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Amada pátria idolatrada: um estudo da obra porque me ufano do meu país, de Affonso Celso (1900)

Beloved and idolized motherland: studying the book why I am proud of my country, by Affonso Celso (1900)

Resumos

O presente estudo analisa a obra Porque me ufano do meu país, escrita por Affonso Celso, que se tornou leitura obrigatória nas escolas secundárias brasileiras, tendo várias edições e traduções, transformando-se em uma verdadeira cartilha de nacionalidade. Pode ser considerado um livro de leitura com função moralizadora e intenção educativa, cívica, patriótica e social, um pequeno manual de educação cívica. Essa obra constitui uma unidade discursiva, produtora de ordenamento, de afirmação de distâncias, de divisões (CHARTIER, 1990, p. 28), representativa dos valores da ilustração brasileira quanto ao projeto pedagógico republicano de formação do novo homem para o novo regime: crença ilustrada nas virtudes da instrução moral e cívica, como forma de manter a ordem social e fortalecer o caráter nacional, no período da Primeira República. Nesse período, a educação moral, cívica e religiosa tornou-se o eixo das preocupações para os que almejavam o perene controle das relações e das estruturas sociais, como forma capaz de regenerar o país. A obra não é um exemplo isolado, insere-se na extensa produção de manuais de "história pátria" que circularam nas primeiras décadas do século XX, com a função de fortalecer a identidade nacional.

educação brasileira; Primeira República; leituras de formação


This study analyzes the book Why I am proud of my country, by Affonso Celso which was a compulsory reading for high school students for many years. This book had many translations and editions and was considered a guide to patriotism for its moralizing function and educative, civic, patriotic, and social intentions. It establishes a discursive unity that "produces order, asserts distances and divisions" (CHARTIER, 1990, p. 28), which represented the values of the Brazilian intelligentsia concerning to the republican pedagogic project of building a new man for a new regime. During the First Republic, such beliefs were represented by the virtues of moral and civic instruction as a means of keeping the social order and fortifying the national character. At that period, moral, civic and religious education became the main concern for those who wanted to control social relations and structures thus regenerating the Nation. This book is inserted in an extensive list of "motherland history" manuals which were available during the first decades of the XX Century and had the objective of strengthening the national identity.

