ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA
Educação, comunicação, pesquisa: as razões da sua confluência
Martha G. G de Sánchez
Mestre em Educação. Professor Adjunto do Departamento de Métodos e Técnicas do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná
Conseqüência de trabalhar como responsável de mais de uma disciplina, ocorreu o achado de algumas convergências significativas no rumo atual da Educação, mais precisamente na Didática, as Ciências da Comunicação e a Pesquisa.
Em relação à primeira das áreas citadas, aparece na dinâmica de conceituação da Didática, uma tendência à abordagem tridimensional mostrando como interativas: a dimensão humana, efetivada nas formas dialogais da comunicação; a dimensão política, que reflete o marco histórico em cada leitura do mundo e a dimensão técnica que, fundamentada na bagagem do professor, se recria e completa em sala de aula produzindo o "conhecimento situado" ou seja, discutido, construído, repensando a realidade.1 1 CANDAU, Vera M. (org). A Didática em questão. Petrópolis ; Vozes, 1983, p. 21.
Esta Didática, centrada na reflexão, se contextualiza na reformulação de propostas curriculares em espaços e momentos concretos. De maneira semelhante, no dia-a-dia da prática educativa se orienta à articulação da Didática construída com a Didática vivida e supera o que até a Didática instrumental vivenciada: a superação, em momentos justapostos, de Teoria e Prática se usando de conhecimentos técnicos descontextualizados, a respeito de "como fazer".2 2 CANDAU, Vera M. Rumo a uma nova Didática. Petrópolis : Vozes, 1989, p. 14-18.
Martins destaca o fato das mudanças produzidas a partir de análise e vivências serem mais profundas daquelas surgidas no plano do discurso, uma vez que no fazer, gera-se o saber. E, em se tratando do processo de ensino, objeto de estudo da Didática, para se atingir uma mudança significativa "não basta mudar o discurso sobre ele, distribuindo ao futuro professor uma nova visão desse processo : é preciso alterar o processo na prática, de modo que os agentes (futuros professores), vivenciem esse novo processo, reflitam sobre ele e o sistematizem coletivamente".3 3 MARTINS, Pura Lúcia O. Didática Teórica, Didática Prática. Para além do confronto. São Paulo : Loyola, 1991, p. 175. Este enfoque altera a própria concepção de educação que, além da socialização do saber (pronto) se projeta "à capacitação das pessoas, teórica e praticamente, para resolverem problemas". "#a4">4
Inserido nas Ciências da Comunicação existe um trabalho de Juan Damián que consegue caracterizar Teoria e Prática a partir de uma pesquisa de opinião.
Observou com clareza que a palavra Teoria está bastante deteriorada entre as pessoas: existem a seu respeito conotações pejorativas, despectivas. Entre ambas existe uma espécie de linha divisória, "de um lado o concreto, os problemas, a vida diária, o senso comum; do outro o abismo difuso aonde se chega por especulação da cabeça a uma atmosfera de pensar muito, fria e alheia"."#a5">5
O autor enfatiza o fundamento que é inerente à manifestações populares. Essa sabedoria cotidiana transmite experiência, vida e a sua exploração se torna uma tarefa sem fim. "Trabalha-se com gente e a gente não se repete"."#a6">6 Eis o ponto de partida para o enfoque atual da Comunicação educativa; mediante ela vão sendo naturalmente "costuradas" a produção do saber com a pesquisa artesanal.
O comunicador apresentando bases teóricas, possibilita a análise das contribuições comunitárias, sendo ambas contextualizadas. Damián a apresenta como forma de se sair da aberrante postura na que "o povo peca por prático e intelectual pecador teórico"."#a7">7 Cada ser humano possui uma prática que o habilita a funcionar no que sabe fazer. Daí que o comunicador precisa ser um profundo conhecedor do povo, compreender seus problemas, compartilhar suas esperanças. Só desse modo poderá intervir na resolução dos problemas comunitários, intercambiar formas do saber, interpretar e sistematizar as contribuições do povo. Em última instância, educar.
A investigação em pauta conclui mostrando que a contextualização na comunicação determina as relações, o processo, a participação, o grau de integração, os conteúdos. E é nesse sentido que Damián alerta que a comunicação pode estar voltada tanto para facilitar, quanto para restringir a liberdade, manipulando o ser humano ou gerando as grandes realizações, "Afinal, a comunicação por ser humana é histórica; acontece num determinado tempo; é processo e como tal pode consolidar as instituições sociais ou produzir as mudanças"."#a8">8
Em Pesquisa, a forma participativa gerou-se por oposição à Pesquisa tradicional. As imperfeições salientadas nesta última, emanam do seu extremo empirismo, de uma redução da realidade concretizada em arbitrários recortes (optados pelo pesquisador) e de uma exagerada especialização; fatores estes que tornam este tipo de pesquisa inútil àquelas camadas sociais que mais precisam dela.
Kühner define a pesquisa tradicional como "simples extorsão de informações sem qualquer retorno visível e imediato para o informante"."#a9">9
Surgida nos anos 70, aparece uma modalidade de investigação que incorpora a participação comunitária na busca de uma contextualização baseada na comunicação. Apresenta, portanto, o mérito de identificar e resgatar o saber popular considerando que, mesmo incapaz de fazer ciências pode, sim, contribuir com a sua sabedoria. Aflora assim uma natural interalimentação de Teoria e Prática que, todavia, retrata um fato que devia ser óbvio: quem mais entende da necessidade é o necessitado. Isto revitaliza o processo de levantamento de informações, assim passando a ser bem mais autênticas. Segue-se à etapa inicial a análise e interpretação das informações que culmina na elaboração de um projeto particular verdadeiramente contextualizado.
A Pesquisa acrescida de uma conotação participativa além de fornecer dados confiáveis a respeito de um grupo/comunidade, possibilita que essa investigação seja o instrumento de uma reorganização do grupo para a obtenção de objetivos definidos como necessários ou essenciais."#a10">10
A sistematização das reflexões a respeito da Didática, a Comunicação e a Pesquisa, sob a ótica dos seus fundamentos e das suas propostas bem como a marcada semelhança nas suas prioridades, autorizam a identificar a convergência das três áreas, como "sinal dos tempos".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CANDAU, Vera M. (org.) A Didática em Questão. Petrópolis : Vozes, 1983. Rumo a nova Didática. Petrópolis : Vozes, 1989.
DAMIAN, Juan. Rozando uma teoria de 1ª Comunicação. Ponto 21;Revista de Educación. Montevideo :CIEP, ag-set, 1988.
KUHNER, Maria Helena e KUHNER, Gilberto. Teatro. Espelho e resposta. Rio de Janeiro : Trampo, 1989.
MARTINS, Pura Lúcia O. Didática teórica, Didática prática. Para além do confronto. São Paulo : Loyola, 1991.
- CANDAU, Vera M. (org.) A Didática em Questão. Petrópolis : Vozes, 1983.
- Rumo a nova Didática. Petrópolis : Vozes, 1989.
- DAMIAN, Juan. Rozando uma teoria de 1Ş Comunicação. Ponto 21;Revista de Educación. Montevideo :CIEP, ag-set, 1988.
- KUHNER, Maria Helena e KUHNER, Gilberto. Teatro. Espelho e resposta. Rio de Janeiro : Trampo, 1989.
- MARTINS, Pura Lúcia O. Didática teórica, Didática prática. Para além do confronto. São Paulo : Loyola, 1991.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Mar 2015 -
Data do Fascículo
Dez 1993