e algumas semanas após a descoberta de uma série de documentos das Juntas Militares, classificados como "secretos", nos quais pessoas vinculadas à cultura são rotuladas "marxistas" ou potencialmente subversivas, entre artistas, jornalistas, escritores, e principalmente professores. De alguma forma estas linhas, bem como o livro revisto e este dossiê no qual estão incluídos, mostram que a relação entre educação e ditadura ainda está viva, que não é parte de um passado perdido na história senão um presente que ainda não curou as profundas feridas históricas.

Assim como afirmou Adorno para Auschwitz como paradigma material e simbólico do mal, a exigência de que essas atrocidades não se repitam é a primeira de todas as que a educação deve atender. Sem dúvida é justamente esse o principal propósito dos autores do livro, ao colocarem a ênfase na afirmação de que todo ato educativo é um ato político, produzindo um texto que tenta quebrar o quadro que teceram as políticas educativas autoritárias da ditadura, as quais pensaram esta ligação segundo o silogismo absolutista de conceber que, se a educação é um ato político, se um ato político é subversivo, então a educação é um ato político subversivo - sobre o qual o Estado deve intervir e reprimir.

Como o livro resenhado é uma compilação em que cada texto tem sua autonomia relativa no conjunto dos escritos, dividi estes parágrafos em duas partes: na primeira exponho uma leitura transversal do trabalho, para depois esboçar algumas reflexões analíticas para cada seção.

O título do livro apresenta uma sentença e um desejo: a sentença é que a ditadura civil-militar marcou o início do fim da retórica que coloca a educação argentina como uma panaceia. O período iniciado em 1976 aprofunda o que se estava desenvolvendo há tempos e assenta as bases para aquilo que posteriormente o neoliberalismo prescreveria como um "tratamento intensivo" para os problemas da escola Argentina. Embora o desejo esteja localizado no subtítulo: "políticas y memorias de la educación en la última dictadura militar (1976-1983)", reflete, além de um recorte temático e temporal, a vontade de que nunca más seja repetida.1 1 Aqui a referência é às palavras do Procurador do julgamento das Juntas Militares, Julio Strassera, que expressou, para concluir sua declaração final na sentença com a qual foi intitulado o relatório da "Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas" (CONADEP) e que tornou-se lema das reivindicações dos direitos humanos: "quiero utilizar una frase que no me pertenece, porque pertenece ya a todo el pueblo argentino. Señores jueces: nunca más".

No entanto, mesmo com a interessante análise de Pineau neste sentido, a tese inicial excede os escopos do livro, já que não se pode vislumbrar por que esse princípio da ditadura sentou as bases para o final dessa retórica - quais foram as motivações dos militares para fazê-lo ou, no caso de não terem sido intencionais, os porquês de determinadas consequências -, o que põe uma barreira para a realização do desejo dos autores. Talvez uma das pistas para entender esta discordância pode ser encontrada no tom generalizante que, às vezes, o livro assume, basicamente de duas maneiras. Por um lado, é tomada a escolaridade como o único exemplo de políticas e memórias da educação, o que restringe o problema a só uma de suas faces; no entanto, pensar a educação em chave mais geral ampliaria a investigação, o que não foi o propósito dos autores. Por outro lado, mesmo com os espaços de resistência que especialmente descreve Pineau, há uma declaração introdutória que condiciona a análise, quando os autores argumentam que a Junta Militar "se adueñó del poder el 24 de Marzo de 1976" (p. 9). Sabe-se que o poder flui, que se constitui nas relações (sempre assimétricas) entre os agentes sociais, que em qualquer caso aquilo de que o governo de fato - autoritário mas não totalitário - se aproprio foi a condução ministerial, impondo a sua lógica em todas as formas da escolaridade.

Apesar dessas diferenças, assim como afirma o vocalista René do grupo Calle 13, que "no se puede escribir sobre el dolor cuando se escribe con miedo", este livro tem a coragem de enfrentar um conjunto de problemas que são um espinho na história da América Latina em geral, e da educação em particular: a censura, a autocensura, a lógica vertical do poder, a competição (por exemplo, deixando para os últimos anos escolares os conhecimentos mais importantes, sem considerar que, pelo sistema piramidal, nem todos os alunos têm acesso a eles), a discriminação e a padronização de todos esses processos, entre outros mecanismos de repressão, que tornaram-se parte do glossário político-educacional argentino com a força de uma prática que, além da sempre poderosa violência simbólica, exerce muitas vezes técnicas de violência física.

No geral, o livro articula constantemente uma forma de redação em forma de ensaio e outra teórico-acadêmica. A primeira denota o quanto é desestabilizador pensar uma época expondo experiências e relatos que, apesar de suas características microfísicas, ressoam nas generalidades micropolíticas. A segunda torna-se importante por apresentar o estado da situação de um período que põe em questão a história da educação argentina e que geralmente escapa às análises educativas históricas.