Brazilian education; First Republic; readings for formation


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Amada pátria idolatrada: um estudo da obra porque me ufano do meu país, de Affonso Celso (1900)* * Este estudo integra a linha de pesquisa "Educação brasileira e cultura escolar: análise das idéias pedagógicas e das práticas educativas e escolares". 1 Sobre o livro escolar, ver CHOPPIN, A. O Historiador e o livro escolar. Revista História da Educação, Pelotas, v. 6, n. 11, abr. 2002. 2 Para ZILBERMAN e LAJOLO (1986), o início da literatura infantil e juvenil brasileira, no final do século XIX, foi marcado pelo transplante de temas e textos europeus adaptados à linguagem brasileira, com a missão formadora e patriótica. Desde as traduções dos Contos seletos das Mil e uma Noites, As Aventuras do Barão de Münchhausen, Robison Crusoé, Coração, e as versões abrasileiradas de textos de Perrault, Grimm e Andersen, a literatura infantil lança mão, para arregimentação de seu público, do culto cívico e do patriotismo como pretexto legitimador. Le tour de la France par deux garçons (1877), de G. Bruno, e Cuore (1886), De Amicis, parecem constituir matrizes inspiradoras de obras que transformaram-se em verdadeiras cartilhas de nacionalidade, como Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manoel Bonfim, Porque me ufano do meu País (1901), de Afonso Celso, e outros tantos. O fortalecimento da escola, nas primeiras décadas republicanas, e as campanhas cívicas em prol da modernização da imagem do país favoreceram o desenvolvimento da literatura infantil brasileira e o seu lastro ideologicamente conservador. 3 Affonso Celso pode ser considerado um representante da elite ilustrada brasileira, conforme nos explicita BARROS (1959, p. 108): "o tipo liberal é o tipo dominante da ilustração brasileira. Representativo das principais exigências explícitas da nação, desejando substituir o país oficial pelo país real, tal como o interpretava, a história dos fins do império é, ao mesmo tempo, a história de suas sucessivas conquistas. A ilustração brasileira caracteriza-se, antes de tudo, pelo liberalismo triunfante. Não nos referimos, aqui, exclusivamente, ao liberalismo clássico: embora com diversos fundamentos teóricos, liberais clássicos e cientificistas formulam, geralmente, as mesmas reivindicações. O "cientificismo" ilustrado virá, aliás, reforçar as exigências liberais, trazendo-lhes, freqüentemente, novos e poderosos argumentos. A história da ilustração brasileira chega, assim, a confundir-se com a história do liberalismo nacional, em que pesem as múltiplas e diversas orientações, com o seu esforço civilizador, com o seu trabalho para fazer do Brasil um país, não só cronológica, mas realmente uma nação do século XIX". 4 Para Martins, Nísia Floresta inaugura o gênero ufanista. Sobre sua obra, ver PALHARES-BURKE, M. L. G. Nísia Floresta. O Carapuceiro e outros ensaios de tradição cultural. São Paulo: Hucitec, 1995; DUARTE, C. L. Nísia Floresta: vida e obra. Natal: Ed.UFRN, 1995. 5 A expressão é de Wilson Martins. 6 A idéia de autor de FOUCAULT (1997, p. 21) nos ajuda a ampliar a compreensão de sujeito histórico. Para ele, "o nome do autor não é um nome próprio como qualquer outro, mas antes um instrumento de classificação de textos e um protocolo de relação entre eles ou de diferenciação face a outros, que caracteriza um modo particular de existência do discurso, assinalando o respectivo estatuto numa cultura dada". Assim, é importante a análise histórico-sociológica da personagem do autor, sua relação com a obra, sua singularidade, o modo de ser do discurso. Foucault vê o autor como um fundador de discursividade, assim a função do autor é característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade. Nesta perspectiva, considera fundamental a "biografia do autor, da delimitação da sua perspectiva individual, da análise da sua origem social ou da sua posição de classe, da revelação do seu projeto individual". 7 Affonso Celso de Assis Figueiredo. Visconde de Ouro Prêto (1836-1912). Político com significativa atuação durante o Segundo Império, exilando-se na Itália e em Paris, após a proclamação da República, retornando somente em 1891. Pertenceu ao partido Liberal, monarquista, fundador do Tribuna Liberal. Escreveu as obras Idéias sobre a Instrução Primária e Secundária. Sugestões preciosas em torno do Congresso de Instrução, no Rio de Janeiro, a realizar-se em 1882, Reforma das Faculdades de Direito, A Marinha de Outrora, Década Republicana (1899). 8 Sobre essas iniciativas do IHGB, ver GUIMARÃES, L. M. P. A experiência pioneira da Academia de Altos estudos: Faculdade de Filosofia e Letras do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1916-1921). Teias, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 38-45, jan./jun. 2000. 9 O exemplar examinado é da sexta edição revista, impresso na França pela Tipografia Lainé (Chartres). Pertenceu a Lino Corrêa e foi comprado na Livraria Popular de Alcides Costa, de Porto Alegre. Várias marcas a lápis no livro indicam o destaque que o leitor deu às idéias do autor. 10 Na primeira edição não constava na dedicatória o nome desse filho, falecido com 4 anos de idade. 11 Sobre a Garnier no Brasil e França, consultar HALLEWEL, L. O livro no Brasil (sua história). São Paulo: T. A. Queiroz, 1985; MOLLIER, J.-Y. L'Argent et les Lettres. Histoire du capitalisme d'édition (1880-1920). Paris: Fayard, 1988. 12 NAXARA (1998, p. 17) afirma que a passagem do século XIX para o XX constitui um momento privilegiado para o estudo do imaginário sobre a população brasileira, na constituição de uma identidade da nação, identidade do povo brasileiro. 13 Millôr FERNANDES (1978) afirma que essa peça foi "escrita em 1955, com o intuito básico de fazer uma espécie de anti-Conde Affonso Celso - o criador do ufanismo - à medida em que praticamente todos os meus personagens são impuros, tontos, corruptos, marginais ou marginalizados, mesmo quando funcionando dentro de uma aparente normalidade." A peça foi premiada pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1960. Em 1971, foi censurada pelo regime militar. 14 "Pensar as apropriações culturais permite também que não se considerem totalmente eficazes e radicalmente aculturantes os textos ou as palavras que pretendem moldar os pensamentos e as condutas. As práticas que deles se apoderam são sempre criadoras de usos ou de representaçõoes que não são de forma alguma redutíveis à vontade dos produtores de discursos e de normas. O ato de leitura não pode de maneira nenhuma ser anulado no próprio texto, nem nos comportamentos vividos nas interdições e nos preceitos que pretendem regulá-los. A aceitação das mensagens e dos modelos opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios, de reempregos singulares que são o objeto fundamental da histórria cultural." CHARTIER, op. cit. p. 137. 15 Cf. BASTOS, M. H. C. Educação do caráter nacional: leituras de formação. Revista Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 12, n. 23, jan./jun. 1998.

Beloved and idolized motherland: studying the book why I am proud of my country, by Affonso Celso (1900)

Maria Helena Câmara Bastos

Doutora em História e Filosofia da Educação, Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica-RS; Professora Titular em História da Educação no PPGEDU/UFRGS, Pesquisadora do CNPq. mbastos.voy@zaz.com.br

RESUMO

O presente estudo analisa a obra Porque me ufano do meu país, escrita por Affonso Celso, que se tornou leitura obrigatória nas escolas secundárias brasileiras, tendo várias edições e traduções, transformando-se em uma verdadeira cartilha de nacionalidade. Pode ser considerado um livro de leitura com função moralizadora e intenção educativa, cívica, patriótica e social, um pequeno manual de educação cívica. Essa obra constitui uma unidade discursiva, produtora de ordenamento, de afirmação de distâncias, de divisões (CHARTIER, 1990, p. 28), representativa dos valores da ilustração brasileira quanto ao projeto pedagógico republicano de formação do novo homem para o novo regime: crença ilustrada nas virtudes da instrução moral e cívica, como forma de manter a ordem social e fortalecer o caráter nacional, no período da Primeira República. Nesse período, a educação moral, cívica e religiosa tornou-se o eixo das preocupações para os que almejavam o perene controle das relações e das estruturas sociais, como forma capaz de regenerar o país. A obra não é um exemplo isolado, insere-se na extensa produção de manuais de "história pátria" que circularam nas primeiras décadas do século XX, com a função de fortalecer a identidade nacional.

Palavras-chave: educação brasileira, Primeira República, leituras de formação.

ABSTRACT

This study analyzes the book Why I am proud of my country, by Affonso Celso which was a compulsory reading for high school students for many years. This book had many translations and editions and was considered a guide to patriotism for its moralizing function and educative, civic, patriotic, and social intentions. It establishes a discursive unity that "produces order, asserts distances and divisions" (CHARTIER, 1990, p. 28), which represented the values of the Brazilian intelligentsia concerning to the republican pedagogic project of building a new man for a new regime. During the First Republic, such beliefs were represented by the virtues of moral and civic instruction as a means of keeping the social order and fortifying the national character. At that period, moral, civic and religious education became the main concern for those who wanted to control social relations and structures thus regenerating the Nation. This book is inserted in an extensive list of "motherland history" manuals which were available during the first decades of the XX Century and had the objective of strengthening the national identity.

Key-wods: Brazilian education, First Republic, readings for formation.

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REFERÊNCIAS

ALENCAR, J. S. de. Flagrantes da Vida escolar brasileira: final do século XIX e início do XX (relatos autobiográficos). São Paulo: PPGEDU/FEUSP, 1996.

BARROS, R. S. M. de. A ilustração brasileira e a idéia de universidade. São Paulo: FFCL/USP, 1959.