Em relação ao capítulo de Pablo Pineau, "Impactos de un asueto educacional: las políticas educativas de la dictadura (1976-1983)", este está dividido em quatro seções. Uma introdução, onde se explica um estado da arte (necessário), colocando seu estudo em uma estrutura política educacional que ultrapassa a temporalidade que o livro enquadra. Isto estabelece as bases para o desenvolvimento do "cenário prévio", na segunda seção, onde se explicita que o período marcado pelo governo de fato chamado de "Proceso de Reorganización Nacional" (PRN) se apoia no que Adriana Puiggrós denominou "Sistema de Instrucción Pública Centralizado Estatal" (SIPCE), ou seja, um modelo pedagógico (quase) monopólio regido unívoca e inequivocamente pelo Estado, com a pretensão de universalidade e unificador das práticas, saberes e discursos, avaliado por uma hierarquia estritamente vertical.

Logo, Pineau explica - na terceira e quarta seções - que a partir deste movimento as Juntas Militares desenvolveram principalmente duas estratégias, uma "repressiva" e outra "discriminadora", que às vezes funcionaram articuladamente. Justamente aí reside parte das táticas perversas da ditadura: qual Leviatã, o seu poder autoritário governa desde as estruturas mais gerais de poder, como a censura e a regulamentação das instituições sobre os indivíduos, até os exercícios mais microfísicos de violência que provocaram à incorporação da autocensura e da autorregulação como modos de (sobre)vivência. A análise do folheto "Subversión en el ámbito educativo. Conozcamos a nuestro enemigo", da cartilha "Directivas sobre la infiltración subversiva en la enseñanza" (ambos de 1977) e da escura "Operación Claridad" (1978) são claros exemplos disso.

Mas também é interessante notar que Pineau afirma um governo da gestão do tempo através dessas estratégias. A "repressiva" se dirige a um sentido de passado, de retorno a uma era dourada, de apego a uma tradição e a sua retórica mediante o disciplinamento dos alunos/futuros cidadãos, principalmente através da transmissão dos valores democráticos morais cristãos - mesmo com a histórica característica secular da escolaridade argentina. Essa ideia de que "todo o passado foi melhor" e que é preciso restaurá-lo é, como Galeano (2010) escreveu em As Veias Abertas da América Latina, um exercício de violência dos dominantes sobre os dominados, uma saudade para a consolidação do que vem sendo interpretado como o que deveria ser. A tática "discriminadora", por sua vez, se dirige a justificar o governo do presente a partir de um projeto de futuro através da imposição de uma nova ordem de modernização tecnocrática, que elimina a reflexão sobre o presente e permite remoçar "el sistema educativo subordinándolo a las demandas del mercado y al modelo de distribución regresivo de la renta mediante el estímulo y la creación de circuitos educativos altamente segmentados por grupos sociales" (p. 106-107). A questão temporal não é alheia, obviamente, a uma análise histórica, e menos ainda no que tange ao cruzamento com a educação, por isso um dos pontos fortes do livro em geral é levar o "Nunca Más" (1984) como um legado pedagógico; como uma esperança para o futuro e uma certeza do presente sobre uma dor do passado. Esta declaração adere ao fato de a educação ser uma intervenção política do hoje a partir das convenções curriculares do ontem, argumentadas em projetos para o amanhã.

Finalmente, Pineau reflete sobre as "resistências", sempre menores em comparação com as estratégias de governo do Estado, mas não menos importantes, como um "homenaje agradecido a quienes se atrevieron a enfrentar al monstruo" (p. 106).

Com uma escrita diferente daquela de Pineau, mas com semelhante senso crítico, Mariño apresenta em "Las aguas bajan turbias: política y pedagogía en los trabajos de la memoria" um texto baseado em três eixos: duas potencialidades marcadas pelos binômios história-memória e civilização-barbárie, sempre tensionados e, finalmente, os traços deixados pela ditadura nos testemunhos daqueles que foram os alunos da escola durante o período de 1976-1983. Apesar do capítulo prometer mais do que cumpre - principalmente na polarização civilização-barbárie, onde Mariño desenvolve historicamente a tensão a partir do Manifesto Comunista de Marx e, particularmente, do Facundo de Sarmiento até chegar à ditadura, sem um maior aprofundamento que localizar o moderno no civilizado e o bárbaro no subversivo -, este texto tem o acerto metodológico de colocar a ênfase na memória individual como recurso da história coletiva, através da exposição dos relatos daqueles que foram alunos do ensino primário e secundário naqueles tristes anos. Suas palavras refletem o medo, a ignorância e a autorregulação como uma constante, talvez as três principais técnicas desenvolvidas pela ditadura dentro das instituições de ensino, e que seus agentes incorporaram.