BOURDIEU, P. Campo intelectual y projeto criador. In: HERSCHMANN, M. et al. Missionários do progresso. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996.

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996.

CHARTIER, A.-M.; HÉBRARD, J. Discursos sobre a leitura (1880-1980). São Paulo: Ática, 1995.

CHARTIER, R. Uma crise da história? A história entre narração e conhecimento. In: PESAVENTO, S. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001. p. 115-140.

CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

ENCICLOPÉDIA Barsa. v. 1, p. 95.

FERNANDES, M. Um elefante no caos. Porto Alegre: L&PM, 1978. 127 p.

FORD, J.; WHITTEM, A.; RAPHAEL, M. A tentative bibliography of Braziliam Belles-Lettres. Cambridge: Harvard University Press, 1931.

FOUCAULT, M. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1997.

HALLEWEL, L. O livro no Brasil (sua história). São Paulo: T. A. Queiroz, 1985.

IHGB. Homenagem à memória do Conde de Affonso Celso. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939.

KUHLMANN JUNIOR, M. As grandes festas didáticas. A educação brasileira e as exposições internacionais. 1862-1922. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado) - USP/FFCH.

MAINARDI, D. Contra o Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

MARTINS, W. História da inteligência brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978. v. 4, 5, 6 e 7.

MOLLIER, J.-Y. L'Argent et les Lettres. Histoire du capitalisme d'édition (1880-1920). Paris: Fayard, 1988.

PONCE FILHO, G. O menino que eu era – memórias. Rio de Janeiro: Livraria Lançadora, 1967.

RANGEL, P. Histórias de leituras. In: GARCIA, P. B.; DAUSTER, T. (Org). Teia de autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 107-120.

SALIBA, E. T. A dimensão cômica da vida privada na República. In: SEVCENKO, N. (Org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. v. 3.

SOUZA, O. Fantasia de Brasil. As identificações na busca da identidade nacional. São Paulo: Escuta, 1994.

VALADÃO, A. Vultos nacionais. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1955.

VERÍSSIMO, J. A educação nacional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

ZILBERMAN, R.; LAJOLO, M. Um Brasil para crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1986.

Texto recebido em 1 fev. 2002

Texto aprovado em 8 mai. 2002

  • ALENCAR, J. S. de. Flagrantes da Vida escolar brasileira: final do século XIX e início do XX (relatos autobiográficos). São Paulo: PPGEDU/FEUSP, 1996.
  • BARROS, R. S. M. de. A ilustração brasileira e a idéia de universidade São Paulo: FFCL/USP, 1959.
  • BOURDIEU, P. Campo intelectual y projeto criador. In: HERSCHMANN, M. et al. Missionários do progresso Rio de Janeiro: Diadorim, 1996.
  • BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da História Oral Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996.
  • CHARTIER, A.-M.; HÉBRARD, J. Discursos sobre a leitura (1880-1980). São Paulo: Ática, 1995.
  • CHARTIER, R. Uma crise da história? A história entre narração e conhecimento. In: PESAVENTO, S. (Org.). Fronteiras do milênio Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001. p. 115-140.
  • CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
  • ENCICLOPÉDIA Barsa v. 1, p. 95.
  • FERNANDES, M. Um elefante no caos. Porto Alegre: L&PM, 1978. 127 p.
  • FORD, J.; WHITTEM, A.; RAPHAEL, M. A tentative bibliography of Braziliam Belles-Lettres Cambridge: Harvard University Press, 1931.
  • FOUCAULT, M. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1997.
  • HALLEWEL, L. O livro no Brasil (sua história) São Paulo: T. A. Queiroz, 1985.
  • IHGB. Homenagem à memória do Conde de Affonso Celso Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939.
  • KUHLMANN JUNIOR, M. As grandes festas didáticas. A educação brasileira e as exposições internacionais. 1862-1922. São Paulo, 1996. Tese (Doutorado) - USP/FFCH.
  • MAINARDI, D. Contra o Brasil São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
  • MARTINS, W. História da inteligência brasileira São Paulo: Cultrix, 1978. v. 4, 5, 6 e 7.
  • MOLLIER, J.-Y. L'Argent et les Lettres. Histoire du capitalisme d'édition (1880-1920). Paris: Fayard, 1988.
  • RANGEL, P. Histórias de leituras. In: GARCIA, P. B.; DAUSTER, T. (Org). Teia de autores Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 107-120.
  • SALIBA, E. T. A dimensão cômica da vida privada na República. In: SEVCENKO, N. (Org.). História da Vida Privada no Brasil São Paulo: Cia. das Letras, 1998. v. 3.
  • SOUZA, O. Fantasia de Brasil As identificações na busca da identidade nacional. São Paulo: Escuta, 1994.
  • VALADÃO, A. Vultos nacionais Rio de Janeiro: J. Olympio, 1955.
  • VERÍSSIMO, J. A educação nacional Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
  • ZILBERMAN, R.; LAJOLO, M. Um Brasil para crianças Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1986.
  • *
    Este estudo integra a linha de pesquisa "Educação brasileira e cultura escolar: análise das idéias pedagógicas e das práticas educativas e escolares".
    1 Sobre o livro escolar, ver CHOPPIN, A. O Historiador e o livro escolar.
    Revista História da Educação, Pelotas, v. 6, n. 11, abr. 2002.
    2 Para ZILBERMAN e LAJOLO (1986), o início da literatura infantil e juvenil brasileira, no final do século XIX, foi marcado pelo transplante de temas e textos europeus adaptados à linguagem brasileira, com a missão formadora e patriótica. Desde as traduções dos
    Contos seletos das Mil e uma Noites, As Aventuras do Barão de Münchhausen, Robison Crusoé, Coração, e as versões abrasileiradas de textos de Perrault, Grimm e Andersen, a literatura infantil lança mão, para arregimentação de seu público, do culto cívico e do patriotismo como pretexto legitimador.
    Le tour de la France par deux garçons (1877), de G. Bruno, e
    Cuore (1886), De Amicis, parecem constituir matrizes inspiradoras de obras que transformaram-se em verdadeiras cartilhas de nacionalidade, como
    Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manoel Bonfim,
    Porque me ufano do meu País (1901), de Afonso Celso, e outros tantos. O fortalecimento da escola, nas primeiras décadas republicanas, e as campanhas cívicas em prol da modernização da imagem do país favoreceram o desenvolvimento da literatura infantil brasileira e o seu lastro ideologicamente conservador.
    3 Affonso Celso pode ser considerado um representante da elite ilustrada brasileira, conforme nos explicita BARROS (1959, p. 108): "o tipo liberal é o tipo dominante da ilustração brasileira. Representativo das principais exigências explícitas da nação, desejando substituir o país oficial pelo país real, tal como o interpretava, a história dos fins do império é, ao mesmo tempo, a história de suas sucessivas conquistas. A ilustração brasileira caracteriza-se, antes de tudo, pelo liberalismo triunfante. Não nos referimos, aqui, exclusivamente, ao liberalismo clássico: embora com diversos fundamentos teóricos, liberais clássicos e cientificistas formulam, geralmente, as mesmas reivindicações. O "cientificismo" ilustrado virá, aliás, reforçar as exigências liberais, trazendo-lhes, freqüentemente, novos e poderosos argumentos. A história da ilustração brasileira chega, assim, a confundir-se com a história do liberalismo nacional, em que pesem as múltiplas e diversas orientações, com o seu esforço civilizador, com o seu trabalho para fazer do Brasil um país, não só cronológica, mas realmente uma nação do século XIX".