Por sua vez, Nicolás Arata e Belén Mercado, em "Como los cuadros de Solentiname. Miradas del cine sobre la educación en tiempos de dictadura", desenvolvem um pequeno capítulo onde analisam diversas representações feitas na cinematografia argentina sobre a escolarização e o ensino. Os quatro quadros apresentados são uma interessante lente para olhar o que foi feito pela ditadura e as várias resistências de grupos organizados e de atores isolados realizadas naqueles anos: "Mutaciones del lenguaje, la política y la militancia", "A partir de hoy", "Disciplina y práctica docente" e "Memoria escolar" são cortes para reconstruir os traços de uma era. Essas entradas significam as vicissitudes experimentadas pelos professores representados nos diversos filmes: como educadores encarregados da reprodução política, não resulta simples responder à pergunta sobre como e o que ensinar frente às práticas autoritárias. Contrastando as películas realizadas após o tempo do governo militar com as produzidas durante os anos de 1976-1983, o texto de Arata e Mercado, seguindo o tom político geral do livro, mostra que, embora o (cinema do) período ditatorial tenha sido marcado pela censura, foi essencialmente a autocensura como técnica repressiva que dominou.

O livro termina com duas seções menores quantitativamente, mas qualitativamente importantes. A primeira é um apêndice que difunde a base de fontes primárias que vêm desenvolvendo Cinthia Wainschelbaum e a APPeAL. A segunda, sobre o qual eu quero discorrer, é um exercício que fazem os próprios quatro autores: como parte da crença de que a história não está nas fontes senão através das práticas e das interpretações, os autores desenvolvem sua memória individual sobre a ditadura e finalizam, como parte da história coletiva, convidando os leitores a desenvolver a resposta à pergunta: "Onde você estava quando...?". Como leitor aplicado, aceito o convite para refletir sobre a minha experiência com a ditadura argentina:

eu nasci em Bahia Blanca no ano 1982, pouco depois da Guerra das Malvinas. Quer dizer, eu passei a minha infância em um período marcado pela transição da ditadura para a democracia. Minhas lembranças mais antigas da ditadura se resumem a duas, no seio familiar e por meio de livros. A publicação das "Madres de Plaza de Mayo" sobre o genocida Emilio Massera que li na minha pré-adolescência. O segundo, o Nunca Más, leitura obrigatória para quem pretende entrar no horror da ditadura argentina, que me marcou por sua dureza. Era o único livro na impecável biblioteca dos meus pais que estava deteriorado. Eu nunca lhes perguntei: "Por quê?"

Na escola, a disciplina "História" sempre chegava às portas do período, atingindo no máximo a análise do peronismo. Certamente não havia condições para o ensino da atrocidade, faltavam obras como esta que resenho. Não foram muitas as falas com minha família sobre a ditadura até depois da adolescência. Talvez por medo de que certos fantasmas voltassem, acho que nunca nos sentimos cômodos falando sobre isso. Lembro-me de ter a sensação de como penetraram os discursos da ditadura nos meus pais quando, no dia antes de viajar para estudar em La Plata, me aconselharam a não envolver-me nos Centros estudantis universitários. Menos de um ano atrás, minha mãe depôs no que se conhece como os "Juízos da verdade" por Silvia, sua madrinha de casamento, que ainda continua desaparecida. O choro de minha mãe ao testemunhar no julgamento e o sorriso com que ela lembra sua amiga são a marca viva de sua presença. Eu fecho estas linhas aqui. Eu vou trocar uma ideia com meus pais e logo volto.

Texto recebido em 13 de janeiro de 2014.

Texto aprovado em 03 de fevereiro de 2014.

  • ADORNO, T. W. Educación después de Auschwitz. In: ADORNO, T. W. Educación para la emancipación Madrid: Morata, 1998, p. 79-92.
  • CONADEP. Nunca Más. Informe de la Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas Buenos Aires: EUDEBA, 1984.
  • GALEANO, E. Las venas abiertas de América Latina Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2010.
  • PINEAU, P. et al. El principio del fin. Políticas y memorias de la educación en la última dictadura militar Buenos Aires: Colihue, 2006.
  • 1
    Aqui a referência é às palavras do Procurador do julgamento das Juntas Militares, Julio Strassera, que expressou, para concluir sua declaração final na sentença com a qual foi intitulado o relatório da "Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas" (CONADEP) e que tornou-se lema das reivindicações dos direitos humanos: "quiero utilizar una frase que no me pertenece, porque pertenece ya a todo el pueblo argentino. Señores jueces: nunca más".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014
    Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: educar@ufpr.br