    4 Para Martins, Nísia Floresta inaugura o gênero ufanista. Sobre sua obra, ver PALHARES-BURKE, M. L. G.
    Nísia Floresta. O Carapuceiro e outros ensaios de tradição cultural. São Paulo: Hucitec, 1995; DUARTE, C. L.
    Nísia Floresta: vida e obra. Natal: Ed.UFRN, 1995.
    5 A expressão é de Wilson Martins.
    6 A idéia de
    autor de FOUCAULT (1997, p. 21) nos ajuda a ampliar a compreensão de sujeito histórico. Para ele, "o nome do autor não é um nome próprio como qualquer outro, mas antes um instrumento de classificação de textos e um protocolo de relação entre eles ou de diferenciação face a outros, que caracteriza um modo particular de existência do discurso, assinalando o respectivo estatuto numa cultura dada". Assim, é importante a
    análise histórico-sociológica da personagem do autor, sua relação com a obra, sua singularidade, o modo de ser do discurso. Foucault vê o autor como um
    fundador de discursividade, assim a função do autor é característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade. Nesta perspectiva, considera fundamental a "biografia do autor, da delimitação da sua perspectiva individual, da análise da sua origem social ou da sua posição de classe, da revelação do seu projeto individual".
    7 Affonso Celso de Assis Figueiredo. Visconde de Ouro Prêto (1836-1912). Político com significativa atuação durante o Segundo Império, exilando-se na Itália e em Paris, após a proclamação da República, retornando somente em 1891. Pertenceu ao partido Liberal, monarquista, fundador do
    Tribuna Liberal. Escreveu as obras
    Idéias sobre a Instrução Primária e Secundária. Sugestões preciosas em torno do Congresso de Instrução, no Rio de Janeiro, a realizar-se em 1882,
    Reforma das Faculdades de Direito, A Marinha de Outrora, Década Republicana (1899).
    8 Sobre essas iniciativas do IHGB, ver GUIMARÃES, L. M. P. A experiência pioneira da Academia de Altos estudos: Faculdade de Filosofia e Letras do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1916-1921).
    Teias, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, p. 38-45, jan./jun. 2000.
    9 O exemplar examinado é da sexta edição revista, impresso na França pela Tipografia Lainé (Chartres). Pertenceu a Lino Corrêa e foi comprado na Livraria Popular de Alcides Costa, de Porto Alegre. Várias marcas a lápis no livro indicam o destaque que o leitor deu às idéias do autor.
    10 Na primeira edição não constava na dedicatória o nome desse filho, falecido com 4 anos de idade.
    11 Sobre a Garnier no Brasil e França, consultar HALLEWEL, L.
    O livro no Brasil (sua história). São Paulo: T. A. Queiroz, 1985; MOLLIER, J.-Y.
    L'Argent et les Lettres. Histoire du capitalisme d'édition (1880-1920). Paris: Fayard, 1988.
    12 NAXARA (1998, p. 17) afirma que a passagem do século XIX para o XX constitui um momento privilegiado para o estudo do imaginário sobre a população brasileira, na constituição de uma identidade da nação, identidade do povo brasileiro.
    13 Millôr FERNANDES (1978) afirma que essa peça foi "escrita em 1955, com o intuito básico de fazer uma espécie de anti-Conde Affonso Celso - o criador do ufanismo - à medida em que praticamente todos os meus personagens são impuros, tontos, corruptos, marginais ou marginalizados, mesmo quando funcionando dentro de uma aparente normalidade." A peça foi premiada pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1960. Em 1971, foi censurada pelo regime militar.
    14 "Pensar as apropriações culturais permite também que não se considerem totalmente eficazes e radicalmente aculturantes os textos ou as palavras que pretendem moldar os pensamentos e as condutas. As práticas que deles se apoderam são sempre criadoras de usos ou de representaçõoes que não são de forma alguma redutíveis à vontade dos produtores de discursos e de normas. O ato de leitura não pode de maneira nenhuma ser anulado no próprio texto, nem nos comportamentos vividos nas interdições e nos preceitos que pretendem regulá-los. A aceitação das mensagens e dos modelos opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios, de reempregos singulares que são o objeto fundamental da histórria cultural." CHARTIER, op. cit. p. 137.
    15 Cf. BASTOS, M. H. C. Educação do caráter nacional: leituras de formação.
    Revista Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 12, n. 23, jan./jun. 1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      01 Fev 2002
    • Aceito
      08 Maio 2002
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